quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXV

Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que continuamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, que é aclamado em 1683, sobre a difícil situação económica do país, no século XVII.
Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de “uma companhia e banco em forma mercantil”, o desenvolvimento da navegação mercante, a ocupação da população ("Desta maneira creava o Reino (sic) em numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas...") e a expansão de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.


3ª Parte

[…] A terra toda não dá tudo em uma só parte nem o poderoso deixa de se ajudar da industria, quanto mais que em Portugal se acha tudo para a navegação sem necessidade alheia.
A Província de Entre Douro e Minho e outros tem hoje em si copia de linho canemo de que se fabrica a mais excelente ensarcia, armas em nenhuma parte são tão boas, como outrossim Mestres das Ribeiras de que podem aprender os mesmos estrangeiros. As madeiras do Brazil são as mais excelentes para a navegação, assim pela dureza dos toros como por ser a que mais se conserva na água, em todos aqueles portos se fazem e podem fabricar navios com muito maiores vantagens do que são aqueles do norte, tecidos com tornos, e armados à ligeireza dos ventos por razão dos seus mares.
Se V. M. mandar que em nenhuma Ribeira de seus Reinos se fabriquem navios de menos de trinta peças para cima com tantos homens e tudo o mais necessario para a sua defeza e que ao sair e entrar das barras sejam vistos pelos cabos das torres, não assim como agora o fazem que prestam um aos outros aquilo que lhe falta para fazerem o numero do seu regimento.


Modelo de nau do século XVII (Do Livro de Traça de Carpintaria, de Manuel Fernandes)

E desta maneira sendo os navios mercantes de igual porte e igualmente fornecidos poderão com melhor seguro navegar, e no caso que V. M. queira valer-se deles achar-se em seu Reino com 80. 90. e 100. navios capazes de fazer cara a qualquer grossa armada, como tambem segurar-se dos piratas que com o porto de Tanger não há-de deixar de sulcar os mais com maior ousadia e se os navios forão deste lote, não chegaram de presente a segurar-se em tres pataxos que vinham da Terceira e Cabo Verde, a 30 por 100 em um, e nos outros não quiseram tomar seguro nem com 80 por 100 de premio, por terem pataxos sem armas, força e sem gente que se a tiveram, ainda que as fragatas guardas da costa se recolhessem não estiveram os interessados com tanto receio, nem perderam o seu remedio.
É bem verdade que os navios de tanto porte fazem grande custo e os fretes do Brazil não ajudam a despª. de tanta fabrica a respeito dos estipendios e mariagens que são os que respeitam a quantidade dos homens que marcam e servem de guarnição e defeza da nau.
Se o haver navios grandes e igualmente fornecidos de gente, artilharia e armas serve de utilidade a este Reino parece de razão que V. M. deve de ajudar aos armadores para que possam fabricá-los e com maior animo e interessar-se neles.
Pagam hoje estes navios ao comboy 40 rs. por cada arroba de assucar, e 600 por cada caixa que vem o ser mais de 60 rs. por arroba e assinam os fretes por 15 V a tonelada de 54 arrobas que é o mais que de prezente trazem do Brazil, ficam livres para a nao somente 11V760 que na verdade não chegam para a despeza das soldadas e aprestos consernentes.
E assim por minorarem os gastos saem dos portos tão mal fornecidos que nem gente trazem bastante para marear e ainda que V. M. conceda a alguns licença com a obrigação do regimento consta que não levam metade das pessoas que lhes assina nem podem porque não vão a perder-se os armadores, e querem mais depressa com qualquer mimo contaminar a deligencia que se lhes manda fazer na vistoria que irem a perder-se nos fretes, e a mesma não exposta às tormentas e inimigos.
E por esta razão tem perdido esta praça bastantes embarcações em que os Turcos fizeram preza com tanto vituperio da nação portuguesa, pois já ousada e atrevidamente lhe não chamão valerosos a quem a desordem desculpa; porque, Senhor, que pode fazer uma nao sem artilharia, sem polvora, sem armas e sem gente?
