quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios X - VIII


Inquérito Social VIII

    Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
 
Capítulo IV
 Estabilidade 

            Em três sentidos é tomada, neste inquérito, a palavra estabilidade: a) estabilidade nos grémios ou centros industriais; b) estabilidade na mesma terra, mas instabilidade de oficina; c) estabilidade dentro da mesma profissão.
            A) A estabilidade nos grémios e centros industriais dispensamo-nos de tratar desenvolvidamente neste lugar, porque já lhe fizemos referência ao tratar da migração. Em regra, só o grémio da Covilhã e o de Gouveia fornecem operários especializados aos outros grémios. O grande contingente de migração é formado por operários desta categoria. A estatística publicada no capítulo consagrado à população dá uma ideia clara da sua importância.
                  Dentro do mesmo grémio é vulgar que a terra onde a indústria se enraizou com mais força, forneça a mão-de-obra àquela onde a indústria é menos florescente, que em épocas de crise, por falta de trabalho, se vai acolher ao centro industrial mais importante. As deslocações de família, provenientes de deslocação do chefe, os chamamentos em massa que se fazem de uma região para outra, com o fim de dar pessoal especializado a uma fábrica que inicia agora a sua laboração, completam de certa maneira e resumidamente tudo o que havia a dizer neste parágrafo.
                  B) A estabilidade na mesma terra, mas a instabilidade de oficina é fenómeno próprio dos grandes centros industriais onde predomina uma dada actividade industrial. A mudança de fábrica é frequente pela facilidade com que a nova colocação é feita, sobretudo se o operário é conhecido pela sua competência técnica. É vulgar que um patrão procure, neste caso, desviar com promessas, da fábrica do vizinho, os oficiais mais competentes, não só para valorizar a sua indústria mas para concorrer com ela.
                  Enquanto a estabilidade dentro de cada grémio é grande; dentro de cada fábrica, nestes centros industriais, é mínima. Acrescem às razões apontadas para justificar a instabilidade, referida nesta alínea, as desinteligências com o patrão e com os mestres; neste caso o operário não precisa de recorrer à submissão pela facilidade em conseguir um novo emprego. O patrão, quando o operário não é daqueles superespecializados, não tem também interesse em o reter. A facilidade de colocação provém, portanto, desta instabilidade, desta corrente estabelecida de fábrica para fábrica, de operários que entram e de operários que saiem.
                  Nos pequenos centros e nas fábricas isoladas, estes casos não acontecem, porque já não existe a possibilidade desta corrente de fábrica para fábrica. A estabilidade é portanto máxima. Os operários costumam manter-se anos e anos na mesma casa. Arrentela, Santa Clara e Portalegre têm operários velhíssímos na idade e na profissão. Na Covilhã verifica-se, por vezes, este fenómeno de estabilidade da oficina, quando juntamente o patrão e o operário se consideram.
                  Influem também na mudança de fábrica, a possibilidade de aproximação de membros da mesma família que trabalham em fábricas diversas e a aproximação da casa de habitação.
                  A esta mudança de fábrica para fábrica não é indiferente o ser considerado operário indiferenciado, especialmente nos casos de serem ao mesmo tempo agricultores e serventuários da indústria. Deve atender-se ao trabalho, que eles consideram suplementar. Um serviço inadiável no campo, embora a diferença de salário seja grande, pode levá-los a faltar ao trabalho fabril, obrigando-os depois a procurar trabalho em fábrica diversa.
Todas estas observações a respeito da estabilidade não podem deixar de ligar-se ao estado de crise ou de abundância de trabalho, na indústria de lanifícios.
C) Pergunta-se, nesta alínea, se o operário de lanifícios se mantém mais tempo na profissão escolhida ou se costuma mudar de profissão? Há que distinguir as profissões que exigem prática especial e as que o não exigem. Para as primeiras quase se pode estabelecer a regra de que desde que nascem para o trabalho a profissão pode contar inteiramente com eles; para os outros, embora não tenham por costume mudar de profissão, há certas causas gerais que o podem motivar. Entre elas deve contar-se a mudança de terra proveniente de uma crise industrial, o serviço militar prolongado, deslocamento total de uma família.
Para a escolha da profissão são índices essenciais a naturalidade, a hereditariedade, as condições de vida da família, a necessidade e a consequente possibilidade de emprego. Se o operário é natural de um meio industrial e na indústria de panos foi criado; se abandonou a profissão por saída do meio, ao voltar à terra, se as circunstâncias económicas não melhoraram sensivelmente, procura voltar à profissão inicial; se subiu a industrial e a vida dos negócios lhe foi adversa, volta de novo a ser operário.
Vamos estudar a estabilidade na profissão grémio por grémio, através das estatísticas abaixo apresentadas. 
Portanto concluímos que, com mais de 20 anos de trabalho industrial ou só com mais de 60 anos de idade, trabalham:
 

