O nosso blogue vive do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, que continuamos a explorar. Desde sempre soubemos o interesse do investigador por Frei Heitor Pinto, que originou a publicação da obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)”, o 1º da sua vasta obra. Aquando das comemorações do IV centenário da morte do frade jerónimo, que se realizaram na Covilhã a 2 de Dezembro de 1984, empenhou-se totalmente para que a figura de Frei Heitor fosse mais divulgada.
A propósito de monografias covilhanenses, Luiz Fernando Carvalho Dias lembrou Frei Heitor Pinto:
“Não ainda em monografia, mas como simples descrição, registo a primeira imagem da Covilhã em forma literária. Cabe ao nosso Frei Heitor Pinto, o escritor português mais divulgado e com mais edições no século XVI. Trata-se de uma imagem enternecida, como que uma saudade de peregrino a adivinhar exílios, muito embora a abundância dos adjectivos desmereça da evocação:
“ … Inexpugnável por fortes e altos muros, situada num lugar alto e desabafado e de singular vista, entre duas frescas e perenais ribeiras, com a infinidade de frias e excelentes fontes e cercada de deleitosos e frutíferos arvoredos. “ (1)
Estamos a publicar informações sobre Frei Heitor Pinto. Baseamo-nos em reflexões do investigador, em fotografias e textos da Exposição de 1984 e na obra sobre Frei Heitor Pinto.
Acompanhemos a obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)” de Luiz Fernando Carvalho Dias:
[...]
[...]
Escolar, escritor e
viajante
Após a profissão religiosa, Fr.
Heitor Pinto quedou-se em Belém, no aperfeiçoamento monástico. Nestes anos
mergulham suas raízes, as saudades do mosteiro e da suave conversação dos
religiosos, que adiante o haviam de crucificar ao arrebatá-lo o turbilhão da
vida activa, em plena metrópole da Cristandade.
Sabemos que do mosteiro de Belém não seguiu directamente para a
Universidade de Coimbra, mas ouviu antes
um curso de Fr. Jorge de Belém (1), no Colégio da Costa, em Guimarães.
Para esse curso indicámos a data presumível de 1546-1547, visto não constar
das provanças de Siguença nem se mencionar na Dedicatória ao Cardeal Infante (2). Pouca importância isso lhe devia merecer.
Os seus estudos, além do período
secular, consagrado ao direito civil em Coimbra e em Salamanca, vão decorrer
todos na Universidade Portuguesa:
«Et
interfluxis nonnullis annis missus a primate meo totius ordinis moderatore ad
ordinis Collegium tanquam ad bonarurn artium mercaturam, mea studia longo
intervallo intermissa revocaui. lbi octo continuos annos auide et ardenter dedi
operam literis in quibus totum cursum et philosophiae et theologiae sub
excelentibus praeceptoribus virtute et sapientia praestantibus perfeci, et
utriusque linguae Graecae, et Hebraicae notitiam camparaui (3).
Para completa notícia destes
oito anos, socorremo-nos além desta confissão dos documentos de Siguença. Eles
indicam como, em Coimbra, os três primeiros foram dedicados ao estudo das artes
e os restantes cinco à Santa Teologia. Visto estar pronto para o
bacharelato em Artes, em 12 de Março de 1550 (4),
fixamos para estes estudos os anos de 1547-48
a 1549-50 e para a Teologia os de 1550-51 a 1555-56.
Terminados os estudos,
regressou Fr. Heitor Pinto ao mosteiro de Belém para, longe de todas as preocupações
humanas, se consagrar às letras divinas. Dos
Profetas escolheu Isaías, pela grandeza e utilidade da sua obra e por serem
poucos os comentadores.
«.
. . A collegio reversus ad monasterium, unde profectus fueram quantum potui, me
abduxit ab omni negotio humano, totumque me dedidi studio diuinarum literarum.
Et
consideranti mihi, atque saepe numero memoria repetenti prophetae Esaiae
utilitatem, magnificentiam, et amplitudinê, esseque eius expositores
paucissimos, eosque brevissimos, eumque multis in locis indigere explanatione,
oriebatur desiderium quoddam eius explanandi...» (5).
Esaíam Prophetam Commentaria |
A vastidão do empreendimento e a
profundeza do profeta conquanto o houvessem abalado de receios na alma, não lhe
desarmaram a vontade, de modo que em meados do ano de 59 podia alegrar-se com a
redacção definitiva da sua primeira obra de exegese.
