O século XIX é um período de grandes
transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham
por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram
momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito
descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades
denominadas patrioticas”), prisões,
exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou
cartistas. Que miguelistas? Que liberais?
Os documentos que estamos a apresentar sobre
a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de
várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a
Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a
morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta
Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava
no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da
Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do
avesso.
Todas
estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao
regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de
oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e
Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a
Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de
Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade
secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O
governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando
julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores.
Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma
espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da
repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções
37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi
considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca
de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.
A oposição liberal manifesta-se e centra-se
no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam
estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no
estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). Para defender o trono de sua
filha Dona Maria, vem ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil.
Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000
soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832
e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns
combatem outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério
liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e
judiciais.
1834 é o ano da derrota miguelista e do
início da governação de D. Maria II, embora a estabilidade ainda esteja longe… Agora as guerras vão ser entre liberais.
Como vai a Covilhã celebrar a vitória Liberal/derrota miguelista? "...soaram na praça desta vila os vivas a nossa legitima Soberana a Senhora D. Maria II, a Vossa Magestade Imperial, e a todos os outros objectos tão caros aos verdadeiros portugueses..." (Abril de 1834)
Como vai a Covilhã celebrar a vitória Liberal/derrota miguelista? "...soaram na praça desta vila os vivas a nossa legitima Soberana a Senhora D. Maria II, a Vossa Magestade Imperial, e a todos os outros objectos tão caros aos verdadeiros portugueses..." (Abril de 1834)
“Senhor = Possuidor do mais vivo
entusiasmo temos a honra de levar respeitosamente ao conhecimento de Vossa
mag.e Imperial os felises e gloriosos sucessos ocorridos nesta vila a pró da
Legitimidade em cuja defeza V. Mag.e Imperial tão honrosa e decididamente se
acha empenhado.
Constando
na manhã do dia 22 que os habitantes da Guarda tinham aclamado o legítimo
governo de S. Mag. Imp.ªl o Regedor das Justiças com alguns membros da Alçada,
e outros desembargadores e magistrados que ocupavam a Vila, imediatamente se
retiraram, apoderando-se então o terror das autoridades, e de todos os inimigos
da Legitimidade, estes seguidamente ou se evadiram ou se esconderam.
Um desalento tão pronunciado despertou nos
corações dos liberaes a heróica resolução de despedaçar as algemas com que tão
cruel e injustamente os haviam agrilhoado, esqueceram-se os perigos, correu-se
um véu sobre o futuro (sic), e forçando-se as portas das masmorras, aonde
jaziam as desgraçadas vítimas da tirania, soaram na praça desta vila os vivas a nossa legitima Soberana a Senhora
D. Maria II, a Vossa Magestade Imperial, e a todos os outros objectos tão caros
aos verdadeiros portugueses.
Mas
a falta de meios para manter uma resolução tão pronta e energicamente executada,
o ponto crítico em que nos achavamos colocados; por toda a parte ainda rodeado
de povoações que ainda tinham a voz do usurpador, por algumas horas entibiou os
menos fortes; todavia não era este o momento para reflexões; o zelo pela causa da legitimidade bem
depressa desvaneceu as nuvens do receio de sorte que às sete horas da tarde já
se tinha feito a aclamação por todas as ruas desta Vila, recolhendo todos aos
paços do concelho da mesma aonde se procedeu à nomeação duma junta provisoria,
de que temos a honra de ser membros. Aceitando a lisongeira comissão de que
haviamos sido encarregados, não nos poupamos a fadigas para fazer vingar a
justa causa que defendemos. estabeleceram-se patrulhas de voluntários a pé e a
cavalo, expediram-se ofícios para todos os povos e cidadãos mais acreditados, e
não se omitiu providencia alguma das que podiam aproveitar em crise tão
melindrosa e arriscada. Ainda que no dia 23 se tinha reunido já grande número
de patriotas armados, ardendo em desejos de se bater com os inimigos de V.
