quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas XI

  
  Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]
Para a Academia Real da História, no século XVIII, destinada ao primeiro dicionário do Padre Luís Cardoso, escreveu o prior de São Silvestre, Manuel Cabral de Pina, a monografia mais completa dessa época, que constitui um trabalho sério, no sentido de que é possível hoje referenciar quase todas as suas fontes. O Padre Pina, que frequentou um ano a Universidade de Coimbra, era natural do concelho de Fornos de Algodres e colheu muitos elementos para a sua monografia nas cópias do Arquivo da Torre do Tombo existentes na Câmara e nos livros paroquiais."


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      Pelas leituras que temos feito podemos concluir que o texto que estamos a apresentar - Monografia de o Padre Manuel Cabral de Pina - não é o original. Trata-se de uma cópia, pois constatámos que ao longo da monografia aparecem, por vezes, frases entre parêntesis e até com letra diferente feitas por alguém que, em época posterior, pretendeu incluir no texto original dados mais recentes. Num dos casos chega-se a datar: "...Esta nota se fez em 1850".
"O original perdeu-se no Terramoto. A cópia que possuo é dos princípios do séc. XIX, mas posterior às invasões Francesas. Cedeu-me um exemplar o Ex.mo Senhor Artur de Moura Quintela... O questionário que lhe serviu de base é diferente daquele que foi enviado aos párocos, depois do Terramoto de 1755." (1)

[...]

Unhais da Serra
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Início do capítulo 14º

14º
No lugar de Unhaes da Serra, distante desta vila três léguas se acha uma fonte, no cimo do lugar, em pouca distância dele, virado do Norte para o Sul, sita em plano, cuja água sai quente mas menos que a das Caldas e cheira a enxofre, na qual se tomam banhos e faz efeito da água das Caldas ainda que não é com tanta eficácia. Tem uma casa para se tomarem banhos, fundada sobre a mesma fonte que a cerca por todas as partes e a mandou fazer o Illº Senhor Bispo actual João de Mendonça, no ano de 1729, em que nela tomou banhos.
15º.
Não há que responder a este interrogatório.
16º.

