terça-feira, 1 de setembro de 2015

Covilhã - Os Forais XXIV



Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.

 […] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]

     O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.

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            Senhor

Os dous advogados Manoel de Almeida e Sousa e Antonio Maximo Lopes trataram com bastante extensão da necessidade que há de se alterar o sistema das jugadas, quartos, outavos e outras pensões que tanto pesam sobre a Agricultura e do modo de isto se fazer. Esta Comissão fez subir os discursos deles à presença de V. A. R.  nas propostas de 9 de Dezembro de 1812 e 17 de Março do corrente ano; reservando ainda tomar novamente este assunto em consideração como a sua importancia exige e é isto o que vai agora fazer.
Para se dizer nesta materia alguma cousa nova alem do que já está dito e alguma cousa que tenha utilidade pratica, convem considerá-la debaixo de diversos pontos de vista e examinar cada um destes separadamente. Ora as questões seguintes abrangem tudo quanto se pode dizer neste assunto 1º Quaes são as pessoas obrigadas a pagar estes impostos? 2º quaes são as terras a eles sujeitos? 3º De que generos ou frutos se devem pagar? 4º qual é a forma de melhorar o sistema de pagamento e arrecadação? 5º Qual a de diminuir a quantia que efectivamente se paga?.
Se todas estas questões fossem susceptiveis de se resolverem de um modo geral e uniforme, ou ao menos se elas fossem resolvidas com clareza nos Titulos das Ordenações Manuelina e Filipina, que tratam das jugadas, seria facil intentar e pôr em pratica a reforma desejada; mas sucede o contrario porquanto muitas cousas são dependentes de factos muito diversos e variados, para conhecer os quais seria preciso não só o exame dos diversos terrenos das nossas provincias, sua natureza e fertilidade mas tambem o de todos os Forais das cidades e vilas do Reino e os diversos titulos das doações e contratos entre os Soberanos e os Povos e entre os Soberanos e os Donatarios; e muitas outras cousas que dependem do direito são igualmente varias e incertas: porque as Ordenações referidas, longe de estabelecerem regras fixas sobre este objecto, demoraram-se às vezes demasiadamente em providencias de menor interesse e remetendo-se em muita parte aos antigos forais, aumentaram a confusão e incerteza do direito que as Extravagantes posteriores pretenderam mas não conseguiram tirar absolutamente. Assim indicar os modos de se poderem conhecer e liquidar as cousas de facto, e reduzir o que é de Direito a regras mais fixas e precisas, é o objecto e fim principal desta proposta.

