sábado, 24 de janeiro de 2015

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas XIV


    Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]

Esta memória histórica que apresentamos, já publicada no volume I da “História dos Lanifícios” (Documentos), de Luiz Fernando Carvalho Dias, e designada por Memória das Fábricas da Covilhã, é cópia do original existente no Museu Britânico, que o investigador obteve, obsequiosamente, através dos irmãos William e Anthony Hunter, penteadores de Bradford na década de 50 do século passado, que conheceu em Lisboa, no Congresso da Lã, realizado em 1953.
A Memória, de autor desconhecido, foi citada, sem crítica, por diversos escritores, entre os quais J. Lúcio de Azevedo, mas nunca fora publicada, apesar do seu indiscutível interesse para a história económica, certamente, por a cópia conhecida da Biblioteca Nacional de Lisboa se encontrar deteriorada em longas passagens.
Quando o autor entregou à Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, no ano de 1939, o trabalho de que fora encarregado de elaborar, designado por “Aspectos Sociais da Indústria dos Lanifícios e Subsídios para uma Monografia Histórica” (Relatório duma inquirição 1937-1938), incluiu alguns fragmentos desta Memória, segundo a versão existente na Biblioteca Nacional de Lisboa. Sobre ela refere: “dá indicações muito interessantes não só sobre a fabricação dos panos, mas também sobre a psicologia dos industriais, mercadores e operários que a ela se dedicavam, no século XVIII. De certo modo, certos aspectos desta monografia são como que um inquérito industrial à indústria desse tempo e uma base de informação para a grande reforma pombalina.” 


A Covilhã

MEMÓRIA DAS FÁBRICAS DA COVILHÃ
Esta Vila da Covilhã, situada nas abas da Serra da Estrela, entestando com o Nascente na província da Beira Alta, bispado e comarca da cidade da Guarda, distante desta sete léguas; é das primeiras povoações que visita o sol logo que nasce depois de dourar à mesma serra os cumes. Tem ruas muito boas e algumas menos andáveis, porque a situação em que foi edifi­cada, as fez mais empinadas, e com alguma incapacidade para nelas roda­rem carruagens. Acha-se fabricada em um monte, circundada de duas ribei­ras, uma da parte do Norte e outra do Sul, que descendo da dita serra, levam em todo o tempo águas, que depois de servirem aos engenhos de moe­rem pão, pizões, tintes da fábrica dos panos, vão regar e fertilizar os cam­pos vizinhos na distância de meia légua, e se incorporam com os de outra ribeira chamada a Córges, a qual tendo também o seu nascimento na dita serra, vem da parte do Norte para o Sul. Todas as três ribeiras, principal­mente a última, produzem trutas, eirozes (sic) e bordalos, excelentes ao gosto, mais saborosos que os de outras da mesma comarca.


A Ribeira da Degoldra
A Ribeira da Carpinteira


Desta vila, na altura em que se acha, se avistam na distância de três léguas os lugares seguintes: Teixoso, a vila de Belmonte, a de Sortelha, Caria, Peraboa, Ferro, Boidobra, Alcaide, Donas, Vila do Fundão, Aldeia Nova, Cabo (sic), Aldeia de Joane, Souto da Casa, Alcaria e Valverde. Entre estes lugares e na vizinhança desta vila há quintas, pomares e chãos de muito rendimento, os quais produzem frutos em abundância.