Grémios
Homens
Mulheres
Covilhã
1358
239
Gouveia
541
136
Sul
375
334
Castanheira de Pera
107
56
Norte
28
57
Total
2409
822
               
                  Sem distinção de sexo, é curioso atender à distribuição dos operários com mais de 20 anos de trabalho efectivo:

Estatística dos operários com mais de 20 anos de trabalho
 
Grémios
Anos de trabalho
Covilhã
Gouveia
Sul
Castanheira de Pera
Norte
20-25
449
212
169
53
34
26-30
307
135
148
37
12
31-35
218
85
104
20
17
36-40
216
86
80
13
10
41-45
149
68
61
11
5
46-50
107
62
50
16
5
51-55
64
28
24
5
1
56-60
30
12
6
2
3
61-65
12
5
4
1
1
66-70
1
3
2
0
0

 
Operários com mais de 60 anos de idade e menos de 20 anos de serviço
Grémios
Covilhã
Gouveia
Sul
Castanheira de Pera
Norte
9
9
17
2
3

                Não se esqueça que os operários com mais de 60 anos de serviço na indústria e até com mais de 70 anos, não são de estranhar, se nos lembrarmos que costumavam começar a encher canelas aos 6 e 7 anos.
                 Estes operários são apresentados numa estatística em que se compara a idade com o tempo de trabalho.
                  Esta estatística foi elaborada, entre outros fins, com a mira no estabelecimento de uma reforma do pessoal, para deste modo responder a uma crise de desemprego inevitável com a organização da indústria.
                  Revelou a estatística que podíamos estabelecer a reforma segundo quatro critérios:
                       a) reformar todos aqueles que atingissem uma certa idade.
                       b) reformar todos aqueles que atingissem um certo número de anos de trabalho.
                       c) reformar todos aqueles que tivessem uma certa idade e, ao mesmo tempo, um certo número indispensável de anos de trabalho.
                       d) reformar aqueles que tivessem um certo período de trabalho com uma idade determinada.
                  Outro critério poderia ser adoptado se tivesse possibilidade de ser posto em prática. Seria ele o de reformar todo e qualquer operário com o mínimo de anos de serviço e um mínimo de idade, desde que, por indicação médica isso fosse prescrito.
                  Qual dos métodos é o mais justo e maiores possibilidades tem de ser o escolhido não nos compete dizê-lo. Só nos resta afirmar que à estatística presente presidiu o seguinte critério: não se pretendia reformar operários com menos de 20 anos de serviço efectivo, a não ser que tivessem mais de 60 anos de idade. Houve, por isso, que afastar da estatística apresentada, todos aqueles operários que não tivessem, pelo menos, 20 anos de trabalho na indústria de lanifícios ou então, não tendo 20 anos de trabalho, tivessem mais de 60 anos de idade.
                  Temos, portanto, os dados referentes a todos aqueles operários que têm mais de 60 anos de idade, qualquer que seja o tempo de trabalho na indústria, porque os vem impedir uma razão de idade, e todos aqueles que têm mais de 20 anos de trabalho e para quem a reforma significaria uma recompensa dos serviços prestados. Qualquer que seja o critério a adoptar, a estatística presente oferece-nos os dados necessários à resolução do problema.
                  Calculemos que se pretendiam reformar os operários com mais de 60 anos:
                 
