domingo, 27 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXIV


Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que continuamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, aclamado rei em 1683, sobre a difícil situação económica de Portugal no século XVII.
Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de um Banco Mercantil, “uma companhia e banco em forma mercantil”, o desenvolvimento da navegação mercante e de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.

2ª Parte

[...] Declaração do Banco Mercantil

 Todos os danos e suas consequencias se evitavam, com se criar nesta Corte uma companhia e banco em forma mercantil para compra dos generos de fora todos e quaesquer que os estrangeiros trouxerem ao comercio desta Praça, porque o seu motivo é de virem fazer venda deles, aí lhe dá V. M. quem lho compre e com maiores conveniencias dos seus comissos por se lhe fazer logo o pagamento e não esperarem as demoras das suas cobranças e riscos que correm nas ditas a quem vendem; que se o seu fim não é mais que de vender as suas drogas, o de V. M. deve ser tratar da venda dos seus frutos e de seus vassalos, e só este é o único remedio para se evitar a saca do dinheiro a qual se não evita com a proibição de tais drogas, pois de se proibirem se fica seguindo a falta da venda dos frutos que é certo os estrangeiros os não hão-de vir comprar com o dinheiro; com que a verdadeira pragmatica é fazer levar aos estrangeiros tanto em frutos da terra como trouxerem em drogas, e deste modo permanece o rendimento da Alfandega e a V. M. se lhe não diminuem os seus direitos, antes se lhe avantajam, nem os filhos da folha e outros padecerão.
Esta companhia pois se pode crear nesta forma, que trez ou seis homens de negocio, os de melhor nome em faculdade e procedimentos, tivessem a seu cargo, debaixo de suas chaves todo o dinheiro que nela entrasse e que para isso tivessem casas capazes, (e sobre os Armazens que se estão fazendo para o tabaco se fariam maravilhosas casas para este banco) para fazerem junta e assistirem de manhã e tarde, e as compras e vendas e seus adjuntos os que forem necessarios, e os mais peritos para este efeito e contadores os há hoje melhores que em parte alguma.
Que todas as pessoas que nela quizessem meter dinheiro lho aceitassem sentando-o em Livro grande, a que chamam mercantilmente de razão, para que do que lucrasse a dita Companhia, conforme sua quantidade se desse conta de tres a tres anos, não sendo ninguem oprimido, a que todas as vezes que quizesse tirar seu dinheiro o pudesse fazer, ou todo ou parte, sem para isso ser necessario requerimento algum.
E esta companhia se havia de entender para a compra de todos os generos estrangeiros tanto que as naus chegassem, e descarregados na Alfandega aonde se houvessem de tratar as compras de quaesquer generos que fossem que tivessem conveniencia e consumo na terra, e destes celebrados os preços com a intervenção e assistencia dos corretores do numero para que em todo o tempo e a todas as partes constarem os preços das compras e vendas de todos os generos, que para isso foram creados os corretores, e para a dita companhia lhe pagar os direitos lhe fizesse pagamento em frutos da terra que são assucares, tabacos, cravo, canela, diamantes, sal, azeites, vinhos, lans, marfim, pau brazil, laranja, roupas da India e o mais que houver na terra e os generos que à dita Companhia não servissem por falsificados, podres, ou manchados ou outras razões se pudessem outra vez navegar pelos mesmos estrangeiros e nas mesmas embarcações sem que para isso fossem constrangidos a pagar direito algum.
E por este modo nem os estrangeiros metiam no Reino drogas que não servem nem ao custo nem à conveniencia e fazendo-lhes pagamento pelo dito banco não podiam levar dinheiro e dava-se consumo e saída a estes frutos para que os estados do Brazil pudessem aumentar-se, nem podia haver falidos assim da nação como estrangeiros e se lhe tirava o assinar na alfandega e segurava V. M. seus direitos de muitos que com eles fogem, e a fazenda de seus vassalos, e os maiores que remetem as fazendas aos comissarios que estão neste Reino estrangeiros nele assistentes ficavam mais bem servidos em se lhes fazer o pagamento logo por ficarem livres do risco e de moras que correm em quanto se lhes não cobra e de outras trapassas que lhe fazem os comissários, e este Reino ficava mais bem servido, porque como as fazendas sendo falsificadas, podres ou manchadas as não haviam de comprar, os estrangeiros de necessidade as haviam de fazer boas e outras muitas conveniencias para este Reino.