§ 1º

Das pessoas que são obrigadas a pagar aqueles impostos

A carta de lei de 25 de Maio de 1776, declarando o que já estava disposto no § 63 do Alvará de 20 de Abril de 1775 e reduzindo sobre esta materia aos termos legais as desvairadas opiniões dos Praxistas fundadas em izenções nunca existentes ou já então derrogadas, determinou que não devessem ser escusos de pagar jugada de pão, vinho e linho senão as pessoas que por leis, alvarás ou decretos mostrassem especialmente que lhes fora concedido o dito privilegio ou aqueles que por alguns serviços dignos de atenção ou por graças especiaes obtivessem absolvição do sobredito encargo.
Contudo para dizer a verdade, a referida lei não tirou todas as dificuldades que nisto se oferecem e merece por isso alguma reforma. Porquanto ela deixou subsistentes as leis geraes que concediam os privilegios de izenção aos lavradores encabeçados nas herdades dos privilegiados, envolveram tudo isto em divisões e subdivisões, e limitações, de maneira que ficou a jurisprudencia das jugadas, extremamente complicada e muito sujeita a ser iludida na pratica, como fica evidente à vista das mesmas Ordenações.
Ainda que a lei de 1776 declarasse que a Ordenação do Snr. D. Manuel revogara os antigos privilegios de izenção que os Foraes concediam aos Nobres daquele tempo; não bastou isto para tirar toda a duvida nesta materia porquanto consta de alguns forais que os Senhores Reis destes Reinos concederam antigamente a izenção de jugada e oitavo aos nobres de algumas terras do Reino por um titulo não gratuito mas oneroso, obrigando-se eles a pagar, como efectivamente pagaram, certa soma de dinheiro, e dando aos mesmos soberanos certas terras e herdades que ficaram desde então incluidas nos proprios da Coroa. Ora é certo que estes privilegios concedidos por um contrato oneroso não se podiam tão facilmente julgar revogados pela Ordenação do Snr. D. Manuel e com efeito se mostra que n’algumas partes ficaram subsistindo ainda depois dela.
Já se as Ordenações Manuelina e Filipina decidissem por si mesmas todas as duvidas que poderião ocorrer àcerca destas izenções, pouco incómodo se siguiria de ficar em pé a sua observancia ainda depois da lei de 1776: mas sucede o contrario porque a cada passo as citadas Ordenações se estão referindo aos Foraes, o que faz a legislação muito varia e dependente de serem consultadas e interpretadas as suas antigas fontes.
E o mais é que o mesmo privilegio dos nobres que ficou derogado geralmente pelas ditas Ordenações ficou por elas mesmas em parte subsistindo: assim a Ordenação do Livº 2 tit. 33 § 18 izenta de pagar jugada os Juizes e Vereadores e quaesquer outros oficiaes dos concelhos ou de Hospitaes e Gafarias, uma vez que o Foral das vilas e Terras em que viverem sejam escusos dela: assim a outra Ordenação do Livº 2 Tit. 57 § 1 supõe que o cavaleiro goza do privilegio de não pagar jugada quando ele lhe é concedido pelo foral da terra.
Ultimamente não são estas as unicas incoerências e antinomias que se acham nas Ordenações que legislam àcerca da jugada as quais ainda hoje enredam o foro, por isso que não foram conciliadas ou desfeitas pela Lei do Senhor D. José; pode-se pôr o exemplo na izenção dos Clerigos e Beneficiados a qual se tornou muito duvidosa à vista da Ordenação do Livro 2 tit 33 § 25 combinado com os do mesmo Livro Tit 57 § 1º e tit. 18 § 6 e tambem na izenção dos Privilegiados nas terras não jugadeiras de que fala a Ordenação no Liv. 2 Tit. 33 § 28: pois que não se pode bem determinar qual seja a natureza dos quartos e outavos de que fala esta lei ou o que ela quiz entender por terras não jugadeiras, donde se seguem muitas duvidas sobre a diferença que há quanto à isenção de privilegios entre terras Reguengas e jugadeiras; e as pretenções talvez bem fundadas dos que julgam verificar-se na dita izenção nos Reguengos já antigamente dados ou de qualquer modo alheados.
Mas se a variedade e complicação das leis que concedem a izenção de jugada tem tornado dificil a sua execução, é tambem certo que a multiplicidade de privilegios que elas teem concedido a certas classes e individuos, teem causado um grande mal aos não privilegiados, e se pode considerar como desfavoravel à Agricultura.
Sobre o que é de observar 1º que sendo aqueles privilegios concedidos a algumas classes de pessoas como paga e recompensa de trabalho e serviço certo a que eram obrigadas, ficaram eles permanecendo, ainda depois que ficou cessando em todo ou em parte esse trabalho e serviço pela nova alteração e regulamento que tiveram taes e taes repartições publicas. Assim gozam ainda hoje da izenção da jugada os Moedeiros não só os que teem a denominação de Móres como atesta o advogado Manuel de Almeida e Sousa mas tambem os pequenos e expressamente os das vilas das Caldas, Obidos, Alpedriz, Cadaval e Atouguia da Balea; por quanto ainda que os privilegios dos Monteiros fossem abolidos pela nova regulação das Coutadas, publicada no Alvará de 21 de Março de 1800, podem-se talvez ainda reputar em parte subsistentes pois que por uma parte a Provisão R. de 23 de Fevereiro de 1779 confirmava ainda modernamente aos Monteiros acima designados o seu antigo privilegio; e por outra parte o Decreto que baixou ao Conselho da R. Fazenda em 18 de Agosto de 1801 declarou que as coutadas de que se não faz menção no dito Alvará (no numero das quaes entram as das terras já mencionadas) deviam ser conservadas e guardadas da mesma sorte que o eram antes da sua publicação. 