Quando procurávamos informações sobre Eduardo Malta no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, encontrámos algumas notas acerca de um antepassado do retratista, o covilhanense Manuel Morais da Silva Ramos, mais conhecido por Morais do Convento ou Morais da Covilhã:
“Escultor, pintor, santeiro,
abridor de cunhos e gravador do século XIX (1806-1872). Cursou a aula de
Desenho da Casa Pia e depois a Aula Pública de Desenho, onde foi discípulo de
Faustino José Rodrigues, que também exercia as funções de professor de
Escultura. Foi soldado no cerco do Porto, na sua mocidade, e também exerceu a
profissão de ourives. Esteve como pintor e escultor na Fábrica da Vista Alegre.
Trabalhou no Porto como gravador. Distinguiu-se também como medalhista. Mas notabilizou-se
sobretudo na escultura em madeira deixando algumas imagens de real mérito como
“Cristo” (Igreja de S. Francisco, Covilhã) e “Senhor da Agonia” (Fundão) além
de duas virgens, uma delas com a peanha belamente historiada. Regressado à
Covilhã este homem dos sete oficiais ali comprou um convento, onde foi morar e
onde levou uma vida misteriosa que se tornou fábula na boca do povo. Era
antepassado do grande pintor Eduardo Malta.” (1)
Embora
conhecido e muito antigo (1873) este texto do jornalista, fundador e director do Diário
de Notícias Eduardo Coelho “Passeios na Provincia I – De Lisboa a Vizeu
– Até Covilhã Á Marinha Grande”, considerámos
importante recordá-lo:
“V - … Numa das ramificações da
Estrela, um dos braços que se estende a amparar do lado do sul a cidade
industrial, existe ainda hoje no alto do monte, no sítio mais pitoresco
daqueles arredores, um convento da invocação de Stº. António, cujos frades eram
operarios tecelões. Tinham ao lado do convento uma fabrica de estamenha para
habitos, com o privilegio exclusivo para aquele fabrico.
Actualmente habita o convento por
o ter comprado à fazenda, o sr. Manuel Moraes da Silva Ramos, conhecido pelo Moraes da Covilhã. Já que
subimos ao monte e entrámos no velho eremiterio não desçamos sem dizer duas
palavras a seu respeito, que as merece.
O convento é da arquitectura
denominada jesuítica, estilo pesado, triste, desornado, sem a mistica poesia
das arquitecturas predominantes da edade media. Subindo as escadas e parando na
pequena cerca da entrada, lançando o olhar em redor recebe-se a agradável
impressão que produz à vista o quadro do Vale da Covilhã. O vale parece
encerrado num círculo de montanhas. Ao norte estão os montes que abrigam a
cidade da Guarda, de que se veem ao longe indistintamente alguns edificios; ao
sul há agrupação de serras e diversos povoados; a leste fica-nos, no primeiro
plano a serra de Caria, e mais atraz a de Alpedrinha; a oeste corre a da
Estrela. Veem-se perto diversos povos que tambem fabricam lãs e as vem vender à
Covilhã, taes como Teixoso, Belmonte, Tortuzendo, Fundão, onde o edifício da
antiga fábrica real serve hoje de paço municipal, e outras povoações tais como
Alcaria, Peraboa, Boidobra, Ferro, Dominguiso, Peso, Alcaide, ect.
A igreja do convento é a mais
asseada e decente da Covilhã, onde os principaes templos se acham num estado
desgraçado, e em absoluto desacordo com o fervor religioso que dizem reinar na
terra. Esta egreja, porém, está mal vista e não se diz nela missa desde que
houve uma pendencia com o seu proprietário por causa de tres imagens de S.
Francisco, Santo Antonio e Nossa Senhora que em certa noite desertaram dos seus
altares noutros templos e foram em passeio misteriosos até à porta do Convento
de Santo Antonio, onde apareceram pela manhã embuçados em chales – mantas,
dando-lhes o Moraes culto nos seus altares.
