Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.
[…] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]
O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
- Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.
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Illmº e Ex.mº Snr.
Mandou-me V. Ex.ª que expusesse os
fundamentos pelos quaes julgava que os direitos banaes e os serviços pessoaes
no caso em que se extinguissem não deviam ser compensados aos donatarios ou
senhorios. Os ditos fundamentos reduzem-se aos seguintes: A compensação
poderia ter lugar quando os senhorios ou os donatarios fossem obrigados a
largar certos bens ou rendimentos dos quaes até então precebessem um beneficio
e utilidade directa e importante; pois que ainda que a causa publica pedisse em
taes e taes casos esta consideravel diminuição do patrimonio, era justo que
aqueles que a sofriam fossem indemnisados. Mas se a causa publica exige que
certa classe de pessoas perca uma mui pequena parte do seu rendimento ou certos
direitos e privilegios dos quaes só indirectamente lhe resulta esse rendimento
e utilidade, então o mesmo melhoramento da causa publica sendo como é um
beneficio geral e de consideração muito superior é a compensação unica que os
lesados devem esperar na extinção de tais rendimentos e privilégios.
Neste segundo
caso estão compreendidos os direitos banaes e serviços pessoaes; eles não consistem
num rendimento directo que aumente o patrimonio dos privilegiados mas sim num
direito e privilegio donde indirectamente se seguem esses lucros; ainda mais,
eles consistem num direito ou privilegio que necessariamente se deriva numa
ordem de cousas que já há muito tempo não subsiste e que hoje se conhece ser
incompatível com o Estado publico e com a Legislação geral das Nações modernas
e por isso a extinção desta ordem de cousas devia bem necessariamente trazer
consigo a extinção do que era uma consequencia dela.
Nem pode
obstar o dizer-se que aqueles direitos e serviços se fundam ou em leis ou em
contratos legitimos. Quem o duvida falando em chefe? Mas pode o Soberano quando
a utilidade publica o pede derogar essas leis e regular esses contratos declarando
exóticas e insubsistentes aquelas clausulas deles que repugnam à mesma publica
utilidade ainda que delas resulte interesse a algum dos contratantes. É
escusado ou provar o principio ou produzir os exemplos.
Mui
interessantes eram para os donatarios (não falando ainda no que propriamente se
chama jurisdição) os privilegios de izenção que eles tinham nas suas terras a
respeito dos aboletamentos, recrutamentos e coudelarias; e tambem de fintas e
impostos para caminhos, pontes e fontes etc. e a-pesar disso todos esses
privilegios foram abolidos no § 41 da Lei de 19 de Julho de 1790, sem
que se falasse de compensação alguma; porque
com razão se assentou que em todas estas cousas deve prevalecer a causa
publica da defensa e conservação do Reino; e a tranquilidade, comodo e
felicidade dos vassalos, primeiros objectos do cuidado e inspecção da Soberania.
Já se falar no
que propriamente se chama jurisdição, bastava ver a referida lei para se julgar
quanto com ela perderião os Donatarios, os quais nem por isso foram julgados
dignos de compensação: é verdade que no § final lhes dá a lei o direito de a
pedirem mas note-se 1º- que esta compensação é um beneficio extraordinario e
por isso mesmo que se não concedeu em regra. 2º- que ela só podia ter lugar se
acontecesse que algum donatario experimentasse no particular algum dano pelo
disposto nesta lei ou pela execução dela; e portanto bem se vê que não recaía a
compensação sobre a abolição das jurisdições por que esta de certo acontecia e
de certo causava dano a todos os donatarios. 3º- Assim mesmo S. Mag.e não
promete reparar ou compensar esse dano senão sendo ele atendivel e ficando
alias a lei em seu vigor.
Mas supondo
mesmo que os direitos banaes e serviços pessoaes (infelices reliquias dos
costumes feudais) mereciam maior contemplação do que os outros direitos,
privilegios, izenções e até jurisdições, para não serem abolidos sem
compensação: porque modo se poderiam eles compensar? Parece evidente que isto
só poderia ser feito à custa dos povos sujeitos àqueles encargos, avaliando-se
a perda que com a extinção deles experimentassem os senhorios e donatarios. Ora
1º- esta avaliação não podia deixar de ser muito arbitraria, como dependente de
muitas circunstancias locais e temporarias e por isso mui diversas e variadas; o
que daria ocasião a muitas questões e litigios. 2º- Deste modo ficarião os
povos obrigados a um novo tributo ou foro: quer dizer, ficariam sujeitos a uma
nova contribuição directa e por isso tanto ou ainda mais gravados, então mesmo
quando se reconhece que por seu necessario alivio se devem extinguir aqueles
encargos. Em que estaria pois aqui o beneficio da Lei?
E não ficam já
assás compensados muitos dos proprietarios com os abusos que até aqui podem ter
feito dos direitos banaes; pois que em fim é muito possivel que os moleiros ou
lagareiros sejam imperitos ou não façam boa obra, é possivel que os fornos,
moinhos ou lagares não deem expedição bastante a todos os que dela necessitam e
nestes casos ainda que se diga que cessa o direito do Senhorio e a obrigação do
foreiro, já este tem recebido detrimento com a mora, fora a despeza que ainda
tem que fazer de reconduzir o seu genero a lugares mais distantes e sujeitos
talvez a iguaes dificuldades. Por tanto
pode-se dizer em regra que a extinção dos direitos banaes forma por si mesmo
uma justa compensação e não merece por isso ser novamente compensada.
Ultimamente
não é tão grande como parece à primeira vista a perda dos donatarios e
proprietarios na extinção dos direitos banaes: pois nem se proibe que os povos
continuem a servir-se dos lagares até então privilegiados; nem se lhes impõe a
obrigação de fazerem lagares e moinhos proprios. Como só se lhes dá a este
respeito a liberdade de fazerem o que fôr mais conforme a seus interesses;
seguir-se-à que a muitos será mais comodo e a outros necessario continuarem a
servir-se ou das oficinas dantes privilegiadas ou das outras diversas segundo o
maior comodo e mais breve expedição que nestas ou naquelas encontrarem. Então
sucederá que os antigos privilegiados para facilitarem a voluntaria
concorrencia dos povos aos seus lagares, moinhos e fornos; ponhão por interesse
seu, estas oficinas na boa ordem em que até então as deviam ter posto para
utilidade publica; e deste modo pode até ser maior a utilidade futura do que o prejuizo
presente.
Eis aqui o que
me parece sobre este objecto; mas tudo sujeito às superiores luzes e reflectida
consideração de V. Ex.ª.
Deus guarde a
V. Ex.ª muitos anos.
Lisboa 20 de Julho de 1813
Ill.mo e Ex.mo
Snr. João Antonio Salter de Mendonça
De V. Ex.ª
M.to Att.º creado
F.
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Fonte - BNP Reservados
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