Se V. M. mandara fossem os navios izentos de pagar esses 60 rs. que na verdade não é cousa de tão grande porte no excessivo rendimento do comboy que se não admita, porque em navio de 900 toneladas se respeita a um conto e tantos mil reis e em tal caso os poderia obrigar a que cada um trouxesse de 30 peças para cima de mais gente que lhe fosse necessaria para o marear, uma companhia de 70 ou 80 homens, e que aos capitães que o merecessem se lhe fizesse mercê de seus capitães por cartas patentes com que viessem a guarnecer os ditos navios de 120 homens para cima.
Desta maneira creava o Reino (sic) em numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas, respeitava-se a nação para sua defeza, a cujo clima o aspecto dos astros não tirou a natureza de crear homens animosos e robustos: demais que todos os Reis do Mundo estudam como hão-de ser os seus moradores ocupados e como evitem vagabundos.
E sendo os navios deste lote podia V. M. determinar que não houvesse redenção de cativos e daqui nascia o pelejarem os marinheiros, soldados e passageiros té perderem a mesma vida por saberem que os não haviam de resgatar em caso que fossem cativos, e na mesma forma os Mouros sabendo que os navios portugueses traziam artilharia, armas e gente e que em caso que os prisionassem os não haviam de resgatar é certo que se não haviam de querer põr no risco de perder-se e com esta resolução se evitava o terem até os mouros tão grande parte neste Reino e de mais servia esta resolução para que os marinheiros soldados e passageiros pelejassem por se não entregarem porque ordinariamente quando vem mouros, antes que a eles cheguem se lhe entregam fiados que cativando os teem no Reino pais, irmãos, parentes e amigos que lhe solicitam o resgate de modo que ainda dele lhe sobeja, e deste modo defendiam as patacas de maior pelo que não fossem a Argel e Salé, suas pessoas, fazendas e direitos de V. M., a qual se não entenderia no pobre pescador que andando pescando o cativassem e ainda nem esse nem outro levantado ousadamente iria, sendo os navios de força, à costa do Brazil.
No mar se exercitavam à marinhagem e nos meses que estivessem no Brazil podiam ser constrangidos a fazerem exercicios e a aprender o manejo da milicia que tambem nos mesmos navios se ensina, porem com menos suficiencia a respeito da impossibilidade do terreno, e se V. M. ordenara que os soldados que assentassem praça nos navios mercantis merecessem como aqueles que servem na guerra, assim nos desta Corte como da cidade do Porto, se assentaria tanta gente ainda por seu gosto de Entre Douro e Minho que viessem por tempos a ser respeitados os portugueses.
Seguia-se daqui outra conveniencia aos vassalos de V. M. e é que havendo navios deste lote e maior numero deles fazia mais crescida a navegação de seus Reinos porque se os mesmos naturais para isto se valem de navios de fora, fretando-os assim para as Ilhas e outros portos ainda do Estado do Brazil, parece o deixariam de fazer por darem aos da terra este frete, e ainda este ano e todos, vendo os estrangeiros que os naturais careciam de seus navios para mandarem carregar de trigo às Ilhas, lhos não quiseram fretar e mandaram por sua conta à Terceira, S. Miguel e Fayal carregar de trigo e o compraram assinando letras para esta cidade, e vieram e venderam o trigo e pagaram as letras com ele sem desembolsar cousa alguma, tirando ainda este negocio aos portugueses. Veja V. M. se pode haver maior desgraça de seus vassalos e se tem razão de se queixar.
Na forma em que hoje se acha a navegação não é possivel se continue porque das embarcações que vão ao Estado do brazil que são mais de 120 com as do Porto se contam poucas; as que sejam de 30 peças para cima e as mais são pangaios, pataxos e  charruas; postas à carga estas embarcações, primeiro carregam as melhores e com vantagem de frete e as mais ou hão de comprar a carga no Brazil, tomando letras de risco sobre si ou hão ficar de invernada até que por falta daquelas ou abundancia de frutos se carreguem.
E desta maneira se perdem os donos destas embarcações porque tanto que trazem qualquer empenho de letras de risco que não esperam a cobrança de fretes, executam as partes os mestres e se vendem em praça, não havendo ano algum em que se não veja esta extorção.
