Os Pastores e os seus Privilégios
A propósito dos
pastores e seus privilégios poderíamos reflectir sobre vários assuntos, tais como
a transumância, a Mesta, a comparação, nesta área, entre Portugal e Castela, a ligação com a
indústria dos lanifícios, a evolução no tempo, etc, etc.
Sobre a Mesta apresentamos
fotografias de umas folhas manuscritas por Luiz Fernando Carvalho Dias, com uma consulta retirada da
Enciclopédia Spasa:
A transumância tem
sido muito estudada e, em 1941, já o professor Orlando Ribeiro escrevia a propósito
dos deslocamentos sazonais: “Nos movimentos de transumância das montanhas
beiroas, ainda mal conhecidos, citaremos principalmente os da Serra da Estrela,
entre as pastagens estivais elevadas e a invernada que se faz, entre outros
lugares, nos campos do Mondego, nas campanhas da Idanha, em terrenos em pousio
ou de restolho de cereais. Os rebanhos de gado miúdo, ovelhas principalmente, e
algumas cabras, atingem alguns milhares de cabeças.”
As raízes da transumância
perdem-se no tempo. A complementaridade entre pastorícia e agricultura, bem
como a ligação à manufactura têxtil, é conhecida e considerável.
O interesse pelo
sector pecuário já é visível em vários forais, como o da Covilhã
(1186), de D. Sancho I, onde é referido:
- […] Ganatum de Couelliana non sit montado
in ulla terra.[…] (O gado de Covilhã não pagará o tributo de pasto em terra
alguma).
- […] Et homines qui uoluerint pausare cum
suo ganato in terminos Couelliane accipiant de eis montadigum, scilicet a grege
ouium IIII carnarios. Et de busto de uaccis unam uaccam. Istud montadigum est
de concilio. […] (Os que quiserem apascentar seus gados nos termos de Covilhã
pagarão o tributo do montadigo que é de rebanho de ovelhas quatro carneiros, e
de vacas uma vaca. Tal montadigo pertence ao concelho).
Até ao século XX
encontramos muitas descrições e regulamentações sobre a transumância. Por
exemplo o P. Manuel Cabral de Pina (século XVIII), na sua monografia sobre a
Covilhã, dá-nos a conhecer, entre outras coisas, que desde a Primavera até ao
Outono mais de 12000 ovelhas vêm do Alentejo pastar na Nave de Santo António.
De facto sabemos que a Serra recebia gado
vindo do Alentejo e Algarve e gado de Castela (aqui poderíamos falar da Mesta). No Outono percorriam 400 e até 800 Km , se iam de Espanha, para estanciar nos campos
alentejanos.
Em Portugal, a regulamentação
sobre a transumância foi mais tardia e um pouco diferente da de Espanha. Um dos
polos de conflito entre pastores e criadores de gado com os proprietários de
terras e agricultores são as canadas ou caminhos públicos para a passagem dos
rebanhos. D. Manuel é um dos governantes que promulga leis concedendo
privilégios aos pastores em transumância.(1) Ao lermos documentos relacionados
com Pastores encontramos vários cargos relativos a esta profissão. No século
XVII já existe o cargo de Desembargador Juiz Conservador dos Pastores
Ganadeiros da Serra d’Estrela e Alentejo. Contudo D. João IV aprova coimas aos
pastores, mas veremos abaixo que os privilégios aos pastores continuam com D.
Pedro II e D. João V. (2) O fisiocratismo e as ideias liberais vão
valorizar a terra e contribuir para a decadência da transumância que fica condenada
ao quase desaparecimento.