Porque esta companhia fazia venda aos naturais dos generos que fossem necessarios para venderem nas lojas e pelo meudo e de uns tomava o pagamento nos mesmos frutos que lhe eram necessarios para a satisfação dos estrangeiros e de outros por seus escritos e dinheiro, estando no seu arbitrio a eleição das ditas, com que pela dita companhia e banco lucravam todos, assim os que metiam nele seus cabedais como os que até ali tinham certa a saída a seus efeitos, não se reprimindo o comercio mas só abrindo-lhe caminho a que os naturais tivessem conveniencias e V. M. tivesse vassalos ricos e facultosos.
Podia esta companhia de mais das compras e vendas fazer rebates de escritos, seguros em embarcações, dar as mesadas aos embaixadores, mantimentos às armadas, em todas as partes tomar assentos o que comumente fazem esses estrangeiros e nestes negocios ganhavam os vassalos o que até agora esses lucram, com que muitos deles se tem posto em pé e consequentemente em tudo V. M. lucrava.
Bem é verdade que neste principio se não poderia dar principio a esta companhia e banco mercantil sem que V. M. o animasse com alguma soma assegurando aos homens de negocio que em nenhum tempo seriam nele seus cabedais reprimidos por não caber em consideração que sendo estrangeiro comum ao beneficio de todos, e o remedio do Reino o haja V. M. em algum tempo de restreitar ou diminuir ao particular de sua real fazenda.
E com este seguro todos meterão nesta companhia cada um o que lhe fosse necessario e mais conveniente pois é hoje entre os portugueses o negocio tão escasso que nem acham quem a juro lhe tome esses poucos tostões que andam no maneio dos homens e escaparão das garras dos estrangeiros e é certo que ali como banco o tinham mais seguro, e o Reino as conveniencias que os estrangeiros tiram, que até o dinheiro que se cunha assim em ouro como em prata, por ter o pezo da lei levam pelas drogas que metem no Reino depois de terem cerceado as patacas como tambem pela alta e preço dos dobrões a cujo respeito sem melhor (?) conveniencia levar (?) desta praça e Reino todo o dinheiro que tirá-lo em frutos ou em cambio.
E somente pela maneira deste banco se atalhavam ainda que tarde, assim o que pudessem tirar em dinheiro a seus lucros, e menos impedir se a conveniencia dos naturais, todos neles meteriam cada um o que pudesse para lucrar o seu avanço, o fidalgo cujas rendas excedem o seu gasto, ainda os haviam de minorar só por fazer nele seu tesouro; o avarento que o supulta onde o havia de levar? O dinheiro dos orfãos, aonde podia estar mais seguro? O médico, o Dezembargador, o Letrado, o eclesiastico, as religiões mais sobradas, a Mizericordia, a viuva, o lavrador, que são hoje os que teem cabedais, é certo que ali o haviam de meter pois lucravam sem risco de que o perdessem e a todo o tempo o tinham pronto com o seu avanço, e como neste banco V. M. entrasse com maior soma, pois é certo que quem mais dinheiro metesse mais havia de lucrar, e ser este banco em milhor forma que ainda o de Inglaterra, Holanda, Veneza, e outras partes, em poucos anos ganharia V. M. milhões, e seus vassalos serão (sic) ricos e poderosos.


Guilherme de Orange, da República da Holanda.
             No futuro Guilherme III de Inglaterra.

