sábado, 31 de janeiro de 2015

Covilhã - Pedro Álvares Cabral e Belmonte VIII


 Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias documentação vária relacionada com a família de Pedro Álvares Cabral e Belmonte. Hoje continuamos a publicar esta memória sobre o Convento de Nossa Senhora da Esperança, próximo de Belmonte. Este convento é hoje uma pousada e a imagem da Senhora da Esperança está na Igreja de S. Tiago, em Belmonte.


Interior da Igreja de S. Tiago
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
               
[...] 

         "Não são poucos os Religiosos que tem florescido nesta casa de Belmonte em Letras e Virtudes; e segundo o sistema que me propus vou fazer menção daqueles sujeitos que julguei mais distintos.
O Notário Apostolico Christovão Fernandes de Matos atesta em 1602 que entre os papeis que lhe apresentou o ministro de Lisboa, o Presidente (sic) Fr. Luiz de Figueiredo, havia um carta original da comarca da Covilhã, dos grandes serviços, que fizera na Casa de Saude daquela vila, na ocasião da peste de noventa e nove, um Religioso do Convento da Esperança, ministrando com zelo e caridade ao proxímo os remedios de corpo e  da alma, confessando e dando os sacramentos com grande edificação dos Povos. Estes papeis dos grandes serviços desta congregação foram para o Conselho de Portugal em Madrid e lá ficaram depois da Aclamação do Senhor Rei Dom João IV (22).
É de suma honra a este convento a memoria do P. Fr. Manuel dos Anjos, nascido na vila de Manteigas, seis leguas da cidade da Guarda , aos 11 de Fevereiro de 1595, e que professou no Convento da Pesqueira em 3 de Maio de 1616. Feito pregador e confessor, e deliberado o corresponder fiel ao uso de seu mi­nisterio sacerdotal conseguiu grande fruto nas almas dos Diocesanos do seu bispado. Os importantes lucros espirituais que tirava das missões que pregou naquela extensa cetedral, com beneplacito dos Exmºs. ordinarios D. Francisco de Castro, D. Fr. Lopo de Sequeira, e D. Diniz de Mello aos quaes foi muito aceite, lhe merecerão a estimação e respeito dos povos, que o tratavão como homem justo. Arrancando vicios e subministrando a doutrina da penitencia pela mortificação dos apetites e observancia da lei evangelica punha em paz os discordes, desfazia as intrigas, os odios, e firmava a boa armonia nos povos.
Recorrião a ele muitos sujeitos, ainda de grandes distancias, a pedir-lhe conselho em seus negocios e interesses particulares, que aplanava com sua autoridade e respeitosa veneração, encomendando-se outros em suas orações, que esperançados no valimento de servos do Senhor se prometião as graças, e beneficios do Ceu.
Estes e outros serviços feitos à Igreja Egitaniense, compensados nos copiosos e abundantes frutos que recolhia daquela vinha do Senhor, não lhe embaraçavam os continuados estudos das belas letras, da Historia Sagrada e Profana, fazendo particular interesse na lição dos livros doutos, compondo tratados eruditos sobre a Imaculada Conceição da Senhora, da Historia Geral do Mundo, e da Politica de Principes, unida com as virtudes inerentes à sua alta dignidade, em que mostra a vasta instrução que tinha das Santas Escritur­as, e estabelece doutrinas solidas e seguras; sendo por suas composições respeitado dos sabios. Faleceu no Colegio de S.Pedro de Coimbra, aonde se tinha recolhido a descansar, e polir as suas obras, aos 19 de Novembro de 1653. O Livro dos Obitos lhe faz um digno e merecido elogio (23)
Tem impresso = Triumfo da gloriosa Virgem Maria. Lisboa: 1638. 4º. Historia Universal do Mundo. Coimbra 1651. Lisboa 1702 e 1735. Politica Predicavel etc. Lisboa. 1693, e 1702. Folha.
