Encontrámos
no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que continuamos a apresentar. O investigador
inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina
com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É
uma carta ao Rei D. Pedro II, que é aclamado em 1683, sobre a difícil situação económica do país, no século XVII.
Nesta
Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação
portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o
cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de “uma
companhia e banco em forma mercantil”, o desenvolvimento da navegação
mercante, a ocupação da população ("Desta maneira creava o Reino (sic) em numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas...") e a expansão de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o
Brasil.
3ª Parte
[…]
A terra toda não dá tudo em uma só parte nem o poderoso deixa de se
ajudar da industria, quanto mais que em Portugal se acha tudo para a navegação
sem necessidade alheia.
A Província de Entre Douro e Minho e
outros tem hoje em si copia de linho canemo de que se fabrica a mais excelente
ensarcia, armas em nenhuma parte são tão boas, como outrossim Mestres das
Ribeiras de que podem aprender os mesmos estrangeiros. As madeiras do Brazil
são as mais excelentes para a navegação, assim pela dureza dos toros como por
ser a que mais se conserva na água, em todos aqueles portos se fazem e podem
fabricar navios com muito maiores vantagens do que são aqueles do norte,
tecidos com tornos, e armados à ligeireza dos ventos por razão dos seus mares.
Se V. M. mandar que em nenhuma Ribeira
de seus Reinos se fabriquem navios de menos de trinta peças para cima com
tantos homens e tudo o mais necessario para a sua defeza e que ao sair e entrar
das barras sejam vistos pelos cabos das torres, não assim como agora o fazem
que prestam um aos outros aquilo que lhe falta para fazerem o numero do seu
regimento.
Modelo de nau do século XVII (Do Livro de Traça de Carpintaria, de Manuel Fernandes) |
E desta maneira sendo os navios
mercantes de igual porte e igualmente fornecidos poderão com melhor seguro
navegar, e no caso que V. M. queira valer-se deles achar-se em seu Reino com
80. 90. e 100. navios capazes de fazer cara a qualquer grossa armada, como
tambem segurar-se dos piratas que com o porto de Tanger não há-de deixar de
sulcar os mais com maior ousadia e se os navios forão deste lote, não chegaram
de presente a segurar-se em tres pataxos que vinham da Terceira e Cabo Verde, a
30 por 100 em um, e nos outros não quiseram tomar seguro nem com 80 por 100 de
premio, por terem pataxos sem armas, força e sem gente que se a tiveram, ainda
que as fragatas guardas da costa se recolhessem não estiveram os interessados
com tanto receio, nem perderam o seu remedio.
É bem verdade que os navios de tanto
porte fazem grande custo e os fretes do Brazil não ajudam a despª. de tanta
fabrica a respeito dos estipendios e mariagens que são os que respeitam a
quantidade dos homens que marcam e servem de guarnição e defeza da nau.
Se o haver navios grandes e igualmente
fornecidos de gente, artilharia e armas serve de utilidade a este Reino parece
de razão que V. M. deve de ajudar aos armadores para que possam fabricá-los e
com maior animo e interessar-se neles.
Pagam hoje estes navios ao comboy 40 rs.
por cada arroba de assucar, e 600 por cada caixa que vem o ser mais de
60 rs. por arroba e assinam os fretes por 15 V a tonelada de 54 arrobas
que é o mais que de prezente trazem do Brazil, ficam livres para a nao somente 11V760
que na verdade não chegam para a despeza das soldadas e aprestos consernentes.
E assim por minorarem os gastos saem dos
portos tão mal fornecidos que nem gente trazem bastante para marear e ainda que
V. M. conceda a alguns licença com a obrigação do regimento consta que não
levam metade das pessoas que lhes assina nem podem porque não vão a perder-se
os armadores, e querem mais depressa com qualquer mimo contaminar a deligencia
que se lhes manda fazer na vistoria que irem a perder-se nos fretes, e a mesma
não exposta às tormentas e inimigos.
E por esta razão tem perdido esta praça
bastantes embarcações em que os Turcos fizeram preza com tanto vituperio da nação
portuguesa, pois já ousada e atrevidamente lhe não chamão valerosos a quem a
desordem desculpa; porque, Senhor, que pode fazer uma nao sem artilharia, sem
polvora, sem armas e sem gente?
