sábado, 13 de junho de 2015

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo VIII


O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.
A oposição liberal manifesta-se e centra-se no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). Para defender o trono de sua filha Dona Maria, vem ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil. Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000 soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832 e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns combatem outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e judiciais.
1834 é o ano da derrota miguelista e do início da governação de D. Maria II, embora a estabilidade ainda esteja longe… Começaram as guerras entre liberais.
Mudanças entre governos constitucionalistas e cartistas contribuem para alguma instabilidade durante o governo da rainha Dona Maria II. Em 1846 vemos o país a incendiar-se, porque o governo cartista de Costa Cabral vai impôr medidas fiscais e a proibição dos enterramentos nas igrejas, que desagradam ao povo. Vive-se a Revolta da Maria da Fonte e a Patuleia.

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Capela de Santa Cruz ou do Calvário
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

“Secretaria do Estado dos Negocios eclesiasticos e de justiça
                Repartição da Justiça

            Sendo presente a S. Mag. a Rainha o oficio de 11 deste mês, em que o juiz de Direito da Comarca da Covilhã participa como se reuniram em a noite do dia 9 no sitio de Santa Cruz mais de cinquenta individuos, todos munidos de armas de fogo e de machados, com o intento de desarmarem o pequeno destacamento que ali se acha, para depois mais a seu salvo poderem à viva força incendiar as novas fábricas de lanificios estabelecidas naquela Vila; e como descobrindo-se tal intento, se tomaram logo as providencias necessárias para o frustrar, não obstante os meios violentos que os amotinados chegaram a empregar; se conseguira prender o Chefe e um dos sócios que já foram removidos para a cadeia de Castelo Branco; e se prossegue com eficácia nas deligências necessarias a bem do processo formado por tão criminoso facto: Manda a mesma augusta senhora declarar ao referido juiz de Direito, para sua satisfação, que muito se compraz de saber que este feliz resultado se deve aos bem combinados esforços das autoridades judicial e Administrativa, como se reconhece naquele ofício, Esperando de seu zelo que hão-de continuar-se a empregar todos os meios possiveis para manter, como interessa ao paiz, a segurança publica; e se obter o pronto castigo dos réus que se mostrarem incursos na sanção das leis. Paço, em 18 de Abril de 1846. = José Bernardo da Silva Cabral. (1)

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Illº. e Exmº Sr. = Os abaixo assinados moradores na Vila da Covilhã, subditos leais de S. Mag.e Fidelíssima a senhora D. Maria II, e fieis defensores da Carta Constitucional, vendo com a maior indignação as desordens e motins populares, praticados em diferentes pontos deste reino pelos sectarios do usurpador, apressam-se em declarar a V. Exª., que posto que alguns dos signatários, em outras épocas se tenham manifestado em oposição a alguns actos de politica do governo nos devidos termos legais, agora só se empenham pela salvação publica, e pela defeza do trono da Rainha, e da Carta Constitucional, para o que poem à disposição da mesma Augusta Senhora, suas pessoas e fazenda, esperando que V. exª. se digne levar ao seu conhecimento, pelo ministério competente, esta expressão de seus leais sentimentos.
            Deus guarde a V. Exª.. Covilhã, 3 de Maio de 1846. Ilmº. e Ex.mº Senhor Governador Civil do distrito de Castelo Branco.
Filipe da Costa Freire do Amaral Botelho – José Caldeira Pinto Castelo Branco Braz Antonio Camolino – José de Amorim Vaz Pessoa – Bernardo de Almeida de Lemos – Por Antonio Gomes Correia, António Firmino da Silva Campos e Melo – Daniel Ferreira Dourado – O bacharel Cassiano Augusto Alves Amorim – Daniel Barreto Pereira Tavares – José Claudino da Silva Guimarães – Manuel Tavares da Cunha – João Lopes Toucinho – António Augusto Pereira Navarro – Simão Pereira Navarro de Andrade – José Mendes Veiga de Carvalho – Bento José de Sá – António Firmino da Silva Campos Melo – Luiz José Cardena (sic) – José Tavares Barreto – José Vaz da Cunha e Seixas – Manuel Vaz de Carvalho Pessoa d’Amorim – Prior Manuel Pires da Costa – Prior José Nunes Mouzaco – O Padre António Manuel de Figueiredo – O Padre Pedro António de Figueiredo – Francisco Camolino – Candido José Simplicio – José Mateus Catina – António Joaquim da Silva – Valério Gomes Correia – Simão Pereira de Carvalho – Francisco Garcia – José Mendes Veiga – Joaquim Alves de Souza – Marcelino José Ventura – Francisco Rodrigues Pinto – António Veiga de Carvalho.