A Transumância (Mapa adaptado) |
O Inverno no sopé (Pisão Novo, Covilhã) da Serra da Estrela |
O fim do Inverno na Serra da Estrela |
O Verão na Serra da Estrela |
PRIVILÉGIOS
E LIBERDADES CONCEDIDAS AOS PASTORES
1) Dom Manuell, etc. a
quamtos esta nosa carta virem fazemos saber que pollos criadores e pastores
da Serra da Estrela nos foy apressemtada huua jmliçam que per elles foy
fecta ssegundo seu custume amtjguo em que alegem (sic) pera porteiro e
amdador da dita serra, Amtam Fernandez, o qual pera o dito cargo
escolheram. e porquamto por ser pera ello auto e pertemcente huu Gonçalo Alvarez
que o dito ofiçio tinha era ja muyto velho e camsado e nam podia servir o dito
ofiçio como comprya a nosso serviço e a bem da justiça, o arrenuçiou em nosas
maãos pera o darmos a quem nossa merçee for. E avemdo nos Respeyto a decta
jmlinçam e arrenuçiaçam, comfiamdo do dito Amtam Fernandez que ho fara bem e
como conpre a nosso serviço, Temos por bem e damo llo por porteiro e amdador da
dita serra asy como o era o dito Gonçalo Alvarez e milhor se o com direito
milhor podemos dar. com o qual ofiçio avera os proees e percalços a elle
ordenados polo forall da dita serra e mais nam. E porem mamdamos ao Corregedor
da comarqua da Beira e aos alcaides da dita serra E a quaaesquer houtras nossas
justiças a que esta carta for mostrada que hajam daquy em diante o dito
Amtam Fernandez por porteiro e amdador da dita serra e o metam em pose do dito
ofiçio, o qual jurou em a nosa chamçelaria aos Samtos Avamjelhos que usse
bem do dito ofiçio e guarde jmteiramente a nos nosso serviço e ao povo e
pastores e criadores sseu direito. Dada em a nosa çidade de Lixboa a xxbij
dias d’ Agosto. Luis Correa a fez de mill e bc tres annos.
2)
Serranos da Serra da Estrella, que vaõ com seus gados fóra de suas terras ao
Além-Tejo, Campo de Ourique, Idanhas, e outras partes; confirmados pelos
Serenissimos Reis D. João IV D. Pedro II., e D. João V. nosso Senhor.
DOM JOAÕ por graça de Deos Rei de Portugal, e dos
Algarves, dáquem, e dalém mar, em Africa Senhor da Guiné, &c.
Faço saber, que os Pastores Serranos, que habitaõ no Além-Tejo, Beira, e
outras mais terras. me representaraõ por sua petição, que elles
Supplicantes gozavaõ dos privilégios que offereciaõ, por mercê, que
obtiveraõ dos Senhores Reis deste Reino; e porque até presente naõ poderaõ
tirar a confirmaçaõ delles, para a qual era preciso fazerem-se várias despezas,
a que ora naõ podiaõ supprir em razaõ da sua notoria pobreza, por cujo motivo
se faziaõ dignos de que lhes concedesse mais hum anno para usarem dos seus
privilégios, e se cumprir, e guardar pelas Justiças, a que pertencer: Pedindo-me
lhes fizesse mercê mandar passar Provisão para usarem dos seus privilégios por
tempo de mais hum anno, dentro do qual poderaõ tirar a confirmaçaõ delles;
attendendo às justas causas que allegaõ, e visto seu requerimento, e resposta
do Procurador da Coroa: Hei por bem fazer mercê aos Supplicantes, de que
possaõ usar dos seus privilégios, de que fazem mençaõ por tempo de mais hum
anno, dentro do qual pediraõ a confirmação delles; cumprindo-se esta
Provisaõ como nella se contém: e pagaraõ de novos direitos tres mil e
seiscentos reis, que se carregaraõ ao Thesoureiro delles a folhas duzentas e
quatorze do livro decimo terceiro do registo geral a folhas cento e quarenta e
nove. El-Rei nosso Senhor o mandou pelos Doutores António Teixeira Alvares,
Manoel da Costa Bonicho, ambos do seu Conselho, e seus Desembargadores do Paço.