2º Alem destas classes de pessoas de que se tem falado há outras que os Soberanos justamente teem favorecido e privilegiado e cujos trabalhos e serviços longe de terem cessado ou diminuido se teem feito mais pesados e por isso se fazem as ditas classes dignas de muito favor; neste lugar entram os Dezembargadores. Contudo é certo que a extensão com que eles gosam deste privilegio, concedido pelas leis e especialmente pela Ordenação do Liv. 2. tit. 33 e alem disso, ou por isso mesmo, o numero infinitamente maior de pessoas que hoje entram naquela classe e gozam dos mesmos privilegios, tem feito um mal sensivel à causa da Agricultura, porquanto parece evidente que estes privilegios deveriam ser menos onerosos há mais de dois seculos e no tempo em que se publicou a Ordenação Filipina em que a Casa da Suplicação de lisboa contava 40 ministros e a Relação do porto de 24 e em que era muito diminuto o numero dos ministros dos tribunais privilegiados pela Ordenação do Livº. 2 Tit. 59; do que devem ser onerosos hoje em que o numero dos dezembargadores é não só o duplo mas ainda mais do triplo. 3ª E tambem esta terceira classe é aumentada pelos fidalgos notaveis ou grandes do Reino os quaes ainda que não sejam izentos de pagar jugada, segundo a Lei de 25 de Maio de 1776, contudo obtem comummente a comunicação dos privilegios de Dezembargador para gosarem da dita izenção. 4ª Ultimamente muitos individuos simplesmente nobres e que não são fidalgos assentados nos livros d’El-Rei nem teeem empregos nem outra consideração notavel no Estado aumentam ainda o numero dos privilegiados, mostrando seus alvaras e sobre alvarás que os izentam daqueles encargos.
De tudo o que fica dito ainda sem ser preciso a enumeração de todas as outras pessoas ou classes que gozam da izenção da jugada, a qual enumeração não pertence necessariamente ao objecto desta proposta, ainda que per ela ficaria manifesto que a maior parte dos grandes proprietarios de Portugal são privilegiados e que todo o peso destes tributos recaie  sobre os que teem menos meios de os pagar.
Conhece-se com evidencia os males que se seguem da jurisprudencia actual àcerca destes Privilegios: 1º- o prejuizo dos Donatários ou antes o da Coroa. 2º- A dificuldade tambem manifesta de se aliviarem os Povos do grande gravame da solução da jugada, em prejuizo evidente dos mesmos povos. 3º- O desfavor da lavoura e dos que se entregam principalmente ao exercício de tão nobre arte. 4º- A multiplicidade de demandas e enredos forenses que perturbam o publico socego e que se deveriam cuidadosamente evitar.
Mas segue-se por isso que todos estes privilegios se devam inteiramente extinguir de uma vez? A Comissão não se atreve a deduzir uma tal consequencia porque ainda que conheça que tem V.A.R. o inauferivel direito para os fazer cessar quando assim o peça a utilidade publica, tanto mais que geralmente falando todos estes privilegios foram concedidos graciosamente; contudo nem a Comissão pretende restringir a Regia Munificiencia de V.A.R. nem tão pouco pode desejar que certas classes privilegiadas ficassem inteiramente privadas de um direito legitimamente adquirido e usado por longo tempo o qual justamente concorre para as distinguir de outras classes de vassalos.
Assim sem que entre mais no interior desta questão cujo conhecimento pertence a V.A.R. na qualidade de Soberano e Pai de seus fieis vassalos, limita-se a Comissão a propor os artigos seguintes de Legislação: 1º Que se determine quais sejam especificamente os encargos de que os privilegiados se devem reputar izentos, se só das jugadas, se tambem  de quaesquer outavas ou quartos de qualquer modo impostos nas terras da Coroa que dela foram alienadas. Que subsista a Ordenação do Liv. 2, tit. 33 no § 23 que izenta da jugada os Lavradores que lavrarem outros Reguengos que são carregados doutros maiores tributos. Que se extingam os privilegios concedidos a pessoas que eram sujeitas a certos encargos, os quais em grande parte já cessaram ou se tem consideravelmente diminuido. 4º Que nos outros privilegiados que a cousa publica ou outras considerações publicas pedirem que ainda continuem a subsistir, se reduza quanto seja possivel o seu numero, ou seja pelas classes ou seja pelos individuos delas. Que assim se determine mui precisa e claramente não só quaes sejam as pessoas que devem gozar deste privilegio mas os limites do mesmo privilegio; para o que parece muito conveniente que se reforme nesta parte e se restrinja a Ordenação do Liv. 2º, tit. 33 e que se reduza a regras muito breves e simples e faceis de aplicar na pratica. e sobretudo que à proporção que se diminuir o numero de privilegiados e se restringirem os limites do seu privilegio, se minore geralmente a todos os proprietarios a imposição da jugada e outava; pois que do contrario se seguiria que aquela diminuição e restrição não fosse outra cousa mais que um novo tributo a favor da Coroa ou dos donatarios, com manifesto gravame dos que eram privilegiados, e sem o alivio directo dos povos; quando minorando-se em geral e proporcionalmente aquela imposição socederá  que a Coroa e os Donatarios nada percam, que os povos recebam a utilidade directa e indirecta que do maior numero de colectados lhes deve resultar e que os antigos privilegiados paguem um tributo suave e que transmitam seguramente a seus herdeiros, os quaes até agora ficavam por morte deles sujeitos a todo o rigor da imposição.