Grémios
Homens
Mulheres
Covilhã
170
21
Gouveia
71
31
Sul
135
48
Castanheira de Pera
29
6
Norte
11
7
Total  …...                                                   529
416
113

                  Poder-se-iam reformar 529 operários. Fechada a entrada na indústria a operários com mais de 20 anos de idade, nos cinco anos posteriores aumentariam o número dos reformados em 359. Procurava-se depois a percentagem dos falecidos nestes cinco anos e teríamos estabelecida uma base de cálculo para os fundos necessários à Caixa de Reforma, para durante esse período, fazer face aos seus encargos.
                  Tudo isto está exposto de uma maneira simples. À ciência actuarial compete, com os seus cálculos, dar verdade matemática à relatividade dos números apresentados. A base estatística fica, no entanto, organizada.
                  Ainda sobre a constância do operário na profissão, apresentamos um quadro que diz respeito aos operários com menos de 20 anos de trabalho e com menos de 60 anos de idade. Refere-nos ele qual o número de operários que entraram na indústria com idade superior a 20 anos, ou seja aqueles que têm mais de 40 anos de idade e menos de 20 anos de trabalho. Temos a dizer que o cálculo é feito um pouco na incerteza, porque nestes operários há certamente alguns, que são poucos, notando-se isso sobretudo entre as mulheres, que começaram a trabalhar antes dos 20 anos, mas que o seu trabalho na indústria é um trabalho interpolado.
                  Esta estatística dá-nos também uma ideia dos falidos das outras profissões que se acoitaram na indústria de lanifícios, para aí ganharem a sua vida, sem terem, no entanto, nela outras raízes mais que a necessidade do momento.     

Grémios
Homens
Mulheres
Covilhã
150
75
Gouveia
37
75
Sul
372
134
Castanheira de Pera
42
15
Norte
65
22
Total                                                     987
666
321

                   Em 1876 operários com mais de 40 anos, 666 entraram a trabalhar na indústria depois dos 20 anos; em 820 operárias com amis de 40 anos, 321 entraram a trabalhar na indústria depois dos 20 anos; sem distinção de sexo, em 2690 operários com mais de 40 anos, 987 iniciaram o seu trabalho nas fábricas depois dos 20 anos, ou seja, uma percentagem de 37,3%.
                  Para determinar a estabilidade da profissão adoptei o critério de estabelecer a percentagem somente depois dos 40 anos, porque é esta a idade em que o operário se pode considerar mais assente na vida, e a idade em que já se não verificam mudanças de profissão.
                  Portanto, nesta altura, é que é verificar qual a percentagem dos que fizeram a sua vida na indústria e dos que entraram nela depois de terem vagueado por outras profissões.
                  Nos grémios do Sul e do Norte é maior a inconstância na profissão devido à falta de tradição na indústria dos panos, à pouca aglomeração da indústria, à facilidade de em épocas de crise e desemprego, procurarem derivativos em outras profissões, próprias das grandes cidades.
                  Esta estabilidade na profissão que se verifica através do exposto, dentro da indústria de lanifícios, contradiz um dos princípios que está na base do marxismo, aquele de que o operário, cansado da profissão há-de procurar noutras o lenitivo, contribuindo a técnica para facilitar grandemente esta tendência do homem moderno fugir à escravidão do trabalho, distraindo-se com a variedade do mesmo. Como vimos, só excepcionalmente e por razões alheias à sua vontade, o operário procura mudar de profissão.

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Inquéritos III - I
Inquéritos IV - II
Inquéritos V - III
Inquéritos VI - IV

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