Theotónio Nunes de Abreu a fez em Lisboa Occidental aos quinze de Setembro
de mil e setecentos vinte e nove annos. Desta duzentos reis. Gaspar Galvaõ
de Castello-Branco a fez escrever. Antonio Teixeira Alvares. Manoel da Costa
Bonicho. Joseph Vaz de Carvalho. Gratis.
Por despacho do
Desembargo do Paço de 29 de Julho de 1729.
Pagou tres mil e seiscentos reis, e aos Officiaes mil cento
e quarenta reis, e ao Chanceller mór nada, por quitar. Lisboa Occidental 17 de
Setembro de 1729. Dom Miguel Maldonado.
Registada na
Chancellaria mór da Corte, e Reino no livro de Officios, e Mercês a fol. 251.
ves. Lisboa Occidental 17 de Setembro de 1729. Innocencio Ignacio de Moura.
DOM JOAÕ por graça de Deos Rei de Portugal, e dos
Algarves, dáquem, e dalém mar, em Africa Senhor da Guiné, &c.
Faço saber, que Joaõ Tavares da Silva, Procurador Geral dos Pastores
Serranos de Alem-Tejo, Campo de Ourique, e outras partes, me representaraõ
por sua petiçaõ que El Rei D. Pedro meu Senhor e Pai, que santa gloria
haja, fora servido conceder aos ditos Pastores os privilégios que
offereciaõ, e por omissaõ do Procurador, que até agora tiveraõ, se naõ
confirmarão os mesmos privilégios; e para se asseituar a dita confirmaçaõ, e se
tornarem a imprimir os mesmos privilegios, necessitavaõ mandando-se-lhe no
entanto observar os mesmos privilegios: Pedindo-me lhe fizesse mercê
conceder-lhe Provisão para dentro do tempo de hum anno, impetrarem a dita
confirmaçaõ, e imprimirem os seus privilegios, ficando em tanto em sua força, e
vigor; e visto o que allega, e resposta do Procurador, remettereis a este
Juizo, e Conservatória dos ditos Pastores Serranos a poder do Escrivaõ della,
que esta subscreveo para o dito meu Conservador como Juiz competente, e
privativo para todas as ditas causas, e dependencias dellas os determinar como
parecer justiça; e sem embargo dos ditos embargos, esta em todo se cumprirá mui
inteiramente, &c. O Principe nosso Senhor o mandou pelo Doutor Joaõ Lamprea
de Vargas, Fidalgo de sua casa, do seu Desembargo, seu Desembargador dos
Aggravos em esta Corte, e casa da Supplicaçaõ, Juiz dos Feitos de sua Fazenda,
e Coroa como Védor della, e Juiz Conservador dos Pastores Serranos da Serra da
Estrela, por especial Provisaõ minha &c. Feita nesta Corte, e Cidade de
Lisboa aos vinte e tres dias do mes de Dezembro de mil seiscentos e setenta e
dois annos. Pagou-se de feitio desta carta de diligencia por parte
dos Supplicantes, a cujo requerimento se passou, cento e cincoenta reis e de
assignatura, della vinte reis. E eu Joaõ de Matos Terra a fiz escrever, e
sobscrevi. Joaõ Lamprea de Vargas. Balchior do Rego de Andrade.
Sentença
do teor seguinte contra o Reo Francisco Mathias pelo Juiz de fora da Cidade da
Guarda.
Visto como se
mostrava pelo auto da denuncia ser o Reo Francisco Mathias do lugar de
Monte-Braz, achado, e prezo com espingarda carregada com muniçaõ, usando
della sem licença, nem estar para isso habilitado, o que se prova pelas
testemunhas, que do caso se tiraraõ, pelo que julgastes a tal espingarda por
coutada para o Meirinho, e na forma de minha Lei nova condemnastes ao dito
Francisco Mathias em vinte cruzados, applicados metade para Cativos, e a outra
metade para o Meirinho denunciante; e outro sim condemnastes ao mesmo em hum
anno de degredo para os lugares de Africa, com pragaõ na audiencia, e pagasse
tambem as custas. E appellastes. Guarda 18 de Julho de 672. Joaõ de
Magalhães Coelho.
