sábado, 3 de setembro de 2011

Covilhã - Invasões V

 O Rei D. José I e sua mulher D. Mariana Vitória de Bourbon


A COVILHÃ E A GUERRA DE 1762
 Depois da série Invasões Francesas, começamos a publicar um extracto da “Devaça tirada pelo juiz de fora da Covilhã contra os que tiveram trato com os castelhanos”, da altura da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), transcrito e já publicado por Luiz Fernando Carvalho Dias. (1) Esta guerra iniciou-se entre a França, Áustria, Rússia, Espanha e a Inglaterra, Prússia, Portugal devido à rivalidade surgida nas colónias francesas e inglesas na América e na Índia e também devido à preocupação dos estados europeus pelo poderio cada vez maior da Prússia de Frederico II. A França queria que Portugal não se declarasse nem neutro nem aliado da Inglaterra. Então estabeleceu (1761) um “Pacto de Família” entre as famílias Bourbon (França, Espanha, Ducado de Parma e Portugal), mas Portugal não aceitou as condições do acordo.(2) Assim os exércitos estrangeiros (franco-espanhóis) começaram a entrar em Portugal por Trás-os-Montes, proclamando que não maltratariam o povo português e que só queriam o seu apoio, manifestado em hospitalidade. O governo português responde com um decreto em que se diz: “Já não se pode duvidar que a intenção da Espanha e da França seja em virtude do famoso Pacto de Família apoderar-se do reino…”; por isso os franceses e espanhóis deveriam ser considerados inimigos, expulsos do país os que cá viviam, regressarem os portugueses que viviam nesses países. A seguir são tomadas medidas no sentido de organizar, com a ajuda inglesa, o deplorável e indisciplinado exército português. Entretanto a fronteira portuguesa foi sendo invadida aqui e ali e receou-se por Lisboa que esteve alerta, pondo-se mesmo a hipótese de saída da Corte para o Brasil, como acontecerá em 1807 aquando da Primeira invasão francesa. A povoação de Almeida é tomada, Vila Velha de Ródão também será. É dentro deste eixo geográfico que apanha Viseu, Guarda, Celorico da Beira, que deparamos com a Covilhã a ser invadida em 23 de Agosto de 1762 e vemos alguns dos seus habitantes a oferecerem os seus serviços ao inimigo, como leremos nas transcrições abaixo apresentadas. O Alentejo também é invadido, mas sem consequências. O exército português ainda entra em Espanha, mas não houve nenhuma batalha importante nos episódios entre Portugal/Espanha/França, nesta chamada Guerra Fantástica, integrada na Guerra dos Sete Anos. É assinado um armistício entre os exércitos luso-britânico e franco-espanhol a 30 de Novembro de 1762. Nesta altura “Os Grandes” também já estavam no fim da Guerra dos Sete Anos, cujo tratado é assinado em Paris em 1763: entre outras decisões, a Espanha é obrigada a restituir a Portugal as praças de Chaves, Almeida e a Colónia do Sacramento ao sul do Brasil.
Nota dos editores - 1) Dias, Luiz Fernando Carvalho, História dos Lanifícios, Documentos, vol.I, pags. 68-78. 2) Em Portugal governava D. José I casado com Dona Mariana Vitória, princesa espanhola, da casa reinante Bourbon.
Fonte - História de Portugal, Direcção de José Hermano Saraiva, vol. 5.

A COVILHÃ E A GUERRA DE 1762

Extracto da «DEVAÇA TIRADA PELO JUIZ DE FORA DA COVILHAA CONTRA OS Q TIVERAM TRATO COM OS CASTELHANOS»

«TRESLADO DO AUTO DE DEVASSA DE INCONFIDENCIA QUE MAN­DOU O DOUTOR JUIZ DE FORA DESTA NOTAVEL VILA DE COVI­LHA AGOSTINHO BARBOSA LEAL DA VEIGA, EX OFFICIO, E POR OBRIGAÇÃO DE SEU CARGO».