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                                        14 de Maio de 1846

            “Senhora

            A Camara Municipal da Covilhã, acedendo gostosa aos rogos e instâncias dos cidadãos abaixo assinados, vai ser o interprete fiel dos seus sentimentos de adesão, amor, e respeito à Augusta Pessoa de V. Mag.e e à Carta Constitucional da Monarquia, nesta ocasião em que um bando de anarquistas sectários da usurpação, tem ousado levantar o grito de revolta em alguns pontos do Reino, ameaçando a segurança e estabilidade do Trono, e das instituições que nos regem, atacando a magestade das leis, o repouso e propriedades dos cidadãos e emfim tudo o que pode constituir a boa organização social.
            Nestes momentos críticos, nesta hora de perigo comum, a camara e todos os signatários que se gloriam do nome de portugueses, e de subditos fieis de V. Mag.e, pondo de parte quaesquer divergências , que possa haver, em suas opiniões e crenças acham-se reunidos e têm uma só vontade, a de sustentar e defender o trono de V. Mag.e, e a Lei fundamental, e debelar a anarquia, e todos os inimigos das instituições e do governo de V. Mag.e; para o conseguir, Senhora, oferecem respeitosamente a V. Mag.e seus serviços pessoais, suas fortunas, e tudo o que deles depende. Digne-se pois V. Mag.e aceitar benigna, a expressão de sentimentos tão puros, como expontâneos, assim como os ardentes votos que a Camara, e signatarios fazem pela preciosa vida de V. Mag.e, que o Céu conserve por dilatados anos. Covilhã, seis de Maio de 1846. E eu José Maria de Moura Barata Feyo que a escrevi e assinei. O Presidente, José Caldeira Pinto Castello Branco – O Vereador, António Pessoa d’Amorim – O Vereador, Joaquim Gomes Gomes Correia – O Vereador, António Baptista Leitão – O Vereador, Sebastião d’Elvas Leitão Montaes – O Vereador substituto, Francisco Camolino - O Vereador substituto, José Mendes Veiga de Carvalho – O Administrador interino do Concelho, Plácido António da Cunha e Abreu – O substituto de Administrador do Concelho, Fraqncisco de Almeida Freire Côrte Real – O Juiz de Direito da Comarca, João Nepomuceno de Carvalho e Silva – O Delegado do Procurador Regio, João Pinto de Tavares Osório Castelo Branco – Braz António Camolino, Tenente – Coronel, Governador de Monsanto – ManuelAntonio d’Oliveira Bastos, Capitão do nº 9 de Infantaria – Manuel José Portela, tenente comandante do Destacamento de Cavalaria 8 – José Duarte e Silva, tenente do nº 9 de Infantaria – Manuel Rodrigues de Pinho, tenete do Regimento 9 de Infantaria – prior de S. Martinho e Arcipreste, Manuel Pires da Costa – O Conego Antonio de Souza Tavares – O prior da Conceição, Gregório José Paes – O prior de Stª. Maria Maior, José Nunes Mouzaco – O Padre Francisco d’AssiS – O Padre José Antonio dos Reis – O Bacharel Joaquim José Pereira de Carvalho – José Maria da Silva Campos e Melo – Tomaz Teotonio de Souza Pimentel – profirio José Nogueira – Manuel Tavares Cardona Rodrigues de Carvalho, escrivão da Administração do Concelho – Honorato Emídio de Almeida Saraiva, escrivão da Administração do Concelho do Fundão – João Ferreira Tavares de Proença – António Gabriel Pessoa d’Amorim , Coronel reformado das extintas Milícias – António dos Santos Viegas – Bernardo de Almeida de Lemos, Procurador à Junta Geral do Distrito – Manoel Vaz de Carvalho de Amorim – António Joaquim da Silva – Daniel Barreto Pereira Tavares – Manoel Maria Barbas, bacharel formado na faculdade de filosofia e medicina – Antonio José Tavares – António Joaquim da Costa Quintela -, escrivão tabelião desta Camara – Cassiano Augusto Alves de Amorim, bacharel formado em direito – José Valério Paes – Francisco Nunes Torres, recebedor do concelho – Tomaz António Ribeiro, escrivão do Juizo de Direito desta Comarca – O Bacharel José Pereira Ramos de Carvalho – José Manuel Pereira de Carvalho, Comissário das Contribuições do Concelho – Januário Severino Gomes Feyo – António Nunes de Sousa – Júlio Antonio Saraiva Sampaio, escrivão e tabelião do juizo de Direito da Comarca – Fernando António de Castro, escrivão de direito – Luiz José Cardona – José de Amorim Vaz Pessoa – José Mendes Veiga – Rafael Mendes Veiga – Francisco Garcia – José Claudino da Silva Guimarães – Francisco António de Amaral – José Mateus Catina – Daniel Pereira da Silva Amorim – João António de Oliveira – Manuel Rodrigues Antunes – Francisco da Fonseca Corsino – Joaquim António Henrique da Silva – Valério Gomes Correia – Bento José de Sá – Severiano Augusto Pereira de Carvalho – José Paulo Nogueira, correio assistente – José Bernardo Roque – António da Costa e Oliveira – Francisco Bernardo Roque – José mendes da Graça – José da Costa Rato – O bacharel Luiz José de Almeida Saraiva – Bernardo Tavares – José dos Santos Pinto – Manuel Honório Camolino – António José de Almeida Saraiva e Brito – Francisco de Oliveira Grainha – António de Almeida fortuna – José Maria de moura Barata Feyo.

Está conforme – Secretaria da Camara Municipal da Covilhã 7 de Maio de 1846., José Maria de Moura Barata Feyo.  (2)

Fontes - 1) Diário do Governo nº 92, fls 443 Ano 1846
2) Diário do Governo nº 112, fls 536 e 537

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