quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXIII-XXI

Inquérito Social XXI

    Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.

Família
(Continuação)

           Procurou-se com as estatísticas dos casais com filhos, dar à FNIL a possibilidade de calcular, em qualquer momento, os encargos que um salário familiar poderia acarretar e ao mesmo tempo mostrar neste inquérito, a constituição da família operária e o seu possível aumento.
            Tomamos, para exemplificar, a “estatística dos operários casados pelo civil e pela igreja”, do grémio da Covilhã. Basta este título a encimar a estatística, para nos mostrar imediatamente, qual o critério mais lato, adoptado na elaboração destes mapas: dentro de cada grémio, os operários casados, com filhos, estão divididos conforme o seu estado civil. Temos pois, diante de nós, uma estatística dos operários casados pela igreja e pelo civil dentro do grémio da Covilhã. Os primeiros algarismos referem-se à idade dos operários e os segundos, dentro de cada período, significam a idade dos filhos, nesse período.
Ao lado da coluna onde se encontram os números a que fizemos referência, aparecem colunas sucessivas e intercaladas onde se encontram os filhos dos operários, distinguindo os operários masculinos dos femininos. Na primeira coluna referem-se os filhos dos casais que só têm um filho; na segunda os filhos dos casais com dois filhos e, assim sucessivamente até à décima terceira e última dos casais com treze filhos. Na décima quarta coluna indicam-se o total dos filhos dos operários que neste período que estamos apresentando, têm de 18 a 25 anos, figurando em cada uma delas, os filhos destes operários, com a respectiva idade. A décima quinta coluna, que não é dupla como as outras, representa uma soma da coluna dupla anterior. A soma de cada capítulo indica, por debaixo das colunas duplas, o número total de filhos aglomerados em cada coluna; ainda abaixo da soma aparece horizontalmente o número de casais, de cada período, agrupados conforme o número de filhos.
            Na mesma estatística dos operários casados pelo civil e pela igreja, do grémio da Covilhã, vamos ler o segundo capítulo. Refere-se ele, como dissemos no princípio deste comentário, aos operários de 26 a 30 anos de idade, casados sob o costume nacional, e que têm filhos. Como refere a última coluna horizontal deste capítulo, agrupam-se os casais com a idade que acabamos de referir: nesta idade há 181 operários do sexo masculino e 20 do feminino, com um filho; 111 masculinos e 17 femininos com dois filhos; 40 masculinos e 5 femininos com três filhos; 9 masculinos e 3 femininos com quatro filhos. Por outro lado, os filhos dos casais que têm unicamente um filho, têm a idade seguinte: com menos de 7 anos de idade – 172 filhos de operários e 16 filhos de operárias; com 7 a 10 anos de idade – 9 filhos de operários e 3 filhos de operárias; com 11 a 12 anos de idade – 1 filho de operária e, assim sucessivamente conforme consta nas outras colunas e nos outros capítulos.
            Cumpre-nos agora esclarecer a razão que nos levou a dispor, talvez um pouco confusamente, os números desta estatística. Houve no entanto razões para assim procedermos. A organização corporativa pode determinar, que ao estabelecer-se um salário familiar se atenda ao acto que presidiu à organização da família: que se pague x por cada filho do operário com família legitimamente constituída; e ½ x por cada filho do operário amancebado; pode determinar também, como aliás se procede em determinados países, que se pague x por cada filho de operário e, ½ x por cada filho de operária; pode ainda determinar que beneficiem unicamente de salário familiar os casais com mais de quatro, cinco e seis filhos, desde que a idade destes seja inferior a sete, a dez e a doze anos.
            Atendeu-se à idade dos progenitores para verificar quais os possíveis encargos de uma Caixa de Compensação, em cada ano; não é normal que os casais com mais de 50 anos venham ainda a ter filhos, ao passo que os de 18 a 25, de 26 a 30, de 31 a 35, de 36 a 40, de 40 a 45 anos, estão ainda em idade normal de reprodução, sendo as possibilidades desta tanto maiores quanto menor é a idade dos operários casados.
            Recorreríamos primeiro à estatística dos casais sem filhos e faríamos de conta que, no próximo ano, todos aqueles operários cuja idade fosse inferior a 30 anos entravam na coluna dos operários com 1 filho; e que 50% dos operários sem filhos de 30 a 50 anos entravam, também, na coluna dos operários com 1 filho. Para verificarmos o possível aumento da população, faríamos o mesmo com relação aos operários que figuram na estatística dos operários com filhos.
            Vamos colocar-nos diante de um caso concreto. A FNIL resolve subsidiar todos os casais em que os operários são casados pelo civil e pela igreja, têm mais de cinco filhos, desde que esses filhos tenham menos de 11 anos de idade, sendo o subsídio diário de 1$00 para os filhos dos operários e $50 para os filhos das operárias. Tomemos o mapa “Resumo Geral” dos filhos dos operários, “casados pelo civil e pela igreja”; vamos à sexta coluna e somamos separadamente os números referentes a filhos de operários e de operárias, indicados nas primeira e segunda colunas horizontais. (185 – 21; 98 – 8; 71 – 6; 22 – 4; 0 -0; 13 – 0; 3 – 0); (108 – 16; 52 – 6; 50 – 4; 12 – 3; 0 – 0; 6 – 0; 0 – 0). Temos assim 620 filhos de operários e 68 filhos de operárias.
            Dispender-se-ia neste salário familiar 620$00 diários referentes a operários, mais 34$00 diários referentes a operárias, ou seja 654$00 diários, ou 3.924$00 por semana. Devemos acrescentar a este número 17 filhos de operários viúvos, nas mesmas circunstâncias e 3 de operárias, o que aumenta a cifra semanal para 4.035$00. O encargo anual deste subsídio atingiria 209.820$00. Esta cifra diria, contudo, respeito a um momento determinado. Novos cálculos se deveriam desenvolver para a tornar verdadeira em qualquer momento, atendendo para isso ao possível aumento da população desde a época em que foi elaborada a estatística até ao momento em que se deva estabelecer o salário familiar.
            Esse estudo compete já à ciência actuária e não a um simples inquiridor social, pelo que nos abstemos de entrar nele.
            Justificadas as estatísticas e o seu método de elaboração, indicada como deve ser feita a sua leitura, vamos continuar o estudo da família operária.

