domingo, 3 de novembro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXVI


Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento, cuja apresentação hoje concluímos. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também contribuiu para hesitarmos publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, que é aclamado em 1683, sobre a difícil situação económica do país no século XVII.
Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou anos seguintes, é descrita a situação económica portuguesa, as consequências da mesma, o exagerado papel dos estrangeiros, o cenário económico noutros países. Procura-se valorizar a criação de “uma companhia e banco em forma mercantil”, a ocupação da população da metrópole, o uso da escravatura, o desenvolvimento da navegação mercante e de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil (Estados do Pará e Maranhão).



4ª Parte

[…] Estados do Pará e Maranhão

Tambem em os estados de Maranhão perde V. M. poder crear um novo imperio donde possa por tempo viver um grande monarca, por serem tão dilatados estados que teem mais de 600 legoas de terra firme que confina e parte com Indias de Castela e tanto assim que não é nada o que está descuberto, porque tem a maior parte donde, desde Adam, não pôs os pés pessoa alguma e acha-se pelo interior da terra os melhores generos que produzem outras e pelos bastos rios e braços do rio grande das Amazonas, Povoações, Aldeias, e outras cohabitações dos gentios que se se não houveram com eles os governos passados rigorosamente ambiciosos, hoje estiveram mais crescidos e com maior comercio.
Teem em si inumerável copia de algodão capaz de se lavrar no mais fino teame em que se podiam obrar roupas com maior vantagem que as de Bengala se se lhe meteram fabricantes por onde se lhe abrira a industria aos seus moradores Canela fina pelo interior e extremidades dos rios, mais corada, meuda e suave que a de Ceilão que se não tira grande cópia pela ignorância do gentio, que havendo de escascar as arvores as troncam com machado.
Cravo que é a flor das arvores que dão a canela grossa que comummente chamam cravo do maranhão é mais grosso que o da India, porem mais picante a respeito de serem as terras aquáticas e frescas, e ser ali o sol menos riguroso.
Arroz abundante, gengibre, Anil, Barnilhas (sic), cacau, Salsaparrilha, nozes moscadas, assucares e tabacos, couramas e outros muitos generos que se puderam descobrir calcando-se mais frequentes aquelas Provincias e com benevolencia à comunicação reduzi-las e ao trato. (sic)
Tambem dizem os praticos que nos lagos interiores se acham pérolas excelentes, nos cimos dos montes minas de ouro e nos braços dos rios que se encostam às Indias de Castela outras de prata, algumas de cristal já descubertas. Para fábrica de navios não são menos capases os seus portos pela facilidade das madeiras e pouco custo em se fabricarem, ajudando-os o haver ali breu, ensarcia da estopa de ambira de que se fazem amarrações de que se servem muitas que ali navegam.
Isto, Senhor, se perde porque no tempo em que se descobriram ou por ambição ou por causas a que o gentio desse motivo como ainda há poucos anos se viu na ocasião de Ruy Vaz de Sequeira (1) o foram reprimindo e metendo pelo interior da terra, ficando-se os portugueses somente com aqueles que mais se avisinham ao Mar.
Não parando aqui o rumor das armas a violencia de alguns Governadores com aqueles mais vizinhos e avassalados os obrigavam a colher-lhe o cravo e o cacau, atenuando-lhe as Aldeias e vexando-os por lhe tirar o tempo de plantar suas roças que são aquelas de que vivem e com que se sustentam e no trabalho uns morriam estancados e outros desamparavam as suas povoações com que reticitados (?) os portugueses do comercio deles, alguns pereceram por não ter quem os servisse, remediando-se com negros da Mina, Angola e Cacheu.
Afugentando o gentio e por este modo impedida a sua comunicação nem por isso era menos crescida a ambição dos governadores, porque os que primeiro armavam e mandavam canoas a tomar os portos para colher os frutos eram os governadores impedindo aos mais que nem nos tais sitios, nem no mesmo tempo armassem, e por este modo disaborcados, não só vivem ali pobres mas oprimidos.
Tudo isto se remediava com que os governadores fossem zelosamente amantes do Serviço de V. M. havendo-se com o gentio benignamente e mandando aos mais poderosos Tapejaras com mimos e sinais de afabilidade, redusindo-os ao trato e comunicação dos portugueses em nome de V. M. o bom trato, e se lhe pagaram seus soldos daquilo que levassem na cultura das terras, como tambem se lhe pagariam os generos que trouxessem sem escândalo ou vexame algum.