Mas não a publicou logo; meteu-a
na sacola de peregrino e levou-a consigo para Roma, sujeitando-a à censura
de Teólogos Jesuítas (6) e Dominicanos (7).
A ordem de S. Jerónimo trazia,
em Roma, duas questões importantes: uma com o cabido de Lisboa e outra com o
seu antigo e ilustre conventual Fr. Diogo de Murça. Na primeira discutiam-se os dízimos dos cerrados de Belém. Os
hieronimitas perderam a causa em Lisboa e apelaram para a Santa Sé.
Desconhecemos porém o ano em que o processo subiu aos tribunais Romanos. Aí o
encontramos, contudo, cm 1551. Refere-se-lhe o Embaixador de Portugal D. Afonso
de Alencastre, em carta para D. João III, de 1 de Dezembro desse ano (8).
Pleiteava pelos frades o Dr. António Lopes que alcançou a revogação da
sentença de Lisboa em 1558 (9). O cabido
não se conformou e a questão estendeu-se por alguns anos (10).
Os monges conseguiram novo provimento na Rota, em 1561 (11), mas, no ano seguinte, a causa ainda não
tinha terminado (12).
Na demanda de Fr. Diogo de Murça,
questionavam-se as rendas do mosteiro de Refóios, cuja administração pretendia
transferir, por morte, a seu sobrinho D. João Pinto, preterindo a ordem. Este
pleito entraria, em Roma, cerca de I557, porque a ele se reporta a Rainha Regente,
em 19 de Agosto, na correspondência para o embaixador:
«
... Eu sam informado que frei Diogo de Murça, queria pôr o mosteiro de Refoios
de Basto que ora tem em hum seu sobrinho, e posto que o eu não crea, todavia
porque folgaria saber no certo se he assi, ou não, vos encomendo muito que
procureis por saber se o dito frei Diogo de Murça fas nisto algua instancia,
achando que o requere e o pede a Sua Santidade trabalhareis por lhe estorvar
que se não ponha o dito Mosteiro em nenhua pessoa e avizarme eis do que
achardes e souberdes e tereis muita vigilancia e cudado (sic) pera que se lhe
não passe. El-Rei meu Senhor e Avo que santa gloria aja vos tinha escrito sobre
a demanda do mosteiro de Bellem, e porque eu receberei contentamento em
fazerdes ter della muito bom cudado, (sic) vos encomendo muito que o façais
asi, e que me escrevais os termos em que estiver» (13).
Daqui se conclui: a coroa tutelava os interesses dos hieronimitas
contra Fr. Diogo de Murça, considerando desrazoáveis as pretensões do frade.
Em 14 de Setembro, este religioso tentava justificar-se, perante o
monarca:
Sñor
per
gõçalo pito meu sobrinho Re/ceby hua carta de V. A. e agora Receby outra p hu
moço de sua estri/beira ãbas sobre as differêças q os pá/dres de nossa ordê
querê ter comjgo / e por q estas deffe rêcas nascê de / cousas q està mto
doutra manra de q./la se offrecê a v. a.
quero ãtes tomar / o trabalho dir dar Rezão de todo o q / passa q Respõder cousas
q Requeirã / outra e outra Resposta, eu me fiqº/fazêdo prestes p.ª hir e como o
for / logo hirey e prazera a nosso Sõr/q tudo se assentara a serviço de ds. / e
de v. a., a graca do spiritu sãto sseja / sêpre cõ v. a. de coymbra a xiiij de
setêbro de 1557/
frey dyº/
de Murça»
No verso: «Pera el Rey/nosso
Sõr/» (14).
Carecemos de elementos precisos para seguir em Roma os trâmites da
causa: somente a Bula que nomeia D. João Pinto, imediato sucessor de seu tio,
na administração de Refóios e o Monitório Apostólico de 12 de Maio de 1559 (15) segundo o qual Fr. Diogo alcançou da Santa
Sé o privilégio de não ser molestado nem injuriado pelos confrades nos elucidam
desta primeira fase da contenda. Daqui resultou a ordem abandonar o campo teórico
das queixas e tomar a iniciativa de enviar a Roma dois emissários.
Recaiu a escolha em Fr. João,
prior do Mosteiro da Costa e em Fr. Heitor Pinto (16).
Saíram de Portugal apressadamente (17),
pela fronteira de Zamora, até Barcelona (18).
Daí navegaram, tocando em Marselha (19),
para Génova, onde Fr. Heitor Pinto recebeu as notícias que, por razões
importantes, o obrigaram a jornadear, por terra (20)
até Roma, onde se encontrava já, com o seu companheiro, em 18 de Agosto de
1559 (21).