A muralha

Tem muros, que se diz serem da fundação do Senhor Rei D. Dinis ainda que outros lhe dão maior antiguidade: por uma inscrição de uma conta de 1004, que se acha gravada em uma pedra nos mesmos que tem, de âmbito e circunferência 4,670 palmos de 9 polegadas e um quarto; e de largura dez; e tudo de pedra de cantaria lavrada: neles se acham cinco portas grandes, com seus torreões; duas para o nascente, chamadas da Vila e do Sol; a terceira para o Sul, denominada de S. Vicente; a quarta para o Norte, com o nome de Altravelho; a quinta para o Poente, chamada do Castelo, junto à qual, em sítio mais superior, está uma eminente torre, chamada a de homenagem, com cinco quinas; tem de circunferência 190 palmos, e dentro um reduto para o qual também se entra pela parte do Nascente por uma grande porta que tem dois torreões, cada um de seu lado, e dentro edificada uma casa que pertence ao Alcaide-Mor o Vis­conde de Barbacena. Nos mesmos muros existem ainda quatro postigos: o da Pouza, o do Rosário, o da Barbacã e o do Terreiro de D. Teresa o qual se acha fechado haverá mais de 30 anos e a sua serventia. E sendo a obra destes muros tão grande, se bem que hoje demolidos na maior parte, há dois anos pouco mais ou menos caiu um dos torreões da Porta do Reduto, e no mês de Março deste presente ano de 1758, cairam duas quinas da Torre, quase até ao meio; e as que ficaram em pé, ameaçam total ruína.


A Igreja de Santa Maria

Tem a mesma vila treze freguesias paroquiais, e a maior delas está dentro dos muros, chamada Stª Maria e consta de trezentos fogos; é vigai­raria do Padroado Real e comenda de que é comendador Sebastião de Castro e Lemos. Na mesma igreja existe a famosa e devotíssima relíquia do San­tíssimo Lenho, donativo que foi do Senhor Infante D. Luís, filho do Senhor Rei D. Manuel. Está em forma de uma cruz, em uma preciosa custódia de prata, sobredourada, aonde ùltimamente foi posta e autenticada pelo bispo actual D. Bernardo António de Melo Osório, com assistência das primeiras dignidades da sua sé, no ano de 1754. Tem esta sagrada relíquia meio palmo de comprido e de largura dois dedos naturais e quase meio dedo de grossura, duas travessas, uma superior à outra, à maneira de cruz pontifícia.
Fora dos muros está a igreja de S. Pedro, cujo pároco é prior apresentado pelo cabido da sé da Guarda. A igreja de S. Paulo também priorado, e apre­sentação do padroado real. A vigairaria de S. Bartolomeu do mesmo padroado e pertence a uma das comendas do conde da Ericeira; o priorado de S. Salvador da apresentação do bispo da Guarda; Stª Marinha também do padroado real; A igreja de S. João de Malta que tem cura apresentado pelo comendador da mesma religião; o priorado da Madalena; o de S. Tiago; o de S. Silvestre. E suposto em algum tempo foram todas estas 3 igrejas do padroado particular, hoje são todas três da apresentação e data episcopal; o padroado de S. Vicente que é do padroado real; a de S. João de Marterin­collo (sic) da apresentação dos Cónegos Regrantes de S. Agostinho e per­tence particularmente a sua data ao Reitor do Colégio Novo da cidade de Coimbra; finalmente o priorado de S. Martinho, também data do bispo. Todas estas freguesias constam de mil e duzentos fogos; e ainda que algumas tenham na terra pequena freguesia, estão anexas a outras povoações vizinhas donde os párocos percebem dizimos e apresentam curas.
Em tempo mais antigo havia mais três igrejas paroquiais: uma da invocação de S. Miguel, hoje reduzida a capela e beneficio simples da colação ordinária por se anexarem os fregueses a outras igrejas; e percebe o beneficiado somente o rendimento dos bens próprios; outra chamada de S. Lou­renço, hoje demolida; e dela é padroeiro particular o dr. Filipe de Macedo Castelo Branco, da mesma vila; não tem fregueses e o beneficiado só percebe os dizimos dos bens próprios, com que foi dotada: a última é da invocação de Stº André, da qual hoje não existe mais do que o assento com uma cruz para sinal; e os rendimentos se anexaram à igreja do lugar de Boidobra, distante meia légua, data da Abadessa do Lorvão da ordem de S. Bernardo.

