sábado, 10 de janeiro de 2015

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXXI-XXIX


   
Inquérito Social XXIX

     Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.

   Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
O Regimento dos Panos que vamos divulgar foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no ano de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)
   Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os panos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
     A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de panos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom pano da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de pano fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo pormenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os panos deste e daquele; cada qualidade de pano tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os enganos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus panos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois anos, para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do vedor dos panos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”

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[…]

REGIMENTO (de 1690)

Da Fábrica de Pannos em Portugal


Capitulo XVII

Da pena que terá o Tecelão, que no pano tecer puzer marca de outro Tecelão ou lugar.

Tecelão algum não poderá pôr marca de outro Tecelão no pano que tecer, nem marca de outro algum lugar, senão daquele donde tecer sob pena de qualquer que mudar a dita marca, ou sinal, pagar vinte cruzados, além da pena crime, e será degradado por dois anos para um dos logares de Além; e a mesma pena haverá o Trapeiro, que não puzere no seu pano a marca.

Capitulo XVIII

Da pena que terá o Tecelão que tomar pezolada de pano em sua casa, posto que a pessoa, cujo for, lhe queira dar, ou vender, fiado ou puzer panos de muitos fiados, e cores, sem o mostrar ao Védor dos panos.

Outro-sim não poderá Tecelão algum tomar pesolada de pano, que tiver em sua casa, posto que a pessoa, cujo for, lhe queira dar, nem poderá vender fiado algum por si, nem por outrem, nem pôr panos de muitos fiados, e cores em seu tear; e por cada vez que for achado, que tomou as ditas pesoladas, ou que vendeu os fiados, ou que pôs os tais panos de diferentes côres, sem os mostrar ao Vedor, incorrerá em pena de dois mil reis; e o pano que se fizer de diferentes côres de lã se não poderá tingir em preto, sob pena de quinhentos reis para o Vedor acima dito.

Capitulo XIX

Dos pentes que os tecelães são obrigados a ter, e como os trapeiros farão a décima parte dos panos finos.

E porque os Tecelães não tem todos os pentes necessários, e a causa de os panos não serem deitados naquelas contas que devem, e se hão-de mister: Hey por bem, e mando que da feitoria deste a seis mezes primeiros seguintes, todo o tecelão, que tiver duzentos mil reis de fazenda e daí em diante, terá cinco pentes, quais quizer; e tendo até cento e cincoenta mil reis de fazenda, terá um pente, qual lhe aprouver, sob pena de que passados os ditos seis mezes, não tendo ele os pentes, que lhe são limitados por este capitulo, na maneira cima declarada, qualquer dos ditos Tecelães, que assim o não cumprir incorrerá em pena de dois mil reis cada vez que os ditos pentes lhe não forem achados; e porem os Trapeiros serão obrigados a fazer em cada um ano a decima parte dos panos finos, da qualidade dos panos que houverem de fazer, para que os Tecelães possam usar de todos os pentes, que por este Capitulo lhes mando que tenhão; não fazendo assim os ditos trapeiros pagarão por cada pano fino, que menos fizerem mil reis, de que será ametade para o Védor, e a outra para os Captivos: os quais panos finos, que assim se houverem de fazer se alvidrarão a cada Trapeiro pelo Vedor dos panos, e Juiz da terra, que o farão conforme aos panos, que em cada um ano cada um fizer.

Capitulo XX

Dos ramos que terão os panos, que se houverem de ordir e tecer.

Nem o mesmo Tecelão, nem outra pessoa ordirá, nem tecerá pano Dozeno, que seja de maior quantia que de dez ramos, e sendo Quatrozeno de nove ramos, o de Quatorzeno para cima de oito ramos, e acontecendo que algum pano Dozeno se queira fazer de maior comprimento que distos dez ramos, o poderão fazer, fazendo-lhe duas amostras, e cortando-o pelo meio depois de tecido, para que fique de maneira que cada um se possa pizoar por si de menor comprimento, que dos ramos ditos, sendo Dozeno, e daí para cima como dito é; e não o fazendo assim incorrerá em pena de mil reis, da cadêa, pela primeira vês. e pela segunda em pena dobrada, ametade para o Védor, e a outra para quem o acusar.

Capitulo XXI

Que tecelão algum, não possa dar pano algum que tecer, sem primeiro ser visto e examinado pelo Védor.

Tecelão algum, não poderá dar pano algum, que tecer, de sua casa, à pessoa que cujo fôr, sem primeiro, ser visto, e examinado pelo Vedor dos panos, que verá e examinará o tal pano se está tecido, e feito com aquela perfeição, que cumprir; e achando-se que está como deve, e bem acabado, o ferrará com o ferro, que para isso terá, e o Tecelão que o der sem primeiro ser visto, e ferrado pela dita maneira, pagará pela primeira vês mil reis para o dito Védor, e pela segunda vês dois mil reis, de cadêa.

