quarta-feira, 9 de julho de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XLII


     Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV

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VI

EM VÉSPERAS DE METHUEN
(Continuação)

Auto-de-fé

A Inquisição gozava no país, como aliás todos os tribunais, uma comprovada índependêncía. Agia em matéria de fé e naquelas que indirectamente lhe andavam ligadas, como bons costumes, bruxaria e outras.
Pelo pretórío do Santo Ofício e nos seus cárceres acotovela­vam-se não só os cristãos-novos judaizantes mas os bígamos, os fra­des molínístas, os homossexuais, os herejes e toda a caterva de bruxos.
A Corôa nada podia contra o Tribunal.
Não existia privilégio que distinguisse, dentro dos seus muros, os nobres dos plebeus, os validos dos miseráveis. A inquisição realizou de facto a igualdade dos homens perante a lei!
O interesse económico da Nação e os seus problemas industriais não contavam, pois, para os inquisidores.
Que importavam as reformas empreendidas à custa de tanto ouro e de tantos sacrifícios?
O primado da Fé e com ela a unidade nacional e a moralidade pública ultrapassavam quaisquer outros interesses, doutrina absolu­tamente razoável para quem viver integrado, na lógica de ferro dos seus juízes incorruptíveis.
É chegado o momento de esboçar as repercussões da actividade inquisitorial, na indústria dos lanifícios. Desde o século XVI que ela se fazia sentir na Covilhã e no seu concelho, através da emigração clandestina dos mercadores, das prisões e dos sequestros de bens. Contudo, apesar destas sangrias periódicas, a colónia dos cristãos-novos continuava a prosperar e o comércio a contá-los entre os seus mercadores mais activos.
Embora seja difícil reunir elementos concretos, sobre a emigra­ção, sabe-se que vários cristãos-novos covilhanenses, dedicados ao trato dos panos, saíram para França, Inglaterra, Holanda e Itália, sem mencionar a corrente emigratória, quase permanente, estabele­cida de Portugal para Espanha e de Espanha para Portugal, no Século XVI (23).
Do Século XVII já chegam notícias mais precisas. Nos capítulos das Cortes de 1641, os procuradores da Covilhã requerem a revisão do contrato da sisa com o fundamento de haver diminuído a popu­lação da Vila pela saída de muitos mercadores ricos e poderosos que ajudavam a suportar o encargo desse imposto (24).
Quando Barnabé Cardona, cristão velho, foi atirado injusta­mente para a inquisição, indiciado em culpas de judaísmo, em 1670, invocou na defesa, a inimizade dos mercadores cristãos novos cuja emigração impedira (25).
Por seu lado as listas dos autos de Fé, da Restauração a 1705, registam, nos cortejos trágicos da Inquisição, cerca de 50 mercadores ou trapeíros, moradores no concelho da Covilhã. Número elevado este, se, descriminado, atendermos que dezoito dentre eles respei­tavam aos primeiros cinco anos do décimo oitavo século. Este nú­mero ímpressionaria ainda mais se, idêntico exame abrangesse os restantes concelhos do pais, onde florescia a indústría dos lanifícios, ou incluisse as mulheres e filhos dos mercadores que também pas­saram pelos portais do Tribunal da Fé. A sorte das famílias não dei­xava de acarretar ao comércio dificuldades, apreensões e desastres, embora o seu chefe permanecesse em liberdade (26).
Contudo, apesar desta leva também a indústria não deixou de prosperar, no fim do seculo XVII; esta época marca até o apogeu da sua glória.

O recrudescimento da actividade inquisitorial no principio do Século XVIII, deve ter contribuido para acelerar as perturbações que, decerto, o temor pela entrada dos panos estrangeiros levantou e de que Álvaro Ferreira se fez eco, no seu processo, sobretudo se nos re­cordarmos que a indústria dependia essencialmente do comércio.
Que admira pois que D. Luiz da Cunha se afligisse com a desas­trosa queda do comércio dos cristãos-novos da Beira Baixa, ainda que se pretenda ver no seu juízo apenas a imagem exagerada dum quadro de despovoamento que lhe pintassem os emigrantes a cores sinistras, por entre o esplendor das suas embaixadas, nas cortes es­trangeiras (27)?
Alguma coisa de grave, de facto, se passava, muito embora, na Covilhã, o trato continuasse com os mercadores cristãos velhos e ainda com muitos dos cristãos novos, estes ou porque escapados às malhas do Tribunal ou porque regressados em breve ao burgo, reto­massem o comércio, que os sequestros tinham deixado indemne ou que seus familiares, sob outras denominações, tinham continuado. Os capitais, normalmente móveis, estavam a coberto de todos os arrestos.
A emigração não deixava de trazer também as suas van­tagens: muitos dos que partiam, voltavam mais tarde e traziam conhecimentos novos à indústria, sem falar no desenvolvimento do comércio internacional. Esse íntercâmbio explica a forma como, em vésperas de Methuen, alguns dos trapeíros da Covilhã, utilizavam maquinismos ingleses. Pelo menos, uma família dos mercadores prin­cipais dessa época, tinha regressado de Londres (28).

Se os Covilhanenses de 1641 se queixaram da diminuição do comércio, pela fuga dos mercadores, muito mais esse facto devia repercutir, em princípios do sec. XVIII, e para além dele, nos anos posteriores ao tratado de Methuen. Como o Marquês de Pombal, ini­migo do tratado, reconhecesse que, no Reinado de D. João V, não era cumprido da nossa parte, não resta dúvida de que à Inquisição pode ser assacado (29) o motivo da decadência das fábricas, tanto mais que a primeira fase da reforma do Conde da Ericeira, decorreu em regime de livre concorrência com a indústria inglesa. Não era, pois, a livre concorrência, restaurada pelo Tratado que podia atingir a indústria.
Mas o mais próximo motivo da decadência do mercado judaico deve procurar-se na forma violenta como o concessionário do exclu­sivo dos panos finos reprimiu, através dos tribunais, as transgressões ao seu privilégio. Este foi de facto o rastilho que acendeu o lume da discórdia e rebentou com estrondo nas cobiças, nos ódios e nas invejas da sinagoga: a ínquísíção limitou-se a aceitar as denúncias que os marranos mutuamente se assacavam, e transbordavam do mundo herético em que viviam as suas consciências.
Methuen, só por si, de nada valia; o seu tratado era mais suave do que esses tratados do século XVII, já nossos conhecidos, se não batalhassem agora pelos ingleses os seus dois novos aliados: a deli­gência da Inquisição e o ódio da Sinagoga.
Lisboa - 1953.


NOTAS DO CAPÍTULO VI
(3ª Parte)
23 - ANTONIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé, cit.ª.
24 - SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA REGIONAL DA B. BAIXA, cit.ª.
25 - ARQ. N. DA T. DO TOMBO - Inquisição de Lisboa – Procº. de Barnabé Car­dona.
26 - ANTÓNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé da InquiSição de Lisboa, ms. cit.º
27 - D. LUIZ DA CUNHA - Testamento Político.
28- ANTÓNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas, etc.

29-LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO – Obª.· citª.·, pág. 27.


As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia_22.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia_29.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html


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