Se V. M. mandara fossem os navios
izentos de pagar esses 60 rs. que na verdade não é cousa de tão grande
porte no excessivo rendimento do comboy que se não admita, porque em navio de
900 toneladas se respeita a um conto e tantos mil reis e em tal caso os poderia
obrigar a que cada um trouxesse de 30 peças para cima de mais gente que lhe
fosse necessaria para o marear, uma companhia de 70 ou 80 homens, e que aos
capitães que o merecessem se lhe fizesse mercê de seus capitães por cartas
patentes com que viessem a guarnecer os ditos navios de 120 homens para cima.
Desta maneira creava o Reino (sic) em
numero de navios, faziam-se soldados e marinheiros, ocupavam-se vadios e
atalhavam-se insultos, desinquietações de casadas, roubos de donzelas, muitas
mortes que fazem os ociosos, roubos de fazendas, respeitava-se a nação para sua
defeza, a cujo clima o aspecto dos astros não tirou a natureza de crear homens
animosos e robustos: demais que todos os Reis do Mundo estudam como hão-de ser
os seus moradores ocupados e como evitem vagabundos.
E sendo os navios deste lote podia V. M.
determinar que não houvesse redenção de cativos e daqui nascia o pelejarem os
marinheiros, soldados e passageiros té perderem a mesma vida por saberem que os
não haviam de resgatar em caso que fossem cativos, e na mesma forma os Mouros
sabendo que os navios portugueses traziam artilharia, armas e gente e que em
caso que os prisionassem os não haviam de resgatar é certo que se não haviam de
querer põr no risco de perder-se e com esta resolução se evitava o terem até os
mouros tão grande parte neste Reino e de mais servia esta resolução para que os
marinheiros soldados e passageiros pelejassem por se não entregarem porque
ordinariamente quando vem mouros, antes que a eles cheguem se lhe entregam
fiados que cativando os teem no Reino pais, irmãos, parentes e amigos que lhe
solicitam o resgate de modo que ainda dele lhe sobeja, e deste modo defendiam
as patacas de maior pelo que não fossem a Argel e Salé, suas pessoas, fazendas
e direitos de V. M., a qual se não entenderia no pobre pescador que andando
pescando o cativassem e ainda nem esse nem outro levantado ousadamente iria,
sendo os navios de força, à costa do Brazil.
No mar se exercitavam à marinhagem e nos
meses que estivessem no Brazil podiam ser constrangidos a fazerem exercicios e
a aprender o manejo da milicia que tambem nos mesmos navios se ensina, porem
com menos suficiencia a respeito da impossibilidade do terreno, e se V. M.
ordenara que os soldados que assentassem praça nos navios mercantis merecessem
como aqueles que servem na guerra, assim nos desta Corte como da cidade do
Porto, se assentaria tanta gente ainda por seu gosto de Entre Douro e Minho que
viessem por tempos a ser respeitados os portugueses.
Seguia-se daqui outra conveniencia aos
vassalos de V. M. e é que havendo navios deste lote e maior numero deles fazia
mais crescida a navegação de seus Reinos porque se os mesmos naturais para isto
se valem de navios de fora, fretando-os assim para as Ilhas e outros portos
ainda do Estado do Brazil, parece o deixariam de fazer por darem aos da terra
este frete, e ainda este ano e todos, vendo os estrangeiros que os naturais
careciam de seus navios para mandarem carregar de trigo às Ilhas, lhos não quiseram
fretar e mandaram por sua conta à Terceira, S. Miguel e Fayal carregar de trigo
e o compraram assinando letras para esta cidade, e vieram e venderam o trigo e
pagaram as letras com ele sem desembolsar cousa alguma, tirando ainda este
negocio aos portugueses. Veja V. M. se pode haver maior desgraça de seus
vassalos e se tem razão de se queixar.
Na forma em que hoje se acha a navegação
não é possivel se continue porque das embarcações que vão ao Estado do brazil
que são mais de 120 com as do Porto se contam poucas; as que sejam de 30 peças
para cima e as mais são pangaios, pataxos e charruas; postas à carga estas embarcações,
primeiro carregam as melhores e com vantagem de frete e as mais ou hão de
comprar a carga no Brazil, tomando letras de risco sobre si ou hão ficar de invernada
até que por falta daquelas ou abundancia de frutos se carreguem.