Capitulo XXII

Que pessoa alguma não dê pano para levar ao pizão antes de ser limpo de todos os nós, e fios

É porque é menos cabo não ser limpo com perfeição o pano, e despinsado, tanto que se tirar do tear, e antes de ir ao pizão, pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, não dará pano para ser levado ao pizão antes de ser limpo de todos os nós, sob pena de que a pessoa que assim der pagará quinhentos reis para o Vedor.

Capitulo XXIII

Que trapeiro algum não dobe fiado, que houver de dar ao Tecelão, sôbre causa que faça peso.

Trapeiro algum não poderá dobar fiado para dar ao Tecelão, sobre pedra, ladrilho, ou outra qualquer cousa que faça peso, antes o dobará sobre o mesmo fiado, e qualquer que o contrario fizer, incorrerá na pena de quatrocentos reis, para o Vedor, e pagará da cadeia, o que nisso for achado.

Capitulo XXIV

Da maneira que se farão as baetas, os picotes, guardaletes, e panos de cordão.

Porquanto em meus Reinos se costumam ora fazer baetas, picótes, guardaletes, e panos de cordão, que de antes se não faziam, seguindo a informação que para isso se houve, se requer que os tais panos sejam fiados delgados, assim das ordiduras, como das teceduras, para se poderem fazer bem feitos, e deitados na largura dos pentes verbis, em razão da delgadura dêles, não podendo ser da bondade, e perfeição, que a necessaria. Hei por bem, que para se poderem fazer estes panos de cordão, e baetas, se façam os pentes, em que se houverem de tecer, de menos largura, e comprimento, do que são os pentes de sua conta dos panos verbis (barbim = verbim, conf. Cap. IX), e os ditos panos somente se porão em conta de Dozenos, e Sezenos; e as pessoas que os fizerem os não poderão fazer senão nos pentes dessa qualidade, e fazendo-os de outra maneira pagarão pela primeira vêz mil reis, metade para o Vedor e a outra para quem o acusar.

Capitulo XXV

Da conta que terão os picotes, guardaletes, e panos de cordão, e dos fios, e qualidade de lã que levarão.

Tendo o picóte, guardalete, ou outro qualquer pano de cordão, não poderá ser de menos conta, que Sezeno, e levará a ordir mil e seiscentos fios; e o que menos levar será perdido conforme ao Capitulo dos panos Dozenos; e o pente em que se tecer será de largura de tres covados e oitava, somente, de fino a fino, e levará a tecer em cada ramo quatro arrateis e meio, e não menos; e o tecelão será obrigado e avisado, para que não faça nos ditos panos algum passape, antes guarde em tudo a ordem dos ditos panos Dozenos verbis. (barbim, conf. Cap. IX)

Capitulo XXVI

Dos fios que levarão as baetas Sezenas, e tecer; e que elas os picótes, e mais panos de cordão sejam gaspeados.

As baetas Sezenas levarão a ordir mil e seiscentos fios, e não menos, e a que menos levar será perdida, e o pente em que se tecer terá de largura de fino a fino tres covados e oitava de fino a fino, e levará a tecer cada ramo quatro arrateis; os quais panos assim baetas como picotes, e panos de cordão, serão todos gaspeados; e no mais se guardará tambem a ordem dos panos Dozenos.

Capitulo XXVII

Dos fios que levarão as baetas Dozenas a ordir

As baetas Dozenas levarão a ordir mil e duzentos fios, e a que menos levar será perdida, e o pente em que se tecerem será de largura de fino a fino tres covados menos uma oitava, e levará a tecer cada ramo tres arrateis e meio, e será gaspeada; e no mais seguirá o modo que trata o Capitulo dos panos Dozenos; e nos pentes, em que as ditas baetas se tecerem, se não poderão tecer outros panos alguns senão as ditas baetas, e panos de cordão; e o Tecelão que nos tais pentes tecer outros panos pagará de pena dois mil reis, metade para o Védor, e a outra metade para quem o acusar.

Capitulo XXVIII

Da maneira em que serão os panos dizimados

Querendo alguma pessoa fazer panos dizimados, os poderá fazer; mas não de menos conto que Quatrozenos, nem de maior comprimento, que de nove ramo e as ordideiras de perfeição, que leva cada ramo a ordir dois arrateis, e daí para cima, e a tecer não levará menos que quatro arrateis em cada ramo, e daí para cima, e os pentes em que se tecer serão os próprios, e das mesmas larguras de que são os pentes dos panos verbis, e as contas, sinais, ferros, e marcas, serão de feição dos panos verbis; porque em lugar do B, que levará o pano verbi, para se saber o que é, levará o dzimado um D, por onde se conheça que é dizimado; e em tudo o mais se terá a ordem dos panos verbis Dozenos.

Capitulo XXIX

Dos fios que levará o pano Dozeno dizimado a ordir.

O pano Dozeno dizimado levará a ordir mil e seiscentos fios, e a ordideira será de maneira que não leve menos que dois arrateis e quarta, e daí para cima, guardando-se no amis a ordem do Capitulo dos panos Quatorzenos dizimados.

(Continua)

Nota dos editores – O Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.


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Inquéritos XXVIII-XXVI
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Inquéritos XXIX-XXVII
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