quinta-feira, 16 de maio de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XIX


     Continuamos a publicação de documentos notariais. Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias uma “Escritura de contracto que fazem António Pessoa de Amorim desta vila com Gabriel Morizon do Reyno de França – 14/11/1814”, ou seja, numa época posterior às que temos publicado. Convém dar relevo a esta escritura, porque foi realizada após as invasões francesas, período de destruição e decadência das manufacturas e porque é a primeira experiência de construção de engenhos hidraúlicos, utilizando a ribeira de Goldra (“construirá os necessarios engenhos para fiação e cardagem de Lãs; para tozar e perchar”). Ainda pela escritura tomamos conhecimento que “a sociedade que durará oito anos que hão-de começar no primeiro de Janeiro próximo futuro de 1815 e hão-de acabar no mesmo dia em 1823”.


Mapa com indicações de unidades fabris: o nº 107 corresponde à fábrica abaixo referida


Ribeira da Goldra, Fonte do Lameiro, Fábrica de António Pessoa de Amorim (1815)

Escritura de contracto que fazem António Pessoa de Amorim desta vila com Gabriel Morizon do Reyno de França – 14/11/1814 

Em nome de Deus amen saibam quantos Este público instrumento de escritura de contracto que fazem António Pecoa de Amorim (1) desta vila e Gabriel Morizon, (2) do Reyno de França, para o adiante declarado, ou como por outra via, milhor dizer-se possa e mais valha, firme e valioso seja virem que sendo no ano do nacimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1814 anos, aos 14 dias do mes de Novembro do dito ano em esta notavel villa de Covilhã e casas de moradas de Antonio Peçoa de Amorim ahonde eu Tabelião de Notas adeante nomeado vim e sendo ele aí presente e bem assim Gabriel Morizom peçoas conhecidas de mim tabelião pelas proprias de que dou minha fé e por eles foi dito que estavam entre si contractados a respeito de sociedade de manufacturação de tecidos, e organaçam (sic) de engenhos necessarios para algumas mãos de obra da maneira que abaixo disseram e que se obrigavam um e outro a comprir este contrato em todas e cada uma das suas partes = artigo primeiro = para os armazéns de lãs assistencia do dito Gabriel Morizon, caxeiro necessario para o estabelecimento dos engenhos de fiação e cardagem e para se pizoarem as manufacturas da sociedade se obriga o dito Antonio Pessoa de Amorim a dar as casas necessarias que vem a ser a casa nova chamada dos engenhos, a das alcatifas e pizam percebendo a renda anual de seis centos mil reis, tirados da sociedade e pello trabalho e industria que ha-de empregar o dito gabriell Morizom para a construção dos engenhos perceberá trezentos mil reis por uma vez somente e todos eles serão deduzidos, não da sociedade mas sim da parte pertencente ao dito Antonio Pessoa de Amorim advertindo, que suposto que este há também o seu Pizam poderá ele e por sua conta pisuar as manufacturas que .... as da sociedade e que alem dos trezentos mil reis nenhum outro ordenado tornará mais a perceber o dito gabriel morizom. = Artigo segundo = o dito gabriel Morizon construirá os necessarios engenhos para fiação e cardagem de Lãs; para tozar e perchar e toda e qualquer despeza que se fizer na construção e reparo dos engenhos, operários, e em uma palavra qualquer diespeza será feita pelos ditos dois sócios durante a sociedade que durará oito anos que hão-de começar no primeiro de Janeiro próximo futuro de 1815 e hão-de acabar no mesmo dia em 1823 Serão a meias todos os lucros que houver bem como o são as despezas e a parte destas pertencentes ao dito socio Gabriel Morizon ou será logo paga por elle semanalmente ou descontada no produto dos materiais ou quaesquer generos que ele mandar vir do Reino de França a consentimento do dito socio Antonio Pessoa d’ Amorim, e que por elle serem (sic) pagos: a dita sociedade há-de durar aquele espaço e suposto que faleça aí um dos dous socios a sociedade continuará representando a pessoa do dito Gabriel Morizon seu