domingo, 2 de novembro de 2014

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas XII

  Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]
Para a Academia Real da História, no século XVIII, destinada ao primeiro dicionário do Padre Luís Cardoso, escreveu o prior de São Silvestre, Manuel Cabral de Pina, a monografia mais completa dessa época, que constitui um trabalho sério, no sentido de que é possível hoje referenciar quase todas as suas fontes. O Padre Pina, que frequentou um ano a Universidade de Coimbra, era natural do concelho de Fornos de Algodres e colheu muitos elementos para a sua monografia nas cópias do Arquivo da Torre do Tombo existentes na Câmara e nos livros paroquiais."


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      Pelas leituras que temos feito podemos concluir que o texto que estamos a apresentar - Monografia de o Padre Manuel Cabral de Pina - não é o original. Trata-se de uma cópia, pois constatámos que ao longo da monografia aparecem, por vezes, frases entre parêntesis e até com letra diferente feitas por alguém que, em época posterior, pretendeu incluir no texto original dados mais recentes. Num dos casos chega-se a datar: "...Esta nota se fez em 1850".
"O original perdeu-se no Terramoto. A cópia que possuo é dos princípios do séc. XIX, mas posterior às invasões Francesas. Cedeu-me um exemplar o Ex.mo Senhor Artur de Moura Quintela... O questionário que lhe serviu de base é diferente daquele que foi enviado aos párocos, depois do Terramoto de 1755." (1)


A Serra da Estrela

[...]

