Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]
Para a Academia Real da História, no século XVIII, destinada ao primeiro dicionário do Padre Luís Cardoso, escreveu o prior de São Silvestre, Manuel Cabral de Pina, a monografia mais completa dessa época, que constitui um trabalho sério, no sentido de que é possível hoje referenciar quase todas as suas fontes. O Padre Pina, que frequentou um ano a Universidade de Coimbra, era natural do concelho de Fornos de Algodres e colheu muitos elementos para a sua monografia nas cópias do Arquivo da Torre do Tombo existentes na Câmara e nos livros paroquiais."
Para a Academia Real da História, no século XVIII, destinada ao primeiro dicionário do Padre Luís Cardoso, escreveu o prior de São Silvestre, Manuel Cabral de Pina, a monografia mais completa dessa época, que constitui um trabalho sério, no sentido de que é possível hoje referenciar quase todas as suas fontes. O Padre Pina, que frequentou um ano a Universidade de Coimbra, era natural do concelho de Fornos de Algodres e colheu muitos elementos para a sua monografia nas cópias do Arquivo da Torre do Tombo existentes na Câmara e nos livros paroquiais."
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Pelas leituras que temos feito podemos concluir que o texto que estamos a apresentar - Monografia de o Padre Manuel Cabral de Pina - não é o original. Trata-se de uma cópia, pois constatámos que ao longo da monografia aparecem, por vezes, frases entre parêntesis e até com letra diferente feitas por alguém que, em época posterior, pretendeu incluir no texto original dados mais recentes. Num dos casos chega-se a datar: "...Esta nota se fez em 1850".
"O original perdeu-se no Terramoto. A cópia que possuo é dos princípios do séc. XIX, mas posterior às invasões Francesas. Cedeu-me um exemplar o Ex.mo Senhor Artur de Moura Quintela... O questionário que lhe serviu de base é diferente daquele que foi enviado aos párocos, depois do Terramoto de 1755." (1)
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"O original perdeu-se no Terramoto. A cópia que possuo é dos princípios do séc. XIX, mas posterior às invasões Francesas. Cedeu-me um exemplar o Ex.mo Senhor Artur de Moura Quintela... O questionário que lhe serviu de base é diferente daquele que foi enviado aos párocos, depois do Terramoto de 1755." (1)
[...]
14º
No lugar de Unhaes da Serra, distante desta vila três
léguas se acha uma fonte, no cimo do lugar, em pouca distância dele, virado do
Norte para o Sul, sita em plano, cuja água sai quente mas menos que a das
Caldas e cheira a enxofre, na qual se tomam banhos e faz efeito da água das
Caldas ainda que não é com tanta eficácia. Tem uma casa para se tomarem banhos,
fundada sobre a mesma fonte que a cerca por todas as partes e a mandou fazer o
Illº Senhor Bispo actual João de Mendonça, no ano de 1729, em que nela tomou
banhos.
15º.
Não há que responder a este interrogatório.
16º.
Esta vila é murada. Os muros são de cantaria tosca,
fechada e lavrada, e terão de altura trinta palmos. No tempo presente teem os
muros bastante ruína e muitas quebradas, das quaes umas chegam ao meio da
parede e outras até ao chão. Eram estes muros bem célebres pela máquina grande
de pedraria que parece imensa e pela grandeza das pedras da parede pois, em
parte, teem torças do comprimento de quinze palmos e outras de dezoito. Alem
dos três postigos, um para o nascente, chamado postigo de D. Joana, outro para
o Sul e outro para o Poente, chamado postigo do Rosário, por estar ao pé da
igreja da Senhora do Rosário, tem quatro portas principaes. A primeira chamada
do Vale de Caravelho (sic) para o Norte, com duas torres saídas para fora do
muro e pouco mais altas que ele, quadradas e bem feitas, uma das quais está
inteira e a outra está demolida até ao meio. A segunda é a porta chamada do Sol,
para o Nascente, com duas torres semelhantes às acima relatadas, uma das quaes
está inteira e a outra está demolida até ao chão. A terceira é a porta chamada
de S. Vicente, para o Poente, com duas torres como as outras acima, as quaes
ambas estão inteiras, e uma tem alguma abertura e barriga, ainda que não muito
grande, porem a outra tem uma grande abertura e ameaça ruína. A quarta é a
porta chamada do Cas telo, por estar no cimo do mesmo Castelo, sita entre o
Poente e o Norte, e tem duas torres, uma das quaes é como as acima, a outra tem
cinco quinas e terá de altura quasi cem palmos e é a torra própria do Castelo
da dita vila que ali está como logo diremos. Esta torre da parte de dentro do
Castelo tem uma porta pequena por onde se entrava para ela, sita acima do
alicerce mais de quinze palmos e para esta porta havia um balcão com escadas
que de todo se demoliu. A torre, por dentro, já não tem madeiramento algum. Tem
três aberturas pequenas, uma das quaes ameaça alguma ruína. Neste sítio está o
Castelo da Vila, murado por todas as partes e para a banda da Serra lhe serve o
muro de parede, na qual está a dita torre grande. Tem o mesmo Castelo, para a
banda do Nascente, dois fortes, por modo de torres, saídas fora da parede, um
dos quais, em uma esquina, está demolido até ao meio. Dentro deste Castelo
estão umas casas que são do Visconde de Barbacena, alcaide mór desta vila.