Rodeou-se a viagem de certo
mistério, alardeando-se sòmente a conveniência de assistir directamente à
questão do cabido, que dormia num poço sem fundo ... mas ligado andava o fim
oculto e principal, o caso de Fr. Diogo de Murça, cujo sobrinho, Doutor António
Pinto, secretariava o embaixador Lourenço Pires de Távora e emprestava a
influência do seu cargo à causa do tio (22).
Contavam os dois hieronimitas ultrapassar esta montanha, erguida contra
aquilo que julgavam ser a sua justiça.
Não sabemos até que ponto o conseguiram. As cartas do novo embaixador
refletem nitidamente má vontade para com eles e inclinação ao partido de Fr.
Diogo, muito embora aquele confesse uma neutralidade aparente diante da Rainha
(23).
D. Catarina evita sempre abordar o assunto.
Lourenço Pires força novas instruções, apelando para os serviços de Fr.
Diogo e para a sua alta categoria: mas nada consegue porque continuam de pé,
perante o silêncio da regente, as instruções que figuravam nas lembranças do
seu antecessor (24).
O retraímento de Fr. Heitor e do seu companheiro, no colóquio do
embaixador, justifica-se, pois; eles não exorbitavam quando pretendiam puxar,
também, para esta demanda, o favor do representante Régio (25).
Da sua actuação em Roma
resulta terem alcançado de Pio IV, nesta causa, pelo menos três bulas: uma, a
10 de Maio de 1560, nomeando magistrados eclesiásticos que julgassem Fr. Diogo
pelo não cumprimento da Bula de Paulo III, acerca da igual repartição da
rendas; outra, do último dia de Junho de 1560, cometendo ao arcebispo de
Lisboa ou ao Prior de Penha Longa, ou ao cónego mais antigo da Sé
Olissiponense, a queixa dos Jerónimos contra Fr. Diogo, reservando os agravos e
reagravos de censuras e interditos, mas concedendo o recurso à ajuda do braço
secular, se necessário fosse; e ainda outra, de 23 de Agosto desse ano,
encarregando os bispos de Lisboa e de Coimbra da nova repartição das rendas
pelos dois mosteiros de S. Jerónimo e de S. Bento, melhor do que o fizera o P.e
Fr. Diogo de Murça.
Não obstante estas três bulas que mudaram os ventos a favor dos
hieronimitas, a questão voltou para Roma, e aí se eternizaria se o Rei e o
Cardeal Infante não interviessem, aconselhando paz, mesmo com sacrifício de
direitos (26).
Perante uma batalha tão renhida, Fr. Diogo abandonou a ordem e
recolheu-se à de S. Bento (27), em cujo colégio
de Coimbra faleceu pouco depois, mas D. João Pinto acabou por acordar, com a
ordem, uma repartição equitativa das rendas de Refóios (28).
Fr. Heitor e Fr. João
abandonaram Roma nas vésperas de 13 de Outuhro de 1560, data em que o Embaixador
o comunica para o Reino (29).
Notas:
1. Mário Brandão – Coimbra e D.
António Rei de Portugal, Coimbra, 1939, fls. 20.
2. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam
Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
3. ld.
– id.
4. Mário Brandão - O Colegio das Artes,
I, 1547-1555. Coimbra 1924, fls. 478, com a transcrição do doc. do Arq. da
Univ. Liv.º 3º de Autos e Provas de Cursos – 1537-1550, caderno de 1549-50,
fls. 112, vº.
5. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam
Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
6. Id. - Id.
«Reuerendi patris generalis Societatis
Iesu. viri sapientissimi et optimi.
Ego dedi hoc opus legendum patribus
nostrae societatis viris doctis et religiosis, qui illud accuratissime et
attentissime aiunt legisse et examinasse, et asserunt nihil in eo contineri
contra sanctam ecclesiam, neque contra bonos more, quin possius esse librum
hunc catholicurn, pium, doctum, et utilem. Datum Romae, in nostro collegio die
secundo Septcmbris anno a Christi natiuitate 1560.
Lainez»
7. Id. - Id .
«Reverendi patris procuratoris
generalis ordinis praedicatorum viri magni omnique virtute et sapientia.
praestantis.