Esta vila é murada. Os muros são de cantaria tosca, fechada e lavrada, e terão de altura trinta palmos. No tempo presente teem os muros bastante ruína e muitas quebradas, das quaes umas chegam ao meio da parede e outras até ao chão. Eram estes muros bem célebres pela máquina grande de pedraria que parece imensa e pela grandeza das pedras da parede pois, em parte, teem torças do comprimento de quinze palmos e outras de dezoito. Alem dos três postigos, um para o nascente, chamado postigo de D. Joana, outro para o Sul e outro para o Poente, chamado postigo do Rosário, por estar ao pé da igreja da Senhora do Rosário, tem quatro portas principaes. A primeira chamada do Vale de Caravelho (sic) para o Norte, com duas torres saídas para fora do muro e pouco mais altas que ele, quadradas e bem feitas, uma das quais está inteira e a outra está demolida até ao meio. A segunda é a porta chamada do Sol, para o Nascente, com duas torres semelhantes às acima relatadas, uma das quaes está inteira e a outra está demolida até ao chão. A terceira é a porta chamada de S. Vicente, para o Poente, com duas torres como as outras acima, as quaes ambas estão inteiras, e uma tem alguma abertura e barriga, ainda que não muito grande, porem a outra tem uma grande abertura e ameaça ruína. A quarta é a porta chamada do Cas telo, por estar no cimo do mesmo Castelo, sita entre o Poente e o Norte, e tem duas torres, uma das quaes é como as acima, a outra tem cinco quinas e terá de altura quasi cem palmos e é a torra própria do Castelo da dita vila que ali está como logo diremos. Esta torre da parte de dentro do Castelo tem uma porta pequena por onde se entrava para ela, sita acima do alicerce mais de quinze palmos e para esta porta havia um balcão com escadas que de todo se demoliu. A torre, por dentro, já não tem madeiramento algum. Tem três aberturas pequenas, uma das quaes ameaça alguma ruína. Neste sítio está o Castelo da Vila, murado por todas as partes e para a banda da Serra lhe serve o muro de parede, na qual está a dita torre grande. Tem o mesmo Castelo, para a banda do Nascente, dois fortes, por modo de torres, saídas fora da parede, um dos quais, em uma esquina, está demolido até ao meio. Dentro deste Castelo estão umas casas que são do Visconde de Barbacena, alcaide mór desta vila.
A antiguidade dos muros e torres chega aos tempos de El Rei D. Deniz por que há tradição que ele os fundou, cuja tradição se confirma por quanto, como acima dissemos ao numero 13, no tempo de EI Rei D. Fernando, bisneto do mesmo D. Deniz, se achava ainda por povoar o território, sito dentro dos mesmos muros: donde se manifesta que a obra dos taes muros não excedia muito aos tempos do dito Rei D.Fernando e daqui se convencem de menos verdadeiras duas cousas. A primeira é dizerem alguns que estes muros foram fundados por El Rei D. Sancho lº por quanto tal Rei, como acima fica dito ao número 2º e consta das Crónicas, fundou esta vila junto aos pomares, ao pé da ribeira, na ladeira chamada de Martim Collo. E os muros que existem e sítio onde estão feitos distam mais de mil passos ou quasi dous mil do sítio da primeira fundação da vila, feita pelo dito Rei. E sendo os muros uma coroa ou cerca que se pôe ao redor das terras para segurança delas, mal podia o dito Rei D. Sancho lº fundar os muros, que existem, em tanta distância da vila; logo o dito Rei não fundou os muros que existem. A segunda cousa é dizerem outros que os taes muros foram fundados por El Rei D. Manuel por quanto consta das provisões da Câmara, como fica dito acima, ao número 13, que já existiam os muros no tempo de El Rei D. Fernando. Nem, contra isto, obsta o achar-se assim, sobre a porta do Castelo, como na parede dos muros, por baixo do mesmo Castelo, para a banda do Poente, um letreiro com era de 1580, para o que se deve advertir que já antes de El Rei D. Manuel, no tempo de El Rei D. Afonso 5º se acharam os muros com alguma ruína e com quebradas e mandou o mesmo Rei D.  Afonso 5º que fossem reformados, como tudo consta das provisões da Câmara e fica dito acima ao número 13.
