Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
******
LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
******
VI
A Inquisição gozava no país, como aliás todos os tribunais, uma
comprovada índependêncía. Agia em matéria de fé e naquelas que indirectamente
lhe andavam ligadas, como bons costumes, bruxaria e outras.
Pelo pretórío do Santo Ofício
e nos seus cárceres acotovelavam-se não só os cristãos-novos judaizantes mas
os bígamos, os frades molínístas, os homossexuais, os herejes e toda a caterva
de bruxos.
A Corôa nada podia contra o Tribunal.
Não existia privilégio que
distinguisse, dentro dos seus muros, os nobres dos plebeus, os validos dos
miseráveis. A inquisição realizou de facto a igualdade dos homens perante a
lei!
O interesse económico da
Nação e os seus problemas industriais não contavam, pois, para os inquisidores.
Que importavam as reformas
empreendidas à custa de tanto ouro e de tantos sacrifícios?
O primado da Fé e com ela a unidade nacional e a moralidade pública
ultrapassavam quaisquer outros interesses, doutrina absolutamente razoável
para quem viver integrado, na lógica de ferro dos seus juízes incorruptíveis.
É chegado o momento de esboçar as repercussões da actividade
inquisitorial, na indústria dos lanifícios. Desde o século XVI que ela se fazia sentir na Covilhã e no seu concelho,
através da emigração clandestina dos mercadores, das prisões e dos sequestros
de bens. Contudo, apesar destas sangrias periódicas, a colónia dos cristãos-novos continuava a prosperar e o comércio a contá-los entre os seus mercadores
mais activos.
Embora seja difícil reunir
elementos concretos, sobre a emigração, sabe-se que vários cristãos-novos
covilhanenses, dedicados ao trato dos panos, saíram para França, Inglaterra,
Holanda e Itália, sem mencionar a corrente emigratória, quase permanente,
estabelecida de Portugal para Espanha e de Espanha para Portugal, no Século
XVI (23).
Do Século XVII já chegam notícias mais precisas. Nos capítulos das
Cortes de 1641, os procuradores da Covilhã requerem a revisão do contrato da
sisa com o fundamento de haver diminuído a população da Vila pela saída de
muitos mercadores ricos e poderosos que ajudavam a suportar o encargo desse
imposto (24).
Quando Barnabé Cardona,
cristão velho, foi atirado injustamente para a inquisição, indiciado em culpas
de judaísmo, em 1670, invocou na defesa, a inimizade dos mercadores cristãos
novos cuja emigração impedira (25).
Por seu lado as listas dos autos de Fé, da Restauração a 1705,
registam, nos cortejos trágicos da Inquisição, cerca de 50 mercadores ou
trapeíros, moradores no concelho da Covilhã. Número elevado este, se,
descriminado, atendermos que dezoito dentre eles respeitavam aos primeiros
cinco anos do décimo oitavo século. Este número ímpressionaria ainda mais se,
idêntico exame abrangesse os restantes concelhos do pais, onde florescia a
indústría dos lanifícios, ou incluisse as mulheres e filhos dos mercadores que
também passaram pelos portais do Tribunal da Fé. A sorte das famílias não deixava
de acarretar ao comércio dificuldades, apreensões e desastres, embora o seu
chefe permanecesse em liberdade (26).
Contudo, apesar desta leva também a indústria não deixou de prosperar,
no fim do seculo XVII; esta época marca até o apogeu da sua glória.
O recrudescimento da actividade inquisitorial no principio do Século
XVIII, deve ter contribuido para acelerar as perturbações que, decerto, o
temor pela entrada dos panos estrangeiros levantou e de que Álvaro Ferreira se
fez eco, no seu processo, sobretudo se nos recordarmos que a indústria
dependia essencialmente do comércio.
Que admira pois que D. Luiz da Cunha se afligisse com a desastrosa
queda do comércio dos cristãos-novos da Beira Baixa, ainda que se pretenda
ver no seu juízo apenas a imagem exagerada dum quadro de despovoamento que lhe
pintassem os emigrantes a cores sinistras, por entre o esplendor das suas
embaixadas, nas cortes estrangeiras (27)?
Alguma coisa de grave, de facto, se passava, muito embora, na Covilhã,
o trato continuasse com os mercadores cristãos velhos e ainda com muitos dos
cristãos novos, estes ou porque escapados às malhas do Tribunal ou porque
regressados em breve ao burgo, retomassem o comércio, que os sequestros tinham
deixado indemne ou que seus familiares, sob outras denominações, tinham
continuado. Os capitais, normalmente móveis, estavam a coberto de todos os
arrestos.
A emigração não deixava de
trazer também as suas vantagens: muitos dos que partiam, voltavam mais tarde e
traziam conhecimentos novos à indústria, sem falar no desenvolvimento do
comércio internacional. Esse íntercâmbio
explica a forma como, em vésperas de Methuen, alguns dos trapeíros da Covilhã,
utilizavam maquinismos ingleses. Pelo menos, uma família dos mercadores principais
dessa época, tinha regressado de Londres (28).
Se os Covilhanenses de 1641
se queixaram da diminuição do comércio, pela fuga dos mercadores, muito mais
esse facto devia repercutir, em princípios do sec. XVIII, e para além dele, nos
anos posteriores ao tratado de Methuen. Como o Marquês de Pombal, inimigo do
tratado, reconhecesse que, no Reinado de D. João V, não era cumprido da nossa
parte, não resta dúvida de que à
Inquisição pode ser assacado (29) o motivo da decadência das fábricas,
tanto mais que a primeira fase da reforma do Conde da Ericeira, decorreu em
regime de livre concorrência com a indústria inglesa. Não era, pois, a livre
concorrência, restaurada pelo Tratado que podia atingir a indústria.
Mas o mais próximo motivo da decadência do mercado judaico deve
procurar-se na forma violenta como o concessionário do exclusivo dos panos
finos reprimiu, através dos tribunais, as transgressões ao seu privilégio.
Este foi de facto o rastilho que acendeu o lume da discórdia e rebentou com
estrondo nas cobiças, nos ódios e nas invejas da sinagoga: a ínquísíção
limitou-se a aceitar as denúncias que os marranos mutuamente se assacavam, e
transbordavam do mundo herético em que viviam as suas consciências.
Methuen, só por si, de nada valia; o seu tratado era mais suave do que
esses tratados do século XVII, já nossos conhecidos, se não batalhassem agora
pelos ingleses os seus dois novos aliados: a deligência da Inquisição e o ódio
da Sinagoga.
Lisboa - 1953.
NOTAS DO CAPÍTULO VI
(3ª Parte)
23 - ANTONIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé, cit.ª.
24 - SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA REGIONAL DA B. BAIXA, cit.ª.
25 - ARQ. N. DA T. DO TOMBO - Inquisição de Lisboa – Procº. de Barnabé Cardona.
26 - ANTÓNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé da InquiSição de Lisboa, ms. cit.º
27 - D. LUIZ DA CUNHA - Testamento Político.
28- ANTÓNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas, etc.
29-LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO – Obª.· citª.·, pág. 27.
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia_22.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia_29.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-contributos-para-sua-historia.html
Sem comentários:
Enviar um comentário