Ego frater Eustachius Luchatellus
Bononiensis in sacra theologia magister, totius ordinis praedicatorum
procurator perlegi quanta diligentia potuit et debui haec commentaria fratis
Hectoris Pinti Lusitani in Esaiam prophetam, et nihil in illis inueni, quod
sanctae Romanae uniuersalique ecclesiae repugnaret, neque quod posset pias
aures offendere. Imo testificor esse hoc opus Christiana pietate, et solida
magnaque doctrina refertum. In cuius testimonium hoc chirografum mea manu
scripsi et consignaui. Romae in nostro Monasterio Sanctae Mariae supra Mineruam
in loco habitationis solito: anno a virginis partu 1560.
Calendis
Iunij.
F. Eustachius Luchatellus».
8. Corpo Diplomático Português -
Tom. 7, fls. 82:
«Outra carta me derão de Vossa Alteza a
XXIII do passado feita a XVII dagosto sobre ha causa de Belem, para que ha
emcommendasse ao doutor Antonyo Lopez eu ho fiz. Ele tem disso tão bom cuidado
que espero em Deus que se reduzira ho negoceo a bons termos. E eu lhe peço dele
comta e ho consulta comigo. E asentamos que primeiro que tudo, se lhe trate de
nulidades, e depois se trate de bono jure, porque he milhor vya que tratar logo
do dereyto. E nisto se pora toda boa delygencia porque ho tem a meu parecer bem
emtemdido, e me parece que ho fara aynda com mays delygencia, porque a que
Vossa Alteza lhe fazia grande merce em se servir dele: do que soceder sera
avisado.
9. Corpo Diplomático Português -
Tom. 8, fls. 83, em carta do Comendador mór para El-Rei, de 11 de Dezembro de
I558, com referências ao Dr. Antonio Lopes:
«...Tambem lhe deve Vossa Alteza
agardecer (sic) a sentença de Belem que lhe screvi os dias passados que
ouveramos em favor deste mosteiro contra o capitulo de Lixboa e aqui a envio a
Vossa Alteza com sperar que me mande dizer se ha por seu serviço que prosigamos
as mais ou se nos deixaremos star porque tenho para mim que o cabido de Lixboa
nom pode mais alegar que o que tem alegado e asi sperarei a ordem que Vossa
Alteza me nisto manda para saber o que ei de fazer ...»
fls. 87 - (Carta do Dr. Antonio Lopes,
para El Rey , de 12 de Dezembro de 1558):
« ... Outro si quanto ha demanda de
Belem contra ho cabido ja escrevi a Vossa Alteza como a rota deu sentença em
favor do mosteiro revogando as que eram dadas pelo cabido, e posto que o
tralado da sentença se mandou a Vossa Alteza agora de novo dei ao embaixador
ho estromento della pera que hos frades esten seguros de não poder ser
molestados ate se a causa acabar de todo: ho procurador do cabido apelou e ha
causa esta cometida por elle a sua instancia ao doutor Gaspar de Quiroga,
espanhol...»
fls 136 - «Capitulo da carta d'el Rei
para o comendador mor.
Para a carta do comendador moor (s. a.
n. d.) ... Por o padres do moesteiro de Belem e por vosa carta soube o que
pasava acerqua da demanda que pemde antre eles e o cabido desta cidade e
folguey de ver o cuidado que temdes dela. E porque ele vos escreverm largamente
sobre ysso nam tenho outra cousa que vos dizer senam emcomendarvos muyto como
emcomendo que dela tenhays e mandeys ter grande e especial cuidado pelo muyto
que importa ao dycto moesteiro...»
10. Corpo Diplomático Português -
Tom. 8, fls. 406, publicado adiante.
11. Corpo Diplomático Português -
Tom. 9, fls. 312, Carta de Lourenço Pires de Távora para El-Rei, em 19 de Julho
de 1561:
«Senhor - com esta sera o instrumento da
sentença dada agora pella Rotta em favor do mosteiro de Belem contra o cabido
de Lisboa sobre a dizima que litiguavão ao doutor Antonio Lopez dei cuidado de
escrever tudo o que nisso passa e portanto no que toca a esta partida me
remetto a sua carta...»
12. Corpo Diplomático Português.
Tom. 9. fls. 472 - «Relação dos negócio por expedir que Lourenço Pires de
Tavora deixou ao Dr. António Pinto, tis. 472 e segs.
1562 - Abril 21 ...
fls. 478-79." ... Lites ...
... Item. Outra demanda do cabido de
Lisboa com o mosteiro de Belem sobre os dizimos dos cerrados do ditto mosteiro,
na qual ouvemo sentença contra o cabido, tendo elle trez ou quatro em seu
favor, et in re judicata agora faltão outras duas pera este negocio se acabar
de todo, o doctor Antonio Lopez he procurador dos padres, e a demanda se faz à
custa delles, e este negocio se encomendou ao ditto doctor por mandado d'El
rrey como se vê pella carta de XVII d'agosto MDLI - que aqui entreguo.
