sábado, 9 de agosto de 2014

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXIX-XXVII

Inquérito Social XXVII

    Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.

Parte II

Introdução

                      
            Os quinze documentos históricos que se seguem não constituem uma Monografia dos Lanifícios em Portugal. Longe disso. Eles não pretendem ser aqui, mais que um esboço de outro estudo mais vasto que há a fazer e servem para demonstrar a importância que a indústria de lanifícios tem há muitos anos em Portugal. Mostram também que, nas épocas de crise, os seus achaques pedem quase sempre a mesma cura, porque são sempre filhos das mesmas causas.
            O Regimento de 1690, nos seus 108 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “ os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os panos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
            A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de panos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom pano da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de pano fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo promenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os panos deste e daquele; cada qualidade de pano tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os enganos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus panos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois anos, para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do vedor dos panos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.

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            Teria existido uma corporação dos lanifícios?
            O regimento dá a entender através de certas medidas e expressões como, por exemplo, o referir-se a oficiais examinados, que havia uma organização.
            O mesmo se conclui de actas da Câmara da Covilhã, onde aparecem oficiais dos panos como Juizes do Povo e como procuradores da Casa dos Vinte e Quatro da Covilhã, ao Senado Municipal. Não havia, é certo, uma corporação única dos panos, mas os oficiais deles estavam organizados por ofícios e cada um destes tinha representante na Casa dos Vinte e Quatro. Os cardadores, os tecelões, os pisoeiros como tinham a sua bandeira e seu patrono, também deviam ter a sua confraria. Memórias de procissões que se realizaram na Covilhã, referem-se às bandeiras e aos patronos.
            Na organização corporativa do burgo, os diversos ofícios que constituiam a indústria dos lanifícios tinham o seu lugar. Só assim se compreende que a primeira carta para D. Luiz da Cunha se diga que não foi possível organizar a Corporação e, que em vez dela se organizou uma mesa composta de um provedor e seis homens bons. A antiga organização corporativa estava tão decadente como a indústria nesse ano de 1758; não havia, portanto, que contar com ela para a reforma pombalina, porque ela dizia respeito a uma época económica que não se quadrava ao conceito do Colbertiano da economia de que Pombal foi o sequaz, entre nós. Não havendo que reorganizar os ofícios, diferenciadamente, dentro da sua forma municipalista, porque os novos horizontes da economia eram agora mais largos, ainda era cedo para organizar o novo tipo de corporação, reunindo em si todos os ofícios que compunham o mester dos panos, uma espécie de companhia pombalina com projecção extra-municipal, não só pela “má criação” em que estavam os fabricantes, mas também pela falta de capacidade.