E sobretudo Senhor só com o banco se podia remediar o não se acabar de perder este Reino antes em poucos anos fazer-se poderoso, porque os estrangeiros depois de cercearem a moeda teem levado perto de dois milhões que se tem feito na Casa da moeda em melhor forma que a antiga de quatro anos a esta parte, porque como o seu fim não é mais que o de atenuar, deram em levar os cruzados porque são tais que tres  pesam 15 outavas e valem 1.200 rs. que é o valor de duas patacas, com que ficam 7 outavas e meia a cada um, e tanto assim que agora de proximo se fizeram tres mil cruzados em dinheiro meudo de tostão para baixo e desapareceu em poucos dias; considerando que o levariam os estrangeiros, pezei seis tostões e achei sete outavas e meia que é o pezo maior das patacas, como tambem as moedas de ouro novas de 4 V como os dobrões se levantarão em Castela a 10 V duas moedas e meia pesão um dobrão, e são já tão poucos assim cruzados como moedas, que dizem dão os estrangeiros um vintem de ganho em cada cruzado e ainda lhe teem muita conta pois davam dois em cada pataca quando as havia; confirma-se tudo com a falta que há do dito dinheiro que é raro o pagamento em que aparece dinheiro novo algum.


Luís XIV, de França
Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra

Carlos II de Inglaterra

 Quanto mais que para obrigar a V. M. a esta resolução é de reparar que de proximo El Rei de Inglaterra e El Rei de França mandaram levantar os direitos aos assucares e tabacos de Portugal para que não tenham lá consumo e só se gastem os seus das Barbadas e Virinas, e quando não houvera outras razões bastavam só estas duas para V. M. reparar os seus estados com este banco e companhia mercantil que se considera por este meio vir a ser o mais poderoso Monarca, sem que para isso sejam necessarios muitos anos, porque os tabacos e assucares deste Reino sempre os hão mister e os mais generos.
As emprezas quanto mais arduas, mais dificultam os progressos; pequena Republica é o homem advertido do melhor jus da razão e quanto lhe custa deixar a continuação que o disforma; corpo também é o comercio de um Reino de cujos divididos poros armoniosamente reciprocos se conserva, monstruo (sic) se se vence da usura, cadaver se se deixa à dezordem.
Tambem as Monarquias são corpos animados, que como aqueles animados reprimem em si trez faculdades, nos frutos o nutrimento, quanto mais abundantes, mais robustos, nas armas, o sensitivo naqueles anos de ferro lusente se o ocio lhe não enfeita ferrugem e o comercio é a inteligencia de um Reino. (sic)
Este pois como negocio tão arduo tem alguns intervalos e dependem de ponderadas resoluções, porque para se poder conseguir é necessario advertir que pelos estrangeiros não acharem já dinheiro de toda a conta de prata e ouro, vão aos leilões que nesta cidade se fazem a comprar a prata lavrada, cordões de ouro, colares, afogadores, aneis e joias, porque o ouro o compram à razão de onze tostões a outava, e a prata a 4.800 rs. o marco, e não consta que aqui tornem a vender as mesmas peças, antes picando-se com os naturais, como os estrangeiros teem mais dinheiro as compram pelo maior valor, como há muitas pessoas que os veem e com o que se segue se confirma.
Em menos de 35 anos até o presente tem tirado deste Reino conforme opinião de todos só pela nação ingleza muito perto ou mais de trinta milhões, e para que venha à consideração de V. M. isto que no dizer parece fabuloso; por estas casas que aqui se lhe nomeam que são aquelas que ocorreram à memoria ou as de mais nome verá V. M. o grosso cabedal que cada um tirou deste Reino.