       Ano do Nascimento de N. S. Jesus Cristo de 1762 anos aos 4 dias do mês de Outubro do dito ano em esta notável vila de Covilhã e casas de moradas do Dr. Agostinho Barbosa Leal da Veiga, Juiz de fora e orfãos com alçada por sua Majestade Fidelíssima que Deus guarde em esta Vila e todo o seu termo aonde eu escrivão abaixo nomeado vim, aí por ele dito Dr. Juiz de Fora me foi mandado fazer este auto de devassa para por ele devassar ex officio e por razão de seu cargo por lhe ter vindo à notícia que entrando nesta Vila no dia 23 do mês de Agosto p.p. do presente ano de 1762 as tropas inimigas, quase repentinamente se viram precisados os moradores dela a retirar-se, por se não verem precisados a dar obediência e execução às suas ordens; e que devendo todos mostrar com a mesma reti­rada a sua fidelidade, muitos esquecidos da fidelidade com que deviam livrar-se do domínio e sujeição do governo estrangeiro, e que não fosse determinado pelas tropas e justiças do seu Rei e Senhor natural, se foram voluntariamente oferecer ao comandante das tropas francesas e espanholas, que tinham entrado e invadido esta vila e aceitando o mesmo oferecimento entraram a executar as ordens que o mesmo comandante lhe dava, intitu­lando-se as pessoas nacionais desta vila que o mesmo elegeu Governador e Alcaide-mor da mesma; e que debaixo desta nomeação entrara a gover­nar esta vila e seu termo elegendo escrivães e outros oficiais de justiça, mandando lançar pregões e expedindo ordens com cominação de morte e confiscações de bens, fazendo-se e mandando-se fazer embargos encami­nhados à utilidade das tropas inimigas irreparável prejuízo e notório escân­dalo dos moradores desta vila que viam e experimentavam uma violenta coacção para obedecerem às ditas ordens, e pregões lançados em nome de EI Rei de Castela, que os ditos governadores e seus oficiais mandavam lan­çar e expedir, sendo tão pública e notória a sua infidelidade, que ainda depois de retiradas primeira e segunda vez as tropas inimigas conserva­ram algumas pessoas o mesmo governo sendo tão escandalosos os seus pro­cedimentos que chegaram algumas a encaminhar e guiar as mesmas tropas inimigas na entrada desta Vila e a descobrir-lhe as partes ocultas para onde alguns dos seus moradores tinham retirado os seus móveis e cabe­dais, fazendo-lhe avisos e mandando-lhe cartas com declarações prejudi­ciais aos  moradores dela e pedindo ao comandante do exército inimigo tro­pas para conservação da obediência por que queriam violentar aos fiéis vassalos de Sua Majestade para o domínio estrangeiro; e porque todos estes factos são dignos de maior castigo e de pernicioso (sic) exemplo contrá­rios às determinações das Leis deste Reino para efeito de servir no conhe­cimento de quem foram os delinquentes e as pessoas que por obra ou conselho concorreram para quaisquer dos referidos delitos, me mandou ele Dr. Juiz de fora fazer este auto de devassa para por ele perguntar teste­munhas na forma da Lei e castigar os delinquentes de que fiz este auto que ele dito Dr. Juiz de fora assinou aqui  somente. Eu Manuel Coelho de Almeida escrivão que o escrevi. Silva =

Assentada = 4 de Outubro 1762

TESTEMUNHAS

  João Francisco Monteiro, oficial de carda, natural e morador na Covilhã, de 60 anos.

Ao entrarem as tropas francesas e espanholas o comandante elegeu governador e alcaide a Filipe Pacheco de Aragão, natural e morador nesta Vila o qual foi esperar as tropas em companhia do Vigário de Stª Maria e doutras mais pessoas, mas não sabia se o Pacheco pedira o tal emprego ou se o comandante o obrigara a servi-lo.

Ao retirarem-se as tropas, da uma para as 2 da noite de 26 de Agosto, continuara o Pacheco a servir o dito emprego até sexta-feira, 27 de Agosto, em cujo dia tornaram as mesmas tropas, com maior número de gente, a entrar nesta Vila, pelas 8 da manhã, pouco mais ou menos, retirando-se às 8, à boca da noite, do mesmo dia, ficando porém o dito governador a servir por mais alguns dias, parece-lhe que até 10 de Setembro, dia em que algumas pessoas da mesma Vila o prenderam.

Era notório que o dito governador Pacheco mandara prender algumas pessoas, na cadeia da Vila, por não quererem obedecer aos seus manda­dos, e expedira ordens para os lugares do termo para cá virem vender mantimentos. Mas não sabia que nesses lugares dessem cumprimento às tais ordens.

     Disse: «que no último dia em que as tropas castelhanas estiveram nesta Vila o dito Filipe Pacheco mandara lançar pregão por toda a Vila para que todo o Fabricante de panos levasse ao Convento de S. Francisco todos os panos que tivessem em sua casa ou pelas oficinas com pena de se lhe dar revista às casas, e achando se lhe nelas alguns se lhe deitar o fogo às mesmas casas, a cujo pregão todos os que se achavam nesta vila obedece­ram levados do medo do mesmo pregão, porém que não sabia ele teste­munha se o dito Governador o mandara lançar por seu próprio arbítrio ou pelo do comandante das tais tropas, se bem que ouvíra ele testemu­nha dizer publicamente, que indo o tal Governador falar com o Comandante das mesmas tropas ao Convento de Sam Francisco aonde se achava aquartelado, e vendo o grande número de panos que para lá concorria; dissera para este o dito Pacheco = veja V. Ex.” como os Fabricantes teem medo dos meus pregôis =, e que além deste pregão o mesmo Governador mandara lançar muitos mais em todo o tempo do seu governo, cominando neles penas de morte, de prisão e confisco de bens; o que era nascido do áspero génio de que era dotado e demasiada ambição que tinha ao governo».