sobrinho Leonidas Morizon e da do dito Antonio Pessoa de Amorim seu irmão Manuel de Amorim ou quaisquer outros seus (repetido) pois que é da vontade de ambos que continue por todo aquele espaço esta sociedade a pezar da sua morte e mesmo a sua existencia pelo dito tempo em beneficio de ambos. Artigo terceiro = Findos os ditos outo anos da sociedade se examinará à vista do competente livro toda a despeza que se fez na construção dos engenhos e ficará ao arbítrio do dito sócio Antonio Pessoa de Amorim ou satisfazer a metade da sua importancia ao dito sócio Gabriel Morizon ou continuar a sociedade por tempo ou exigir emfim a sua respectiva metade do dito socio e praticando especialmente cada um deles, e um ou outro a sua respectiva metade dos ditos engenhos. Artigo quarto: No fim dos ditos outo anos da sociedade o sócio Gabriel Morizon dará instruído e pronto para poder dirigir o giro dos ditos engenhos um oficial português. Artigo quinto: O sócio Antonio Pessoa de Amorim será obrigado a concorrer no primeiro ano da sociedade que para este efeito deve começar a contar se depois de construídos os engenhos com a quantia de quatro contos de reis para com eles se manufacturar os tecidos sem que perçeba juro da dita quantia do fundo e só perceberá metade de todos os lucros da manufacturaçam Bem como perceberá .... o dito sócio Gabriel Morizon e logo que se vendam algumas das ditas manufacturas o produto delas ou das primeiras que se venderem será pera o total embolso do dito fundo com que concorre o socio Antonio Pessoa de Amorim e se for necessario que este concorra com mais algum fundo entam alem da metade dos lucros arbitrarão os dois sócios entre si que deverá perceber o dito sócio concorrente Antonio Pessoa de Amorim que nos seguintes anos da sociedade concorrerá com igual fundo com que tambem concorrer o sócio, o dito Gabriel Morizon nos anos seguintes. Se este não concorrer com algum fundo e quizer concorrer com ele sócio Antonio Pessoa de Amorim só a ele pertencerá o interesse da manufacturação correspondente ao fundo entrado. Artigo sexto: Como os engenhos em que .... esta sociedade não são suficientes para todos os ramos, de maos d’obra, e ultimação dos tecidos, aqueles preparos que sed eram as manufacturas da sociedade mas mais oficinas  de que hé senhor e sócio Antonio Pessoa de Amorim serão pagos pelo preço ordinário desta villa ao dito sócio Antonio Pessoa de Amorim que deverá concorrer só por si para todas as despezas necessárias  para as ditas mãos de obra que lhe ham de ser pagas. Artigo septimo: Alem das manufacturas da sociedade poderão nos engenhos sobreditos ser cardada e fiada alguma lã para fabricantes de fora Bem como serem tozadas e perchadas algumas manufacturas e tudo se entende que ouver será partido entre os dous sócios advertindo que o recebimento daas lãs ou manufacturas de fora deverá ser feito com mútuo acordo dos dois sócios contraentes. Artigo oitavo: Finda a sociedade serão partidas entre os sócios as manufactursa existentes bem como todos os ... e dívidas ficando cada um dos mesmos sócios com direito à cobrança de metade de cada um delles = Artigo Nono: Haverá todos os livros necessários para uma boa e bem arranjada escrituraçam todos eles serão arrecadados pelo dito sócio Antonio Pessoa de Amorim à excepção dos necessários Baxadores e Diários que existirão em poder do sócio Gabriel Morizon advertindo porem que a cada um dos mesmos sócios será livre fazerem os exames que julgarem necessarios nos ditos livros. Artigo décimo: Quando vier o sobrinho do sócio Gabriel Morizon não perceberá algum ordenado pela indústria ou trabalho pois tudo correrá por conta do dito seu tio Bem como correrá só por conta do sócio Antonio Pessoa de Amorim toda a escrituração que for necessária fazer nos livros debaixo da sua inspecção sem que por ela receba algum emolumento. Artigo Undécimo: Anualmente se fará um inventário de que se extrairão duas cópias uma para cada um dos sócios em que se declare o proveito dos fundos então existentes