Nem sempre a virtude vem seguida como herança de Pais a filhos: muitas vezes de um varão justo nasce um filho celerado, e pelo contrario: Os virtuosos e bons exemplos do P. Fr. Manue1 dos Anjos, tiverão uma seguida imitação em seu sobrinho o P. Fr. Manue1 de Stº. António. Nasceu este religioso na vila de Manteigas a 21 de Março de 1626, e professou no Convento da Esperança a 20 de Junho de 1644. A regularidade, observancia, zelo, e prudencia com que exercitou por duas vezes o lugar de Prelado no convento da sua educação claustral, lhe mereceram o respeito dos seus subditos, e o amor daqueles povos, que doutrinava e instruia nos preceitos o cristianismo. Era frequente na oração, e Penitencia, dando exemplo de modestia, e paciencia, cheio de virtude e merecimentos, faleceo no Convento da Esperança a 24 de Junho de 1704. (24)
Os grandes serviços que fez à Igreja Egitaniense o veneravel Provincial Fr. Miguel da Anunciação e o ser Diocesano deste Bispado, aonde é ainda hoje viva a memória deste austero e penitente religioso, me obriga a fazer menção de suas letras e virtudes, quando escrevo as noticias do Convento de Nossa Senhora da Esperança de Belmonte.
Sete leguas distante da cidade da Guarda fica situada a freguesia de S.Sebastião da Capinha, aonde nasceu este Padre a 15 de Novembro de 1646, professando o Instituto da Terceira Ordem, no exemplar convento de Caria a 14 de Setembro de 1664. Estudadas as Artes com o mestre Fr. Francisco da Natividade, chamado vulgarmente o mestre Beato não só aprendeu as ciencias Filosóficas e Teologicas com desempenho mas seguindo os seus virtuosos exemplos aproveitou tanto nos deveres da sua profissão, quanto testemunhão os exercicios de sua justificada vida, e os acontecimentos extraordinários de sua preciosa morte. Interessado na lição dos Livros Santos, foi reputado um douto, e instruido professor, ensinando no Co1egio de Santarem em 1676 as ciencias naturais com as luzes do seu seculo, deixando discipulos de muite literatura e instrução: e sendo lente de vespera e de prima nos Colegios de Coimbra, Santa Catharina, e em Lisboa, até que jubilou, foi considerado pelos sabios um teologo de singular ornamento desta congregação.
Entre as fadigas literarias, jamais preteriu os austeros sistemas a que o levava seu espirito, zeloso observador de sua Regra, praticava as vir tudes religiosas com suma exacção, distinguindo-se mui particularmente quando celebrava o augusto sacrif:cio da missa que exercitava confundido, e abismado no seu nada, derramando sempre lagrimas de ternura e compunção. Era bus­cado dos doutos e timoratos para a direcção e conselho, que (o) achavam sempre pronto e seguro (sic) em todas as materias, e com as doutrinas mais certas,e firmes na consciencia.
Chamado pelo Exmº. Ordinario da Guarda para educar os ordenandos daquela Diocese no seu seminario sera impossivel dizer em breve os dignos frutos da doutrina e exemplo praticados nesta casa. Com as ciencias eclesiasticas do Ejito (?) Prito (sic) da Teologia e da sã moral sempre se nutriam, e se fizeram doutos Parocos, emulos discipulos da sua instrução, e exemplos, lhes ensinava as maximas que deviam ter sempre presentes afim de conseguirem a felicidade eterna. Nas conferencias literarias que entretinha com erudição e graça, misturava com prudencia suaves admoestações, conhecia o mundo, a fragilidade da natureza; e as idades dos seminaristas; e sendo nimiamente austero consigo, não era pesado à educação da mocidade. Os jejuns, as vigilias, as rigorosas discipli­nas, e outros exercicios piedosos em que se exercitava este Religioso, indicavam a inocencia de seus costumes e lhe mereciam respeito e veneração.
Crescia a fama de sua probidade dentro e fora do claustro, e sendo eleito ministro provincial em 25 de Junho de 1707, o Senhor Rei D.João V formando um justo conceito de suas letras e virtudes o nomeou capelão mór das Armadas Reais pela promoção ao Bispado de Cabo Verde do Exmº. e Revdmº. D. Fr. Francisco de Santo Agostinho que exercitava este honorifico lugar.