Capela de Santa Cruz ou do Calvário
De presente tem seis capelas ou ermidas em circunferência: uma rica e majestosa, com o título de Stª Cruz, extra-muros, na qual esteve primeiro a Santa Relíquia do Santíssimo Lenho, e hoje guardada na igreja de Stª Maria, no altar do Santíssimo Sacramento, com seis chaves das quais uma pertence à Câmara e costuma existir na mão do vereador mais velho por ser da real protecção, outra na do Acipreste (sic), ministro eclesiástico, e as mais na do pároco e do juiz e mordomos da Confraria. No ano se põem patente no dia 3 de Maio e depois de finda a procissão com assistência de toda a câmara, na sobredita capela, e de tarde à veneração na igreja: no dia de Sexta-feira Santa; antigamente no dia 16 de Setembro; e fora destes dias só se mostra aos prelados e pessoas titulares, que devotamente querem adorá-lo. Outra capela da invocação de S. Sebastião que de novo se pretende reedificar; outra do Senhor Jesus; outra de S. Lázaro, que há poucos anos se demoliu, e foi antigo hospital de leprosos, e empestados: outra sumptuosa e moderna com o título do Senhor da Ríbeira, com grande concurso de romagem; outra pequena de um morgado particular donde se tresladou o mesmo Senhor da Ríbeira, no ano de 1752 e tem hoje a invocação de Stª Bárbara; dentro dos muros na freguesia de Stª Maria está outra magnífica, com o titulo de Nossa Senhora do Rosário; e fora deles, mas no meio da vila, está a Casa da Misericórdia, com templo majestoso e grave hospital para os pobres enfermos, tratados à custa das rendas da mesma casa; e é da protecção real. 

Ao longe o antigo Convento de Santo António, 
(hoje Reitoria da UBI)
Tem mais a vila dois magníficos conventos, com sumptuosas igrejas, um de religiosos observantes de S. Francisco, aonde está erecta em capela separada, a irmandade da Ordem Terceira da Penitência. Outro de Stº António de religiosos descalços da província da Piedade, o qual é da real protecção, e para se reedificar concorreu a memorável generosidade do Senhor Rei D. João V, que santa glória haja. Ambos têm grandes e mimosas cercas, com abundância de águas nativas e também de fora que conduzem por aquedutos para maior fertilidade; o primeiro fica para a parte do Norte, na extremidade da vila, o segundo, em sitio levantado, superior na fronte dela para a banda do Sul.

Tem a vila 954 fogos; 3.481 pessoas; excelentes edifícios, e casas particulares: de todos o mais majestoso é o da Câmara e cadeia, que formada nos muros sobre a porta da vila, que é de abóbada, tem 9 janelas rasgadas, dominando um grande terreiro; no meio está uma muito grande pedra lavrada em oitavo e no cimo faz a figura duma roca; no meio do edifício estão esculpidas as armas reais; e também no mesmo sitio foi fabricada a torre do relógio, com este para Nascente, e outro sino para o Norte, que serve de tocar à Câmara, audiência, ronda e mais funções. Também no dito terreiro se faz Praça quotidiana de todos os géneros de alimento e mercado ou feira no terceiro domingo de cada mês; e no cimo junto às escadas tem um chafariz com água em abundância por duas bicas.

A Câmara

Até ao ano de 1746 tinha dois ministros postos por Sua Majestade, um com a obrigação do civel e crime e outro sòmente dos órfãos, por ser o termo muito delimitado. E como se criou de novo o lugar do Fundão em vila, e se lhe pôs juiz de fora, ficou este termo mais pequeno; e por isso se pôs nesta vila só juiz de fora, com ambas as obrigações: há quatro escrivães do público e judicial; dois dos órfãos; um das execuções; inquiridor; contador; e distribuidor; meirinho; e alcaide; três tabeliães; dois partidores dos órfãos; escrivão da Câmara; outro das cizas e almotacerias; alferes mór; capitão mór; sargento mór; quatro capitães; quatro alferes; tenentes; e um ajudante. 
(Continua)

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:

Publicações neste blogue sobre os monografistas covilhanenses:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas-xi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/08/covilha-memoralistas-ou-monografistas-x.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ix.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-memoralistas-ou-monografistas-vi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas-v.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html 

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