ACORDAÕ, &c.
Não foi bem julgado pelo Juiz de Fora da Cidade da Guarda em condemnar ao reo
Francisco Mathias, que se livre prezo pela culpa porque era accusado, revogando
sua Sentença, visto os autos; e como Reo na forma de seus privilegios
concedidos aos Pastores, qual prova ser o Reo, podem usar de espingarda, absolvo
ao Reo do pedido; e pagas as custas de seu livramento, seja solto. Porto, Julho
de 672. Homem Carvalho. Foncequa de
Azevedo.
Traslado de acordaõ de huam Sentença, que alcançou Joseph
Freire de Mello, Procurador Geral dos Pastores Serranos, a favor dos mesmos
Pastores Serranos da Serra da Estrela, e seus arredores, donde com seus gados
sahem a pastar fora de suas terras, contra os Contratadores das terças do Reino
Manoel Lopes da Lavra e Manoel Gonsalves Campleo.
Acordaõ
em Relação &c. Julgaõ os embargos de obreçaõ, e sobreçaõ fol. 30.
recebidos, fol. 43. por provados, vistos os autos; e como delles se mostra, que
os embargos para a concessaõ do alvará embargado, que naõ houvesse isençaõ, e
privilegio de coima, sem exprimirem ao dito Senhor, que depois da dita Lei do
anno de 1645, se passara o Alvará folhas. 20., em que se declarou, que a
dita Lei naõ comprehendia aos pastores Serranos, assim pela utilidade publica,
que resultava de se lhes guardarem seus privilegios na mençaõ das coimas, como
por ser a dita Lei passada pelo Conselho da Fazenda, devendo ser pelo
Desembargo do Paço, por onde os privilegios foraõ concedidos; e juntamente
como os embargos naõ exprimiraõ a confirmaçaõ que o dito Senhor fez aos
embargantes de seus privilegios depois da Lei 1642. Nem o dito Senhor foi
inteiramente informado das causas, e motivos que os Senhores Reis passados
tiveraõ para concessaõ dos privilegios para os gados dos embargantes naõ
poderem ser coimados; e menos foi informado dos inconvenientes que podiaõ resultar
em se tirarem os taes privilegios, por naõ preceder informaçaõ do Conservador
dos embargantes, e senaõ o fazerem presentes todos os privilegios dos
embargantes ao dito Senhor, que se ajuntaraõ nestes autos, de que tudo se o
dito Senhor tivera inteira noticia, naõ mandara passar o Alvará embargado, e
pelo Conselho da Fazenda, aonde naõ pertencia.
O que tudo visto, e considerado com os
mais dos autos, julgaõ o Alvará embargado por obreticio, e sobreticio, e
mandaõ que por elle se naõ faça obra, e se passem cartas para as Justiças das
Comarcas, por onde os embargantes passarem com seus gados para o Além-Tejo. e
Campos de Ourique, para que lhes naõ façaõ coimmas na forma de seus privilegios
por estarem em seu vigor, e paguem os embargados os autos. Lisboa 17 de
Agosto de 1680. Doutor Freire. Cerqueira. Freire.
Fui presente Rubrica do Procurador da Fazenda.
Bibliografia – Ribeiro, Orlando (1970) -
“Ensaios de Geografia Humana e Regional (1º volume), Lisboa, Livraria Sá da
Costa editora.
Isidoro, Alcina e outros (1988) - “Do Foral à
Covilhã do século XII”, Fundão, Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural da Covilhã.
"Rota da Lã Translana Ruta de la Lana" (2008) – Coordenação de
Elisa Pinheiro, Covilhã, Museu dos Lanifícios, pag. 118 e seguintes.
Fontes – 1) ANTT – Chancelaria de D. Manuel, Livro 35, fl. 42
2) Chancelaria de D. João V
As Publicações do blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/09/covilha-as-publicacoes.htmlAs publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/11/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/08/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
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