sábado, 6 de junho de 2015

Covilhã - Os Forais XXIII

Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.

 […] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]

     O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.

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A Ceifa, de Silva Porto

Senhor

Foi apresentada nesta comissão uma extensa Memoria assignada pelo advogado Antonio Maximo Lopes a qual trata de varios objectos pertencentes ao melhoramento da Agricultura.
O autor estabelece logo em principio que não há Reino algum em toda a Europa onde o estado da agricultura seja mais florente que na Inglaterra; e que por isso se deve apropriar para Portugal, emquanto for possivel, o sistema rural da Grã Bretanha, como o que se tem feito tudo.
Depois disto expõe as principais causas da prosperidade da agricultura inglesa na mesma ordem em que as expôs Artur Young no principio da primeira parte da Arithmetica Politica; e trata de cada uma delas separadamente, fazendo em cada artigo as aplicações necessarias ao estado da agricultura portugueza.
É evidente que uma nação que quizer elevar a agricultura a um estado de prosperidade e adoptar para isto o sistema de economia rural e politica que se observa na Inglaterra deve primeiramente cuidar em remover os obstaculos que se podem opor ao estabelecimento deste sistema. Por isso, o autor da memoria examina primeiramente quaes sejam esses obstaculos e depois porque modo se podem ou modificar ou absolutamente tirar.
Em quanto à primeira parte é certo que ele aponta não todos mas os principais e os mais obvios que impedem o melhoramento da nossa agricultura. Talvez que todos os outros que ainda restam se possam reduzir aos mesmos artigos geraes; talvez julgasse seria uma cousa muito dificil abranger tão vasta materia numa unica memoria; e isto desculpa as omissões que nela se acham e que a Comissão escusa de suprir agora; por isso que o seu trabalho tem sido e continuará a ser a de considerar separadamente cada um dos obstaculos que o Autor considerou e os outros que ele omitiu.
Em quanto à segunda parte pode-se dizer em geral que os arbitrios propostos são muito sensatos e dignos de serem tomados em consideração antes de se intentar tão util reforma: ainda que a brevidade que seguiu o Autor não lhe permitiu fazer todas as aplicações necessarias de cada um destes arbitrios ao sistema e forma geral da nossa Legislação; o que parece conveniente para se proceder legalmente à dita reforma.
Assim naquelas materias que a Comissão já tem tratado, julga esta inutil tornar a dar o seu parecer porque lhe parece que elas estão mais extensamente desenvolvidas nas suas propostas do que na presente memoria, e naquelas que ainda deve tratar irá pouco a pouco e separadamente submetendo à consideração de V.A.R. a sua opinião fazendo-se cargo especialmente dos arbitrios propostos, umas vezes para os seguir, outras vezes para apontar outros que mereçam adoptar-se com preferencia e sempre ou quasi sempre para os aplicar e reduzir, segundo o metodo que tem seguido, ao estado da nossa Legislação geral e para remover os inconvenientes que podem dificultar a sua adopção.
 Pois que não se trata de destruir duma vez todo o nosso sistema legal e politico para edificar outro de novo; o que não poderia, principalmente nos tempos actuais, ser conforme às intenções de V.A.R., ou ao menos não se pode mostrar que o seja.
Eis aqui o juizo que a Comissão fez àcerca da referida memoria que sobe à presença de V.A.R. e para que à vista dela se conheçam brevemente as cousas que o Autor tratou e destas quais foram já consideradas pela Comissão quaes serão ainda consideradas para o futuro; pareceu ajuntar a seguinte noticia das cousas importantes que se acham em cada um dos artigos da Memoria.

Da Liberdade

Nesta artigo trata-se da extinção de certos privilegios, leis ou costumes que tolhem a liberdade dos agricultores; taes são 1º os direitos banais; 2º os Relegos; 3º a repartição de homens de trabalho, feita pelos juizes das terras a favor de alguns particulares; 4º a policia das guias; 5º os rendeiros e olheiros postos pelas camaras. 6º coudelarias.
Do primeiro objecto já a Comissão tratou na sua proposta de 18 de Novembro do ano passado, os outros serão tomados em consideração em lugar oportuno.