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            Se os séculos XVI e XVII foram épocas florescentíssimas para a indústria dos lanifícios em Portugal, o século XVIII foi inaugurado à sombra do tratado Methuen que diminuiu o consumo dos panos nacionais, abrindo as nossas fronteiras aos panos ingleses, em troca da entrada franca dos nossos vinhos em Inglaterra. Este tratado trazia no seio a revogação das pragmáticas de 1677 e de 1698, deixando assim completamente desprotegidos aqueles portugueses que se dedicavam ao fabrico e tráfico dos lanifícios. Resta saber se a ruina que quase submergiu a indústria dos panos foi compensada pela vantagem económica e alfandegária que os nossos vinhos alcançaram. Embora não possa pronunciar-me sobre o assunto, parece que as vantagens não atingiram aquilo que se esperava. Os vinhos, em crise aguda, mantiveram o seu índice anterior de exportação, ao passo que os lanifícios, então florescentes, entraram naquele longo calvário que atingiu o seu auge em 1758, como se conclui da Memória e das Cartas para D. Luiz da Cunha.
            Mas não foi só o tratado Methuen o causador da crise da primeira metade do século XVIII, a Beira Baixa, sobretudo a Covilhã e o Fundão, foram bastante atingidos pelas levas da Inquisição, no segundo quartel do século. Diz J. Lúcio de Azevedo, na sua História dos Cristãos Novos em Portugal, que esta região ficou quase desabitada nesse tempo. Vários judeus, fugindo à perseguição, emigraram para a Holanda, para a Inglaterra e para a Alemanha, levando consigo os cabedais que se aplicavam até aí na indústria e no comércio dos lanifícios, os restantes, acusados de judaízarem, sofreram os cárceres e subiram à fogueira inquisitorial. É curioso notar que antes do século XVIII poucos eram os processos da Inquisição referentes a habitantes desta região; nela não fortificava a heresia e os judeus que nela viviam nos seus ghetos e judiarias, distraídos com o negócio, não tinham tempo de se dedicarem ao apostolado mosaico.
            Em 1758, estava a crise no seu ponto culminante, quando D. Luiz da Cunha mandou à Covilhã pessoa da sua confiança, para estudar in loco as causas de tanta desgraça apontada. É dessa inquirição que nos restam a Memória e as Cartas. Tanto uma como as outras identificam curiosos hábitos existentes na indústria da Covilhã e os enganos em que ela vegetava e nos pintam a miséria dos salários devido não só à rudeza do negócio, mas também ao egoísmo dos traficantes. Muitas oficinas tinham ruído; nada mais do que encargo significava os 600$000 de sisa anual que os fabricantes da Covilhã, Teixoso e mais arrabaldes, pagavam à fazenda real pelo privilégio de levarem os panos pelas feiras do reino, pois concorriam com eles, mercadores de outras terras que não pagavam esta sisa. Vê-se pela descrição dos furtos em que todos andavam, o exagero deles: se todos eles furtavam, os furtos acabavam por se anularem uns aos outros! Tanta a citada Memória como as duas Cartas mostram o grande interesse que havia na Covilhã para que tudo isto se modificasse e se fizesse uma ampla reforma da indústria; pedem-se, por isso, ao Rei e ao Ministro que decretem, entre outras, as seguintes medidas: condicionamento da venda da lã, estabelecendo preços máximos e mínimos; que se construam lavadouros apropriados; que se mandem aumentar os salários dos oficiais para se diminuir a miséria em que vivem; que se mandem vir para o reino famílias extrangeiras para aprefeiçoarem os naturais no emprego das tintas e na fabricação dos panos; que se estabeleça uma companhia encarregada do fardamento das tropas do reino e das conquistas e seja ela a distribuir as encomendas pelos fabricantes e traficantes; que todos os criados de servir, oficiais mecânicos e escravos se vistam só de panos fabricados no reino; que só a companhia possa comprar as lãs, para evitar que se faça monopólio delas.
            O número de teares a que a Memória faz referência é um número reduzido; a mesma Memória afirma que não estão incluídos muitos dos existentes na região.
            O alvará de 11 de Agosto de 1759 é consagração legislativa das providências pedidas ao Rei. Nele se manda saber a quantidade de lãs que há no reino. A este alvará segue-se outro de 7 de Novembro de 1766 que o amplia e acrescenta, assim como ao Regimento de 1690. Em 12 de Maio de 1769 a Câmara da Covilhã recebia ordem para entregar a Paulino José Lombardi toda a pedraria caída dos muros da Vila, para a construção do edifício da nova casa da fábrica: esta construção obedecia ao desejo de, na mesma fábrica, se instruirem os futuros oficiais da indústria. Por este tempo também existia, no Castelejo, uma escola de aprendizagem. Aos 4 de Setembro de 1769 publicava-se outro alvará de cujo contexto se conclui que para o fardamento das tropas eram precisas 16 mil arrobas de lã, em cada ano. Em 1788 a Rainha D. Maria I, como já se tinha conseguido industriar, nas fábricas, o número de operários suficiente, resolveu que a administração da fábrica real passasse para particulares. Reconhecia-se assim o que já antes se reconhecera com a fábrica fundada por D. Pedro II: a administração particular era mais proveitosa do que a administração pública.

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            Para se conseguirem lãs de boa qualidade para o fabrico dos tecidos, o Marquês de Pombla mandou vir para Portugal carneiros merinos, para se seleccionarem as castas. Essa medida não deu o resultado que se desejava, ou porque as pastagens influiram na lã, ou porque o clima não lhe foi propício. Posteriormente, já no século XIX, um Dr. Pereira Forjaz, que era natural da Covilhã e licenciado em Direito, apresentou sobre este assunto uma comunicação à Academia das Ciências de Lisboa, de que era sócio correspondente, na qual estudava o problema da adaptação dos carneiros merinos em Portugal, para a fabricação de tecidos.
            Chegamos ao fim do século XVIII e agora podemos dizer que os resultados das medidas adoptadas pelo Marquês de Pombal foram as seguintes: Cem anos depois do tratado de Methuen a exportação de lanifícios portugueses para as Conquistas atingia 7 milhões de cruzados, como refere J. Lúcio de Azevedo no seu livro “Épocas do Portugal Económico”.

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            Não há nada mais a acrescentar a esta “introdução”, porque os documentos que se publicam adiante não dizem respeito ao século XIX. Foi neste século que a indústria atingiu o seu maior desenvolvimento e, pena é que estejamos impedidos pelo tempo e pela vastidão do trabalho, de fazer referência às utilíssimas medidas tomadas neste século e a um Inquérito Industrial que, no terceiro quartel dele, se realizou.

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