Por esta causa não há marinheiros por não se lhe pagar pontualmente as soldadas nem nesta Praça há mais de seis ou sete pessoas de mais nome que o possam fazer que tem navios e os melhores que por não experimentarem ruina os trazem desempenhados e os mais não podem nem teem cabedal para isso.
Assim se vão extinguindo os navios e fraqueando a navegação sendo tambem a causa deste dano serem os estrangeiros senhores de todo o negocio de Portugal e eles os que dão a baixa aos frutos da terra que como se lhe consente tenham naus que vão ao Brazil tirar os fretes aos naturais, que como estão introduzidos não fica animo aos naturais de fazerem compras.
Tanto que para os diamantes que vieram a monção passada antes da charrua e o carcome se não acharam nesta Praça para compra deles mais que Jacome Bomplat e Ricardo Wanzeller holandeses que como cabeça de alguns estrangeiros pela experiencia que teem da pedraria os compraram pelo que quizeram com perda da metade do custo das carregações por eles serem só os que compram, a qual verdade V. M. ou seus ministros experimentam o mesmo nos seus, prometendo-lhe um dia um preço muito tenue, e daí a uns dias muito menos andando zombando, querendo os comprar fiados, e ao depois com rebate de dez por cento, porque outros estrangeiros que os costumavam comprar os mandam vir da India por sua conta a troco de suas carregações por não haver parte neste Reino reservada para os naturais e por este e todos os modos se tem arruinado tantas casas, e assim se atenuou o comercio e a navegação do Brazil e da India donde a transportação dos generos é certo param não tendo conta aquem os arrisca.
Quanto mais, Senhor, que de mais dos ditos estrangeiros que estão em todas as Praças do Brazil com cazas e fazendas e comissões foram nesta frota passada de 1684 tantos a pôr novamente cazas que só de franceses foram 23 e assim se estabelecem no Reino e pelo interior da terra a navegação dos frutos dela que totalmente arruinam estes estados por quanto que grangeam levam consigo (sic).
É muito para reparar que só nesta corte andam de franceses mais de quatro mil, porque com esta guerra proxima de Castela lhe expulsaram mais de dois mil e todos vieram para este Reino e para esta Corte, e todos nela teem cazas, estes e outros vestem e calçam, passeando e gastando dinheiro sem serem dobrões nem Luizes de França, nem tão pouco se sabe donde lhe venha, entre outros há alguns a que chamam metedores que em Castela costumam furtar fazendas aos direitos e pô-las (sic) donde lhe apontam, e aqui fazem o mesmo, e outros ou cerceam ou não sei de que vivem, com que por todas as vias não servem, nem teem outro estudo mais que de ver como hão de tirar o sustento aos portugueses e tanto assim que ainda nos navios assim de guerra como mercantis estão levando fugidos, ladrões, herejes, judeus, quebrados que nestes teem levado de tres anos a esta parte mais de quatro milhões, sendo todos como dizem tão grandes nossos amigos, e com esta amizade fingida nos fazem estas passagens.
Esmorecidos os nervos que são as partes da Monarquia e podiam melhorar-se com a navegação reformada e com a creação do banco pois se V. M. há uns a esta parte (sic) largar aos homens de negócio a navegação da India quem com maior animo a proverá que este mesmo banco aonde se junta o cabedal de todos que em breve tempo seria asás muito facultozo.
E com o custo que a V. M. fazem dois galeões o podia fazer este banco, fazendo cinco ou seis fragatas que fossem todos os anos à India porque ainda se lhe acharia conta, que posto que aqueles estados sejam para os portugueses ocaso, sempre foram para Portugal Oriente e não seria impossivel reduzi-la em pouco tempo ao seu primeiro estado.
E nunca em Portugal poderia faltar gente, antes pela muita que se acha em suas provincias, são muitos os que perecem por causa de não terem em que ocupar-se e ainda nesta cidade que ainda na tranquilidade da paz fazem mil insultos; e quanto melhor fora obrigá-los à navegação não tendo oficios ou outro algum emprego permitivel, do que deixar esquecida aquela que os antigos portugueses deram à memória de todo o mar oceano.