À margem: He avida a segunda sentença nesta demanda que mandei
a sua alteza.» Estes negocios lhe deixou o comendor mór D. Afonso».
13. Corpo Diplomático Português -
Tom. 8 fls. 22.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartorios conventuais recolhidos da B. N. de
Lisboa, em 1912. Vols. 3 e 4. Documentos adiante sumariados.
Fr. Diogo de Murça conta-se entre os
grandes reformadores do ensino, no tempo de D. João 3º. O monarca confiou-lhe
alguns postos de alta importância. De Reitor do Colégio da Costa saiu para
Reitor da Universidade de Coimbra. Administrou o extinto mosteiro beneditino de
S. Miguel de Refoios de Basto e como tal, conseguiu do Papa Pio 3º. autorização
para dividir as rendas pelos colégios universitários de S. Jerónimo, de que era
conventual, e de S. Bento, ambos de sua fundação. Ma em determinado momento,
tentou, beneficiar seus sobrinhos, o cruzio D. João Pinto e o irmão deste,
Gonçalo Pinto. Gonçalo chegou a aforar, por 3 vidas, bens do extinto mosteiro.
A prova dessa lograda tentativa, está nos pareceres juridicos encontrados no
seu espólio, adiante referidos. Perante a impossibilidade legal da doação, o
hieronimita procurou levar à administração dessas rendas o referido D. João
Pinto. A coroa opôs-se, conforme se verifica da carta cujo texto oferecemos
atraz. Fr. Diogo deve ter sentido então as pressões da sua ordem e daí o
interesse em desfazer a primeira repartição das rendas, pelos dois colégios que
Paulo 3.º sancionara. Por isso, em 5 de Janeiro, procede a nova
repartição, reservando um quarto das rendas a cada uma das suas antigas e
novas fundações - o colégio de S. Jerónimo, o colégio de S. Bento, o Oratório
de Refoios, em memória do antigo mosteiro, e o colégio dos Pobres, que organizara
como Reitor da Universidade, condoído da miséria de muitos estudantes que
recorriam à mendicidade para se manterem nos Estudos.
Os Jerónimos prejudicados recalcitraram,
e recorreram a Roma, mas Fr. Diogo obteve do Cardeal Afonso Çarafa o monitório
apostólico de 12 de Maio de 1559, como resposta à queixa dos monges e
provincial de sua ordem; subtraiu-se assim à jurisdição conventual e aos monges
vedou-se-lhes que voltassem a molestá-lo e a injuriá-lo. Ao mesmo tempo
alcançou a suspirada Bula de nomeação do P.e D. João Pinto, como seu futuro e
imediato sucessor, na administração da rendas.
A ordem perdeu não só um direito já
reconhecido mas ainda ficou na contingência de aceitar depois, um dispenseiro
externo, para o seu colégio.
O triunfos de Fr. Diogo confirma-os
finalmente a Bula do Cardeal Raynuncio de Setembro de 1559, confirmando a
segunda repartição da. rendas, levada a efeito em 5 de Janeiro desse ano.
Segue o sumário dos documentos
elucidativos:
a) Pareceres jurídicos dados a Fr. Diogo
de Murça e encontrados no seu espólio de Refoios, (s. a. n. d.) conforme não
podia testar em beneficio de parentes. Vol. 3 ms. Doc. n.º 38.
b) Treslado do instrumento de repartição
das rendas do mosteiro de Refoios de que era administrador Fr. Diogo de Murça,
feita por ele entre os colégios de S. Bento, S. ]erónimo e Pobres e Oratorio de
Refoios, em 5 de Janeiro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 2.
c) Monitorio apostolico que Fr. Diogo de
Murça obteve contra os monges de S. Jeronimo sobre a queixa que estes, com o
provincial, tinham feito em Roma, sobre a repartição das rendas do extinto
convento de S. Miguel de Refoios de Basto para os dois colégios de S. Bento e
S. Jerónimo, afim de que não o molestassem nem injuriassem. E passado em Roma,
pelo Cardeal Affonso Çarafa, a 12 de Maio de 1559. Vol. 4 ms. (Bulas), Doc. nº
17.
d) Traslado da Bula concedida ao P.e D.