E, porque semelhantes obras costumam muitas vezes demorar-se, é muito provável que como o Infante D. Luis, filho do dito Rei D. Manuel, foi feito senhor desta vila e nela assistiu, como fica dito acima ao número l, fizesse executar esta sobredita reforma dos muros, quando veio a esta mesma vila e lhe deu a memorável relíquia do Santo Lenho, abaixo declarada ao número 18. E assim, no fim de tal reforma, se poria a dita era e letreiro pois vai dar nesses tempos.
17º.
Não há que responder a este interrogatório.
18º.
Há nesta vila uma relíquia do Santo Lenho da Cruz em que Cristo padeceu a qual é memorável por quanto, sendo em Cruz, tem quasi um palmo de altura e tem duas aspas. Foi doada pelo Infante D.Luis, senhor que foi desta vila, de cuja doação trata o Padre Esperança, L.4. c.13. nº 3. e já fica dito acima ao número 16, in fine. Esta relíquia, no primeiro tempo, esteve na hermida de Santa Cruz, relatada acima ao número 7 e, sendo roubada por um ladrão que cubiçou o relicário de prata em que estava metida, se escondeu com ele entre os olivaes onde a virtude divina o prendeu e descobriu, no meio das mesmas árvores, até entregar aquele excelente tesouro que sacrilegamente tinha tirado. Vid. Padre Esperança, ibidem. Depois de restituída, se recolheu na Igreja de Santa Maria, na capela do Santissimo, em um sacrário de que há cinco chaves, uma do relicário onde está metida a relíquia que sempre tem o vigário da igreja e quatro do dito sacrário das quais tem uma o Juiz da Irmandade do Senhor da dita igreja, a outra o mordomo mais velho da mesma irmandade, outra o arcipreste da vila e outra o vereador mais velho do senado.
É celebrada esta relíquia com duas festas que se lhe fazem, uma em dia da Invenção da Cruz e outra em dia da Exaltação dela, e, no mesmo dia da Invenção, se faz com ela uma procissão solene, com assistência do povo, da igreja de Santa Maria, onde está, para a hermida de Santa Cruz onde, em outro tempo, esteve. Publicamente se dá a beijar em Sexta Feira Santa e no dia da Invenção, no qual dia vai ali adorá-la o Convento da S.Francisco, em corpo de comunidade. Não há memória de que raio ofendesse esta vila depois que nela existe esta relíquia.
Há, por cima de vila, para a parte da Serra, em distância de meia légua, ou quasi, um sítio chamado as Sete Fontes por nele existirem sete fontes cujas águas se ajuntão todas em uma só, a qual por todo este espaço vem correndo por canos de pedra lavrada em direitura ao cimo da vila, donde se reparte, para regar os quintaes dela e se comunica a dois chafarizes que ambos teem uso público, um junto à igreja de Santa Maria, no cimo da vila, que somente consta desta água, e outro, no meio dela, ao Pelourinho, sito em rocio largo e feito com primor,o qual tem duas bicas, uma das quais consta desta água somente e a outra consta da água de uma fonte, chamada Poço de EI Rei, que nascendo em pouca distância, foi para alí encanada, sendo director, assim da factura do tal chafariz como da condução da água e da dita fonte, para ele, o Juiz de Fora Caetano José de Magalhães.
Na parede dos Paços da Câmara, da parte de baixo, virada para o Nascente, logo por baixo das armas da vila que estão na mesma parede, se acha uma cara grande com barbas compridas, tudo esculpido na parede e há tradição que é a imagem do Conde Julião, aquele que florecia no tempo da invasão dos mouros, feita em Hespanha, quando nela reinava D. Rodrigo, último rei godo, feita por sua indução, para se vingar do mesmo rei que lhe tinha desflorado sua filha. Tambem, na ponte chamada de Martir in Collo, sita na ribeira da Degoldra, por baixo da vila, na face debaixo, virada para os pomares, se acha uma figura na mesma pedra da ponte a qual é de mulher e há tradição que é a imagem de Florinda, filha do dito Conde Julião, a quem os mouros por ignomínia, chamaram a Cava, que é o mesmo que meretriz, por ter sido desonestada pelo rei D.Rodrigo, se bem que ela não foi totalmente voluntária nesta desonestação como bem declarou, na queixa que disso fez ao dito seu pai, o qual nesse tempo estava na embaixada de África e ela vivia no paço do mesmo Rei como tudo relatam as Crónicas.
