Inquérito Social XV
Continuamos
a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da
Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da
autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
Salários de Empreitada
Depois de começado o Inquérito, verificada
a injustiça dos salários de empreitada, a FNIL resolveu publicar as circulares
16 e 24 que estabelecem o salário mínimo nesta espécie de trabalho.
O trabalho de empreitada verifica-se
quase exclusivamente na tecelagem. Outras profissões, como a de meter fios,
a de cerzir, a espinça e a urdidura são, por vezes, exploradas, também, em
regime de empreitada; porém não foi possível estabelecer uma estatística do
trabalho de empreitada nestas profissões, pelo regime de excepção que ela significa.
Limitar-nos-emos, porém, a fazer-lhe referência sempre que isso houver mister.
A estatística do trabalho de empreitada
refere-se, pois, unicamente à tecelagem e agrupa os operários conforme a média
do seu salário semanal.
Na Covilhã não figuram os operários
divididos pelo sexo porque, neste grémio, o trabalho de tecelagem é
exclusivo dos homens. Uma breve passagem de vista por este mapa denota logo
um acréscimo no salário de empreitada no grémio da Covilhã; é ele proveniente
de três factos essenciais: tecelões aptos, predomínio do tear largo, abundância
de teares mecânicos. A tecelagem manual do grémio da Covilhã aparece nesta
estatística representada unicamente pelos tecelões do Teixoso e pelos tecelões
manuais que trabalham nas fábricas da cidade, pois só desses se preencheram os
boletins de inquérito.
O grémio do Sul, como já fizemos
referência, é de todos os grémios aquele onde a média da tecelagem atinge a
cifra mais baixa.
O risco proveniente da má qualidade do fio
recaía sobre o operário. A um mesmo operário acontecia que tinha durante quinze
dias entre mãos, a mesma peça de fazenda. Duas ou três fábricas, porém, do grémio
do Sul, onde predomina o tear largo, pagavam salários idênticos aos da Covilhã.
Independentemente desta estatística dos
salários de empreitada na tecelagem, vamos fazer alguns comentários a esta
espécie de trabalho para melhor se compreenderem os benefícios das circulares
16 e 24.
Começamos pelo grémio do Sul. O
trabalho de empreitada neste grémio, desde as grandes às pequenas empresas que
dele usam, é caracterizado pela sua inconstância: o operário sofre todos os
riscos da empresa e não aufere nenhum dos seus lucros. Na fábrica M. Carp, que
se pode considerar a maior fábrica do grémio do Sul, usa-se da empreitada na
espinça, na bordagem, na passagem, na repassagem, na tecelagem e na urdidura.
Encontram-se salários irrisórios de 20$00 por semana, entre as mulheres; a
média da tecelagem feminina pelo que pudemos averiguar, anda por volta de 30$00
semanais. Enquanto o trabalho de empreitada é mal pago, todo o outro trabalho
industrial é muito bem remunerado. Em Nunes dos Santos & C.ª verifica-se a
mesma inconstância no trabalho: lá se encontram na empreitada cerzideiras com
15$00 semanais, espinçadeiras com 16$00 e tecedeiras com 20$00, trabalhando as
48 horas por semana. Em Manuel Diniz J.ºr Irmão, como a tecelagem é quase
exclusiva dos homens e predominam teares largos, a média é igual à da Covilhã.
Em Peres Ferreira & C.ª nada mais há acrescentar ao que se disse de M.
Carp. Em Mação e Minde os salários de empreitada das mulheres andam à roda de
18$00 e 30$00 semanais, e antes do salário mínimo ganhavam menos 50%, o que
equivalia a dizer que se os salários não eram de fome, isso dependia unicamente
do facto de a indústria ser um trabalho complementar na vida desta gente, que
consagra a maioria das suas horas ao trabalho agrícola. Nos pequenos centros,
como estes, de indústria caseira, verifica-se um salário mais reduzido, ao
mesmo tempo que a gente é mais remediada, com o seu pouco de terra, a sua casa
e um pouco de vida agrícola própria. Em Arrentela os salários de empreitada
ainda são menores que em M. Carp e Peres Ferreira. Houve uma tecedeira nesta
fábrica que trabalhou os seis dias e recebeu ao fim da semana 8$00, outra
12$00, várias 16$00. Com as fábricas de Lisboa, verifica-se a mesma
inconstância no trabalho. Outras operárias temendo represálias,
limitavam-se a responder que não se lembravam quanto ganharam na última semana.
Em Portalegre a média da tecelagem anda à volta de 60 a 70 escudos por semana. Em Santa
Clara de Coimbra a tecelagem e o trabalho de empreitada é exclusivo das
mulheres, como o cerzir e espinça é idêntico ao da Covilhã na sua média. Em
Alenquer há salários mais altos que em Lisboa, mas nota-se idêntica
inconstância no trabalho.
No grémio de Castanheira de Pêra
existe o trabalho de empreitada na tecelagem, na espinça, na urdidura e no
franjar. Há uma fábrica onde se não adopta o regime da empreitada na tecelagem.
