Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
******
LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
******
VI
EM VÉSPERAS DE METHUEN
(Continuação)
(Continuação)
A politica económica do Conde
da Ericeira não estacionou pois com a sua morte, como testemunham as novas
pragmáticas e o Regimento de 1690. Também o fomento fabril prosseguiu,
registando outras realizações industriais: a fábrica de Alhandra e
possivelmente a de Portalegre. Inferimos a notícia desta última fábrica do Auto
de Fé da Inquisição de Évora, de 22 de Março de 1705, onde saiu um Tomé da
Silva Nunes, cristão novo, de 37 anos, natural do Fundão e morador naquela
cidade, com a profissão de contratador de panos. Ora esta profissão deixa
perceber a existência dum contrato de previlégio nessa cidade, idêntico aos
contratos da Covilhã. (17).
Em Estremoz, a liberdade de
fabrico parece manter-se em toda a extensão, pois no mesmo auto surge um Diogo
Moreno Franco, natural de Lisboa e morador nessa vila, com a indicação de que
fazia panos. (18).
A situação das outras terras
do país, consagradas à indústria de lanifícios, devia equiparar-se à de
Estremoz.
A fábrica de Alhandra,
denominada fábrica dos panos finos, foi concedida ao covilhanense Álvaro
Henriques Ferreira e a seus irmãos, um dos quais, chamado Diogo, se formara em
medicina, na Universidade de Coimbra, e exercia a profissão, em Sesimbra. (19). (Ler abaixo os processos na Inquisição)
O periodo de concessão, por
dez anos, principiara em 1698. Já anteriormente requerida para a Covilhã esta
fábrica não conseguira vingar pois Jorge Fróis, um dos contratadores das baetas
e sarjas, conseguira tropedíá-la no Conselho da Fazenda. Pouco tempo, porém, se
quedaram em Alhandra os concessionários por não oferecer a terra, as condições
indispensáveis; tranferiram-se para o Fundão onde prosseguia a instalação, em
Fevereiro de 1700. Como lhes ocorressem aí prejuízos, conseguiram mudá-la para
a Covilhã, em 1702.
Nem Alhandra, nem o Fundão
reuniam, nesses tempos, as condições necessárias a uma fábrica de lanifícios,
muito embora o comércio e o fabrico dos panos fossem tradicionais neste lugar.
O grande óbice ao florescimento da actividade industrial devia derivar da falta
de pessoal adestrado para a fiação manual.
Álvaro Henriques Ferreira
antes de tentar a instalação da fábrica de Alhandra, fizera panos na Covilhã:
conhecia bem o meio, as gentes, as possibilidades de vencer e os perigos de
naufragar. Mas não hesitou. Embora assediado de contrariedades, recorreu ao Rei
e deste modo desbancou as grandes influências de Fróis que, pelo rol das
testemunhas do processo inquisitorial, se adivinha serem da roda do Secretário
de Estado Mendo de Foyos Pereira e do Dezembargador Gonçalo da Cunha Vilas
Boas.
Os panos finos não eram como
as baetas e sarjas, tipos de fazenda que dependessem exclusivamente duma
técnica especializada de mestres estrangeiros e, para frutificar, exigissem as
moletas dum privilégio! Fabricados há muito na Covilhã, com maior ou menor
perfeição, consoante o estilo dos tempos e a honestidade dos trapeíros, a
técnica dos mestres ingleses já contribuíra indirectamente e duma forma geral
para o seu aperfeiçoamento. Avalia-se, por isso, quanto os fabricantes reagiram
perante a sombra dum novo e negregado exclusivo!
Os irmãos Henriques Ferreira
não se aperceberam da tempestade que ainda os poderia arrebatar, embora
contassem com a boa vontade do Rei; outras tempestades, menos vorazes,
engoliram servidores dedicados da Coroa, como o cristão-novo Vila Real, doutrinário
da Restauração, sem que fosse possivel libertá-los da fogueira. Mostrava-se
esta mais temerosa por envolver os interesses de toda uma população livre e
bolir no comércio dos seus próprios correligionários da Sinagoga. Ora a
heresia estava, pouco mais ou menos, latente no coração de todos os cristãos-novos. Era fácil, portanto, embora por motivos muito diferentes, acorrentá-los
até à beira da Inquisição. Daí ao alastrar do incêndio ía pouco.
