Inquérito Social XXXIV
Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
O Regimento dos Pannos, que divulgamos, foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no anno de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)
Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “ os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os pannos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de pannos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom panno da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de panno fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo promenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os pannos deste e daquele; cada qualidade de panno tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os engannos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus pannos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois annos para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do Védor dos pannos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”
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[…]
REGIMENTO (de 1690)
Da Fábrica de Pannos em Portugal
Capitulo C
Como os pannos devem ser tozados por
inteiro.
Por constar,
que os pannos são tozados sómente na amostra, devendo ser tozados por inteiro,
para mayor perfeição, o Védor não sellará panno algum sem que esteja tozado por
inteiro, com pena de vinte cruzados para os Captivos, e accuzador, e de
suspensão de seu officio até minha mercê; e a disposição d’este Capitulo se
entenderá sómente nos pannos Dezochenos inclusivé, e d’ahí para cima.
Capitulo CI
Que as Fiadeiras não falsifiquem os fiados.
Na bondade,
igualdade, e fineza dos fiados consiste a melhor perfeição da obra dos pannos;
e porque as Fiadeiras costumão falsificar as fiações, fazendo que os fiados
mostrem fineza, e bondade nas maçarocas pela parte de fóra, sendo pelo interior
grosseiros, desiguaes, e mal compostos, de que resulta sahirem os pannos
grosseiros, e encanelados; ordeno ao Védor dos pannos, que tenha particular attenção
em obviar a falsidade das fiações; e toda a Fiadeira que for comprehendida n’este
genero de falsificação, ou formar a maçaroca sobre enroladouro, que faça maior
peso que o de hum papel, seja condenada pela primeira vez em dous mil reis,
para o Védor, e denunciante, pagos da cadêa, e no valor dos arrateis que falsificar
em dobro, para o dono d’elles; e os ditos arrateis falsificados mandará o dito Védor
queimar perante si; e pela segunda vez será condenada na dita pena em dobro, e
notificada sob a mesma pena; que não torne a usar do dito officio.
Capitulo CII
Que os officiaes Fabricantes sejão
obrigados a denunciar huns de outros.
Se faltar a
observancia d’este Regimento, necessariamente há de declinar a Fabrica dos pannos;
e porque os mesmos officiaes Fabricantes são os que melhor conhecem os erros, e
falsidades, que o panno leva: ordeno que os ditos officiaes sejão obrigados a
denunciar huns de outros perante o Védor, de qualquer erro, vicio, ou
falsidade, que acharem nas laãs, e pannos, ou tintas; como assim, o Cardador
será obrigado a denunciar dos erros do Escarduçador, e as Fiadeiras dos erros
do Cardador; e o Tecelão dos erros da Fiadeira, e o Pizoeiro dos erros do
Tecelão, e assim huns de outros successivamente; e todo aquelle que sendo
obrigado a denunciar os erros, e falsidades que outro houver comettido, os callar,
ou dissimular, pagará por cada vez que incorrer n’esta culpa, a mesma pena que
a dita culpa merecer por este Regimento, e mais quatro mil reis para o Védor, e
denunciante, pagos da cadêa.
Capitulo CIII
Como os pannos serão espinzados.
Os pannos que
são espinzados com espinza recebem muito damno por ficarem com buracos, que a
espinza lhes faz nos fios que lhes quebra, pelo que convem que sejão espinzados
com tisoura; e quem o contrário fizer pagará dous mil reis para o Védor, e
denunciante, e pagará ao dono do panno a perda que tiver.
Capitulo CIV
Que os Imprensadores declarem os buracos, e
roturas, que os pannos tiverem, e que ponhão a sua marca nos ditos pannos.
Como os pannos
por via do contracto se costumão passar de Mercadores em Mercadores pregados na
peça, e na bõa fé de serem perfeitos, sendo muitas vezes mal obrados, e levando
por dentro nodoas, buracos, farpas, e roturas, de que resulta hum damno
consideravel, em menos credito da mercancia; será o Imprensador obrigado antes
de imprensar, e pregar os pannos, manifestar ao Védor todos os buracos,
roturas, farpas, nodoas, manchas, e damno, que lhe achar, para que o Védor
mande logo avaliar a dita perda, e a mande pagar ao dono do panno, se a
requerer por quem direito for, e para se lhe fazer avaria na forma em que he
disposto no Capítulo seguinte; e o Imprensador, que calla o dito damno, pagará
pela primeira vez quatro mil reis, da cadêa, para o Védor, e denunciante, e
pela segunda vez em dobro, e pela terceira vez será castigado como parecer
justiça; e sob a mesma pena serão os Imprensadores obrigados a porem a sua
marca nos pannos, que imprensarem.
Capitulo CV
Do modo com que o Védor ha de fazer as
avarias, que achar nos pannos.