Nas celas do convento tem o
proprietario as suas oficinas de gravura e cunhagem. Aquele edifício é
habitação de dois verdadeiros artistas, o Sr. Moraes e seu filho.
Mas quem é o sr. Moraes? Vejamo-lo. A doença entrevou-o. Está
deitado em cama asseada, numa pequena cela, talvez mais penitenciada que o
cenobita que um século antes ali habitara. Na cabeça encalvecida, onde alvejam
escassas cãs, formando um círculo em tom de aureola, no esgaseado do olhar, nos
raios de sangue que lhe injectam e envermelhecem as alvas ou corneas opacas, no
amarelicimento da tez, no cavado das faces e no aspecto dolente e triste da
fisionomia está o resumo de uma vida agitada e cheia de tribulações. Nos
quadros a oleo, nas belas e delicadas estatuetas em buxo, cheias de lavores
microscopicos cavados a buril, nas medalhas cunhadas em ouro, e nas bandejas de
prata lavradas, tudo obra de suas mãos e que se veem nas paredes e sobre as
mesas, lê a alma do visitante: aqui está um artista.
Este homem que foi aluno da casa
pia de Lisboa, soldado no cerco do Porto, depois serralheiro, gravador e
abridor de cunhos na mesma cidade, este homem que lá quizeram fazer moedeiro
falso e que el-rei de Itália nomeou, por distinção ao mérito, cavaleiro da
Ordem de S. Maurício e S. Lázaro, é efctivamente um artista de raro
merecimento, que podia ter sido ultimamente aproveitado e que a adversidade
perseguiu e aniquilou. Um dia no Porto disseram que ele era autor dos cunhos de
umas notas falsas. A habilidade de Moraes dava ainda para obras mais difíceis.
A policia não rejeitou a ideia. Perseguiram-no, fizeram-lhe crueis montarias,
por fim prenderam-no. O carcere atrofiou-o. Ave que tem asas para vôos de aguia
esmorece e definha se a metem numa gaiola. Moraes está velho e acabado. Eu não
sei se ele fez cunhos para notas falsas ou se cunhou moeda. Não me lembrei de
lho perguntar. O que sei é que a voz publica tem dito muitas vezes que há
moedeiros broncos, ignorantes mas ricos, alguns feitos barões, viscondes e
condes, e que o Moraes coitado! é inteligente e instruído e está pouco menos
que pobre. (x)
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x) Nos últimos dias de Setembro
anunciaram-me da Covilhã que o distinto artista havia morrido e que o seu corpo
fora lançado à terra numa cova raza do cemitério da cidade. Ele bem sentia que a morte o estava aguardando, quando me disse com tristeza no seu leito de dor:
- Adeus meu amigo: parece-me que o Moraes não torna a pegar no buril.” (2)
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Terá
tido uma vida atribulada, segundo alguns, rocambolesca mesmo. Teve várias
questões com a Polícia, quer por causa da cunhagem de moedas, quer por querer
reaver para o Convento imagens que de lá saíram aquando da execução da legislação de
Mouzinho da Silveira.
Conta-se
que embora esmoler, emprestava dinheiro a juros. Como a sua vida está envolvida
em histórias e lendas, dizia-se com graça, que o Morais entregava às pessoas as moedas ainda quentes, acabadadas de aquecer no forno, dizendo-lhes, no entanto, que pouco antes as tinha terminado
de fabricar, de cunhar.
Fiquemos
antes, como Eduardo Coelho, com a ideia de que ele foi um verdadeiro artista,
tendo até feito um busto para a sua campa no cemitério da Covilhã.
Fontes
1) In Fernando Pamplona, “Um século de Pintura e escultura em Portugal, (?)
Vol.3º, pag. 118
Ou “Dicionário de Pintores e
Escultores Portugueses ou que trabalharam em Portugal”
2) Coelho, Eduardo - “Passeios na
Provincia I – De Lisboa a Vizeu – Até Covilhã Á Marinha Grande”, Lisboa,
Tipographia Universal, 1873, fls 90 a
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