Os filhos que sucedem a Pais ricos tanto que entram em razão a perdem na esperança de que nos bens paternos tem adquirido direito, mostrando a experiencia que com uma livre educação que os pais, ou por defeito da idade ou do efeito não podem dobrar, ficam monstros aqueles que nos exercicios podiam dar nome à sua Patria, e não desprezo e ultrage à economia portuguesa.
Eis aqui, Senhor, se mostra a V. M. a forma com que pode entrar no Reino dinheiro e a maneira por onde o não podem tirar os estrangeiros que é para admirar que fora do de Castela, nem nas bolsas dos ricos se a acha para mostrar entre as medalhas uma moeda dos outros. Como pode crescer a navegação, criarem-se marinheiros e soldados de que não menos necessita este Reino.
Dirão a V. M. que não bastam os frutos do Reino para pagamento das fazendas extrangeiras. É sem fundamento essa razão, porque muitos se vendem logo a dinheiro de contado com que são para ajuda, e demais das nossas Ilhas e suas terras metem no terreiro só desta corte o menos 50 V moyos de trigo que vendem logo tanto que entra a dinheiro de contado no qual a 300 rs um por outro importa o moio 18 V que importam dois milhões e duzentos e cinquenta mil cruzados com que com este mesmo dinheiro e das mais cousas e dinheiro do banco que será muito pronto o que nele se meta com os frutos do Reino sobejará muito dinheiro do pagamento das fazendas estrangeiras e será tão grande negócio que em poucos anos se pagarão só com os avanços do banco, porque tendo todo o que ganham os estrangeiros, em menos de dez anos não haverá Rei mais poderoso, nem vassalos mais ricos, conseguindo-se o dito banco.
De mais que com ele se evita o furtarem-se as fazendas aos direitos e outras infinitas maravilhas e quando se tratar deste negocio se verão e para remediar a moeda não há outro remédio porque se levantarem a moeda levantam os estrangeiros as fazendas e para se abaixar bem sabemos não pode ser pela muita baixa em que está, e ainda assim se pode pôr em boa forma mas que tenha o peso metade menos do seu valor que assim está hoje, porque as moedas de 4400 rs. pesam 1800 rs. e 26 e as patacas 320 e 300 rs. as moedas de 500 rs pesarão metade e valem o mesmo que valiam antes de roubadas, com que como aos estrangeiros se lhe fizer o pagamento nos frutos ao mesmo respeito da moeda, como val e como corre não tem prejuizo algum; nem V. M. na reformação da moeda terá perda nem seus vassalos. De mais que com o Banco se faz a pragmatica da proibição das fazendas de prata e ouro quando V. M. ache que assim lhe convem ordenando se não comprem as fazendas que ordenar.
Tambem com o Banco se escusa contratar a Alfandega e Consulado que é uma parte da ruína deste Reino.
Navios de licença ao Brazil em nenhum caso V. M. tal conceda que é perdição comua porque quem lá tem fazendas as não pode vender nem reputar, e chegando navios de licença as queimam porque as que levam se não vendam mais baratas nem V. M. tem proveito ou vantagem alguma, porque se esses navios lhe trazem seus direitos nos assucares e tabacos, ficam lá de invernada outros navios, sem virem na frota por não terem carga, por esses lha tirarem, sendo pobres, por cuja causa se perdem muitas casas e esses direitos que trazem sempre V. M. os tem quer seja em julho parte deles, quer seja em Setembro na frota todos, porque todos se pagam o seu tempo e só o virem mais cedo é bom para a carga da Nau Loreto e para Luiz Correia da Paz e Domingos Dantas da Cunha de quem as naus são, e são de respeito, vão fazer duas e trez viagens ao Brazil emquanto os mais fazem uma e até para quem tem assucares e tabacos, tanto que vem os de licença, não vendem mais nada por cuja causa muitos homens teem quebrado nesta Praça.