§ 2º

Das terras sujeitas aos impostos

Se a multiplicidade de privilegios pessoais de izenção destas imposições destroi aquela justa proporção com que todos os individuos de uma povoação devem concorrer para as necessarias despezas do Estado, e fomenta o ciume entre os proprietarios e fazendeiros não privilegiados; parece que os mesmos inconvenientes se devem seguir quando se faz a comparação não de homem a homem, mas de povoação a povoação: pois que estando todas estas sujeitas ao mesmo soberano, governadas pelas mesmas leis, e munidas com a mesma protecção; justo é também que sejam proporcionalmente sujeitas aos mesmos encargos.
Porem nada há entre nós mais irregular do que a distribuição dos tributos de que se vai tratando: há lugares cujos moradores são inteiramente izentos de quarto, outavo, jugada ou outra qualquer imposição de semelhante natureza; há outras em que algumas destas prestações são substituídas por uma mui modica quantia em dinheiro, determinada há tres seculos, e dependente de antigos costumes ou instituições que já hoje não existem ou pelo menos  nada teem de real: outros em que estes direitos são pagos ou em todo o rigor das leis, ou com varias modificações procedidas de avenças ou contratos posteriores; outros finalmente onde os povos sofrem todo o peso da jugada, outavo, quarto, terço, meio, etc. Assim que quasi que não há em Portugal não já provincia, comarca ou termo, mas paroquia ou vintena que seja igualada a outra nestes tributos, e na forma da sua arrecadação.
E é sabido que estas diferenças longe de terem em outro tempo algum fundamento real dependerem unicamente do modo sucessivo e variado porque os soberanos deste  Reino reduziram as provincias dele ao seu Imperio, do maior ou menor favor que quizeram conceder aos habitadores das mesmas provincias e das ideias ou politica dos tempos, que ditavam leis particulares para cada povoação, em lugar das leis gerais que deviam reger todos os cidadãos.