Início do Título 2ª

Título segundo da folha impressa. O que se procura saber desta Serra é o seguinte.
1º.
Esta serra, em outro tempo, se chamava Monte Hermínio. Hoje se chama Serra da Estrela. Sobre a etimologia deste nome varião os escritores porque uns afirmam se derivou de um penedo que estava no alto dela, figurado como estrela de pedra, outros dizem que foi por razão de uma estrela notável e de mui.ta grandeza a qual nasce sobre esta serra, a respeito dos que ficam para a banda do Norte quando o sol se vai pondo, nos meses de Julho e Agosto, co­mo tudo refere o Padre Esperança Liv.4. c.13. nº l. Fosse o que fosse, é certo que ainda hoje há nela um sítio alto, chamado o Malhão da Estrela, que abaixo se relatará. Na sua altura se eleva tanto esta serra que quere competir com as nuvens. Em quanto ao comprimento, se não pode dar medida certa por quanto, tendo seu princípio na Serra de Ancião, por baixo de Coimbra, discorre  pela Espanha adentro onde tem o nome de Serra da Gata e Morena e somente se pode dizer que, regulando o comprimento e distância que vai desde a dita Serra de Ancião até o fim do reino, serão mais de trinta léguas. A largura desta Serra, contando-a desta vila da Covilhã até à Vila de Melo, serão quatro léguas, pouco mais ou menos. Mas, contando-a desde a tal declinação da mesma serra, desta parte da Covilhã até à tal declinação dela, da outra parte para o Norte, serão seis léguas ou quási.
2º.
Os principaes braços desta serra são muitos : o primeiro se chama Serra do Açor que divide este bispado da Guarda do de Coimbra e fica quasi no fundo do termo desta vila da Covilhã, virado para o Poente. Pelo mais alto dela vai uma estrada de quatro léguas de comprimento sem haver povoado.
 No meio dela, ao pé da dita estrada, está uma cova celebrada que parece artificial porque é feita em modo de abóbeda de arco redondo. Tem a boca virada ao Norte, corre ao lanceiro para o Sul, e logo, no princípio, entra por ela qualquer homem sem se abaixar. O comprimento desta cova se não sabe com certeza porque, suposto muitos homens animosos tenham tentado chegar ao fim dela, ninguem o tem conseguido e, depois de ter caminhado dilatado espaço por ela adentro, se vê obrigado a retroceder ou por causa da muita obscuridade ou pela razão do temor e medo que concebe quem, estando ainda vivo, se considera já sepultado debaixo deste monte onde a imaginação lhe representa quaesquer infaustos sucessos. Esta mesma serra ou braço, pela parte de cima, em distância de duas léguas, se chama Pedras Lavradas e, mais acima, em distância de uma légua, se chama a Serra da Aboaça. E, tambem por estes sítios assim das Pedras Lavradas como da Aboaça vai estrada para o Bispado de Coimbra.
O temperamento deste braço é frigidíssimo e áspero de tal forma que, na estrada que corre pelo dito sítio do Açor, teem morrido inumeráveis pessoas com o rigor do frio. E, havendo nesta estrada um sítio chamado Portas de Égua, há tradição que este apelido lhe viera de que, em tempo muito frio, alí passara um homem com uma égua e que, não podendo suportar o frio, abrira a dita égua e se metera dentro e que mesmo, procurando aquele refúgio, não escapara porque foi encontrado morto. O segundo braço desce da direitura desta vila da Covilhã e corre ao Sul mais alguma cousa, inclinado ao Poente, vai findar no lugar do Ourondo, dentro do termo da mesma vila, entre o rio Zêzere e uma ribeira que aí corre. Tem de comprimento cinco léguas. A vista desta vila se chama Serra dos Livros e daí a pouca distância se chama Penedo da Albarda; porque, em uma portela e caminho que alí vai, se acha um penedo formado pela natureza com a mesma forma de uma albarda. Daí, em distância de uma légua, faz um abaixo por onde vai uma … ( sic ) alí se chama Portela do Padrão e, tornando a levantar, vai correndo até ao di to lugar do Ourondo. Todo este braço é de temperamento áspero e frio. O terceiro braço é tambem à vista desta vila. Corre ao Norte mas alguma cousa inclinado ao Nascente. Vai findar na ponte da vila de Valhelhas, fora do termo desta vila da Covilhã: tem quatro léguas de comprido e tem vários nomes porque, à vista desta vila, se chama Picoto de Manteigas, mais adiante Portela do Sarzedo e, para diante deste sítio, se chama Serra das Cortinas e, junto ao lugar de Aldeia de Mato, últi­mo deste termo da Covilhã, se chama Castelo Derradeiro e ao findar, junto ao rio Zêzere, tem uma costa chamada Massaracana que consta de muitos soutos. Es­te braço tambem é de temperamento frio mas, em parte, é muito menos que os outros acima.
Outros muitos braços terá esta Serra da Estrela mas, em tanta distância desta vila e seu termo, que aqui se não pode deles dar notícia.