E põe esta vila, como é de crer, as ditas duas figuras em memória de taes pessoas, por duas razões, a primeira porque é tradição que o dito conde foi senhor desta vila e que lhe fora dada pelos reis, por serviços que havia feito e outro sim que Florinda ou Cava aquí nascera no tempo de tal senhorio; a segunda e principal porque dos nomes de ambas as ditas pessoas se formou o nome desta vila, por quanto de Cava e Julião se formou um nome inteiro de Cavajuliana, o qual, por corrupção de vocábulo, veio a ficar em Coviliana e, vulgarmente, Covilhã, como tudo relatam vários autores.
Há, nesta vila o Contrato dos Panos donde vão para todo o Reino e para a vestiaria dos soldados e é uma das cousas notáveis deste povo. Para este contrato há 65 teares que ocupam 130 pessoas, 15 pizôes nas duas ribeiras, relata­das acima, ao nº 2, que ocupam mais de 60 pessoas; 14 tendas de prensar e tozar, que ocupam 50 pessoas; 8 tintes de várias cores e dous mais de azul de dornas, estes tintes de cores teem hoje menos uso depois que El Rei ordenou fosse a dita vestiaria somente de côr branca. Tem mais El Rei, na Ribeira da Carpinteira, uma fábrica sua, com pizão, tinte e prensa, que ocupará 20 pessoas.
Os oficiaes de carda e mulheres que fiam lã são inumeráveis.
Há, nas ditas duas ribeiras, ao pé da vila, para moer pão, seis azenhas com duas pedras cada uma e muitos moínhos que entre todas as pedras, passam de sessenta.Há mais três lagares de azeite.
Tem esta vila, assim dentro como ao redor, mais de doze fontes e, entre elas, são seis de excelente água e muito salutíferas. Tem oito chafarizes de pedra de cantaria, entrando os dois acima relatados e todos teem uso público.
Tem mais esta vila os Paços da Câmara, todos de cantaria lavrada, e são de muita grandeza e teem janelas de sacada, com grades de ferro, e fazem notável vista para o Terreiro do Pelourinho. Sobre eles se levanta uma alta torre, também de cantaria lavrada,na qual há dois sinos, um é do relógio da vila e o outro é de tanger à ronda e funções da Camara, os quais sinos, pela sua qualidade, são dos mais excelentes da província.
Nesta vila,dentro do limite da Freguesia de S.João Martir in Collo, se acham os vestígios de um hospital a que chamaram casa de saúde cujo nome ainda conserva e lhe foi dado pela razão que já se declara. Foi fundado no ano de 1600 para se curarem nele as pessoas infeccionadas da peste que,  no tal ano, grassou nesta vila, com tal excesso, que a deixou quasi despovoada e depois de fundado o dito hospital foram muito poucas as pessoas que morreram da peste donde veio a nascer o dito nome de casa da saúde.
Há, nesta vila, em todos os Sábados, excepto os da Quaresma, uma feira de gado meúdo, a que vulgarmente se chama Rasto, o qual desde tempo sem memória se mata fora dos açougues públicos. Esta feira se faz em muitas diversas partes da vila, e a ela acode grande número de gado cuja abundância e cómodo com que ordinariamente se vende, faz o povo muito provido de carnes. Deste gado se paga um tributo chamado real de água e é um vintem de cada cabeça.
Esta vila, por ser célebre naquele tempo a fama da virtude do convento de Santa Clara da Guarda, lhe fez doação e consignação de cinco libras, cada um ano, na era de 1362, como relata o Padre Esperança, o que hoje se não paga já. E, como ainda então se contava pela era de César, segundo acima se disse ao nº 13 foi feita a dita doação na era do nascimento de Cristo de 1324. E se nota bem quão pouco era o dinheiro naquele tempo, pois, sendo a doação feita a um convento e por uma vila como esta, constava somente de cinco libras, sendo que três libras e meia faziam um real, como declara o mesmo Padre Esperança e consta de uma escritura que ele aí relata. Porem as libras de ouro valiam a oito vintens cada uma diz o mesmo Padre Esperança.

Esta vila se faz muito notável por ter treze paróquias, com treze pias de baptizar, relatadas acima no nº.4. E, no tempo antigo, teve mais quatro que eram as de S. Miguel, S. Lourenço e Santo André, relatadas acima ao nº 7 e a de Santo Estêvão que totalmente se extinguiu e nem vestígios existem dela; porem existe a geral e constante tradição dela e o sítio onde estava e por esta causa ainda hoje se conserva o nome de Santo Estêvão. 


Fim do capítulo 18º
Nota dos editores 1) Dias, Luiz Fernando Carvalho, "Frei Heitor Pinto (Novas Achegas para a sua Biografia)", Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1952.

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