Da formalidade da imposição

O autor reputando que o produto das sisas e o subsidio Militar da Decima formam a massa grossa das imposições fiscais pelo que respeita aos predios rusticos e não julgando necessaria outra alguma cousa à cerca da decima que o cumprimento das Instruções e Providencias de 18 de Outubro de 1762; passa a inculcar a necessidade de se extinguirem as rendas correntes.
A Comissão falará tambem separadamente deste ultimo objecto, e omitirá o que diz respeito ao primeiro; pois que seria agora inutil propor qualquer alivio dos povos no lançamento e arrecadação desta imposição quando as necessidades extraordinarias da guerra a tem feito duplicar, e as ordens de V.A.R. a mandam exigir de modo que seja justa igual e produtiva.
Contudo a Comissão não pode deixar de inculcar a Sabedora com que foi concebido o § 8º da Portaria de 15 de Junho de 1812, o qual determina que os lançamentos dos produtos rusticos em todo o Reino se façam de 4 em 4 anos, por este modo são os cultivadores beneficiados, por isso que em tal periodo de tempo podem aumentar, e aperfeiçoar a sua cultura, sem que os seus esforços produzam imediatamente um efeito muito capaz de os destruir e sufocar; e a Fazenda Real não perdendo entretanto cousa alguma, vem a receber depois um aumento proprcional ao acrescimo da fortuna dos particulares.
Entretanto julga a Comissão que aquele periodo é ainda muito limitado, e talvez pouco suficiente para animar os proprietarios a novas e importantes especulações, de maneira que o favor da Agricultura a que não repugna o interesse da Real Fazenda parecia pedir que os novos lançamentos da Decima se fizessem depois de um periodo mais extenso, e pelo menos dobrado.

Dos longos arrendamentos

Neste artigo expõe o Autor em poucas palavras o que diz Young a favor dos longos arrendamentos. Esta materia tão importante, será tratada pela Comissão segundo os mesmos principios e aplicada à legislação que regula entre nós estes contratos.

Da Composição dos Dizimos

Debaixo deste titulo trata-se com bastante extensão do gravame que resulta à agricultura das jugadas, quartos, terços e outros encargos a que as terras estão sujeitas e propõe-se o arbitrio de composição e redução por uma avença perpetua à semelhança do que já se concedeu aos proprietarios do Reguengo da Arruda.
Este objecto é tão importante e o arbitrio do autor tão judicioso que apesar de ser substancialmente o mesmo já expendido no discurso do advogado Manuel d’Almeida e Sousa, que subiu à presença de V.A.R. em propsta de 9 de Dezembro do ano passado; a Comissão espera ainda tomá-la novamente em consideração afim de ocorrer a qualquer duvida que se possa opor à execução do mesmo arbitrio.
Diverso conceito faz a Comissão do que diz o autor da Memoria àcerca dos Dizimos, aos quaes aplica o arbitrio de avença perpetua paga em genero, que tinha proposto para as jugadas. Este Tributo pago aos Ministros da Igreja que hoje tambem se deve reputar tributo civil, admite diversa forma de melhoramento, e essa mais util e de maior beneficio para a agricultura.

Da isenção do serviço pessoal

O autor da Memoria considera este serviço relativamente ao recrutamento para milicias, e aos embargos de carros e gados para os transportes; e sobre este objecto delibera actualmente a Comissão expôr a V.A.R. o seu parecer. Porem há outras qualidades de serviço pessoal de que o A. poderia tratar porque delas tambem e principalmente trata Young na sua obra e porque delas recebe grande gravame a nossa agricultura. Tal é o serviço pessoal que os Lavradores são obrigados a prestar a certos senhorios do qual já a Comissão tratou na Proposta de 18 de Novembro do ano passado; tal é o serviço a que os povos são obrigados pelas camaras para o concerto dos caminhos e outras obras publicas, o qual facilmente se poderia escusar ou diminuir, uma vez que fossem feitos debaixo de um plano mais bem dirigido estas obras, cuja utilidade para a aggricultura a comissão acaba de ponderar na proposta de 10 do corrente mez. Em geral pode-se dizer, e esta é a opinião de Young, que o valor destes e outros encargos publicos que pesam sobre os cultivadores, sendo avaliados em dinheiro por composição ou avença, não subiria à milesima parte do que eles custam anualmente.

Das leis respectivas ao comercio dos grãos

A franqueza do comercio dos grãos como absolutamente necessaria para o melhoramento da nossa agricultura, forma objecto deste artigo. A Comissão tendo já ponderado propostas de 10 do corrente mez que as restrições que as nossas leis puseram a este comercio são sumamente prejudiciais, reserva para outra ocasião tratar extensamente este assunto.
Emquanto à aplicação que o Autor da Memoria faz ao estabelecimento e administração actual do Terreiro Publico de Lisboa, não duvida a Comissão tratar este ponto em teoria e relativamente à nossa agricultura, abstendo-se porem de examinar os vicios que se podem ter introdusido nesta repartição contra o espirito ou letra das nossas leis pois que nem esses vicios estão ao seu alcance nem a ela pertence emendá-los.