Em muitos Reinos se devassa dos governadores antes que venham dos governos ou depois e achando-se não procederam bem se castigam e se lhes toma o que trasem por perdido para a Coroa e se assim se fizera em Portugal é sem duvida estariam aqueles estados muito aumentados porque os governadores se crearam para irem dispôr e governar pelos Reis o não poderem fazer por si e não para irem buscar e comerciar.
Na consideração de que teria melhor remedio o fazê-los mais opulentos foi V. M. servido deixar por contrato o provimento deles assim dos generos que ali se gastavam como de negros para as roças e fabricas e mais exercicios de que necessita a terra.
Excelente era esta forma se não fora tão restrita, porque Senhor, nem estes homens lhe convem melhorar os estados nem a V. M. estreitar o comercio que ainda assim tivera melhor forma se este provimento fosse feito por companhia, uns de lá e outros de cá, como se observa em Inglaterra e que cada um metesse nela aquele cabedal que lhe fosse mais conveniente, assim crescia e os mesmos naturais destes estados gostavam dos lucros ficando mais livres, porem ainda esta não serve se não ficando livre a todos e V. M. com grande cuidado neles.
Porque em outra forma é atenuá-los pondo-se-lhe aos seus generos o preço à disposição do contrato, metendo-lhe as drogas ao arbitrio da conveniencia, estando os miseraveis pagando um côvado de baeta que aqui custa 350 que é da pior de carregar por 1800, um chapeu de 400 rs. por 3 V, umas meias de menina que aqui custam nove e dez tostões por 5 V, um prato de 80 rs a duzia por um tostão cada um, e a este respeito os mais generos, com o pagamento em cravo, a seis mil rs. a arroba que aqui vendem por nove mil reis, sendo os generos que lá metem os mais tenues a saber atacas, navalhas, facas, ferramentas, agulhas, e outras drogas não sendo, Senhor, o homem principal da terra de poder mandar dez arrobas de cravo a Portugal para comprar um corte para um jubão de sua filha ou mulher.
Não podiam estudar melhor maxima que se fazerem em poucos anos facultosos, pois não havendo metido de cabedal quatro mil cruzados tem tirado em tres embarcações, uma ao Porto e duas a esta cidade no segundo ano do seu contrato outo para nove mil arrobas de cravo, dois mil rolos de tabaco, assucares e outros generos para se fazerem valer mais 200 V ttºs metendo os contratadores por companheiros holandeses para lhe darem as fazendas de Holanda, e ainda se prezume as quisessem mandar ir de Holanda em direitura.
Entender-se-á que pela escaceza do comercio pareça murmuração o que é evidencia porque nos anos estéreis e nos tempos de calamidades olham os homens uns para as mãos dos outros; porem não pareça assim a V. M. que isto não é mais que desejo de que felismente dê V. M. àqueles estados forma de melhorar-se.
Os quais não tem outra e a experiencia o mostrará a V. M. havendo por resoluto o dito contrato, havendo os contratadores faltado a ele em meter escravos, pois somente de Cabo Verde levaram algumas cabeças, refugo daquelas que os Castelhanos não quizeram de que tiraram logo o pagamento com o pretexto de dizerem que ainda não entravam na sua obrigação e que lhe iam brevemente e os outros venderam por 120 V havendo-lhe custado de 15 até 25. Quanto Mais Senhor que ainda que lhe metessem mil negros cada ano, vendendo-os a 120 V cada um custando-lhe tão baratos não sei que pudesse haver ganho igual nem que proveito V. M. dessa venda tenha; sendo este negocio tão grande que se V. M. o quizera mandar pôr em pregão o provimento desses estados creio haveria quem bem melhor o fizesse dando a V. M. todos os anos mais de 50 V tt.dºs porque perguntando um homem quanto davam a V. M. pelo contrato; dizendo-lhe que nada, disse, ou deveras ou por encarecimento que fizessem com que V. M. lhe largasse Pernambuco para ele só negociar metendo todos os generos e tirando os efeitos, não sendo comparação nada com os estados do Maranhão, e lhe daria 300 V tt.dºs. Porem nem ainda isto convinha, porque era restreisar o negocio e enriquecer a uns encapacitando a outros, e este contrato pela forma e administração com que o faziam não lhe promete menos avanço, conforme muitos dizem, que de dez milhões em vinte anos se V. M. o não remediar de piedade daqueles estados e prejuizo de sua fazenda.
Mande V. M. que os navios mercantis possam ali navegar livremente, com tal condição que nenhum navio de nacional possa ir a eles sempre por conta do Senhorio dele levem aos ditos estados 40 casais dando-lhe para sua matolagem e aviamento a 20 V cada um e a passagem, e outro sim tomem na Costa da Mina ou Cabo Verde sendo por obrigação cada uma constrangida a que levará tambem de 40 e 50 negros para cima e que estes sejam com negras para que sendo casais fiquem mais seguros e sirvam melhor a seus senhores e se vão multiplicando e deste modo não indo mais que cada ano três embarcações fornecem a terra de gente, generos e escravos.

