Continuamos a publicação de documentos ou referências em
documentos sobre o
Mosteiro de Santa Maria da Estrela deixadas por Luiz Fernando Carvalho Dias.
Segundo o
Professor Veríssimo Serrão a abadia de Alcobaça teve um papel importante
durante o domínio filipino, pois lá se desenvolveu uma corrente historiográfica
com significado. Atentemos, por exemplo, em Frei Bernardo de Brito (1569-1617)
que foi encarregue de redigir uma História de Portugal, a “Monarchia Lusitana”,
na qual participam vários monges com estilos e ideias diferentes. Foram em
busca das raízes históricas de Portugal e da sua evolução, mas não passaram da
1ª dinastia. É uma História nacionalista e medievalista redigida em língua
portuguesa, o que é muito interessante numa época em que Portugal perdera a
independência, mas o seu carácter apologético, fabulado e populista levou-a ao
descrédito.
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Mosteiro
de Alcobaça
Cod. 92 - Alcobacense ( ou Cod. 3737 da Biblioteca de
Alcobaça )
“ Memorias varias / a saber, / Da Fundação, e Doaçoens do
Real Mos/teiro de Alcobaça. / Catálogo dos seus primeiros Abbades. / De como El
Rey D. Manoel no anno / de 1498. mandou vizitar, e saber, / das Fundaçoens, e
rendas dos Mos/teiros Cistercienses deste Reino. / Da Fundação de Cister, etc.
/ escripta por / Fr. Hylario das Chagas / Monge de Alcobaça / no anno de 1575.
/
Códice 92 – Alcobacense
“Colecção de várias memórias relativas à
ordem de Cister, dentro e fora de Portugal, entremeadas de contos, ditos e
anedoctas, receitas, apontamentos de cronologia e notas pessoais do autor, Fr.
Hilário das Chagas, monge de Alcobaça. Em Português”
[Papel – 148 x 104 (in
8º) 84 fl; Fl 18 em br. – num de 1 var.
– Letra do sec XVI (1575).]
fls 19: “memória
dos Mostºs de Nosso p.e São Bernardo neste Reyno de portugal. os quaes mandou
El Rey dõ Manoel visitar e saber de suas Rendas E fundações no anno do S.ºr de
1498
1º Mostº de Ceyça – a
hua legoa do lugar do Troviscal e duas legoas de Buarcos e hua legoa de
Verryde. Fundador D. aº Anrriquez
2º Mostº de S. Paulo,
que está junto a Coimbrª na era do S.ºr de 1496 Annos.
3º Mostº dos Tamarães,
fundador D. Af. Henriques
4º Mostº de Calzeda, a
duas leguas de Lamego
5º Mostº de S. Johão de
Tarouca
6º Mostº de S. Pedro
das Águias – a 4 legoas de Lamego
7º Mostº de Stª Mª de
Maceira – concelho de Azurara, a uma legoa da cidade de Viseu, junto ao Rio
Dão, hoje Maceira do Dão. O fundador deste Mostº foi um frade por nome Çoeiro.
8º S. Cristóvão de
Lafões, a cinco legoas de Viseu e a uma de Bouzela e duas de S. Pedro do Sul e
situado no conselho de Lafões (Lugar despovoado e hinospito)
9º Mostº de Nossa
Senhrª D’aguiar, mostº de muita devoção, ao pé de Castelo Rº, em que o Rio
guiar vai desaguar ao Douro.
10º Stª Mª da
Estrela
11º Stª Mª do Bouro,
fundou dom Sancho, filho do pº Rey de Portugal, a duas leguas da Sª do Gerez e
a trez da cidade de Braga.
12º Mº Dormello
(Ermelo)– a duas leguas do Bouro.
13º Dos Unhas, (Júnias)
a duas do mº dormello e 4 leguas do Bouro.
14º Titollo do Mostº de
Stª Mª de Fiães, estaa sito na arraya da Galiza, junto ao Rjo Mjnho, junto da
Vila de Melgaço.