Foral Novo da Covilhã

No tempo do Senhor Rei D. Manuel quando este estado da Nação estava bastante mudado, quando as Ordenações e Leis gerais governavam todos os povos, ainda se julgava conveniente que subsistisse a jurisprudencia dos antigos forais e que se cuidasse na sua reforma; mas se esta reforma, cometida por aquele soberano era nesse tempo necessaria e preferivel à sua extinção; é certo que ela não preencheu os fins para que devia ser destinada, e isto por muitas razões já hoje conhecidas e principalmente pela demasiada pressa com que foram corridas as nossas Provincias, quando era preciso muito vagar e reflexão para se conhecerem em cada uma delas as suas diversas circunstancias  fisicas ou topograficas e as qualidades de seus diferentes terrenos, dos quais talvez só devesse depender o maior ou menor gravame ou alivio em materia de tributos ou impostos prediaes.
Seria, pois, hoje um projecto verdadeiramente grande e de uma infinita importancia visitar com aqueles fins as Provincias de Portugal, conhecer pratica e individualmente os gravames, os recursos, as necessidades e os remedios de cada uma delas; calcular o computo geral destas imposições particulares já existentes e perfazer depois o dito computo por uma derrama proporcional por todas as povoações e lugares; de modo que todos os povos contribuissem com suavidade e igualdade e que a Coroa e os seus Donatarios ficassem com os seus direitos salvos e seguros. Sobre estas bases é que podia assentar uma boa legislação agraria e é deste modo que se poderia fazer uma justa distribuição de tributos e que os povos seriam radicalmente aliviados.
Mas como ainda estamos muito longe do principio de uma tão grande obra e muito mais longe ainda do seu acabamento, emquanto não constar qual seja a soberana vontade de V.A.R. a este respeito, é forçoso que continue a mesma desigualdade que hoje se observa e que permanecendo livres destas imposições aquelas terras que assim o foram desde o seu principio ou que por diversos modos adquiriram depois aquela liberdade, se aliviem quanto possivel fôr as que são sujeitas a estes gravames, segundo os arbitrios que se vão apontando nesta proposta.
Quando, porem, se trata de minorar estes encargos, ficando subsistindo a sua antiga distribuição e permanecendo as diferenças que há de terras Reguengas, jugadeiras, outaveiras, quarteiras etc. não pode a Comissão deixar de tornar a refletir no que já ponderou na sua Proposta de 9 de Dezembro de 1812 (1) na qual se disse que não deviam pagar-se aqueles tributos senão das propriedades que realmente estão a eles sujeitas, e que se conteem nos verdadeiros limites estabelecidos para aquele fim, ou nos Forais ou nas Doações e contratos posteriores feitos pelos soberanos, ou nos Tombos legais e autenticos; de maneira que se deve entender que qualquer extensão arbitraria praticada pelos Donatarios a lugares não designados nos seus titulos, é uma manifesta usurpação feita aos povos, a qual ou pelo modo apontado na referida proposta ou por outro que pareça mais eficaz e que seja independente das delongas do foro, se deve inteiramente proscrever, e no mesmo tempo em que se houver de proceder à necessaria minoração dos encargos, que só se podem reputar legitimos.
Nem esta reflexão se pode considerar como deslocada ou importuna pois que são mui frequentes a este respeito as queixas e clamores dos Povos, que cada dia são debatidos nos nossos auditorios, e muitas vezes teem chegado ao Trono, donde ainda não manou Legislação alguma, que se encontrasse o justo direito que os mesmos povos presumem ter contra o que reputam violencia e usurpação: antes o Alvará de 9 de Janeiro de 1789 que alguma cousa podia fazer em contrario foi derrogado pelo de 6 de Maio do dito ano, para que por ele se não fizesse obra alguma nem se pudesse alegar para algum efeito; de maneira que a demarcação do Reguengo da Caparica que fez o objecto daqueles dois alvarás foi no ultimo deles regulada por um modo extraordinario e que não pode ser trazido como regra nem exemplo.
(Lisboa, 5 de Maio de 1813)

Nota dos editores - 1) Ver o blogue XVI

Fonte - BNP Reservados

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Publicações anteriores sobre forais:
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