João Pinto, conego regular de Sta. Cruz, para ser administrador de Refoios,
imediatamente ao seu tio Fr. Diogo de Murça. Vol. 3 ms. Doc. n.º 6. Vid. tb.
doc. nº 14. fls. 82.
e) Traslado da Bula do Cardeal
Raynuncio, a instancias de Fr. Diogo de Murça, sobre a repartição das rendas de
Refoios. Roma, Setembro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 4.
14.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Corpo Cronológico, Parte 1,° m.
101. Doc. 113.
15. Arquivo Nacional da Torre do Tombo -
Cartorios Recolhidos da B. N. de Lisboa, em 1912. Colégio de S. Jerónimo de
Coimbra, cf. 4.° volume.
16. Corpo Diplomático Português -
Tom. 8, fis. 202, Carta de Lourenço Pires de Távora a EI.Rei, de 18 de Agosto
de 1559:
«... Na lista se contem ter advertencia
não renuncie Fr. Diogo de Murça o mosteiro de Refoios em o Doctor Antonio Pinto
e porque elle está em minha companhia como já tenho escritto a Vossa Alteza sei
delle que nunqa disso frey Diogo tratou, nem o pode fazer.
Qua são chegados dous frades de S.
Jerónimo hum se chama frey João prior da Costa, outro frey Hector disserãome
não me podião dizer ao que vinhão até terem cartas de Vossa Alteza para mim e
que as nào trouxerão por partir depressa, entendi vinhão para mollestar o dito
frey Diogo e dar lhe mao galardão das obras que elle tem feito em beneficio
daquela ordem querendo lhe tirar a administração e governo de seu collegio, e
rendas de Refoyos, e fazello declarar por apostata. Parece que com a morte do
papa cessara sua empreza e eu não ei por serviço de Vossa Alteza custurmarensse
as ordens a mandar que procuradores, nem parece razão ser frei Diogo molestado
desta maneira, sendo pessoa de tanto serviço e boas qualidades conforme sua
profissão».
17. Id.
18. Fr. Heitor Pinto - Imagem da Vida
Chiristam etc. Ed. Rolandiana, Lisboa. 1843.
«...Vindo eu agora neste meu caminho ter
a Çamora, cidade nobre de Castclla fuy visitar o mosteyro de são Domingos, por
ser casa de muyta deuação edificada pelo mesmo Sancto...» Parte 2.° - Dialogo
da Tranquilidade da Vida, cap. 6, fls. 36.
«...Embarcando eu em Barcelona com
outros passageyros, tanto nauegamos pelas duuidosas ondas do mar mediterraneo
atrauessando o golfão de Liam, que em poucos dias vimos terra de Italia: e indo
ferindo com os duros remos as salgadas agoas do pego Ligustico apàr de Genoua,
fomos topar com hü nauio, de que eu soube taes nouas, que me foy necessario
deyxar a companhia, o que eu fiz com assaz soydade. Saime logo no areal, e
fuyme só por terra por certas causas nccessarias, que eu nam digo, porq sam
ellas longas de contar, e nam vem agora a proposito: abasta que me fuy eu por
terra ...» Parte 1º. - Dialogo da Tribulação, cap.º 7º, fls. 288.
«Navegando pelo mar Mediterraneo hum
religioso Português. . saio em Marselha ... Antes como na cidade vio, o q.
nella auia pera ver, foy visitar o mosteiro de Sam Victor da ordem de S. Bêto,
q está á vista do muros da outra bãda do mar ... » Parte 2.° - Dialogo da
Tranquilidade da Vida - cap. I, fl 1.
«...Eu não posso ficar aqui, porque me
he forçado caminhar e ir a cidade ter com meu companheyro, q ficou lá mal
desposto...Duas cousas vi neste caminho de grande contentamêto: a primeyra foy
a casa de nossa Senhora de Monserrate mosteyro de são Bêto em Catelunha sete
legoas de Barcelona, situado nua espantosa serra... A outra foi este devoto e
sumptuoso mosteyro, (Mosteiro de S. Victor, perto de Marselha)...(fls. 191).
Então lhe disse o religioso Português seu nome: e como era d’hum grãde e
sumptuoso mosteyro juncto cõ a real e famosa cidade de Lisboa, situado nas abas
d’ hu seguro e fermoso porto do gram már Oceano. No qual mosteyro auia muytos
religiosos de grande honestidade, e obseruãcia, e erudição ...» Parte 2.ª,
Dialogo de Tranquilidade da Vida. cap. 27, fls. 188 e fls. 191.
19. Fr. Heitor Pinto - Imagem, etc.
cf., P. 2.º, Dialogo 1.º, cap.I,fls. 1.