Frei Bernardo de Brito |
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Convento de Santa Maria da
Estrela
Por
estes proprios anos, em que a ordem de Cister florescia com tanta Santidade, se
aneixou a ela o mosteiro de Santa Maria da estrela, cuja antiguidade e
primeira fundação tirada de originais antigos he digna de grande ponderação
pelas cousas que sucederam nela. Porque no tempo em que o afamado cavaleiro Egas
Moniz fez em Guimarães aquela promessa a El-Rei de Castela de acabar com o
príncipe D. Afonso, que fosse a suas cortes se logo lhe levantasse o cerco que
tinha posto sobre a vila; vendo que era impossível acabar com o príncipe que
recebesse senhorio estranho determinou arriscar a vida, a troco de desempenhar
sua palavra, e levando seus filhos consigo, entraram em presença de El Rei com
cordas ao pescoço, oferecendo as vidas de todos em troco da promessa de um só;
e dado que el Rei se indignasse de primeira vista, e levado de cólera quisesse
mandar tirar a vida a Egas Moniz, houve alguns grandes que se puseram de por
meio, e aplacaram a cólera de El Rei em modo, que cheio de mercês o tornou a
despedir para Portugal, como mais largamente conto na terceira parte da minha
Monarquia. E posto que o bom sucesso deste caso se atribua aos medianeiros
dele, todavia se crê que obrou aqui a mão de Deus, e o favor da Virgem Maria
Senhora Nossa, a quem Egas Moniz antes de partir tivera feito um voto
soleníssimo de lhe fundar uma Igreja em seu louvor trazendo o livro das mãos de
El Rei de Castela. E como pelo discurso do tempo houvesse alguma dilacção no
cumprimento do voto, sucedeu um caso notável, por meio do qual se veio a
efectuar a promessa. Porque indo Egas Moniz por ordem do príncipe D. Afonso
a socorrer algumas povoações da Serra da Estrela que os Mouros andavam
destruindo, e tendo neste particular feito o que costumava em semelhantes
negócios, depois de ver as terras seguras, e os inimigos retirados, enquanto se
dava ordem à restauração de alguns danos e fortificações de certos lugares se ia
Egas Moniz algumas vezes à caça de monte, a que era por extremo afeiçoado. E
como um dia apartado da outra gente estivesse em uma quebrada de monte
aguardando um porco montês que os sabujos e monteiros andavam descobrindo, viu
contra si um temeroso Usso que acossado das vozes das gentes e latidos dos
lebreos, se ia furtando por aquela parte, e arremetendo a ele o feriu de uma
lançada ficando com isto a fera tão metida em fúria, que ferindo-lhe o cavalo,
o constrangeu a se apear e a defender-se à espada. E sempre o perigo fora
pouco, se não chegasse outro Usso macho, que por andar com o cio, devia de vir
em seguimento da fêmea, e vendo-a ferida e encarniçada na peleja, arremeteu a
Egas Moniz com tal ímpeto, que a ele lhe conveio retirar-se o melhor que poude
e fazer costas em dois penedos, entre os quais se fazia uma pequena cova, na
boca da qual fez boca para os Ussos, determinando defender-se até ser
socorrido. Mas o socorro lhe veio donde ele menos imaginava, porque os Ussos
querendo entrar na cova, subitamente caíram mortos no chão, com tanta admiração
de Egas Moniz. que quase lhe pareceu sonho, e certificando-se serem mortos,
quis ver o que havia na pequena cova e olhando-a toda, viu posta sobre duas
pedras levantadas a modo de altar uma antiga e devota imagem da Virgem Maria
Senhora Nossa, a quem de joelhos deu graças do socorro que lhe dera contra
os animais: e tocando depois a buzina de monte, vieram os de sua companhia, a
quem contou o sucesso, e mostrou a imagem que de todos foi venerada, e logo ali
fez alguns milagres em um homem aleijado de uma mão, e noutro cego de um olho,
com o que foi o aparecimento mais estranho. E lembrado Egas Moniz da promessa
que fizera antes de ir a Castela e como a Mãe de Deus o livrara então das mãos
de um Rei indignado e agora duas feras monstruosas, que o tinham em termos de
perder a vida, quis cumprir a promessa e fundar ali um templo em nome da
Virgem Maria, como logo começou a fundar, não sem pensamento de pôr ali
religiosos, que com perpétuo louvor do Senhor engrandecessem aquele lugar, e
encomendassem a Deus a sua alma.
Mas como nesta história se tocam
algumas, que agora há quem não aprove, como o cerco de Guimarães, e a ida de
Egas Moniz a Castela, mostrarei brevemente o fundamento desta história que está
em um livro de pergaminho antigo, escrito de tempo imemorial com estas
palavras:
Monasterium nostrum fecit bonus
Egas monius, apres loco ubi matavit duos usos, per votum quod fecit,
quando ivit ad Regem Castelae, quod timeret quod eum necaret per casum quod
dixit, quod Dominus Afonsus iret cum illo ad suum concelhu e Deus libravit illu
et ille fecit nostrum monasterium. Anima eius requiescat cum pace. Amen.