Instalada a fábrica dos panos
na Covilhã, logo no princípio de Fevereiro de 1702, o sócio Diogo Henriques
teve de se deslocar a Lisboa e aí permanecer todo o mês de Março, a fim de
combater as novas manobras de Jorge Fróis, no Conselho da Fazenda. Este velho
mercador conseguira levantar outros entraves ao prosseguimento do exclusivo do
fabrico dos panos finos na Covilhã. Devia tratar-se não já da anterior
arremetida, no sentido de canalizar para a família igual privilégio, que
pretendera para o seu genro, o cristão-novo Simão de Carvalho, mas de
prejudicar pura e simplesmente o exclusivo dos Ferreiras, no sentido de vir a
ser alargado a todos os mercadores da Vila.
Álvaro e seus irmãos, apenas
deferida a transferência do Fundão para a Covilhã, trataram de defender com
unhas e dentes o seu contrato, usando da força, da manha e da justiça. Não
recuaram perante o uso da violência nem cederam a laços de família.
Um cunhado e primo do
primeiro, também chamado Diogo (como Henriques Ferreira, o médíco) por ter
abandonado a sociedade, em 1701, foi tentado a fabricar panos finos do tipo
privilegiado, juntamente com outros membros da sua família. Se bem o pensou,
melhor o fez, o que provocou desavenças graves, a ponto de uns e outros chegarem
a puxar das espadas. (20).
Os contratadores não se
detiveram e requereram o sequestro de toda a lã, cardas, prensas e mais
apetrechos fabris dos transgressores, prosseguindo a demanda dos auditórios da
Vila para o Conselho da Fazenda, onde ficou deserta por desistência dos réus.
Igual atitude tomaram os
Henriques Ferreira contra outros mercadores e trapeíros da Vila, como Simão
Nunes Rios, André Nunes e Cristóvão Nunes Belmonte aos quais promoveram também
o sequestro de máquinas inglesas, cardas de ferro e outros apetrechos de igual
proveniência. Aos sequestros presidiu o Juiz de Fora e novo Conservador das
fábricas João de Proença da Silva, com o Meirinho e o Escrivão das mesmas,
respectivamente Domingos Vaz e Sebastião Leitão da Cunha. João de Proença tinha
sido encarregado de organizar a fábrica dos panos na Covilhã, como vinte anos
antes acontecera a Vilas Boas com a fábrica das baetas. (21)
Parece deduzir-se dos
sequestros que, além dos panos, o privilégio dos Ferreiras se alargava aos
maquinismos e a outros utensílios novos.
Álvaro Ferreira, com o trato
dos panos e seu fabrico, mercadejava lãs em Castela, aonde demorava alguns
meses do ano. Mas, em vez de, à semelhança dos outros mercadores, pagar as
sizas na Vila aos contratadores das correntes dessa mercadoria, Manuel Mendes
Pereira de Leão, Simão Lopes, João e Manuel Rodrigues, alfandegava as lãs em
Penamacor e noutros portos secos da raia. Também cristãos novos, a transbordar
de influência no comércio local, os contratadores da síza das correntes da lã,
não se conformaram. Pendenciaram com Álvaro Ferreira na praça da Vila e depois
de sustentarem três rijas demandas, nos auditórios Covilhanenses, recorreram ao
Juízo da Fazenda.
Causaram na Vila
descontentamento estes actos de violência, sem curar já do prejuízo, derivado
do privilégio. Juntaram-se, por isso, paneiros e tratantes, em casa de Manuel
da Silva Fragoso, homem nobre, tabelião de notas, feitor e selador da síza dos
panos, e deliberaram enviar a Lisboa uma deputação, constituída por um vereador,
pelo procurador do concelho, pelo Juiz do povo e por outras pessoas, com o fim
de requererem ao Rei o alargamento do privilégio da fabricação dos panos finos
a todos os paneiros, o que equivalia a requerer a sua extinção. Entre os
deputados figurava o fidalgo Manuel Pereira de Brito, que vivia da sua arte de
pintar, na freguesia de S. Vicente da Covilhã, embora natural da vila de Sinde,
do Bispado de Coimbra. Mas o grande promotor da embaixada era o já conhecido
Cristóvão Nunes Belmonte. Para a reclamação concorreram todos os mercadores da
Vila, tanto cristãos velhos como novos, com 200.000 réís, sem qualquer outro
interesse mais do que a defesa comum, isto pelo menos aparentemente. Entre os
membros da Junta contava-se o familiar do Santo Ofício João Feio, meirinho do
eclesiástico da Vila, também paneiro, amigo de Álvaro Henriques Ferreíra e
depois sua testemunha de defesa, no processo inquisitorial.