20. Id. cf. P. I.º, Dialogo - 4.°,
cap.º 7, fls. 288.
21. Corpo Diplomático Português,
Tom. 8, fls. 202.
22. Id. Tom. 8.º, fls. 405 e 406 - Carta
do Dr. Antonio Lopes a El-Rei, de 8 de Maio de 1560:
«... Quanto a causa de Bellem ho
procurador do cabido apelou da sentença que contra elle ouue e cometteo a causa
de appelaçâo a hum auditor castelhano que chamão ho doutor Gaspar de Quiroga o
qual tambem he fora de Roma porque ho mandou e1 Rey de Castella fazer certas
diligencias ao reyno de Napoles, sobre ho auditor em que avemos de comprometter
temos grande differença porque eu queria comprometter no bispo Quisanense que
se chama Prospero de Sancta Cruz porque sempre na Rota se mostrou affeiçoado ao
serviço de Vossa Alteza e agora me disse que ho mandava Sua Santidade por
nuncio a Vossa Alteza pelo que semdo isto asy serey forçado a comprometer em
outro, eu comunico tudo com dous padres da ordem que qa estão sobre a
differença que trazem com frey Diego de Murcia (sic), e Vossa Alteza pode crer
que não se perdera nenhum ponto por falta de diligencia».
Id., Tom. 8, fls. 420 e segs, Carta de
Lourenço Pires de Tavora a El-Rey - 1560, Maio – 16:
«...Tambem Vossa Alteza me encomenda a
demanda que se trata antre o mosteiro de Bellem e o cabido da see de Lisboa
della tem cuidado o mesmo doctor e eu de o favorecer e ajudar no que cumpre a
elle a tem posta em tal ordem que não se perdera ponto por descuido, qua são
dous frades de São Hieronimo como já os dias passados escrevi os quais segundo
vejo por huma carta de Vossa Alteza que elles derão fizerão laa entender vinhão
a solicitação desta causa e posto que as partes sejão sempre necessarias as
lites parece que nesta que se trata com o favor de Vossa Alteza e pello seu procurador
poderá a ordem escusar esta despeza se lhes não importa para a demanda que
trazem com frey Dioguo de Murça a qual entendo ser o principal intento de sua
vinda e posto que por pallavras gerais da ditta carta de Vossa Alteza me
querião obrigar a os favorecer nesta demanda me pareceo devella entender ao
modo que Vossa Alteza a mandaria escrever principalmente vendo eu hum conserto
feito com authoridade de Vossa Alteza entre o dito frey Dioguo e o principal e
deputado da ditta ordem do qual elles se querem exemir sob pretexto da bulla de
Paulo IIII e posto que eu devera favorecer o tal conserto constando me nelle da
vontade de Vossa Alteza tomei a via do meo e não favoreço a nenhum e porque
elles por ventura darão outra enformação a Vossa Alteza por o doctor Antonio
Pinto sobrinho de frey Diogo ser meu secretario e cuidarem que com esse favor
alcança justiça affirmo a Vossa Alteza pella verdade que lhe devo fallar, que
no negoceo não faço mais que o que tenho ditto e assi entendo e me consta que o
ditto Antonio Pinto de meu nome não se ajuda em cousa algua senão de seu
dereito».
23. Corpo Diplomático Português,
tom. 8, fls. 202 e 420 e segs.
24. Idem.
25. Corpo Diplomático Português
-Tom. 8, fls. 22, 202, 420 e segs.
26. Arquivo Nacional da Torre do Tombo -
Cartórios Recolhidos da B. N. de Lisboa em 1912. S. Jerónimo de Coimbra – ms.:
a) Vol. 4, doc. n.º 18(2} - Bula do Papa
Pio 4.° em que a instancia do Provincial e monges de S. Jerónimo se nomeam
juizes contra o P.e Fr. Diogo de Murça por não cumprir a Bula de Paulo 3.°,
acerca da igual repartição das rendas de Mosteiro de Refoyos pelos 2 colégios
de S. Bento e S. Jerónimo. Roma - 1560 - 6.° dos Idus de Maio - 1.° ano do
Pontificado.
b) Vol. 4, Doc. n.° 18 - Bula de Pio
4.°, cometendo ao Arcebispo de Lisboa ou ao Prior da Penha Longa ou ao Cónego mais
antigo da Sé Olissiponense a queixa que o Provincial e monges antigos da
Congregação de S. Jeronimo fizeram contra Fr. Diogo de Murça por não ter
conferido ao Colégio de Coimbra metade das rendas de Refoios, com poder de
agravar e reagravar e imposição de interdito até ajuda do braço secular, se
necessário fosse. Dada em Roma, no ultimo dia de Junho de 1560, 1.º do
pontificado deste Papa.