E desta maneira se perdem os donos
destas embarcações porque tanto que trazem qualquer empenho de letras de risco
que não esperam a cobrança de fretes, executam as partes os mestres e se vendem
em praça, não havendo ano algum em que se não veja esta extorção.
Por esta causa não há marinheiros por
não se lhe pagar pontualmente as soldadas nem nesta Praça há mais de seis ou
sete pessoas de mais nome que o possam fazer que tem navios e os melhores que
por não experimentarem ruina os trazem desempenhados e os mais não podem nem
teem cabedal para isso.
Assim se vão extinguindo os navios e
fraqueando a navegação sendo tambem a causa deste dano serem os estrangeiros
senhores de todo o negocio de Portugal e eles os que dão a baixa aos frutos da
terra que como se lhe consente tenham naus que vão ao Brazil tirar os fretes
aos naturais, que como estão introduzidos não fica animo aos naturais de
fazerem compras.
Tanto que para os diamantes que vieram a
monção passada antes da charrua e o carcome se não acharam nesta Praça para
compra deles mais que Jacome Bomplat e Ricardo Wanzeller holandeses que como
cabeça de alguns estrangeiros pela experiencia que teem da pedraria os compraram
pelo que quizeram com perda da metade do custo das carregações por eles serem
só os que compram, a qual verdade V. M. ou seus ministros experimentam o mesmo
nos seus, prometendo-lhe um dia um preço muito tenue, e daí a uns dias muito
menos andando zombando, querendo os comprar fiados, e ao depois com rebate de
dez por cento, porque outros estrangeiros que os costumavam comprar os mandam
vir da India por sua conta a troco de suas carregações por não haver parte
neste Reino reservada para os naturais e por este e todos os modos se tem
arruinado tantas casas, e assim se atenuou o comercio e a navegação do Brazil e
da India donde a transportação dos generos é certo param não tendo conta aquem
os arrisca.
Quanto mais, Senhor, que de mais dos
ditos estrangeiros que estão em todas as Praças do Brazil com cazas e fazendas
e comissões foram nesta frota passada de 1684 tantos a pôr novamente cazas
que só de franceses foram 23 e assim se estabelecem no Reino e pelo
interior da terra a navegação dos frutos dela que totalmente arruinam estes
estados por quanto que grangeam levam consigo (sic).
É muito para reparar que só nesta corte andam
de franceses mais de quatro mil, porque com esta guerra proxima de Castela
lhe expulsaram mais de dois mil e todos vieram para este Reino e para esta
Corte, e todos nela teem cazas, estes e outros vestem e calçam, passeando e
gastando dinheiro sem serem dobrões nem Luizes de França, nem tão pouco se sabe
donde lhe venha, entre outros há alguns a que chamam metedores que em Castela
costumam furtar fazendas aos direitos e pô-las (sic) donde lhe apontam, e aqui fazem
o mesmo, e outros ou cerceam ou não sei de que vivem, com que por todas as vias
não servem, nem teem outro estudo mais que de ver como hão de tirar o sustento
aos portugueses e tanto assim que ainda nos navios assim de guerra como
mercantis estão levando fugidos, ladrões, herejes, judeus, quebrados que nestes
teem levado de tres anos a esta parte mais de quatro milhões, sendo todos como
dizem tão grandes nossos amigos, e com esta amizade fingida nos fazem estas
passagens.
Esmorecidos os nervos que são as
partes da Monarquia e podiam melhorar-se com a navegação reformada e com a
creação do banco pois se V. M. há uns a esta parte (sic) largar aos
homens de negócio a navegação da India quem com maior animo a proverá que este
mesmo banco aonde se junta o cabedal de todos que em breve tempo seria asás
muito facultozo.
E com o custo que a V. M. fazem dois
galeões o podia fazer este banco, fazendo cinco ou seis fragatas que fossem todos
os anos à India porque ainda se lhe acharia conta, que posto que aqueles
estados sejam para os portugueses ocaso, sempre foram para Portugal Oriente e
não seria impossivel reduzi-la em pouco tempo ao seu primeiro estado.