O Pacheco logo nomeou alcaide menor ao seu criado Ventura José, que serviu até ao dia da destituição do amo. Ventura José fizera várias prisões, notificações e outras diligências, por ordem do Pacheco. Logo que este entrara de servir, tivera por escrivão António da Fonseca Barroca, proprietário dum dos ofícios dos órfãos da dita Vila; ao retirarem-se as tropas ultimamente da Vila retirou-se também dela pelo que presumira ele testemunha, ter o Barroca servido constrangido. Encontrando-se com o Barroca no dia 27, à porta de Manuel Rodrigues Barata, deu-lhe o Bar­roca os parabéns de o haverem já soltado dizendo-lhe: «que se desejava livre da ocupação que servia, de escrivão»», Retirado o Barroca, entrara a servir de escrivão Manuel António de Figueiredo, mas não sabia o tempo que servira. Que o Governador escrevera, depois da retirada, às tropas cas­telhanas que estavam na Guarda e lhe levara a carta um António Fran­cisco Leitão, de alcunha o Fandango, mas não sabia se este a entregara ao Comandante.

      2º  Miguel Delgado, oficial de pisoeiro, natural e morador na Covilhã, de 75 anos. Esteve sempre na Covilhã desde o dia 23 em que entraram as tropas. Logo que entraram, fora o Pacheco ao Convento de S. Francisco cumprimentar o Comandante que lá se achava aquartelado e lhe dissera que era uma das pessoas principais da terra, que os mais se tinham absentado e que se ele tinha algum préstimo ali estava às ordens de S. Exª. Retirou-se a testemunha e lá ficaram os dois à conversa.

No dia seguinte entrou o Pacheco a governar por nomeação do coman­dante cujo escrito ele testemunha viu por lho mostrar o dito Filipe Pacheco e assim estivera não só durante a ocupação mas também durante alguns dias até ser preso.

      Ventura José, enquanto exerceu o cargo, trazia a insígnia de vara. O Barroca serviu durante 7 ou 8 dias depois retirou-se, sucedendo-lhe o Figueiredo até que o Pacheco foi preso. Ouviu dizer que ambos os escrivães se inculcaram para servir. Pacheco pedira tropas para a Guarda para se fazer obedecer. O portador, de carta fora o Fandango.

      E «outrossim disse ouvira dizer publicamente nesta Vila que António Fernandes Ratto quando via algumas pessoas refugiar os seus trastes para fora da mesma Vila antes que entrassem as tropas inimigas dizia para as mesmas pessoas = andai que em vindo as tropas inimigas eu mesmo lhe hei-de ensinar onde se escondem os trastes para as mesmas tropas os levarem = e foi público nesta mesma Vila que o dito António Fernandes Rato fora à serra acompanhado com um soldado francês e que pedira às pessoas que lá estavam que o não matassem que ia em sua resguarda e companhia porém que não sabia ele testemunha, nem tão pouco ouvira dizer que o dito António Fernandes ensinasse às tropas inimigas os sítios onde os trastes se achavam refugiados, se bem que só se lembra ouvir dizer que o dito António Fernandes Rato dissera às tais tropas que para o Con­vento de St.º António se tinha refugiado muita fazenda. E outro sim disse ouvira dizer a algumas pessoas de que ao presente se não lembra que um Jorge de Melo filho de João Antunes Meleiro, desta Vila, andara com as tropas Castelhanas e que a estas ensinara o caminho por onde haviam de entrar nesta Vila».

Assentada = 5 de Outubro.

Matias Lucas de Almeidaoficial de alfaiate, natural e morador na Covilhã, de 61 anos. Pacheco foi preso em 11 de Setembro. Barroca foi várias vezes chamado pelo Pacheco para ser escrivão e só depois dum escrito do Pacheco é que o foi. A testemunha viu esse escrito. Ouviu dizer a Maria da Costa, a Cecília viúva de Francisco Monteiro e a Antónia Maria mulher de Francisco Casegas, vizinhas do Pacheco, que Figueiredo nos últimos dias já não queria ir a casa do alcaide. O Fandango foi pago pelo Pacheco do trabalho da jornada à Guarda, com pão do assento, que nesta Vila se achava.