O Trabalho de Escravos numa Plantação de Tabaco

E todos os mais casaes que puder ser se V. M. os quiser mandar levar aos ditos estados, mais depressa serão facultosos e poderosos, estes casais, Senhor, devem ser da Beira e Entre Douro e Minho, que são homens e mulheres de trabalho e robustos e ainda V. M. faz grande bem a estas duas Provincias porque nela é tanta a gente que dentro de quatro ou seis anos se não lhe tirarem grande parte se comerão uns aos outros e ainda alivia a esta Corte porque no ano de 680 por causa das muitas fomes vieram para ela muitas mulheres moças com filhos e até ao presente se deixaram ficar muitas delas ficando lá seus maridos se esquecem nesta calaçaria.
E que os Governadores por si e pelas Camaras tenham roças feitas e preparadas para o nutrimento dos casaes e escravos que houverem de ir porque tambem de outra maneira é expô-los a que pereçam e assim em menos de dez anos conhecerá V. M. a vantagem deste ou daquele arbitrio.
E não pareça a V. M. que os navios mercantis deixarão de conseguir a viagem pelo gravame porque 40 casaes a vinte mil reis fazem soma de 800, e que lhe façam de custo 600 a passagem no sustento são 1.400 rs. Estes navios não pagam comboy e lucram nos fretes excessiva soma, porque qualquer navio de 300 toneladas traz de frete de 20 até 25 V tt.dos. Ora veja V. M. se deixará de conseguir-se a navegação sendo tão conveniente aos senhorios das naus que a maior do Brazil não traz a metade, e quanto aos escravos é conveniencia sua porque os vendem e ganham e assim com o bom trato dos Governadores para com o gentio, e crescimento de cazais que é o de que necessita repartindo-lhe terras e sítios para suas vivendas, fazendo lugares, povoações e aldea crescerão aqueles estados em poucos tempos e poderão em menos de seis anos, vir todos os anos seis e oito embarcações, e trazem ao menos de cravo dez mil arrobas cada uma, que importam 225 V tt.dos e cada ano pode vir o mais de milhão e meio só em cravo, porque já hoje sem haver quem lá o cultive veem dois e tres navios e é genero tão nobre que apenas chega se vende com dinheiro de contado por 9 até 10 mil reis a arroba custando lá 6 V rs e nos diamantes se  perde muito do seu custo porque ainda se vendem fiados, com que Senhor todo o custo que logo se for fazendo se vai logo tirando o trabalho e avanço e não é fazer feitorias que em muitos anos se não tira nem ainda para o sustento dos que nelas assistem.
Como também os escravos que entrarem com o gentio domestico que são os Tajujaras do campo sem os quais se não pode obrar nada, com a noticia dos generos os irão dando ao comercio e se irá ampliando a terra de maiores com que se poderá conseguir o soberano intento de V. M. e virão aqui muitas fazendas daqueles estados em que V. M. venha a ter muitos direitos e seus vassalos grandes avanços.
Tambem não parecia mal que os cavalheiros (sic) que ali teem capitanias os obrigasse V. M. a que tratassem delas, porque este foi o fim com que se lhe deram, a do Cumutá de Antonio Coelho de Carvalho, a do Garopim de M.el de Melo, do Pesqueiro de Joanes de Antonio de Souza de Macedo cujos sitios são capazes de se fazer neles cidades e vilas que aos tais cavalheiros deem lucro e a V. M. rendimentos que como são suas nem os naturais se aproveitam delas nem eles as tratam como proprias.