3º.
Dentro do sítio desta serra nascem três rios. O primeiro é o Mondego que até à vila de Celorico, por onde passa, corre virado ao Norte e daí corre até junto de Coimbra, virado ao Poente, e daí, virando outra vez ao Norte, corre desta terra até ao porto da Figueira onde fenece e se mete no mar. O segundo rio é o Alva que corre ao Poente e fenece no Mondego onde se mete para cima de Coimbra. O terceiro rio é o Zêzere que desde o seu nascimento corre até à vila de Valhelhas do Poente ao Nascente e daí virando corre ao Sul até à vista desta vila da Covilhã e daí vai, inclinando ao Poente, até se ir meter no rio Tejo onde fenece, pegado à vila de Punhete.
Nascem mais dois rios pequenos que são o Sertã e o Ceira que fenecem no Mondego, por cima de Coimbra. Nascem mais muitas ribeiras : a primeira que é caudalosa e grande, chamada Beijames, que corre ao Norte e fenece no rio Zêzere, por baixo do lugar de Verdelhos por onde passa. A segunda que corre ao Sul e logo, no seu princípio, se chama Ribeira das Cortes, por passar por uns povos chamados um Cortes do Meio e outro Cortes de Baixo e daí, em distância de uma légua, se chama Ribeira do Paúl onde tem uma ponte de pedra, toda de cantaria lavrada, e dali, passando pelo lugar do Ourondo onde tem outra ponte semelhante à de cima, vai fenecer no rio Zêzere. A terceira ribeira tambem corre ao Sul e logo no seu princípio, se chama Ribeira da Alfofa por nascer no sítio dos Covôes da Alfofa, declarados abaixo ao nº ll. Depois se chama Ribeira de Unhaes da Serra por passar junto de um povo assim chamado Unhaes da Serra e vai fenecer no rio Zêzere. A quarta ribeira que tambem corre ao Sul, por baixo desta vila, na distância de um quarto de légua, chama-­se Ribeira de Água de Alta, passa pelo lugar da Boidobra e junta com outros pequenos ribeiros vai fenecer no rio Zêzere, à vista desta vila. A quinta ribeira que tambem corre ao Sul, junto desta vila, para a banda de baixo, chamada Ribeira de Goldra, é relatada acima, no nº 2 do primeiro título e vai fenecer na ribeira chamada Corges, à vista desta vila. A sexta ribeira que corre tambem junto desta vila, pela banda de cima, in­clinada para o Nascente, chamada Ribeira da Carpinteira, é relatada acima no número 2 do 1º título e, tambem, vai fenecer à vista desta vila, na dita ribeira do Corges. A sétima ribeira que corre inclinada ao Sul passa junto do lugar do Teixoso, daí corre à vista desta vila onde se chama Ribeira do Corges que é caudalosa e fenece no rio Zêzere. A oitava ribeira, chamada Canhoso, tem uma ponte de cantaria e corre perto desta vila da Covilhã, do Norte ao Sul, fenece na dita ribeira de Corges. A nona ribeira é a da Gaia, fora já do termo desta vila, vem das partes de Famalicão e de Valhelhas, correndo de Norte ao Nascente e fenece no rio Zêzere, para as bandas da vila de Belmonte.
Outras muitas ribeiras e rios nascerão desta serra de que aquí se não pode dar notícia por falta de conhecimento.
4º.
Na serra está a vila de Manteigas e os lugares de Sameiro, Vale de Moreira, Verdelhos e Sarzedo. Ao longo dela estão as povoaçôes seguintes: Famalicão e a vila de Valhelhas, que estão fora do termo desta vila da Covilhã. Continuando já logo, dentro do termo dela, estão Aldeia de Mato, Aldeia do Souto, Orjaes, Gibraltar, Teixoso, Aldeia de Carvalho, Covilhã, Boidobra, Trutuzendo, Casal da Serra, Maio­raes, Quadrados, Bouça, Cortes do Meio, Cortes de Baixo, Unhaes da Serra, Dominguiso, Pezo, Vales, Coutada, Barco, Paúl, Ourondo, Relvas, Erada, Cazegas, Sobral da Serra, Cebo­la,Unhaes, Vila Meã, Vidual de Cima, Vidual de Baixo, Cambas, Caneiro, Rouços, Pesoa­ria, A de Moço, Janeiro de Baixo, Brejo de Baixo, Brejo de Cima, Esteiro, Porto das Vacas, Machialinho, Souto, Dornelas, Machial, Carregal, Durão, Portas do Souto, Se­ladinhas, Póvoa, Bodelhão, Alqueidão, Vilar Barroco, Silvares, S. Martinho, Bogas de Cima e Buchinhos.
5º.
Não há que responder a este interrogatório.
6º.
Há nesta serra Cariteiras de pedra tosca, chamadas Dentição, capaz para mós de moer centeio. Da serra se não conduz facilmente pedra alguma não só porque ao pé da vila há muita quantidade dela mas tambem porque do alto da Serra seria quasi impossível a condução dela, somente das partes da declinação da mesma serra para esta parte da vila se pode conduzir ainda que com bastante dificuldade.
7º.