Christovão Várem, e Roberto Parquer tiraram desta praça conforme a opinião de todos mais de quinhentos mil cruzados. Thomas Clarque e seus companheiros mais de 500 V tt.dos. Thomas Careu outro tanto; christovao Trinchante 400 // (1) Duarte e Diogo Ruge 500 // Duarte Adão e Abraham Jacob 500 // Thomas Claque e João Eston 400 //. Joseph Dornes 200 // Inofre Berge 250 // Bernardo Marvim 150 // Pº. Modaque faleceu nesta corte onde viveu só cinco anos testou 120 // Ricardo Março 200 // Francisco Alental 150 // João Buchel 200 // Richarte Luis 300 // Pedro Militão 130 // João Polisfem 300 //. seu irmão Nicolau Polisfem 200 // Guilherme Pexe 250 //. Rogeiro Bradil 200 //. João bisconde 150 // Ricardo Stalim 200 //. seu irmão 100 //.
Samuel Butel, e Guilherme Claque no pateo de S. Nicolau mais de um milhão e deixaram na sua casa a Pº. Butel e Pº. Neves a quuem deixaram 100 V tt.os em dinheiro só para rebates de escritos e é casa que hoje se faz de mais de um milhão e são quatro ou cinco companheiros. Henrique Oneude 100 V tt.os Tomaz Março 300 // o qual esteve dez anos no Rio de Janeiro e veio havera doze para esta Praça por ausencia de seu irmão donde hoje está e ainda não está satisfeito. João Hiques o Velho 200 // Jorge Maynarte 150 // Tomas Berde 200 //.
João Pagiter 150 // ao qual lhe acharam o interior de uma caixa de assucar de patacas já embarcada por ponto de um seu criado de quem até as soldadas levava. Guilherme Berde 200 //. Guilherme Coston seu irmão 150 //. João Bilbanque e outros que sucederam a Guilherme Berde mais de 300 // João banques 100 //. Duarte Custam 200 //. Jacob ou Izac Eiró mais de 500 V tt.os Abrahão Sarau mais de 200 //. Joseph Ardovicos mais de 150 //. Pero Militam mais antigo 200 //. Ricardo Buller 200 //. Roberto Geslingão 100 //. João Vingote mais de 100 //. João Carle mais de 200 //. isto tendo um negocio que não avulta que consiste só em vender manteigas e carn.ras anda em uma liteira, com que só estes S.rs são de nação inglesa que com assistencia de alguns anos nesta Corte, do grangeo de suas comissões e negocios da terra, competentes realmente aos naturais dela levaram cada um o que bastou para o fazer poderoso e rico em sua patria e todos deixaram outros antes que se fossem nas suas casas como tambem já estes sucederam a outros, que todos estes que daqui foram andam em carroças e são os mais poderosos que há em Inglaterra e não é novidade porque o dinheiro é o mais forte e a maior parte deles são cabeças do Parlamento não se falando em outros muitos de menos nome que se foram e outros que aqui estão.
Tudo importa o que destes nomeados somente consta, pouco mais ou menos onze milhões e seiscentos e cinquenta mil cruzados não falando em quebrados que daqui fugiram e se ausentaram com as fazendas dos naturais, João Adão, Tomás Cudmor e seus companheiros João Clarque, e Leonardo Nuam, Ricardo Gay que indo quebrado e fugido, levando muitos direitos de V. M. é hoje no Parlamento e outros muitos, como tambem um que se foi agora de Aveiro deixando outro em seu lugar, que dizem levava milhão e meyo e era senhor de todos os azeites daqueles contornos, mas isto não é para admirar pois nunca se lhe deu o remédio, ? e o que é mais para admirar e sentir que não haverá pessoa alguma assim natural como estrangeira que diga que entre todos os estrangeiros que neste Reino assistiram e assistem houvesse algum que nele entrasse com dinheiro, nem um só vintem, ou da sua moeda que o valesse nem tão pouco haverá quem diga que quando o de mais nome de hoje entrou neste Reino tivesse nome porque todos eram cousa tão pouca que nem nas suas terras dos seus mesmos eram conhecidos, nem que de seu cabedal trouxesse algum deles drogas que valessem 200 V rs.