A antiguidade dos muros e torres chega aos tempos de El
Rei D. Deniz por que há tradição que ele os fundou, cuja tradição se confirma
por quanto, como acima dissemos ao numero 13, no tempo de EI Rei D. Fernando, bisneto
do mesmo D. Deniz, se achava ainda por povoar o território, sito dentro dos
mesmos muros: donde se manifesta que a obra dos taes muros não excedia muito
aos tempos do dito Rei D.Fernando e daqui se convencem de menos verdadeiras
duas cousas. A primeira é dizerem alguns que estes muros foram fundados por El
Rei D. Sancho lº por quanto tal Rei, como acima fica dito ao número 2º e consta
das Crónicas, fundou esta vila junto aos pomares, ao pé da ribeira, na ladeira
chamada de Martim Collo. E os muros que existem e sítio onde estão feitos
distam mais de mil passos ou quasi dous mil do sítio da primeira fundação da
vila, feita pelo dito Rei. E sendo os muros uma coroa ou cerca que se pôe ao
redor das terras para segurança delas, mal podia o dito Rei D. Sancho lº fundar
os muros, que existem, em tanta distância da vila; logo o dito Rei não fundou
os muros que existem. A segunda cousa é dizerem outros que os taes muros foram
fundados por El Rei D. Manuel por quanto consta das provisões da Câmara, como
fica dito acima, ao número 13, que já existiam os muros no tempo de El Rei
D. Fernando. Nem, contra isto, obsta o achar-se assim, sobre a porta do Castelo,
como na parede dos muros, por baixo do mesmo Castelo, para a banda do Poente,
um letreiro com era de 1580, para o que se deve advertir que já antes de El Rei
D. Manuel, no tempo de El Rei D. Afonso 5º se acharam os muros com alguma ruína e
com quebradas e mandou o mesmo Rei D. Afonso 5º que fossem reformados, como tudo
consta das provisões da Câmara e fica dito acima ao número 13.
E, porque semelhantes obras costumam muitas vezes
demorar-se, é muito provável que como o Infante D. Luis, filho do dito Rei
D. Manuel, foi feito senhor desta vila e nela assistiu, como fica dito acima ao
número l, fizesse executar esta sobredita reforma dos muros, quando veio a esta
mesma vila e lhe deu a memorável relíquia do Santo Lenho, abaixo declarada ao
número 18. E assim, no fim de tal reforma, se poria a dita era e letreiro pois
vai dar nesses tempos.
17º.
Não há que responder a este interrogatório.
18º.