   E posto que a V. M. se diga que nunca tão rico esteve o reino nem mais florente, não entra no discurso que aos supremos se fale com lisonja; mas se V. M. mandasse fazer inventario do que consta toda a faculdade do mais grosso homem de trato acharia o contrario do que parece a muitos. Parte de seus bens na india, parte no Brazil, esquecidos, e outra em escritos e creditos de falidos, e poderá ser que suas cazas padeçam como as dos mais parcos.
Pintura do Século XVII que representa a saída de Inglaterra de Navios
 da Companhia Inglesa das Índias (Museu Britânico)

E ainda me atrevo a dizer que o cabedal de muitos homens de negocio deste Reino não fazem o cabedal de um dos mais homens das Praças mais pequenas, e no Porto aonde é menos florente esse mesmo é a maior parte dos estrangeiros que ali vem buscar as suas conveniencias, as melhores quintas que guarnecem o Douro são suas e de Ingleses não assistentes, mas de uns que vão e de outros que ficam. Fundam os grandes a sua razão de que os vassalos de V. M. tem muito dinheiro, em que alguns homens o dão à razão de juros de 4 por 100 cada ano, no que se enganam, porque não sabem nada de negocio, porque se alguns o dão a 4 por 100 é por duas razões. A primeira pelo darem a pessoa segura, que lho possa pagar e se lhe não ausente como teem feito tantos. A segunda porque não há em que se empregue pela muita falta de negócio pelo terem todo os estrangeiros, e prova-se com que na Inglaterra corre o dinheiro a dez e a doze por cento porque são tantos os negócios que para tudo dá.
Em todos os Reinos excepto Portugal e Castela se tomam as patacas e dobrões pelo pezo que pesam e se assim se fizera em Portugal não estivera perdido por falta desta prevenção. Em Veneza e Genebra (sic) das Republicas as mais bem governadas todos os estrangeiros que nelas entram se registam à entrada, assentando-lhes seus nomes em Livro, perguntando-lhe e assentando o negocio a que vão para o que lhe assinam dias, dentro dos quais se se não vão, acabado o prazo os vão buscar à parte que lhe teem assinado  para pouzarem no seu registo, os prendem e os castigam.
Tambem em Veneza de treze anos a esta parte tem extinto onze conventos de frades e freiras, considerando que pelos muitos e grandes dotes e heranças de Pais e parentes dos religiosos, iam sendo senhores da maior parte das fazendas e morgados e que os seculares por tempos não teriam alguma fazenda que pudessem comprar, e nos mais conventos que ficaram, que são bem poucos, fizeram numero de religiosos e religiosas que havia de haver em cada um.
Tambem neste Reino não é pouco necessaria alguma advertencia neste particular porque em mui poucos anos se achará bem pouca fazenda que não seja ou foreira ou propria de conventos.
Dirão a V. M. que tem vassalos muito ricos pelas muitas obras que fazem. Porem, Senhor, o maquinar obras, brilhar edificios, estatuar jardins, murar quintas, não é grande sinal de aumento porque nisso não consistem os tesouros de um reino, mas um indicio de que nele se diminui o comercio, e de que nesse se perdem os naturais e assim os mais dos homens de trato se retiram ao seguro de uma quinta medindo pelos seus dias a sua faculdade.
Sendo que nunca em Portugal deram à memória nome as cazas de negocio como em outros Reinos que há muitas de seis e setecentos anos, e ainda que haja muitos filhos sempre um deles tem a direcção da caza e com esta obrigação os honram os Reis, e ao contrario sucede em Portugal, porque o que tem qualquer fortuna desvanecido estuda como há-de subir e nesta vangloria lusem por acidentes os Portugueses.
Quanto mais, Senhor, que reparar a casa da ruina do tempo, plantar a quinta para os frutos, comprar a droga para o adorno, que lusimento é este? Se talvez o pedreiro não cobra em dois anos a féria, a renda fica ao quinteiro, o mercador não cobra sem um litígio a dívida! e para mais claro se conhecer a pobreza do Reino digam uma assembleia de trapassas em a torrente de cauzas que correm por diferentes juizos com tão publico defeito da verdade. […]
(Continua)

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