Mag.e Imperial, contudo este recurso não era ainda de seguridade, atendendo a
que estavamos inteiramente isolados, foi por isso que recorremos ao general
espanhol, comandante da força armada estacionada na cidade da Guarda, o qual
prontamente fez marchar uma força respeitavel sobre esta Vila. É inexplicável o
entusiasmo que desenvolveram os inimigos da legitimidade com a vinda desta
brilhante tropa, assim como não pode exceder-se o acolhimento e os bons oficios
que à porfia lhe temos prestado, de que eles se fazem credores pelo seu brioso
comportamento.
Não nos limitámos Augusto Senhor, a
restaurar nesta Vila e em todos os povos do seu termo o legitimo governo da
Augusta Filha de V. Mag.e Imp.ªl mas cooperámos para que se fizesse o mesmo na
Vila do Fundão, que desgraçadamente não poude manter-se por lhe aparecer pouco
depois o rebelde Nicolau d’Abreu, intitulado general desta Província, que
com alguns aventureiros pretende ainda prolongar a escravidão em que temos
vivido, estão porem tomadas as medidas para irmos prontamente socorrer aquela
infeliz vila, animados pela justiça da nossa causa esperamos em breve ver ali
restabelecido o paternal governo de V. Mag.e Imperial.
No
meio de todas estas oscilações políticas temos tido a satisfação de ver por
toda a parte a harmonia e a ordem; e bem longe de se pisar a estrada desse governo
desorganizador e despótico, tem sido respeitadas as propriedades, afiançada a
segurança de todos os cidadãos, e os dias da restauração têm sido como dias de
festa anunciadores de um futuro mais risonho e brilhante.
Oxalá
que estes nossos serviços feitos à causa da legitimidade se façam credores da
Real Aprovação de V. Mag.e Imp.ªl e da nossa Augusta Soberana cujos dias céu
dilate e prospere para ventura de todos os patriotas portugueses. Covilhã, nos paços do Concelho aos vinte e
oito de Abril de 1834 = O Presidente Antonio Gabriel Pessoa d’ Amorim = O
Vogal Pedro Vaz de Carvalho = O Vogal Joaquim Antonio Clementino Maciel = O
vogal Sebastião de Elvas Leitão Montaes = O Vogal Daniel José da Silva Campos
Melo = O Vogal José Caldeira Pinto Castello Branco = O Vogal Bernardo de
Almeida Lemos=.
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Sexta feira 16 de Maio
Secretaria de estado dos Negocios
da Guerra. 1ª Rep.ção. 1ª secção
“Tendo o Marechal do Exercito
Duque da Terceira remetido pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra uma
felicitação que a Comissão Municipal da Vila da Covilhã dirigiu a S. Mag.e
Imp.ªl o Duque de Bragança, Regente em nome da Rainha, narrando os gloriosos acontecimentos que ali tiveram lugar no dia 22 de
Abril ultimo, por ocasião de se aclamar expontaneamente, e com o mais vivo
entusiasmo o legitimo governo da Rainha, e da Carta. manda o mesmo Augusto
Senhor declarar à mencionada comissão, que lhe foi muito grato o brioso
comportamento do povo daquela vila, digno de todo o louvor tanto pelo
expontaneo desenvolvimento a pró da causa da justiça e da Honra, como pela
maneira generosa com que se tem conduzido na conservação da ordem, e segurança
da propriedade de seus concidadãos. Sua Mag.e Imp.ªl está certo que só o jugo
duma tirania tão atroz como a do usurpador podia sufocar os nobres sentimentos
da Nação Portuguesa, e por isso espera que todos horrorisados do tempo
pretérito trabalharão em arreigar o sistema constitucional de que essencialmente depende a prosperidade da Pátria.
Paço do Ramalhão, em 14 de Maio de 1834 = Agostinho José Freire.
Fonte - Cronica (Constitucional) de Lisboa
fls 453, fls 469, respectivamente
As publicações do Blogue:
fls 453, fls 469, respectivamente
As publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
Publicações no blogue sobre este assunto:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/01/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
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