Mil desordens acontecidas naqueles dias entre nós afligiram muito seu espirito: males que via ir arruinando a Religião e destruindo a virtude lhe feriam insensivelmente a alma, e sepultaram este douto varão na eternidade. Recebidos os sacramentos da Igreja com muita devoção expirou no ósculo do Senhor no Convento de Lisboa a 14 de Março de 1711 proferindo as palavras: Domine mi Jesu, in manus tuas cosumando spiritum meum.
Divulgada a morte deste prelado pela Corte concorreu ao convento inumeravel multidão de povo: grandes e pequenos querião respeitar o cadaver do justo: e foi tanto o concurso que no segundo dia de exposto custou muito ao Duque de Cadaval D. Nuno, a entrar pela portaria, não podendo romper na porta da Igreja. Vestiram lhe tres habitos; e o que levou à sepultura ia já muito bem retalhado. Entre outras dignidades eclesiasticas que vieram honrar a me­moria deste sabio e austero religioso foi o Exmº. e Revdmº D. Rodrigo de Moura Telles que passava da Igreja da Guarda a Arcebispo Primaz de Braga, e rompendo em expressões honrosas de literatura de mestre Fr. Miguel concluiu dizendo: en­tre as virtudes do P. Mestre Capinha, sobressai muito a sua penitencia de que eram testemunhas as paredes do Seminario Egitaniense, muitas vezes rubricadas com o sangue das rigorosas disciplinas que ali tomava.
Seu corpo ficou flexivel e maniavel de cabeça, braços e mãos, que parecia desengonçado: o semblante respeitoso, e agradavel; e sendo sangrado muitas horas depois de falecido, lançou sangue, em que se molharam alguns lenços, não se percebendo, passados dois dias e meio corrução alguma, nem causando horror ao sexo melindroso, que em roda do feretro lhe tocava nas mãos; e cabeça; e reconhecendo as graças, e beneficios que recebião, manifestava as maravilhas do Onnipotente, obradas em honra, e gloria de seu servo. Foi retratado depois de morto, e se conserva em testemunho da sua virtude no Conven­to de Lisboa. Tendo passado dois dias e meio que esteve exposto na Igreja, entre lagrimas e satisfação dos Religiosos de probidade, no alto silencio da noite o deram à sepultura, engrandecendo todas as maravilhas do Senhor. A raiva fradesca, mais activa e veloz que o roedor Copim, tapando os olhos aos extraor­dinarios prodigios que obrava o Onnipotente, se enfureceu mordaz contra o vene­ravel superior. Foi escandaloso aos seculares as blasfemias que proferião cer­tos frades contra o austero e penitente Religioso, mas a sua reconhecida e justificada virtude, e de muitos outros Religiosos benemeritos de que vou fazendo uma sucinta lembrança, faz escurecer a malignidade de sordidos espiritos que se atrevem a apertar nas mãos a lama vil e imunda, mascarando a fama, e os aposentos dos superiores que se distinguem em merecimento de letras e de virtudes. De quanto não é capaz o coração preverso do homem mal educado e falta de principios da honra, civilidade e virtude.
Não sei dizer se foi espirito de partido ou simples curiosidade,abrirem a campa deste religioso, contra as leis eclesiasticas, depois de doze dias: encontrando os curiosos ou maldizentes o corpo sem corrupção, e do mesmo modo tratavel; e o lenço que lhe cobria o rosto, ainda com sangue puro, servindo depois esta alfaia do servo do Senhor de medecina eficaz ao sujeito que a reservou. O mestre jubilado Frei José da Conceição Escotinho, honrado depois com lugar de Ministro Provincial, pregou nas exéquias deste prelado maior, convencendo os caluniadores da sua perfidia, e realçando o discurso com a verdade que fez brilhantissimo aquele funebre elogio.
Neste cartorio de Lisboa se conservam cartas originais daqueles tempos, reconhecidas por notarios publicos, de varios parocos, Benficiados e Religiosos que testemunham a sua virtude e a guerra que o inimigo comum lhe fazia, quando este piedoso varão se dirigia aos exercicios virtuosos dentro e fora do Seminario da Guarda e em os nossos claustros (25).
                        Na campa se lhe poz este epitafio =