Disse também «que um José da Cruz, o folião, natural desta Vila, fora em companhia de alguns franceses a casa de João Rodrigues Sapa­teiro a fim de ensinar aos mesmos franceses que ali se vendia bom vinho os quais franceses bastantemente saquearam a tal casa do comestível, porém que não sabia ele testemunha se o dito José da Cruz obrava isto de seu próprio arbitrio ou  constrangido pelos mesmos Franceses».

Termo de Conclusão desta devassa ao Corregedor da Comarca, em 1  de Fevereiro de 1763, na Covilhã. Vista em correição de 1 de Fevereiro de 1763 = «como esta devassa se não acha assinada pelo Juiz de fora defunto mando que o escrivão a apresente ao Juiz pela ordenação para que assine o auto da mesma e para que ante si repergunte as testemunhas, fazendo o escrivão auto conforme não acrescentaram nem diminuíram coisa alguma» etc.

Termo de Data a 9 de Fevereiro servia de Corregedor o Juiz de fora da Guarda Dr. Tomás Gregório de Carvalho.

Assentada 28 de Fevereiro de 1763. Em casa de João da Silva de Figueiredo Fragoso, professo na Ordem de Cristo vereador mais velho, juiz pela ordenação na mesma Vila da Covilhã.

Matias Lucas de Almeida, alfaiate:

      Sabe que António Rebelo, o moço, assistente no pomar da ponte desta vila, quando da estada dos inimigos nesta Vila e depois de terem saído, andava quotidianamente e repetidas vezes, entrando e saindo de casa de Filipe Pacheco e dando à execução tudo o que ele lhe mandava e ordenava. Foi público nesta vila que o mesmo Rebelo fora à Vila do Fundão por mandado de Pacheco prender António Rodrigues Carqueija o moço, filho doutro desta Vila «por punir pelo povo e mostrar-se fiel vassalo de S. M. Fidelissima» o que sabia também João Leitão Namorado, José Rosado e José da Costa Aleixo. Também sabia, por o ouvir dizer a João Antunes e a seu filho e a Luis Rodrigues Jamgim e a seu enteado Fran­cisco da Cruz e à viúva de Manuel Fernandes penas e a outras mais pessoas do lugar da Boidobra, que Francisco Rodrigues Salgado e seu irmão Manuel Malaca, solteiro, foram com ordens do Pacheco à Boidobra para trazerem certa pessoa a fim de tomar conhecimento duma querela que contra ela fora dada, perante o Pacheco, que era «quem governava esta vila e seu termo por ter jurisdição de baraço e cutelo, que lhe tinha sido dada por ordem de Carlos de Castela,   fazendo outrossim  distúrbios  muitos no dito lugar e metendo-o todo à bulha em termos que quiseram atirar um tiro à viúva de Manuel Fernandes penas, ao depois de lhe terem dado pancadas muitas com a espada e espingarda na porta da casa da dita viúva a quem faziam as maiores desenvolturas, e esta se não reconhe­cesse e fechasse as suas portas e se outrossim não acudissem os juízes do dito lugar Filipe Mendes e outros do mesmo lugar que prenderam os ditos porteiros e os levaram à Vila do Fundão ao juiz de fora da dita Vila e este os remeteu para a Vila de Castelo Branco donde se diz vieram fugidos para esta vila onde se acham escondidos».

Miguel Delgado: confirma o depoimento anterior.

Antónia Maria, mulher de Manuel Francisco Casegas, oficial de carda, natural e moradora na Covilhã, de 40 anos. Disse que Pacheco man­dava dar pregões em nome de EI Rei de Castela.

Assentada = 1 de Março de 1763.

João Antunes, juiz espadâneo actual no lugar da Boidobra, arrabalde desta Vila, de 50 anos.
     Os porteiros iam prender um filho dele, testemunha, chamado Manuel Antunes, e apresentaram a ordem a Estêvão Pereira, solteiro, para que lha lesse, mas este não o quis fazer «que semelhantes ordens de tal governa­dor se lhe não dava delas, nem se deviam dar cumprimento a elas, razão porque os ditos porteiros prenderam ao dito Estêvão Pereira». Os portei­ros quiseram atirar-lhe um tiro e dar-lhe com a espada nua, por resistir, mas acudiu o povo e os prenderam e levaram ao Fundão. A questão com a Ana de Matos foi por lhe pagarem vinho com dinheiro castelhano que ela não quis aceitar. Publicaram os porteiros: «que já eram todos caste­lhanos e governava El Rei de Castela, que eles eram seus vassalos».

     Luís Rodrigues Jangim, oficial de carda, natural e morador na Boidobra, de 37 anos.
    
     9º Ana de Matos, viúva de Manuel Fernandes penas, do lugar da Boidobra, natural do Tortosendo, de 47 anos. Disse que só não quis vender mais vinho por já terem bebido muito e que lhe não quiseram pagar. Não fala em dinheiro castelhano.





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