E nunca em Portugal poderia faltar
gente, antes pela muita que se acha em suas provincias, são muitos
os que perecem por causa de não terem em que ocupar-se e ainda nesta cidade que
ainda na tranquilidade da paz fazem mil insultos; e quanto melhor fora
obrigá-los à navegação não tendo oficios ou outro algum emprego permitivel, do
que deixar esquecida aquela que os antigos portugueses deram à memória de todo
o mar oceano.
Os filhos que sucedem a Pais ricos tanto
que entram em razão a perdem na esperança de que nos bens paternos tem adquirido
direito, mostrando a experiencia que com uma livre educação que os pais, ou por
defeito da idade ou do efeito não podem dobrar, ficam monstros aqueles que nos
exercicios podiam dar nome à sua Patria, e não desprezo e ultrage à economia
portuguesa.
Eis aqui, Senhor, se mostra a V. M. a
forma com que pode entrar no Reino dinheiro e a maneira por onde o não podem
tirar os estrangeiros que é para admirar que fora do de Castela, nem
nas bolsas dos ricos se a acha para mostrar entre as medalhas uma moeda dos outros.
Como pode crescer a navegação, criarem-se marinheiros e soldados de que não
menos necessita este Reino.
Dirão a V. M. que não bastam os frutos
do Reino para pagamento das fazendas extrangeiras. É sem fundamento essa razão,
porque muitos se vendem logo a dinheiro de contado com que são para ajuda, e
demais das nossas Ilhas e suas terras metem no terreiro só desta corte o menos 50
V moyos de trigo que vendem logo tanto que entra a dinheiro de contado no
qual a 300 rs um por outro importa o moio 18 V que importam dois
milhões e duzentos e cinquenta mil cruzados com que com este mesmo dinheiro e
das mais cousas e dinheiro do banco que será muito pronto o que nele se meta
com os frutos do Reino sobejará muito dinheiro do pagamento das fazendas
estrangeiras e será tão grande negócio que em poucos anos se pagarão só com os
avanços do banco, porque tendo todo o que ganham os estrangeiros, em menos
de dez anos não haverá Rei mais poderoso, nem vassalos mais ricos,
conseguindo-se o dito banco.
De mais que com ele se evita o
furtarem-se as fazendas aos direitos e outras infinitas maravilhas e quando se
tratar deste negocio se verão e para remediar a moeda não há outro remédio
porque se levantarem a moeda levantam os estrangeiros as fazendas e para se
abaixar bem sabemos não pode ser pela muita baixa em que está, e ainda assim se
pode pôr em boa forma mas que tenha o peso metade menos do seu valor que assim
está hoje, porque as moedas de 4400 rs. pesam 1800 rs. e 26 e as patacas
320 e 300 rs. as moedas de 500 rs pesarão metade e valem o mesmo que valiam
antes de roubadas, com que como aos estrangeiros se lhe fizer o pagamento nos
frutos ao mesmo respeito da moeda, como val e como corre não tem prejuizo
algum; nem V. M. na reformação da moeda terá perda nem seus vassalos. De
mais que com o Banco se faz a pragmatica da proibição das fazendas de prata e
ouro quando V. M. ache que assim lhe convem ordenando se não comprem as
fazendas que ordenar.
Tambem com o Banco se escusa contratar a
Alfandega e Consulado que é uma parte da ruína deste Reino.
Navios de licença ao Brazil em nenhum
caso V. M. tal conceda que é perdição comua porque quem lá tem fazendas as não
pode vender nem reputar, e chegando navios de licença as queimam porque as que
levam se não vendam mais baratas nem V. M. tem proveito ou vantagem alguma,
porque se esses navios lhe trazem seus direitos nos assucares e tabacos, ficam
lá de invernada outros navios, sem virem na frota por não terem carga, por
esses lha tirarem, sendo pobres, por cuja causa se perdem muitas casas e esses
direitos que trazem sempre V. M. os tem quer seja em julho parte deles, quer
seja em Setembro na frota todos, porque todos se pagam o seu tempo e só o virem
mais cedo é bom para a carga da Nau Loreto e para Luiz Correia da Paz e
Domingos Dantas da Cunha de quem as naus são, e são de respeito, vão fazer duas
e trez viagens ao Brazil emquanto os mais fazem uma e até para quem tem
assucares e tabacos, tanto que vem os de licença, não vendem mais nada por cuja
causa muitos homens teem quebrado nesta Praça.