No alto desta Serra, ao pé de uma grande fonte, chamada de Paulo Martins, abaixo relatada no nº 11 se criam as árvores silvestres chamadas Azevinhos que cercam a mesma fonte e, no verão, são muito vistosas por estarem carregadas com muita abundância dumas bagas encarnadas. Em muitas partes da declinação desta serra há muitos soutos que produzem grande quantidade de castanha excelente e tambem deles se fazem muitas madeiras. Há também, no alto desta serra, hervas medicinaes, chamadas Genciana, Colher de Prata, Zimbro e Tamarga e muitas haverá mais mas a experiência as não tem descuberto ainda nem as suas virtudes. Não somente na declinação desta serra mas tambemJ em muitas partes e no alto dela, se cultiva e produz centeio que é excelente e melhor que em outros diversos paízes.
8º.
No alto desta serra está uma hermida cujo orago é Santo António e se apelida Santo António da Argenteira. A hermida é de pedra tosca e a imagem do santo é em vulto, muito bem estofada. Esta hermida é administrada pelos pastores da serra os quais todos os anos, em véspera de S. Tiago, a 24 de Julho, fazem ao Santo uma festa, com missa cantada e sermão; que ali vão os frades capuchos do Convento de Santo António desta vila, com os quais os pastores repartem os seus borregos. Neste dia há alí um grande concurso dos povos circunvezinhos que  no mesmo dia, ali pernoitam, fazendo notáveis fogos, com grande abundância de lenhas que há para se repassarem do frio que, ainda naquele tempo, ali de noite se experimenta. Fora deste dia não acorrem ali romeiros.
9º.
No território desta serra está, para a banda do Norte, a vila de Folgosinho que é antiquissima. Desta vila foi natural o nosso insigne português Viriato, ca­pitão esforçado e valeroso que pôs em grande consternação ao Império Romano e foi terror dele notável que, havendo em Roma os mais famosos capitães, a eleição do sujeito que houvesse de vir resistir a Viriato a refere Valério Máximo, Liv.6. C.4. Esta naturalidade de Viriato se prova pela tradição que disto há, assim na Vila de Folgosinho como nas vizinhanças dela, qual eu ouvi desde a minha tenra idade e tambem o confirmam as histórias.
10º.
No alto desta serra pastam mais de dez mil ovelhas desde a Primavera em que veem do Alentejo, aonde vão no Inverno, até ao Outono em que tornam para lá, sem para tão grande número de gados faltarem, por todo este tempo, pastos porque deles é a serra povoada na mais excessiva abundância, em tal forma que, em uma relva sita ao pé da hermida de Santo António da Argenteira, acima relatada, chamada por esta razão a Nave de Santo António, por todo este referido tempo pastam mais de quinhentas ovelhas, sem pelo mesmo tempo sentirem a mínima falta de pastos. E se consta que os pastos são tão puros que não só são alimentares para os gados mas tambem medecina para curar os achaques que eles padecem os quaes se lhes desfazem com o uso de taes pastos. Há tambem nesta serra creação de lobos, raposas, coelhos, perdizes e águias reaes que criam nas penhas altas.
11º.
Há nesta serra umas lagoas notáveis, bem celebradas de escritores e da fama. A primeira se chama Lagoa Escura porque está entre altos penhascos que a cercam e não dão entrada para ela mais que por uma parte; é redonda como a esfera e de tanta grandeza que o pastor mais esforçado e exercitado, atirando com funda grande,  muito, chega com pedra ao meio dela. É esta lagoa tão alta que até agora se lhe não descobriu ou achou fundo, pois nem ainda nas suas margens se lhe acha. Daqui veio a nascer uma fábula que vulgarmente se conta não só pelo povo mas tambem por alguns escritores, que esta lagoa é um braço de mar que, por concavidades ali vem a ter. Posto isto seja fábula, contudo consta que a sua altura se não averiguou até agora pois se conta que, estando nesta vila o Visconde de Barbacena Afonso Furtado de Mendonça, alcaide mór dela, fora ao dito lugar para sondá-la com imensa quantidade de barbante que levou e que, deitando-o com um pezo de chumbo na ponta, não chegara ele ao fundo. Esta lagoa não deita para fora e somente, para uma parte, se descobre um pequeno rego por onde parece deita água no Inverno para outra lagoa abaixo relatada. Esta Lagoa Escura, em certos tempos, faz estrondo tão grande que se ouve em distância de muitas léguas. A causa deste estrondo, com certeza, se não sabe pois, nas ocasiões dele, se enfurece o vento e temporaes de maneira a não poder ir averiguar-se a causa disto. O que se pode conjecturar ser causa deste estrondo é o seguinte: é muito provável haver, no fundo desta lagoa, cousa oculta que move as águas, por quanto as taes águas estão sempre bolindo, ainda no verão e no maior socego do vento, sem nunca estarem quietas e na ocasião, em que os ventos se enfurecem com maior força, correndo com eles, a dita qualidade se conjura junto com eles e todos juntos levantam as águas, com altura excessiva e assim as águas, ao descer, não somente repercutem aquelas penhas mas tambem caiem de tão alto naquela mesma concavida­de e veem desta sorte a fazer aquele estrondo.