E para que V. M. veja o quanto deve tratar somente de seus vassalos pois só com eles se acha nas ocasiões para tudo e não tratar da conveniencia dos estrangeiros seja servido ver a carta e Lei do S.ºr Rei D. Manuel de 23 de Setembro de 1499, em que mandou se não desse privilégio algum a estrangeiro nem se admitisse neste Reino oficial estrangeiro nem se lhe mandasse fazer obra alguma nem se desse a estrangeiro em tempo algum oficio nem beneficio, capitania nem comenda, nem entrassem na casa da moeda, nem andassem nos navios portugueses por marinheiros ou outra alguma ocupação e que o Senhor Infante D. Miguel, seu filho, que o Reino havia de herdar e quem o herdasse e em qualquer tempo nele sucedesse, se fizesse o contrario incorreria nas maldições declaradas na mesma Lei.
E parece, Senhor, que antevia que de um Henrique Vanzer francês contratar a casa da moeda havia de nascer o cercear ele a moeda ou abrir caminho a outros o fazerem, comprando lhe os cerceios de prata e ouro, por ter poder e autoridade para os fundir na mesma caza de dia e de noite, dia santo e semana e a toda a hora sem que viesse ninguém por não ser obrigado mais que a mostrar a prata e ouro em barras já fundidas ao ensaiador, que esta foi a causa de mais de dois milhões que se tem em cerceios tirado da moeda. Queria mais Senhor que os estrangeiros não andassem nos navios do Reino porque não soubessem nem vissem as nossas conquistas e que não se admitissem em Portugal estrangeiros porque não tirassem o negocio aos naturais nem soubessem o que eles ganhavam ou a forma do seu negocio e sendo necessario se mostrará a dita Lei que por não fazer maior este papel se não treslada aqui. Porque é certo
Que neste Reino metem os estrangeiros Ingleses (entrelinhado) todos os anos em fazendas mais de dois milhões, e não consta tirem de frutos da terra em todo o discurso do ano 200 V tt.os nem se achará tal pelos consulados da saída, e sim se achará a entrada de mais de dois milhões pelas entradas das Alfandegas e ainda se não fala na grande quantidade dos ingleses que estão no Porto com as melhores quintas e cazas à borda da água, donde se não vão uns sem primeiro deixar já detraz outros, e o mesmo em Coimbra, Aveiro e outras partes mas perto do mar sempre.
Metendo nesta corte todos os anos só em bacalhau mais de 60 V quintais o qual vendem a dinheiro de contado todo, para o que tem a maior parte das lojas da Ribeira por sua conta em que tem os seus criados que importam mais de quinhentos mil cruzados, e este dinheiro não haverá quem diga que se empregou em cousa alguma. Porem foi Deus servido mostrar a V. M. poucos tempos há a forma em que o levavam em dois pataxos sem força ou defensa alguma em que se lhe achou por ponto que um da mesma nação deu, que o que mais nos admira é meterem-no em semelhantes embarcações, porem como só este é o seu fim antes o querem pôr no risco de se perder que deixá-lo estar muito tempo em poder dos portugueses, e por este exemplo se mostra a grande quantidade que terão levado nas naus de guerra que se não visitam e se veem por nas melhores partes do Rio, sem virem a esta corte e mais partes a outro negocio.
Quanto mais a grande parte de franceses, um Jaquez Godefroi que se averigua ter mais de um milhão com tres navios os melhores na Carreira do Brazil. Joachim Bausai com dois e muito rico. Pº. de Olioli que não há mais que oito anos que está nesta Corte e quando veio lhe compraram todo o seu cabedal que trouxe por quinhentos mil reis e hoje tem parte em trez navios de respeito que andam na carreira do Brazil e quatro para a França e Itália e é tão poderoso que compra partidas de assucares e tabacos de quarenta mil cruzados e cinquenta, e outros muitos Genovezes, Italianos, Pedro Francisco Viganego com uma nau na carreira do Brazil, Holandeses, Amburgueses, Suecos, Dinamarqueses, Alemães, Flamengos que todos pouco mais ou menos seguem o mesmo dictame.