Há nesta vila uma relíquia do Santo Lenho da Cruz em que
Cristo padeceu a qual é memorável por quanto, sendo em Cruz, tem quasi um palmo
de altura e tem duas aspas. Foi doada pelo Infante D.Luis, senhor que foi desta
vila, de cuja doação trata o Padre Esperança, L.4. c.13. nº 3. e já fica dito
acima ao número 16, in fine. Esta relíquia, no primeiro tempo, esteve na
hermida de Santa Cruz, relatada acima ao número 7 e, sendo roubada por um
ladrão que cubiçou o relicário de prata em que estava metida, se escondeu com
ele entre os olivaes onde a virtude divina o prendeu e descobriu, no meio das
mesmas árvores, até entregar aquele excelente tesouro que sacrilegamente tinha
tirado. Vid. Padre Esperança, ibidem. Depois de restituída, se recolheu na
Igreja de Santa Maria, na capela do Santissimo, em um sacrário de que há cinco
chaves, uma do relicário onde está metida a relíquia que sempre tem o vigário
da igreja e quatro do dito sacrário das quais tem uma o Juiz da Irmandade do
Senhor da dita igreja, a outra o mordomo mais velho da mesma irmandade, outra o
arcipreste da vila e outra o vereador mais velho do senado.
É celebrada esta relíquia com duas festas que se lhe
fazem, uma em dia da Invenção da Cruz e outra em dia da Exaltação dela, e, no
mesmo dia da Invenção, se faz com ela uma procissão solene, com assistência do
povo, da igreja de Santa Maria, onde está, para a hermida de Santa Cruz onde,
em outro tempo, esteve. Publicamente se dá a beijar em Sexta Feira Santa e no
dia da Invenção, no qual dia vai ali adorá-la o Convento da S.Francisco, em
corpo de comunidade. Não há memória de que raio ofendesse esta vila depois que
nela existe esta relíquia.
Há, por cima de vila, para a parte da Serra, em distância
de meia légua, ou quasi, um sítio chamado as Sete Fontes por nele existirem
sete fontes cujas águas se ajuntão todas em uma só, a qual por todo este espaço
vem correndo por canos de pedra lavrada em direitura ao cimo da vila, donde se
reparte, para regar os quintaes dela e se comunica a dois chafarizes que ambos
teem uso público, um junto à igreja de Santa Maria, no cimo da vila, que somente
consta desta água, e outro, no meio dela, ao Pelourinho, sito em rocio largo e
feito com primor,o qual tem duas bicas, uma das quais consta desta água somente
e a outra consta da água de uma fonte, chamada Poço de EI Rei, que nascendo em
pouca distância, foi para alí encanada, sendo director, assim da factura do tal
chafariz como da condução da água e da dita fonte, para ele, o Juiz de Fora
Caetano José de Magalhães.
Na parede dos Paços da Câmara, da parte de baixo, virada
para o Nascente, logo por baixo das armas da vila que estão na mesma parede, se
acha uma cara grande com barbas compridas, tudo esculpido na parede e há
tradição que é a imagem do Conde Julião, aquele que florecia no tempo da
invasão dos mouros, feita em Hespanha, quando nela reinava D. Rodrigo, último
rei godo, feita por sua indução, para se vingar do mesmo rei que lhe tinha
desflorado sua filha. Tambem, na ponte chamada de Martir in Collo, sita na
ribeira da Degoldra, por baixo da vila, na face debaixo, virada para os
pomares, se acha uma figura na mesma pedra da ponte a qual é de mulher e há
tradição que é a imagem de Florinda, filha do dito Conde Julião, a quem os
mouros por ignomínia, chamaram a Cava, que é o mesmo que meretriz, por ter sido
desonestada pelo rei D.Rodrigo, se bem que ela não foi totalmente voluntária
nesta desonestação como bem declarou, na queixa que disso fez ao dito seu pai,
o qual nesse tempo estava na embaixada de África e ela vivia no paço do mesmo
Rei como tudo relatam as Crónicas.
E põe esta vila, como é de crer, as ditas duas figuras em
memória de taes pessoas, por duas razões, a primeira porque é tradição que o
dito conde foi senhor desta vila e que lhe fora dada pelos reis, por serviços
que havia feito e outro sim que Florinda ou Cava aquí nascera no tempo de tal
senhorio; a segunda e principal porque dos nomes de ambas as ditas pessoas se
formou o nome desta vila, por quanto de Cava e Julião se formou um nome inteiro
de Cavajuliana, o qual, por corrupção de vocábulo, veio a ficar em Coviliana e,
vulgarmente, Covilhã, como tudo relatam vários autores.