A segunda lagoa se chama Lagoa Comprida por ser mais comprida que larga, principia em uma relva e é menos funda que a outra acima e, em algumas partes, se lhe descobre o fundo com a vista. Nesta lagoa principia o rio Alva, relatado acima ao nº. 3.
Em uma destas lagoas é tradição estar o corpo de Santa Antoninha, natural da vila de Seia, aquem os mouros deram martirio em ódio da fé e que lançaram na dita lagoa assim como Santa Iria foi sepultada no meio do rio Tejo, defronte da vila de Santarém, cujo sepulcro foi ali vizitar a nossa gloriosa Rainha Santa Isabel, entrando pelo rio adentro, a pé enxuto, para cujo efeito se apartaram as águas dele como já tinham feito as águas do Jordão quando nelas entrou a Arca do Testamento, cujo caso da Santa Rainha relata o Padre Esperança na sua Crónica.
Há nesta serra uns rochedos naturaes ou penhas a que vulgarmente se chamam Cântaros e são na verdade bem célebres e famosos. Um deles chama-se Cântaro Delgado e é uma das maravilhas do mundo, formado pela natureza para competir com as estrelas. Está formado com tal arte pela natureza que parece foi formado pela indústria e artifício dos homens por quanto, compondo-se somente de penedos e grossas penhas, é redondo sem ter quinas nem mais grossura de uma parte que da outra. E por modo de pirâmide e, imitando a esta, vai fazendo para o cimo delgado e agudo e talvez daqui lhe proveio o nome de Cântaro Delgado. Por todos os lados está despegado da serra e sem arrimo algum. Somente, de uma parte, tem arrimo de uma rocha sólida, a qual por esta parte o faz parecer menos alto; porem, ainda desta parte da tal rocha terá de altura aquele espaço, que abrange, um tiro de bala, e pelas mais partes é tão alto que se assenta terá de altura meia légua ou mais. A subida dele e muito mais a descida, é muito dificultosa e perigosa e só a consegue algum pastor forte e prático. Neste cântaro se cria a herva medicinal chamada Genciana, relatada acima ao nº 7. Nas raizes dele tem principio o rio Zêzere, re­latado acima ao nº 3. Contam os pastores uma cousa célebre e é que no cimo deste tão elevado monstro há uma relva e uma fonte cujas hervas e águas, se acaso lá podem levar algum gado morboso e doente, lhe dão saúde. De haver lá fonte é sinal estar ele pelos lados sempre lançando gotas de água.
O segundo Cântaro é o Cântaro Chão o qual por uma parte é plano e igual com o plano da serra mas pelas mais partes tem excessiva altura ainda que nela não chega a igualar o Cântaro Delgado, porem, na grossura, o excede muito. O terceiro cântaro é o Cântaro Gordo o qual, posto que por uma parte não seja muito alto, por estar arrumado ao campo da serra a que excede muito em altura, é pelas mais partes, tão alto que fica a sua altura sendo notável e excessiva posto que tambem não iguale nela ao Cântaro Delgado, ainda que na grossura o excede muito. Nestes dois cântaros se cria a herva medicinal chamada Olho de Prata, relatada no nº 9.
Para diante destes cântaros e junto ao Cântaro Delgado, há uma concavidade, chama­da Rua dos Mercadores, por estar formada à maneira de rua, terá dez palmos de largo até quinze de alto e trinta ou quarenta passos de comprido: é formada, quasi toda ela, de uma outra parte, em penha viva e cortada com grande direitura. Nasce nesta serra, no alto dela, uma fonte, chamada Fonte de Paulo Martins, tão abundante de água no seu nascimento que logo ali principia a ser uma ribeira não pequena que corre ao Norte e, dentro da mesma serra, se mete no rio Zêzere, e nela se pescam bastantes trutas. Esta fonte está cercada de árvores silvestres, chamadas Azevinhos, relatadas acima no nº 10. Para a parte do Sul, entre umas grandes penhas, está um vale, chamado Covões de Alfofa, no qual corre a ribeira, chamada Ribeira da Alfofa, acima relatada no nº 3. Para diante desta ribeira está uma dilatada e áspera ladeira e, no cimo dela, para se passar à parte do Norte, está um sítio chamado Espinhaço de Cão, que se passa com dificuldade e risco, por ser a passagem estreita, com um notável despenhadeiro duma e de outra banda, se bem que a tal passagem, onde se considera o risco, é de pouca distância e logo dá em terra plana.
Do Cântaro Delgado para diante, a pouco espaço para o Poente, está o sítio chamado Malhão da Estrela que se assenta ser o mais alto da serra ainda que em si é plano por todas as partes. Dele se descobrem as barras da Nazaré e Aveiro cujas areias se estão dali vendo em dia claro. Neste sítio se conserva todo o ano a neve, sem nunca se acabar, e daquí vai para Lisboa e mais partes do Reino..