Por todos estes Reinos, estados e Senhorios de V. M. se acham hoje tantos e tão bastos estrangeiros com drogas e sem elas que é se não para sentir sentir para admirar que os naturais se não vão servir a Flandres, outros aos Sepulcros da India e outros que morrem na própria miséria, podendo estes ter emprego, andar exercitados e dar nome à nação, como em tempo que este Reino não estava tão invadido da malicia estrangeira.
Metem drogas pelo Reino com que dão atenção à vaidade, lugar ao vício e principio à ruína e com estes motivos empobrecem as casas, impossibilitam as familias e dele tiram o dinheiro porque por pouco que leve cada um, como são tantos, estes poucos somam, pelo tempo, milhões. Confirma-se o sobredito e mostra-se a V. M. toda esta verdade e pobreza do Reino tão clara como a Luz do dia com o que se segue.
No ano da felice aclamação mandou o Serenissimo Senhor Rei D. João o 4º Pai de V. M. dar balanço ao dinheiro que se achava nesta Praça em mão somente de Portugueses, homens de negocio, e se acharam dezanove milhões e seiscentos mil cruzados, e eu creio que os seiscentos mil cruzados se não acharão hoje em dinheiro que ande no comercio em toda a Praça, e aperta-se mais este ponto com que o dinheiro que anda na mão da maior parte dos portugueses foi de M.el Roiz da Costa, e a causa de Sertão pouco é porque os estrangeiros lho tem tirado e vão tirando ainda por esta via.
Que gosando das honras e liberdades dos naturais só para eles reservadas assinam na Alfandega que é a maior honra e proveito que tem o mercador e vendo os naturais que V. M. por seus Ministros os houveram por abonados para assinar os seus direitos reais, os tiveram eles na mesma conta e daqui nasceu o quebrarem muitos e furtar o que lhe venderam.
Ricardo Gay ingles fora de seu cabedal levou mais de 100 V tt.dos aos portugueses e pouco menos a V. M. de direitos. Jacome Mª. Bollero italiano quebrou com mais de 250 V tt.dos fora grande parte de dinheiros de V. M. João Hiemº. Ghersi e seus companheiros da mesma nação quebraram com 200 V tt.dos por cuja causa morreram alguns portugueses de paixão de lhe levar o seu remédio e outros ficaram arruinados. Jacome Frz Silva judeu de sinal, baptizado nesta corte, levou a esta praça mais de 120 V tt.dos. João de Broque francês levou perto de 80 //. Dom Fran.co Peres castelhano levou aos portugueses mais de 200 V tt.dos por cuja causa morreu Francisco Roiz Quinteiro esbofado de ir atraz dele ou do seu remédio Fernão de Castilho e Francisco Gomes da Costa e Antonio Roiz Pereira castelhanos e outros infinitos que por não fazer maior dano a sua lembrança se deixam ao esquecimento.
Oh! Senhor, quantos homens naturais podia fazer ricos tão grossa faculdade? E que poderosa parece a Monarquia que pode ter-se de pé com estes danos.
Só nesta cidade se contam alguns homens de trato, nome e cabedal são somente os estrangeiros que nela assistem que estão como contendo a seara, e no tempo da aflição são eles só os que fecham os seleiros pela izenção de qualquer tributo ou imposto a que dizem são estrangeiros e pouco antes, e depois disseram e dizem são naturais para lançar nos contratos pela capitulação da paz e para os mais negocios e querendo lhe deitar um cavalo ou que paguem decima, meneo ou outra qualquer leve cousa, dizem que são estrangeiros e apresentam um milhão de papeis com que já hoje se não entende com eles, sem que houvesse até agora quem se doesse da Patria contra este seu dizer.
Nenhum Reino do Mundo pudera ser mais opulento que os Reais estados de V. M. considerando-se porem que a sua fomentação como causa eficiente do comercio. Nenhum outro pudera ter mais navios nem os em mares maior respeito. [...]
(Continua)

Nota dos editores - 
1) O sinal // significa V tt.dos. 
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