Há, nesta vila o Contrato dos Panos donde vão para todo o
Reino e para a vestiaria dos soldados e é uma das cousas notáveis deste povo. Para
este contrato há 65 teares que ocupam 130 pessoas, 15 pizôes nas duas ribeiras,
relatadas acima, ao nº 2, que ocupam mais de 60 pessoas; 14 tendas de prensar
e tozar, que ocupam 50 pessoas; 8 tintes de várias cores e dous mais de azul de
dornas, estes tintes de cores teem hoje menos uso depois que El Rei ordenou
fosse a dita vestiaria somente de côr branca. Tem mais El Rei, na Ribeira da
Carpinteira, uma fábrica sua, com pizão, tinte e prensa, que ocupará 20
pessoas.
Os oficiaes de carda e mulheres que fiam lã são
inumeráveis.
Há, nas ditas duas ribeiras, ao pé da vila, para moer pão,
seis azenhas com duas pedras cada uma e muitos moínhos que entre todas as
pedras, passam de sessenta.Há mais três lagares de azeite.
Tem esta vila, assim dentro como ao redor, mais de doze
fontes e, entre elas, são seis de excelente água e muito salutíferas. Tem oito
chafarizes de pedra de cantaria, entrando os dois acima relatados e todos teem
uso público.
Tem mais esta vila os Paços da Câmara, todos de cantaria
lavrada, e são de muita grandeza e teem janelas de sacada, com grades de ferro,
e fazem notável vista para o Terreiro do Pelourinho. Sobre eles se levanta uma
alta torre, também de cantaria lavrada,na qual há dois sinos, um é do relógio
da vila e o outro é de tanger à ronda e funções da Camara, os quais sinos, pela
sua qualidade, são dos mais excelentes da província.
Nesta vila,dentro do limite da Freguesia de S.João Martir
in Collo, se acham os vestígios de um hospital a que chamaram casa de saúde
cujo nome ainda conserva e lhe foi dado pela razão que já se declara. Foi
fundado no ano de 1600 para se curarem nele as pessoas infeccionadas da peste
que, no tal ano, grassou nesta vila, com
tal excesso, que a deixou quasi despovoada e depois de fundado o dito hospital
foram muito poucas as pessoas que morreram da peste donde veio a nascer o dito
nome de casa da saúde.
Há, nesta vila, em todos os Sábados, excepto os da
Quaresma, uma feira de gado meúdo, a que vulgarmente se chama Rasto, o qual
desde tempo sem memória se mata fora dos açougues públicos. Esta feira se faz em
muitas diversas partes da vila, e a ela acode grande número de gado cuja
abundância e cómodo com que ordinariamente se vende, faz o povo muito provido
de carnes. Deste gado se paga um tributo chamado real de água e é um vintem de
cada cabeça.
Esta vila, por ser célebre naquele tempo a fama da virtude
do convento de Santa Clara da Guarda, lhe fez doação e consignação de cinco
libras, cada um ano, na era de 1362, como relata o Padre Esperança, o que hoje
se não paga já. E, como ainda então se contava pela era de César, segundo acima
se disse ao nº 13 foi feita a dita doação na era do nascimento de Cristo de
1324. E se nota bem quão pouco era o dinheiro naquele tempo, pois, sendo a
doação feita a um convento e por uma vila como esta, constava somente de cinco
libras, sendo que três libras e meia faziam um real, como declara o mesmo Padre
Esperança e consta de uma escritura que ele aí relata. Porem as libras de ouro
valiam a oito vintens cada uma diz o mesmo Padre Esperança.
Esta vila se faz muito notável por ter treze paróquias,
com treze pias de baptizar, relatadas acima no nº.4. E, no tempo antigo, teve
mais quatro que eram as de S. Miguel, S. Lourenço e Santo André, relatadas
acima ao nº 7 e a de Santo Estêvão que totalmente se extinguiu e nem vestígios
existem dela; porem existe a geral e constante tradição dela e o sítio onde
estava e por esta causa ainda hoje se conserva o nome de Santo Estêvão.
Fim do capítulo 18º |
Nota dos editores 1) Dias, Luiz Fernando Carvalho, "Frei Heitor Pinto (Novas Achegas para a sua Biografia)", Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1952.
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