Da pobreza nacional

De todos os obstaculos da cultivação (escreve o autor da memoria) nenhum é tão dificultoso de remover como o que resulta da pobreza da classe cultivadora! ele representa os Lavradores cobertos de trapos como outros tantos mendigos; lisongea-se depois que a extinção dos direitos proibitivos e a de todos os outros obstáculos que deixa apontados, restituirá àquela classe de homens o estado de abundancia de que deve gosar e ultimamente conclue que há entre nós riqueza nacional e que há outras classes de pessoas que podem vantajosamente empregar os seus capitaes na cultura das terras.
Neste artigo não se acha cousa alguma de que a Comissão se deva incumbir de tratar; pois que é evidente que a pobreza e a infelicidade da classe cultivadora é um efeito e resultado dos encargos que ela sofre e das contrariedades que experimenta; cessando as quais a Agricultura deve florescer até certo ponto; é tambem evidente que há entre nós grandes capitalistas que podiam aplicar seus cabedaes mais do que alguns até agora teem feito no progresso da cultura: mas não é igualmente liquido que o nosso Reino tenha actualmente uma riqueza que se possa chamar nacional; nem é facil uma vez que ele a não tenha fazer com que rapidamente a adquira. Young que trata esta materia, não só como escritor agronomo mas como filosofo politico, considera a riqueza nacional debaixo dum ponto de vista bem diferente quando assevera que a falta dela é o obstaculo mais dificil de remover, entre todos os que retardam o progresso da Agricultura pois que é preciso animar ao mesmo tempo e duma maneira uniforme e constante a agricultura e todos os ramos da industria e do comercio, o que exige muito trabalho e tempo. Assim Young considera estas cousas como ligadas entre si e da sua união faz depender a prosperidade e por consequencia a riqueza nacional a qual faz que o cultivador possa vender vantajosamente as produções da terra e forme a base dum comercio sempre activo.
Por estes principios pode-se tambem julgar que uma nação que queira hoje alevantar-se a um estado de prosperidade que a faça figurar entre as Nações Europeas, cometerá um igual erro ou queira empregar-se no comercio despresando inteiramente a sua agricultura e sacrificando-se às manufacturas, ou entregando-se inteiramente a esta (sic) limitando-se apenas a tirar da terra os escassos meios de subsistencia. Oxalá que debaixo deste ponto de vista se pudesse dizer: portugal é rico!

Dos tapados

Facilitar os tapados e extinguir os pastos comuns eis aqui duas cousas que se inculcam neste artigo; das quaes já a comissão tratou com bastante extensão nas suas propostas de 16 de Dezembro do ano passado.
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Do grande consumo de Carnes

Neste ultimo artigo demora-se o autor da memoria a examinar os inconvenientes da lei de 20 de Junho de 1774 na parte em que quiz subordinar as creações de gados às sementeiras, e tambem a inconsideração com que foram expedidas as ordens da Intendencia que proibião matarem-se rezes pequenas: e conclue que a beneficio da Agricultura se deve promover a abundancia do gado e o grande consumo das carnes por providencias inteiramente opostas; e sobretudo permitindo-se que o Senhor do terreno o possa ocupar naquilo que lhe parecer mais util.
A Comissão examinará devagar as cousas que se contem no presente artigo, respectivas à creação dos gados, tomando por base de duas propostas à referida lei de 1774 e as Ordens da Intendencia.
No fim da Memoria trata-se mui brevemente do favor que se deve conceder à cultura dos terrenos baldios, à lavra das batatas e à plantação de arvores; e a este respeito nada tem a Comissão que ponderar pois que nas suas propostas de 16 de Dezembro do ano passado já tratou da cultura dos Baldios e especialmente daqueles que ficam proximos das povoações ou contiguos a outros casais já existentes; e desde então teve em vista expor em diversa proposta as diversas e mais amplas providencias que exige a cultura das extensas charnecas de que abunda o nosso Reino. E emquanto à plantação dos arvoredos ela foi o objecto da proposta de 10 de Fevereiro deste ano.

Lisboa 17 de Março de 1813.

Fonte - BNP Reservados

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