domingo, 6 de novembro de 2016

Covilhã - Notícias Soltas VIII


    Quando procurávamos informações sobre Eduardo Malta no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, encontrámos algumas notas acerca de um antepassado do retratista, o covilhanense Manuel Morais da Silva Ramos, mais conhecido por Morais do Convento ou Morais da Covilhã:
“Escultor, pintor, santeiro, abridor de cunhos e gravador do século XIX (1806-1872). Cursou a aula de Desenho da Casa Pia e depois a Aula Pública de Desenho, onde foi discípulo de Faustino José Rodrigues, que também exercia as funções de professor de Escultura. Foi soldado no cerco do Porto, na sua mocidade, e também exerceu a profissão de ourives. Esteve como pintor e escultor na Fábrica da Vista Alegre. Trabalhou no Porto como gravador. Distinguiu-se também como medalhista. Mas notabilizou-se sobretudo na escultura em madeira deixando algumas imagens de real mérito como “Cristo” (Igreja de S. Francisco, Covilhã) e “Senhor da Agonia” (Fundão) além de duas virgens, uma delas com a peanha belamente historiada. Regressado à Covilhã este homem dos sete oficiais ali comprou um convento, onde foi morar e onde levou uma vida misteriosa que se tornou fábula na boca do povo. Era antepassado do grande pintor Eduardo Malta.” (1)