Sepultura do P. M. Fr. Miguel da Anunciação Capinha, Leitor Jubilado, Consultor do Santo Officio, Capelão-Mór das Armadas Raes, e Ministro Provincial, varão insigne em Letras e virtudes. Falleceo em 14 de Março de 1711 e admirarão-se na sua morte grandes prodigios.

Fazem menção deste sabio e virtuoso Padre muitos autores nacionais; e o Livro dos Obitos da Congregação faz uma honrada lembrança a sua memória. (26).
O pregador Fr. Francisco de Stª. Agueda, deu tambem um grande lustre a esta casa, por sua conhecida probidade. Nasceu na vila de Valegim no Bispado de Coimbra, e foi baptisado na Freguesia da Senhora do Rosario aos 24 de Janeiro de 1674, professando o Instituto a Terceira Ordem no Convento de Caria aos 5 de Fevereiro de 1698. Era este Religioso muito exemplar, amigo da paz, e caritativo em sumo grau, repartindo com os religiosos pobres dos seus trastes e cousas usuais para seu aninho (sic) e asseio; não fautando em socorrer no que podia a donzela honesta e a viuva recolhida; sobressaindo a sua compaixão com os pobres cegos e aleijados a quem ensinava a doutrina e liberalisava a esmola, sendo prelado deste Convento da Esperança foi zeloso e observantissimo da disciplina regular, não faltando nunca ao coro, e ouvindo sempre de joelhos a missa conventual, orando e meditando frequentemente na Paixão de Jesus Cristo, de que tirava abundantissimos frutos, e consolação espiritual. Teve graça e virtude particular do Ceu contra os demonios, obrando maravilhas extraordinarias pela força e eficacia de suas lagrimas, derramadas a favor daqueles miseraveis, diante do Augusto Sacramento, querendo o Onnipotente ser propicio aos seus rogos. Era venerado dos povos circumvezinhos por varão justo, formando um particular conceito da sua virtude o Excelentissimo Diocesano (sic) da Guarda D. Bernardo Antonio de Melo Osorio, como tambem o Excelentissimo Diocesano de Coimbra. Faleceu este religioso em fama de santidade na vila de Sandomil no primeiro de Dezembro de 1749 e está sepultado na capela mór da Igreja matriz, com sentimento e lagrimas daquele povo, res­peitando neste religioso um sujeito virtuoso e justo.
É ainda viva e saudosa na vila de Belmonte a virtuosa conversação do servo de Deus o Irmão Antonio, natural do lugar de Canas. Serviu muitos anos este irmão Donato na vida activa da comunidade de Nossa Senhora da Esperança, à qual unia o exercicio de uma grande virtude, sendo continuo na oração, nos jejuns e disciplinas, merecendo do céu particulares favores. Todos os secula­res daquelas visinhanças o veneravam por santo, publicando dele, com pia cre­dulidade extraordinários acontecimentos, que para gloria de Deus, ainda os velhos daqueles povos vão transmitindo de pais a filhos. Andava este irmão no peditorio, e os fieis se mostravam tão afeiçoados, liberalisando lhe as esmolas, e esmolas, e donativos, para que lhe abençoasse os frutos, e rogasse ao Senhor por eles. Havia tempos que havia prognosticado a sua morte, e che­gando ao lugar de Benespera, duas leguas distante do convento, na quinta fei­ra maior do ano de 1657, não pode passar adiante. Foi para a igreja e fregue­sia de Stº. Antão, aonde se confessou com devotas e enternecidas lagrimas, e recebendo o Augusto Sacramento da Eucaristia se retirou em contemplação; e extactico, com as mãos levantadas ao céu, deu a alma ao seu Creador. Algumas pessoas que estavam na Igreja o acharam assim morto. Avisados os religiosos do Convento da Esperança vieram, com pressa, assistir ao corpo e querendo con­duzir o cadaver para o seu mosteiro o não puderam conseguir pela devoção do povo. Depois de estar tres dias incorrupto e flexivel, não tendo mudança al­guma na cor do rosto, foi sepultado na dita freguesia de Stº. Antão do Lugar da Benespera, sendo ainda venerada a sua memoria pelos lugares circunvizinhos. Por tudo seja louvada e engrandecida a misericordia do Altissimo, pro­digiosa em seus servos, distinguindo-se ainda no deserto do Convento de Nossa Senhora da Esperança da vila de Belmonte, muitos sujeitos dignos de serem lembrados neste escrito, assim nas letras como nas virtudes, deixando aqueles antigos Padres testemunhos veridicos de suma honra a esta casa, de que farei particular memoria quando formalisar a historia Geral desta congregação, satisfazendo neste simples compendio aos desejos dos curiosos.
(FIM)

Notas:
(22) - Neste cartorio de Lisboa. Armario 2º. Pasta 18.  Papeis interessantes etc. se conserva este Instrumento autentico feito pelo notario Cristovão Fernandes de Matos aos 9 dias de Fevereiro de 1602.
(23) - Venerab. P. Fr. Emmanuelis ab Ange1is, Theologi admodum pii, ardentes charitatis Missionarii, Beatissimae Virginis, cultoris eximii, res morali atque divinii, et humanitoribus Litteris instructissinii, prudentes, pii, et eruditi Politici, Docti scpriptoris, Provinciae. Protoxrinarii Collegii conimbricensij Alumni ubi decessit suae virtutis, et Litteraturae fama clarus.
(24)- Sic. O cronista Garcez nas Memorias dos Religiosos Veneraveis, faz uma honrada lembrança deste Religioso.
(25) - Cartorio do Convento de Lisboa. Armario lº. Casa Ve. Maço 6 nº. 7.
(26)- Item vener. P. N. Fratis Micaelis ab Annuntiatione Capinha, sacrae Theo­logiae Lectoris Inbilati, Sancti Officii censoris, Collegii Conimbricen­sii Alummi, clasis Regiae Sacrifici maximi; Ministri Provincialis, quo tempore fuit magnum schisma in nostra Provincia, quo cujus pacifica compositione solerter adlaboravit benedictus vir: tandem poemtentiis, et Laboribus confectus obiit olisipone pronuncians = Domine mi Jesu in manus tuas comendo spiritum meum, cujus cadaver per triduum universae curiae veneratiom expositum suavemque spirans odorem coruscavit=
(27) – Segue-se em nota (14) sic a cópia do breve do Cardeal Protector de Medeces em que aprova os Estatutos feitos no Convento da Esperança em 1584. Não se copia por desnecessaria.


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