A Câmara associou-se à
representação, apoiando os defensores do trato livre, sob a sua
superintendência. Igual orientação fora seguida a quando dos motins das sarjas
e baetas.
Porém desta agitação nada
resultou e os Ferreiras continuaram descansadamente a locupletar-se à sombra do
exclusivo, esquecendo que seus irmãos de raça ainda guardavam nas mãos o trunfo
do ódio e não recuariam mesmo perante o recurso à denúncia, no negregado
Tribunal da Santa Inquísíção.
Deste recurso vil é que se
não lembraram, com certeza, os cristãos velhos da Vila que, ao depois,
apareceram nos processos a defendê-los!
A fábríca dos panos finos,
como inicialmente a fábrica das baetas e sarjas, constituía um privilégio de
fabrico de certo tipo de panos e, como já acima acentuámos, além do exclusivo
de certa técnica parece que também o de certas máquinas.
Ao contrário do que aconteceu
com as baetas e sarjas, este prívílégío não deve ter levado à constituição
daquilo que chamamos uma empresa fabril, com estabelecimento próprio, visto a
fiação se dístríbuír de empreitada pelas fiandeiras mais pobres da Vila e ainda
a tinturaria das lãs e panos competir a Francisco Henriques Ferreira, irmão dos
contratadores e dono dum engenho independente dessa especialidade.
Utilizavam, pois, os
detentores deste exclusivo as oficinas dispersas da Vila, excepto quando o
exclusivo da maquinaria obrigava a utilizar oficina própria.
Portanto fora do âmbito das
sarjas, das baetas e dos panos finos, o trato livre não só persistia como não
afrouxara. Não admira, pois, que, no sequestro dos bens de Álvaro Ferreira,
quando veio a ser preso pelos familiares da Inquisição, figurassem os panos de
vários mercadores que ele apresentava na alfândega de Lisboa.
Os panos da Covilhã
concorriam então ao mercado ultramarino. O mesmo mercador despachava-os,
através do comissário e homem de negócio da rua de S. Nicolau de Lisboa,
Rodrigo de Sande e Vasconcelos, para o Brasil, destinados ao irmão Manuel
Lopes Henriques, proprietário dum engenho de açúcar, na cidade da Baía.
Em dois de Fevereiro de 1704
declarou Álvaro Henriques Ferreira ter armazenadas na alfândega de Lisboa, por
falta de compradores, 111 peças de pano de várias qualidades. Meses depois,
acrescentava que a sua fábrica diminuíra de produção por não terem saída 118
peças de pano e se temer, no mercado, a entrada de panos estrangeiros.
Em conclusão: as pragmáticas
tornaram-se efectivas e ao ser executado o tratado de Methuen, o mercado
encontrava-se práticamente saturado.
Que admira pois, que, anos
volvidos, o Marquês de Pombal viesse a escrever da política económica do Conde
da Ericeira que ela tinha levado o país a dispensar totalmente os panos
estrangeiros e à saturação do mercado nacional e recordasse, aos portugueses,
aquele juízo dos parlamentares de Londres como D. Luiz de Menezes fora um
grande ministro para Portugal, mas um péssimo ministro para a Inglaterra. (22)
(Continua)
NOTAS DO CAPÍTULO VI
(2ª Parte)
17- ANTóNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé da Inquisição de Évora - B. N. de Lisboa - Secção de Res. F.g. ms. Vid. Auto cít.º.
18 -ID. - Auto cít.º.
19 - ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Inquisição de Lisboa - Procs. n.ºs 902, 3689 e 5334. - Vid. Docs. n.ºs 9, 10 e 11. (Aqui apresentados)
20 - ID.Id.
11
21 - Vid. n.º 6.
22 - LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO - Ob.ª cit.ª pags. 24 e 25.
Nota dos editores - Como inserimos textos segundo o sistema de imagem, aconselhamos os nossos leitores a clicarem com o rato sobre eles, para que o visionamento seja mais perfeito.
As Publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia_22.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia_29.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-contributos-para-sua-historia.html
Sem comentários:
Enviar um comentário