para por ele poder regular-se cada um deles, que ambos e cada um disse que todas as sobreditas condições e clauzulas eram muito de sua aprovação e se obrigavam ao seu cumprimento por sua pessoa e bens sem alguma dúvida. Artigo décimo terceiro (sic) E pelo dito sócio Gabriel Morizon foi mais dito que no caso de algum impedimento dele faria em tudo as suas vezes o dito seu sobrinho Leonidas Morizon representando em todos os ramos desta negociação, e pelo sócio António Pessoa d’Amorim foi dito que aprovada esta bem como todas as mais condições deste contrato, por ambos foi dito que também fará em tudo as vezes do sócio António Pessoa d’Amorim nos seus impedimentos seu irmão Manuel Pessoa de Amorim e disseram estas partes que nunca em tempo iriam nem viriam per si nem por outrem género algum de embargos nem requerimentos contra esta escritura, não queriam ser ouvidos em juizo nem fora dele sem primeiro cumprirem as cláusulas nesta declaradas e por eles foi dito se nesta escritura faltasse alguma cláusula ou cláusulas em direito necessárias para sua validade as haviam aqui todas por postas expressas e declaradas se de cada uma delas nesta minha nota fizessem expressa e declarada menção em testemunho e fé de verdade assim o disseram outorgaram aprovaram rectificaram e aceitaram e Eu tabalião pessoa publica estipulante e aceitante que esta estipulei e aceitei em nome da pessoa ou pessoas presentes e absentes a quem esta aceitação desta deva e haja de pertencer e pertença por direito pera sua validade e pediram a mim tabelião lhe fizesse nesta minha nota o presente instrumento o qual lhe fiz por me ser distribuido pelo Dr. Juiz de Fora Bento da Rocha e Melo que o milhor consta do bilhete da sua distribuição que me foi apresentado cujo o seu teor é o seguinte = A. Barata = Melo = A escritura do contrato que fazem Antonio Pessoa de Amorim desta Vila e Gabriel Morizon, do Reino de França = E não continha em si a dita distribuição que conheço ser verdadeira pela letra e firma dela de que dou minha fé, o que tudo estas partes viram e ouviram ler e assinaram na minha presença por suas mãos próprias de seus sinais costumados e foram testemunhas que presentes estavam que esta ouviram ler e assinaram aqui de seus sinais costumados = e mais disseram eles ditos sócios que a compra de lã ou quaesquer materiais e a venda das manufacturas correrão por conta do sócio António Pessoa de Amorim advertindo que sem aprovação do sócio Gabriel Morizon não poderá fazer venda que exceda a seiscentos mil reis e que deverá este ser ouvido na compra da lã para examinar a sua boa ou má qualidade e se é boa para manufacturação Bem como será ouvido o sócio António Pessoa de Amorim a respeito de quaesquer géneros materiais ou qualquer outra cousa que se há-de mandar vir de fora e mais não declararam e assinaram e foram testemunhas presentes que esta ouviram ler e assinaram o Bacharel Joaquim Pereira de Carvalho e o Bacharel Simão de Carvalho desta villa meus conhecidos de que dou minha fé Eu Manoel de Moura Baratta Tabalião de notas escrevi e assinei em raso por ...

   a) Manuel de Moura Baratta

                          a) António Pessoa d’Amorim

                                                  a) Gabriel Murizon

                                                                         a) Simão Carvalho

                                                                         a) Joaquim Jº Pereira de Carvalho


.....pªl Selo  800
                     72
                ______
                   872

Mello

Nota dos editores – 1) António Pessoa de Amorim é de uma família de cristãos-novos. 2) Gabriel Morizon suicidou-se com ópio em 16 de Julho de 1829, conforme consta da carta do Juiz de Fora da Covilhã de 21 do mesmo mês. 

Fonte - "Manoel de Moura Baratta Tabalião de notas  Lº 93, fls 71" 

Gravuras – “Rota da Lã Translana”, coord. Elisa Calado Pinheiro, Museu dos Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2008


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