Convento de Santo António
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Embora conhecido e muito antigo (1873) este texto do jornalista, fundador e director do Diário de Notícias Eduardo Coelho “Passeios na Provincia I – De Lisboa a Vizeu – Até Covilhã Á Marinha Grande”, considerámos importante recordá-lo:
“V - … Numa das ramificações da Estrela, um dos braços que se estende a amparar do lado do sul a cidade industrial, existe ainda hoje no alto do monte, no sítio mais pitoresco daqueles arredores, um convento da invocação de Stº. António, cujos frades eram operarios tecelões. Tinham ao lado do convento uma fabrica de estamenha para habitos, com o privilegio exclusivo para aquele fabrico.
Actualmente habita o convento por o ter comprado à fazenda, o sr. Manuel Moraes da Silva Ramos, conhecido pelo Moraes da Covilhã. Já que subimos ao monte e entrámos no velho eremiterio não desçamos sem dizer duas palavras a seu respeito, que as merece.
O convento é da arquitectura denominada jesuítica, estilo pesado, triste, desornado, sem a mistica poesia das arquitecturas predominantes da edade media. Subindo as escadas e parando na pequena cerca da entrada, lançando o olhar em redor recebe-se a agradável impressão que produz à vista o quadro do Vale da Covilhã. O vale parece encerrado num círculo de montanhas. Ao norte estão os montes que abrigam a cidade da Guarda, de que se veem ao longe indistintamente alguns edificios; ao sul há agrupação de serras e diversos povoados; a leste fica-nos, no primeiro plano a serra de Caria, e mais atraz a de Alpedrinha; a oeste corre a da Estrela. Veem-se perto diversos povos que tambem fabricam lãs e as vem vender à Covilhã, taes como Teixoso, Belmonte, Tortuzendo, Fundão, onde o edifício da antiga fábrica real serve hoje de paço municipal, e outras povoações tais como Alcaria, Peraboa, Boidobra, Ferro, Dominguiso, Peso, Alcaide, ect.
A igreja do convento é a mais asseada e decente da Covilhã, onde os principaes templos se acham num estado desgraçado, e em absoluto desacordo com o fervor religioso que dizem reinar na terra. Esta egreja, porém, está mal vista e não se diz nela missa desde que houve uma pendencia com o seu proprietário por causa de tres imagens de S. Francisco, Santo Antonio e Nossa Senhora que em certa noite desertaram dos seus altares noutros templos e foram em passeio misteriosos até à porta do Convento de Santo Antonio, onde apareceram pela manhã embuçados em chales – mantas, dando-lhes o Moraes culto nos seus altares.
Nas celas do convento tem o proprietario as suas oficinas de gravura e cunhagem. Aquele edifício é habitação de dois verdadeiros artistas, o Sr. Moraes e seu filho.
Mas quem é o sr. Moraes? Vejamo-lo. A doença entrevou-o. Está deitado em cama asseada, numa pequena cela, talvez mais penitenciada que o cenobita que um século antes ali habitara. Na cabeça encalvecida, onde alvejam escassas cãs, formando um círculo em tom de aureola, no esgaseado do olhar, nos raios de sangue que lhe injectam e envermelhecem as alvas ou corneas opacas, no amarelicimento da tez, no cavado das faces e no aspecto dolente e triste da fisionomia está o resumo de uma vida agitada e cheia de tribulações. Nos quadros a oleo, nas belas e delicadas estatuetas em buxo, cheias de lavores microscopicos cavados a buril, nas medalhas cunhadas em ouro, e nas bandejas de prata lavradas, tudo obra de suas mãos e que se veem nas paredes e sobre as mesas, lê a alma do visitante: aqui está um artista.
Este homem que foi aluno da casa pia de Lisboa, soldado no cerco do Porto, depois serralheiro, gravador e abridor de cunhos na mesma cidade, este homem que lá quizeram fazer moedeiro falso e que el-rei de Itália nomeou, por distinção ao mérito, cavaleiro da Ordem de S. Maurício e S. Lázaro, é efctivamente um artista de raro merecimento, que podia ter sido ultimamente aproveitado e que a adversidade perseguiu e aniquilou. Um dia no Porto disseram que ele era autor dos cunhos de umas notas falsas. A habilidade de Moraes dava ainda para obras mais difíceis. A policia não rejeitou a ideia. Perseguiram-no, fizeram-lhe crueis montarias, por fim prenderam-no. O carcere atrofiou-o. Ave que tem asas para vôos de aguia esmorece e definha se a metem numa gaiola. Moraes está velho e acabado. Eu não sei se ele fez cunhos para notas falsas ou se cunhou moeda. Não me lembrei de lho perguntar. O que sei é que a voz publica tem dito muitas vezes que há moedeiros broncos, ignorantes mas ricos, alguns feitos barões, viscondes e condes, e que o Moraes coitado! é inteligente e instruído e está pouco menos que pobre. (x)
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x) Nos últimos dias de Setembro anunciaram-me da Covilhã que o distinto artista havia morrido e que o seu corpo fora lançado à terra numa cova raza do cemitério da cidade. Ele bem sentia que a morte o estava aguardando, quando me disse com tristeza no seu leito de dor: - Adeus meu amigo: parece-me que o Moraes não torna a pegar no buril.” (2)

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Ao longe o Convento de Santo António , hoje

   Terá tido uma vida atribulada, segundo alguns, rocambolesca mesmo. Teve várias questões com a Polícia, quer por causa da cunhagem de moedas, quer por querer reaver para o Convento imagens que de lá saíram aquando da execução da legislação de Mouzinho da Silveira.
    Conta-se que embora esmoler, emprestava dinheiro a juros. Como a sua vida está envolvida em histórias e lendas, dizia-se com graça, que o Morais entregava às pessoas as moedas ainda quentes, acabadadas de aquecer no forno, dizendo-lhes, no entanto, que pouco antes as tinha terminado de fabricar, de cunhar.
Fiquemos antes, como Eduardo Coelho, com a ideia de que ele foi um verdadeiro artista, tendo até feito um busto para a sua campa no cemitério da Covilhã.

Fontes 1) In Fernando Pamplona, “Um século de Pintura e escultura em Portugal, (?) Vol.3º, pag. 118
Ou “Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses ou que trabalharam em Portugal”
2) Coelho, Eduardo - “Passeios na Provincia I – De Lisboa a Vizeu – Até Covilhã Á Marinha Grande”, Lisboa, Tipographia Universal, 1873, fls 90 a 93

As Publicações do Blogue:

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
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