Huma das
garndes falsidades, que nos pannos se achão, he serem obrados com desigualdade,
parecendo na amostra finos, e bem obrados, e por dentro serem de outra sorte
muito inferior, e trazendo buracos, roturas, farpas, nodoas, e manchas, de que
não consta aos Mercadores, que ficão enganados em grande parte; e por occorrer
a hum prejuizo tão consideravel, ordeno ao Védor dos pannos que não selle, nem
despache panno algum, sem que primeiro seja despregado todo na sua presença, e
visto; e examinado todo da amostra até à cóla, e achando-lhe perda, ou damno,
ou constando-lhe d’ella pelo manifesto do Imprensador, a mandará avaliar, e
logo se fará hum escripto assignado pelo Védor, ou feito por elle, em que
declare o seguinte:
Este panno he de fulanno, de tal
parte, e de tal côr, Dezocheno, Vinteno, ou Vinte-Dozeno, ou de tal sórte, leva
tantos covados, tem de perda, e avaria, tanto, segundo foi avaliado: tantos de
tal mez e anno, etc. Ou não leva perda, nem avaria, etc.
E o Védor, que
despachar panno algum sem lhe fazer o dito exame, e avaria, na forma sobredita,
perca logo o officio irremissivelmente, e seja punido crimemente como parecer
justiça; e o tal escripto de avaria será cozido no panno pela parte de fóra,
aonde seja visto, para que conste a todos da avaria, que o panno leva; e os
Paneiros, ou Mercadores, que levarem ou venderem pannos antes de sellados, e
avaliados na avaria que tiverem, e lhes forem achados sem escriptos na avaria,
percão os ditos pannos; e paguem quatro mil reis, da cadêa, para o Védor, e
denunciante.
Capitulo CVI
Que não hajão pentes gargantões, e que se
queimem os que forem achados.
Os pentes, que
são diminutos nas contas das puas, e tem menos puas, do que são devidas a
largura que tem, são falsificados, e chamados gargantões, dos quaes hoje usão
alguns Tecelães, e Paneiros, com grande escandalo e prejuizo do povo, e notavel
detrimento da Fabrica dos pannos. Pelo que, ordeno aos Védores, fação logo
vestoria por casa dos Tecelães, e Paneiros, e achando algum pente gargantão, e
falsificado na conta das puas, segundo a largura que tiver, o fação queimar
perante si, e notificar as pessoas, a quem forem achados, que nunca mais em
tempo algum usem dos ditos pentes, com pena de vinte mil reis, pagos da cadêa,
para o Védor, e denunciante.
Capitulo CVII
Que os Tintureiros não usem de materiaes
falsos em suas tintas.
A falsificação
das tintas he a maior ruína do credito e reputação da Fabrica dos pannos. Pelo
que, mando aos Tintureiros não usem de modo algum de materiaes falsos em suas
tintas, assim como he cinza, fungão, trovisco, e outros semelhantes que
notoriamente servem na composição das côres falsificadas. E constando, que os
Tintureiros usão dos ditos materiaes, pagará cada hum pela primeira vez oito
mil reis, para o Védor, e denunciante e estará trinta dias na cadêa; e pela
segunda vez será condemnado em dobro, e privado para sempre de poder usar do
dito officio. Pelo que, mando aos Védores de minha Fazenda e a todos os mais
Ministros, Corregedores, Provedores, Ouvidores, Juizes de Fóra, Védores dos pannos,
e mais Officiaes e pessoas, a que o conhecimento, e execução d’este Regimento
pertencer, que o cumprão e guardem e fação inteiramente cumprir e guardar,
assim e na maneira, que n’elle he disposto, e declarado, porque assim o hey por
bem, e todos os mais Regimentos, Leys, Provisões, Mandados, Privilégios,
Capitulos de Córtes, e Sentenças, que se houverem passado por Mim, ou pelos Reys,
meus Antecessores, sobre a obra, e manufactura dos ditos pannos, que forem
contra o conteudo, n’este Regimento, derogo, e hey por derogadas, como se expressamente
aqui fossem declaradas; porque só este quero que se cumpra, e guarde, como n’elle
e em cada hum dos seus Capitulos he declarado, e como se fosse Carta passada em
meu Nome, posto que o effeito d’elle dure mais de hum anno, e de não passar
pela Chancelaria; sem embargo da Ordenação, livro segundo, titulo trinta e
nove, e quarenta, e das mais ordenações em contrario, as quaes todas, e cada huma
d’ellas, emquanto forem contra o conteúdo n’este Regimento, hey por derogadas,
de Meu motu proprio, certa sciencia, poder Real, e absoluto. E mando outro-sim
ao Regedor da Casa da Supplicação, e Governador da Casa do Porto, e a todos os
Dezembargadores, que na maneira referida, cada huma na parte que lhe tocar,
cumprão, e fação cumprir este Regimento, para cujo effeito se lhes remetterão
os traslados d’elle impressos, e a todos os mais Tribunaes, que necessario for.
E os Corregedores das Comarcas serão obrigados a remetter tambem os ditos
traslados impressos aos Ministros, e Camaras, Védores dos pannos e officiaes a
que pertencer de suas Comarcas, para o darem à sua devida execução, dando tanta
fé, e credito aos traslados impressos do dito Regimento (sendo assignado por
dous Ministros do Conselho de minha Fazenda) como se fosse o proprio por Mim
assignado: o quehuns e outros cumprirão muito inteiramente, por assim convir a
meu serviço, e bem de meus Vassallos. João Cardoso o fez em Lisboa, a sette de
Janeiro de mil seiscentos e noventa annos. Sebastião da Gama Lobo, o fez
escrever.
Rey
Nota dos editores – 1)Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.
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