Em Mira d’Aire a maioria dos tecelões ganhava a 1$20 o Kilo.
No grémio de Gouveia os tecelões
manuais de Manteigas, como no grémio da Covilhã os do Teixoso e Cebolais,
ganham uma média de 35$00 a 45$00 por semana. Na Guarda e em Gouveia usa-se a
empreitada na tecelagem, no cerzir e na espinça. Em Alvoco da Serra a tecelagem
por empreitada desce muito baixo na sua remuneração e, em Maçainhas e nos
Trinta sucede o mesmo que nos pequenos centros de Mação e Minde, que já
referimos.
No grémio da Covilhã, Santos Marques
& C.ª aparece com as médias mais baixas na tecelagem, enquanto Augusto
d’Oliveira & F.º Sucessor aparece com as mais altas. No Tortozendo Moura
& Baptista paga a tecelagem de uma forma muito baixa. Os tecelões manuais
do concelho da Covilhã, que não aparecem na presente estatística pelas razões
expostas, há que declarar que são muito mal pagos e como as tecedeiras de
Lisboa, sofrem da mesma maneira os riscos da má qualidade do fio. As urdideiras
e as metedeiras de fios do Tortozendo ganham, em geral, um salário inferior às
da Covilhã.
No grémio do Norte trabalham de
empreitada as cerzideiras, as espinçadeiras e as metedeiras de fios. Na dobagem
as empreitadas são muito baixas. Naquelas fábricas que são, ao mesmo tempo, de
algodão e lã, algumas profissões encontram-se sujeitas aos salários de
empreitadas dos algodões.
A média dos salários da tecelagem
anda na Covilhã entre os 60$00 e os 100$00 escudos semanais, em Gouveia entre
os 35$00 e os 75$00, no Sul à roda dos 15$00 e 35$00, em Castanheira de Pêra
entre os 35$00 e os 65$00. Cebolais, no grémio da Covilhã, pagava a tecelagem
por uma tabela especial, mais baixa do que a da Covilhã; enquanto o ramo da
Covilhã tem 4.000 passagens, em Cebolais tinha 6.000; o ramo era pago da mesma
maneira, mas Cebolais ganhava em cada ramo 2.000 passagens. Mira d’Aire e Minde
são duas terras situadas a menos de uma légua: a diferença no pagamento da
tecelagem, provém de que Minde, ao contrário de Mira d’Aire, é um centro de
indústria primitiva, de indústria tão primitiva que se a tecelagem fosse paga
da mesma maneira, as cintas e os alforges de Minde deixariam de existir. Há só
que impedir que os teares de Minde fabriquem outros artigos que não os
regionais que lhe competem.
Salvo o grémio do Sul, no grémio do Norte e
em algumas fábricas de Castanheira em que se verificou pelas folhas de férias
dos patrões a verdade das declarações operárias, é possível que na elaboração
da estatística do trabalho de empreitada haja deficiências. Porque nos parece
que ela dá no entanto uma ideia aproximada da empreitada, na tecelagem,
houvemos por bem aproveitá-la juntando-lhe este pequeno comentário que a torna
mais explícita e mais certa.
Modo de Pagar o Salário
O salário, em regra, é pago à semana; em
Cebolais, porém, era pago de quinze em quinze dias; em Avelar, de mês a mês por
vontade dos operários, com justificação de que trabalhando ao mesmo tempo na
agricultura, esta lhes era suficiente à vida e, portanto, preferiam receber o
salário da indústria, junto e no fim do mês, para melhor o poderem economizar.
O Salário conforme o preço médio da vida
O salário nas diversas regiões acompanha
em regra o preço médio da vida. Assim se explica que na Covilhã e Lisboa os
salários sejam superiores ao mínimo e, que em Cebolais, Castanheira de Pêra,
Minde, Mação e Maçainhas, aquando do Inquérito, houvesse uma tendência para não
o atingir. Essa tendência é também muito acentuada por todo o grémio de Gouveia.
Foi-nos impossível adquirir em todos os
centros uma lista completa com o preço dos géneros de 1ª necessidade, com o fim
de fazer o estudo comparativo entre as receitas e as despesas do nosso
operário. Limitamo-nos, por isso, a registar o preço daquelas mercadorias,
nas localidades onde foi possível obtê-lo:
N. B. - O preço das batatas entende-se por uma arroba, o
feijão por cada litro, os restantes por kilo.
Pelo que
acabamos de ver não são os géneros de primeira necessidade em si, com os
seus preços que podem justificar a diferença de salários que verificamos existir,
entre os diferentes grémios. Devemos antes procurá-la no baixo nível de vida
dos grémios de Gouveia e Castanheira de Pêra, na divisão da propriedade rústica
e, no facto das famílias operárias se repartirem ao mesmo tempo pela indústria
e pela agricultura.
Nota dos editores - Como inserimos as tabelas segundo o sistema de imagem, aconselhamos os nossos leitores a clicarem com o rato sobre elas, para que o visionamento seja mais perfeito.
As Publicações do Blogue:
Capítulos anteriores do Inquérito Social:
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