Há nesta serra uma lapa, chamada vulgarmente Lapa das … (sic), que se compõe de uma só pedra e, somente, por uma parte, está pegada na penha e por todas as mais partes está totalmente despegada e no ar. E de tanta grandeza que debaixo dela se acomodam mais de cinquenta pessoas. Por de traz desta lapa, para o Norte, está uma grande penha, despegada da serra por todos os lados e muito alta mas menos alta que os cântaros, acima relatados. Em distância de um quarto de légua desta dita penha, para o Nascente, está outra penha, chamada Penha de Águia, por nela criarem as águias reaes. Esta, por uma parte, é tão alta como a penha próxima, acima relatada, e pela outra parte é mais baixa mas é tão áspera que, por nenhuma parte, se pode subir a ela. 


Fim do Título 2º

Nota dos editores 1) Dias, Luiz Fernando Carvalho, "Frei Heitor Pinto (Novas Achegas para a sua Biografia)", Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1952.

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5 comentários:

  1. Boa tarde
    gostaria de saber se têm monografias onde esteja referida mais informação acerca do Ourondo. Não encontro um endereço de mail no v. blogue...
    maria, lisboa

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    1. No nosso blogue têm-nos aparecido algumas referências a Ourondo, como por exemplo:
      - Tombos XIII;
      - Memoralistas ou Monografistas II (Memória da Covilhã de João Macedo Pereira Forjaz);
      - As Igrejas do Século XIV.
      Cumprimentos

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    2. Muito obrigada, não descubro a referencia em memoralistas ou monografistas II. É uma aldeia pequena e pobre, deve haver poucas coisas. Fico atenta ! Cumprimentos.

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    3. Quando indicámos Memoralistas ou Monografistas II pretendemos referir a "Memória da Covilhã" que abarca várias publicações. Veja, por exemplo a IV. Talvez também haja alguma informação em "Forais e População..."

      Cumprimentos

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    4. Muito obrigada, é de facto impressionante a quantidade de documentos que têm vindo a revelar. Descobri a referência que indicaram. Parabéns pelo vosso trabalho de divulgação. O Ourondo é o lugar de todas as minhas raízes, daí o interesse.
      Muito grata ! Maria Leal, Lisboa.

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