c) VoI. 4· Doc. nº 19 - Bula de Pio 4.º,
cometida ao Bispos de Lisboa e de Coimbra para repartirem as rendas do mostciro
de Refoios, suprimido, pelos dois colégios de S. Jerónimo e de S. Bento,
melhor do que o fizera o P.e Fr. Diogo de Murça. Dado cm Roma, em 1560, a 10 das Kal. de Agosto, 1.º ano do seu pontificado.
d) Vol. 3, fls. 358 v (cf. no Inventário
dos papeis de Basto que ficaram por óbito de Fr. Diogo que Gonçalo Pinto
entregou): «Uma sentença dada pelo arcebispo de Lisboa e Manoell d’Allm.da
e frey Martinho em que se inibem nas causas e negocios do padre frey dj.º com
a ordem de S. Jeronimo Remetendo todo a Roma» (s. a. n. d.).
e) Vol. 3, Doc. n .8, Concordia,
em capitulo privado de Belem, sobre a repartições de Refoios, aceites pelos monges
de S. Jeronimo, por intervenção do Rei e do Cardeal Infante. Instrumento
lavrado pelo notario apostólico mauoell falleiro, escudeiro fidalgo da Casa
d’El-Rei, em 8 de Fevereiro de 1561.
27. Id. Vol. 3 - Concordias e
Repartições de rendas do colégio. No inventário dos papeis de Fr. Diogo de
Murça, a fls. 358 v., cf. «uma bula apostólica com o seu processo discernido em
que dão licença ao P.e Fr. Diogo para totalmente deixar o hábito de S. Jeronimo
e tomar o de S. Bento».
Depois da morte de Fr. Diogo, a Rainha
Regente mandou arrolar-lhe o espólio, em Março de 1561, visto ter estado na
posse de bens pertencentes aos Jerónimos, v. g. os panos de parede e a
biblioteca do falecido infante D. Duarte, que el-Rei lhes doara. Em Refoios não
houve qualquer incidente pois Gonçalo Pinto entregou à justiça tudo o que
ficara de seu tio; mas, em Coimbra, foi o caso mais sério. Os Bentos
encerraram-se no seu colégio, às sete chaves, e fizeram ouvidos de mercador a
todas a citações do meirinho. Houve que forçar a porta o que logo fez cessar a
resistência, iniciando-se o arrolamento, sem mais complicações. Vid.:
«Inventario que por carta da Rainha fez o Corregedor de Coimbra de toda a
fazenda, papeis e escrituras que por falecimento de Fr. Diogo de Murça se
acharam no Colégio de S. Bento e no de S. Jerónimo, em 31 de Março de 1561 e
dias seguintes». Vol. 3, doc. nº II, já cf.
28. Arquivo Nacional da Torre do Tombo -
Cartórios Conventuais remetidos da B. N. de Lisboa, em 1912. S. Jerónimo de
Coimbra:
a) Vol. 3, Doc. n.º 15 - Concordia
(Traslado) feita no Mosteiro da Costa entre o P.e D. João Pinto e a ordem de S.
Jerónimo pela qual aquele cedeu a esta as rendas do colégio de S. Jerónimo, em
Refoios, de que ficara administrador. Em 11 de Maio de 1562.
b) Vol. 4, Doc. n.O 20 -
Confirmação pelo Cardeal Infante, sendo Núncio de Portugal, no pontificado de
Pio V, reinando D. Sebastião, do instrumento de concórdia da repartição das
rendas de Refoios, cometida ao Vigario Geral e Provisor de Braga. Evora, 23 de
Novembro de 1569.
c) Vol. 3, n.º 44 - Memoria das questões
havidas entre os Jerónimos e Fr. Diogo de Murça sobre a repartição das rendas
do Mosteiro de Refoios (s. a. n. d.) feito durante o provincialato de Fr.
Francisco de Barcelos (sec. XVI).
29. Corpo Diplomático Português -
Tom. 9, fls. 74 e segs. Carta de Lourenço Pires de Tavora a El-Rei:
a fls 79 «...A causa do mosteiro de
Bellem com o cabido de Lisboa me diz o mesmo doctor esta conclusa na mão do
auditor e tomado o termo da sentença em favor do mosteiro esperasse resolução
de certa dificuldade que tem o juiz e que com isso assine a dita sentença. Os
frades que qua andavão sam partidos para esse reyno...».
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