Os Panos e a sua Origem
Pela nomenclatura dos panos é, quase sempre, fácil determinar a sua origem pois esta indica normalmente a terra onde foram obrados.
Assim, no século XIII afluíam ao país panos de cor e frisas, buréis, picotes, palenções e panos de lion
No reinado de D. João I, de um preçário de panos ingleses, flamengos, franceses e originários do que hoje constitui a Espanha, constam os panos de Bristol, os panos de varas coloradas, os panos de galez largos, os estreitos de bartanha, os buréis estreitos, os panos de Irlanda, os de Ipre, os de Bruges de putenay, do arby; os denominados papelingas, bonercas de Rooles, comjnas, bilageus, balencinas, pano grugã, de São João de beberã, dairafrol, de vernay, de mosteirol; as mantas de marcas grandes e pequenas e de figuras; as sarjas; os panos se Sã llô; os buréis d’almanha; os panos de mostreville; e os panos d’aragão.
Mais tarde, no reinado de D. Duarte, convindo uniformizar a nomenclatura dos panos pela variedade da sua proveniência para efeitos de avaliação alfandegária, figuram, além dos mencionados, os panos de Escócia, de hull, d’ autona, de cordelate, de Londres, de gant, de molines, de cornoalha, de barbante, villagens de vária origem, fujeiros, camuas, cardins de Inglaterra e outros.
As peças destes panos variavam segundo a metragem e a largura. Se estas listas, anteriores à Expansão, nos elucidam sobre os panos importados, destinados, certamente, ao consumo do reino, ou ao comércio do Norte de África, deixam-nos uma lacuna importantíssima, por não indicarem a matéria-prima de que eram fabricados.
Aos panos portugueses devemos acrescentar os panos finos da Covilhã, referidos no Auto Pastoril Português de Gil Vicente, muito embora se possam envolver na denominação geral, já citada, de panos meirinhos ou de lã merina.
O Regimento dos Tosadores da Colectânea de Duarte Nunes de Leão (1530?-1608) acarreta mais elementos para a nomenclatura dos panos e sua classificação de origem, quando ensina aos oficiais desse mester quais os panos a molhar antes de se proceder à tosagem.
Elucida que são de Flandres os contrais, os albijus, os papelingas, os roles; de Inglaterra a grã; de França os de Ruão, com selo e sem selo, os parizes, os da Rochela e os hicontezes; de Castela os panos orilhados, as palmilhas, as palencas. De novo menciona os panos de Florença, de Valência, de Barcelona e de Perpinhão e não especifica entre os panos do Reino mais do que os panos da Covilhã. A existência de referências a estes panos, no Regimento dos Tosadores, levanta o seguinte problema: o de saber se eles provinham, de facto, do estrangeiro ou se se fabricavam em Portugal mantendo o tipo originário.
O Regimento dos Panos de D. Sebastião (1573) ajuda-nos a completar a nomenclatura dos panos, com muita vantagem sobre os restantes monumentos pois se refere indiscutivelmente aos panos fabricados em Portugal: indica-nos a existência de frizas, buréis, panos finos, baetas, picotes, guardaletes, saragoças, estamenhas, panos de dó, panos morados, panos leonados e panos de varas. (1)
Esta nomenclatura tem o condão de nos informar de que nem só o tipo de fazenda serve para caracterizar o tecido, mas também a técnica utilizada no fabrico e ainda as imitações de panos estrangeiros.
O número de fios da urdidura deu-nos os diversos tipos de panos, desde o dozeno com 1200 fios, o catorzeno de 1400, o sezeno de 1600, o dezocheno de 1800, o vinteno de 2000, o vintedozeno de 2200 e o vintequatreno de 2400. Esta classificação parece ser de origem gaulesa, pois só assim se compreende que o pano de 1600 fios se chame sezeno. Do conhecimento dos regimentos franceses, como o de Colbert, decorreria uma melhor interpretação do nosso regimento.
Da política de padronagem utilizada viria a denominação dos panos da Covilhã, de Portalegre e de Estremoz: os trapeiros dessas comarcas deviam sujeitar-se, no fabrico e nas qualidades, aos padrões existentes nas Câmaras respectivas.
Os padrões não eram fórmulas rígidas nem fórmulas impostas pelo Estado: eram orientações de fabrico de que os trapeiros se deviam aproximar, com o objectivo de defender o consumidor das fraudes e enganos e estabilizar a concorrência. Por isso, as Câmaras, defensoras do bem comum, assistiam à elaboração dos padrões, cujo estudo, orientação e preparação cabia aos técnicos, fabricantes e mercadores. Desta colaboração de todos derivava um interesse vivo, digno de salientar, por fugirem do campo das ficções e do burocratismo as relações dos mesteres e ofícios intervenientes.Tudo decorria num ambiente natural!
Outras vezes os tecidos são classificados pela cor, pela forma externa, pela estrutura do fabrico, pelas semelhanças com peles de animal, pelo número de fios da urdidura, pela qualidade da fibra utilizada, pelo nome do fabricante, pelo tipo de ultimação.
Quais, porém, dentre eles são os mais finos ou mais grossos; estamos perante estofos ou panos propriamente ditos? Os topónimos simples indicarão sempre a origem do pano? Os preços que figuram nos documentos nem sempre revelam a qualidade: a largura da peça influía, como hoje, no preço do tecido e enganam, por consequência, os cálculos mais seguros. Numa palavra: sirva a nossa tentativa para elucidar os estudiosos de que qualquer estudo completo sobre panos não pode abstrair de um largo conhecimento do fabrico dos panos da Europa medieval e dos países árabes, o que tornará possível resolver muitos dos problemas que se levantam.
Este estudo está fora do nosso programa e dos nossos conhecimentos neste momento.
Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias
Nota dos Editores – 1) Voltaremos ao assunto.
Sem comentários:
Enviar um comentário