Quer dizer: O nosso mosteiro fundou
o bom Egas Moniz junto do lugar onde matou dous Ussos, por hu voto
que fez quando foy ter com el Rey de Castella, temendo-se q o mataria por causa
da promessa que fez, de hir Dom Afonso com elle a suas cortes & Deos
livrouho, & elle fez nosso mosteyro. Sua alma descanse em paz, Amen. Do
qual letreiro se collige a verdade deste caso, & não ser isto fabula tomada
do Conde Dõ Pedro Ansurez, mas verdade estribada em grande antiguidade, &
conseruada desde entam atégora, não só entre fidalgos desta nobilissima
geração, mas entre os historiadores Portugueses & Castelhanos, cujas
authoridades se verão mais claras na Monarchia, a quem remeto os curiosos. Fez
Egas Moniz a Igreja em honra da Virgem Maria senhora nossa, de traça acomodada
pera Religiosos. tendo pensamento de anneixar alli alguas erdades, que tinha
naquella comarca, & aplicarlhe outras rêdas bastantes pera fazer Conuento
de Mõges; mas de todos estes pensamentos o tirou a vltima enfermidade que teue,
a qual o não deixou leuar ao fim estes santos pensamentos, nem viueo depois de
os ter começado mais têpo que oito meses, por onde a nã dotou como tinha no
pensamêto, mas deixou encomêdado a seu filho, que a dotasse, & fizesse
alli hum Conuento de Religiosos da ordem de Cister, como elle determinaua de
fazer, se a morte lhe não atalhara estes & muytos outros desejos dignos
de animo tam Catholico, como foy o seu. Quisera Lourenço Viegas cumprir esta
encomenda do pay, logo que o vio falecido: mas as guerras continuas, ê que
acompanhaua el Rey Dom Afõso, lhe não derão vagar pera o fazer: mas no anno de
mil & cento & quarenta & noue, achandose com algu descanso, mâdou
por maõs na obra, & começou a edificar hum mosteyro de fabrica pouco sumptuosa,
ynda que bastante pera o lugar onde estaua, & pera o numero de Monges que
se determinaua meter alli: & vendo as casas em termos de se poder viuer
nellas, foy neste anno de mil & cento & sessenta & hum ao
mosteyro de Alcobaça, & pedio ao Abbade, que entam era, que mandasse pouoar
aquelle Conuento, & o recebesse por filhação sua, como realmente o
recebeo, & mandou noue Monges com seu Abbade, chamado Dom Mendo Vasquez, ao
qual Lourenço Viegas fez hua doação na forma seguinte:
Em nome da santa &
indiuiadua Trindade. Por ser cousa conueniente aos fieis repartir seus bês com
os seruos de Deos, por tanto eu Lourenço Viegas vos dou a vós o Abbade Dom
Mendo Vasquez a Igreija de Santa Maria com as mais vivêdas que tem, & toda
a erdade ao redor, que foy de meu pay Egas Moniz, & as viuendas , que eu a
hi comprei, & isto por ser seruiço de Deos, & da bêauenturada sempre
Virgem Maria, & pella alma de meu pay, que foy saluo de dous Ussos,
yndo a caça de porcos monteses, na coua onde estaua a ymagem de Santa Maria:
elle edificou a Igreja, & eu as outras casas: elle comprou a terra, em que
se semea, eu a por cultiuar; mas vós possui assi o meu, como o que foy seu,
& seja tirado de nosso poder, & passado ao vosso com dereito perpetuo,
& indificiente, com tal condição, que nunca desempareis este mosteyro:
& se algum de nossa geração, assi dos que ora viuem, como dos que succederê
ao diante, quiser annular esta carta de doação; queremos que não tenha poder
pera isto: & por só o intentar, pague quarenta marauidis, & a carta fique
em sua inteira força, & allem disto seja maldito, & escomungado, &
condenado ao Inferno em companhia de Iudas o tredor. Fezse a presente carta
na era de Cesar de mil & cento & nouenta & noue, o primeiro dia de
Iunho. Os que se acharão presentes, forão os seguintes: Ayres Perez, Mendo
Perez, Gõçalo de Sousa, Vasco Tenorio, Egas Nunes, Sueiro Melendez, Pedro
Clerigo, que notou a presente. Esta casa por viuerem nella poucos Religiosos,
& por inaduertêcia se queimou hua vespora de Natal: & como não ouuesse
quem se doesse della, nem trabalhasse na reedificação, esteue assi, até que D.
Mendo Abbade de Masseiradão, com licença do Bispo & Cabido da Sé da Goarda
foy alli fundar a casa de nouo, como consta da licença do Bispo, que está
no 2. liuro do cartorio de Alcobaça às folhas 42. inda q alli parece ser pera
fundação de cousa, que nunca se tiuesse edificada, & he a data na era de
Cesar mil & duzentos & cincoenta & oito, que fica no anno de
Christo de mil & duzentos & vinte. Mas o certo he ser reedificação,
na qual perseuerou muytos annos debaixo da filhaçaõ de Alcobaça, o q me pareceo
aduirtir, por nam ficar duuida aos leitores de ser esta sua primeira
instituição, & não a que deixamos contado de Egas Moniz. Floresceo esta
casa em muyta Religiã nesta segunda restauração, ynda que o piqueno numero d
Religiosos não pode sustentar o rigor & perfeição q se requere, no que
professa a ordem Cisterciense: & atentada esta causa, & outras muytas,
quando o cardeal Dom henrique, Abbade que foy de Alcobaça, & rey de Portugal,
fundou na cidade de Coimbra o Collegio de Sam Bernardo, entre outras cousas que
lhe aneixou pera sustêtação dos Collegiaes, foy esta Abbadia da estrella, onde
ynda está hum Religioso pera dizer missa, & tera casa de nossa Senhora com
a decencia & veneraçaõ deuida. (1)
Fonte - 1)
Crónica de Cister de Fr. Bernardo de Brito, Cap X, nº 5 (pags 310 vº a 312)
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