Palácio dos Governadores no Estado do Pará

E ainda outra razão por onde V. M. deve pôr os olhos naqueles estados, e é que ao Pará e ao Maranhão vem ter o Rio Grande das Amazonas que vem dentro de (sic) Indias de Castela pelo qual mandou El Rei de Castela sendo Senhor destes  Reinos, do Maranhão a Quito e a Mexico, terras das Indias, que lhe viessem trazendo a prata em canoas pelo dito rio ao Maranhão, por vir livre de inimigos por ser parte onde não foi nunca outra nação, nem pode, e para dali melhor a conduzir a portugal ou Castela e quando veio a resposta por estar já aclamado o Serenissimo Senhor Rei D. João 4º se não conseguiu este negocio. Mais que pelo dito Rio vieram Paulistas de S. Paulo ter ao Maranhão e se se povoara e continuara com multiplicação de gente já pelo dito Rio podera haver negocio com as mesmas Indias de Castela.
E ainda uma razão politica, posto que futura ajuda as felicidades que se poderão adquirir àquela conquista e é que de el Rei Catolico se espera pouca ou nenhuma sucessão por falta da qual, queira Deus que se engane, o que se presume se considera alguma preplexidade àquela Monarquia, por cuja causa não deixarão de abrir os olhos e estender os braços os ambiciosos; e que mau será ter ali as mãos aonde Castela tem o coração? tendo porem grande cuidado juntamente do provimento, armas e gente na nova colónia ou casais para segurar os portugueses que não fujam dela porque como está em parte que impede a passagem a todas as embarcações que passem adiante é necessario esteja tão bem guarnecida que possa resistir ao que se oferecer e ainda mandar V. Mag. ali fazere os fortes que forem necessarios com que com estas fortalezas bem guarnecidas e fortes e estados do Maranhão combem (sic) gente fortalezas e armas, faltando sucessão a castela se presume se levantarão cada um com o que puder e que mais perto estiver daquelas Indias de necessidade o chamarão e as mais consequências.
Parece, meu Senhor, fora muito bom mandar V. M. com toda a brevidade aos estados do Maranhão, favorecendo-os na aflição que de presente padecem que talvez com o medo do castigo pelo levantamento que fizeram, considerando V. M. não terá notícia da sua opressão, e com a falta dos generos para suas cazas, e como as nações andam alerta que não suceda com a tardança abrirem porta ou lha façam abrir aquem os socorra que para qualquer nação vale mais um pedaço do Maranhão que todo o Brazil.
Este Reino, Senhor, está perdido por lhe faltar o dinheiro e no estado em que o vemos se considera durar por acidentes para o que parece ser muito necessario haver banco na forma sobredita, o qual se estabelecerá em Portugal com a melhor forma e perfeição que em outra parte por haver hoje homens muito peritos, cientes e verdadeiros. Porem a maior duvida que se considera é ser dificultoso em seu principio por temerem as pessoas que nele houverem de meter seus cabedais que V. M. em algum tempo lhos reprima, para o que será necessário que V. M. debaixo de seu real nome e o mais que for necessario lhe segure que em tempo algum dele não tirará nada, como tambem será o primeiro que nele entre com a maior soma para Luz e principio de tão grande empreza que se considera ser tão grande que não haja segunda, e tanto assim que ainda os estrangeiros de todos os Reinos as fazendas que mandam a seus comissarios as hão de mandar ao dito banco e a Portugueses como faziam antigamente por terem neles mais verdade que nos das suas nações.
Tambem é muito necessario que V. M. ponha os olhos em seus vassalos e aumento de seus Reinos trazendo armadas no mar, ainda que para o sustento delas oprima seus vassalos que para este intento se darão por bem servidos. Quanto mais, Senhor, que quando se instituiu o comboy não foi para a Real Fazenda de V. M. e só foi por contrato, e obrigação de V. M. trazer trinta e seis fragatas de Guerra guardando os seus mares as fazendas de seus vassalos e deste modo por força há-de ser poderoso.
Muito alto e muito poderoso Rei e Senhor nosso, quando a V. M. pareça servirão estes toscos apontamentos para o bem publico e aumento de seus vassalos e imperio, a mim me parece não será pouco necessario o segredo deles, comunicando-os com homens de negocio os mais desinteressados, que verdadeiramente estes pontos não são para resolverem Ministros de Letras nem Conselheiros porque como são pessoas que teem rendas bastantes e certas não sabem o que o Reino padece nem experimentão a falta do dinheiro nem ainda da moeda cerceada teem toda a noticia, porque os seus cazeiros e rendeiros lhe pagam ainda com o de outrem e na melhor moeda e quando assim não fora os mesmos creados o trocam por melhor dinheiro pelos agradarem, com que semelhantes negocios pertencem verdadeiramente a homens de negocio e ainda não a todos e sempre com segredo deles, mandando-o ver em sua presença pelos ditos homens de negocio mais prevetos (sic), que parece ultrage e miseria destes Reinos que quando se intenta alguma empreza nele antes de se resolver venha em gazetas impressas de outros o que tudo nasce de um milhão de espias que nele há estrangeiras que até com seus avisos costumam fazer-nos dano e em todos os negocios o segredo é alma deles e resolvendo-o V. M. por si com soberana resolução, sempre será o melhor, e o mais bem acertado, e para seus estados e vassalos o mais conveniente.
(s.a.n.d.)

Nota dos editores 1) Foi capitão-mor (governante) do Estado do Maranhão na década de sessenta.

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