E posto que a V. M. se diga que nunca tão
rico esteve o reino nem mais florente, não entra no discurso que aos supremos
se fale com lisonja; mas se V. M. mandasse fazer inventario do que consta toda
a faculdade do mais grosso homem de trato acharia o contrario do que parece a
muitos. Parte de seus bens na india, parte no Brazil, esquecidos, e outra em
escritos e creditos de falidos, e poderá ser que suas cazas padeçam como as dos
mais parcos.
Pintura do Século XVII que representa a saída de Inglaterra de Navios da Companhia Inglesa das Índias (Museu Britânico) |
E ainda me atrevo a dizer que o
cabedal de muitos homens de negocio deste Reino não fazem o cabedal de um dos
mais homens das Praças mais pequenas, e no Porto aonde é menos florente esse
mesmo é a maior parte dos estrangeiros que ali vem buscar as suas
conveniencias, as melhores quintas que guarnecem o Douro são suas e de Ingleses
não assistentes, mas de uns que vão e de outros que ficam. Fundam os
grandes a sua razão de que os vassalos de V. M. tem muito dinheiro, em que
alguns homens o dão à razão de juros de 4 por 100 cada ano, no que se enganam,
porque não sabem nada de negocio, porque se alguns o dão a 4 por 100 é por duas
razões. A primeira pelo darem a pessoa segura, que lho possa pagar e se lhe não
ausente como teem feito tantos. A segunda porque não há em que se empregue pela
muita falta de negócio pelo terem todo os estrangeiros, e prova-se com que
na Inglaterra corre o dinheiro a dez e a doze por cento porque são tantos os
negócios que para tudo dá.
Em todos os Reinos excepto Portugal e
Castela se tomam as patacas e dobrões pelo pezo que pesam e se assim se fizera
em Portugal não estivera perdido por falta desta prevenção. Em Veneza e Genebra
(sic) das Republicas as mais bem governadas todos os estrangeiros que nelas
entram se registam à entrada, assentando-lhes seus nomes em Livro,
perguntando-lhe e assentando o negocio a que vão para o que lhe assinam dias,
dentro dos quais se se não vão, acabado o prazo os vão buscar à parte que lhe
teem assinado para pouzarem no seu
registo, os prendem e os castigam.
Tambem em Veneza de treze anos a esta
parte tem extinto onze conventos de frades e freiras, considerando que pelos
muitos e grandes dotes e heranças de Pais e parentes dos religiosos, iam sendo
senhores da maior parte das fazendas e morgados e que os seculares por tempos
não teriam alguma fazenda que pudessem comprar, e nos mais conventos que
ficaram, que são bem poucos, fizeram numero de religiosos e religiosas que
havia de haver em cada um.
Tambem neste Reino não é pouco
necessaria alguma advertencia neste particular porque em mui poucos anos se achará
bem pouca fazenda que não seja ou foreira ou propria de conventos.
Dirão a V. M. que tem vassalos muito
ricos pelas muitas obras que fazem. Porem, Senhor, o maquinar obras, brilhar
edificios, estatuar jardins, murar quintas, não é grande sinal de aumento
porque nisso não consistem os tesouros de um reino, mas um indicio de que nele
se diminui o comercio, e de que nesse se perdem os naturais e assim os mais dos
homens de trato se retiram ao seguro de uma quinta medindo pelos seus dias a
sua faculdade.
Sendo que nunca em Portugal deram à
memória nome as cazas de negocio como em outros Reinos que há muitas de seis e
setecentos anos, e ainda que haja muitos filhos sempre um deles tem a direcção
da caza e com esta obrigação os honram os Reis, e ao contrario sucede em
Portugal, porque o que tem qualquer fortuna desvanecido estuda como
há-de subir e nesta vangloria lusem por acidentes os Portugueses.
Quanto mais, Senhor, que reparar a casa
da ruina do tempo, plantar a quinta para os frutos, comprar a droga para o
adorno, que lusimento é este? Se talvez o pedreiro não cobra em dois anos a
féria, a renda fica ao quinteiro, o mercador não cobra sem um litígio a dívida!
e para mais claro se conhecer a pobreza do Reino digam uma assembleia de
trapassas em a torrente de cauzas que correm por diferentes juizos com tão
publico defeito da verdade. […]
(Continua)
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