Mapa dos operários e dos filhos dos operários, atendendo agora ao contrato matrimonial.

     Continuamos a desdobrar as estatísticas complexas referentes à família dos operários.


Vamos considerar agora os mesmos operários com filhos, tendo em conta o número de filhos de cada casal. Estes mapas oferecer-nos-ão um aspecto dos encargos da família; referem-se eles unicamente aos operários casados pela igreja e pelo civil, somente pelo civil. aos amancebados, e aos viúvos, São tão poucos os outros que não vale a pena perdermos tempo a fazer-lhes referência especial.

Mapas que indicam o Número de Operários conforme os Filhos

Dos filhos de operários indicados neste mapa, com idade superior a doze anos, alguns figurarão também na estatística dos operários de lanifícios, por também trabalharem na indústria.

*
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            Não podemos terminar este capítulo sem fazer referência especial à educação dada na família.
            Várias circunstâncias influem para que ela seja melhor ou pior como, por exemplo, a autoridade do pai no seio da família; o facto da mãe trabalhar em fábrica ou não; a influência do alcoolismo; o local onde vive a família, isto é, o campo ou a cidade; o salário e a educação dos pais; o maior ou menor espírito religiosos; o conceito geral da moralidade nesse meio; o exemplo patronal; a casa de habitação, etc.
            A vida da fábrica como já frisámos neste trabalho, contribui imenso para a desagregação do espírito patriarcal. Por isso, o nível de educação dos filhos dos operários é inferior ao nível de educação dos agricultores, não atendendo aqui, é claro, àqueles pequenos centros pouco industrializados que guardam ainda a educação antiga dos povos muito velhos, como o português.
            Na maneira de cumprimentar, no respeito pela a hierarquia, na honradez pessoal pode verificar-s, independentemente do espírito da época actual, a influência do urbanismo, a desvalorização daqueles conceitos morais que já referimos, produzida pela vida da fábrica. O salário dos filhos que os emancipa economicamente, desde muito novos, do pátrio poder; a liberdade excessiva que lhe dão os pais; a excessiva confiança travada nas fábricas entre rapazes e raparigas; a possibilidade que estas têm de fazer uma vida muito longe do lar; a facilidade de explicar certas saídas; o pouco cuidado que os pais têm na moralidade delas são outros tantos factores de deseducação familiar.
            Quanto aos rapazes há a crescentar, ainda, um desprezo absoluto por tudo aquilo que seja higiene moral; há terras onde é frequente ouvi-los fazer gala das suas doenças venérias e julgarem-se homens por serem portadores delas. Nos maiores centros começa a descuidar-se a honra das mulheres casadas: o adultério tende a alastrar, por vezes com o consentimento dos maridos. No decorrer deste inquérito verificou-se também a existência de alguns casos de incesto.
            A deficiência e a pequenez das moradias elevam os efeitos da promiscuidade. O patronato contribui, mais talvez do que aquilo que se pensa, para a desmoralização do ambiente, abusando da situação previligiada em que se encontra. O mesmo sucede, em grau ainda mais elevado, com todos aqueles inferiores ao patrão que possuem alguma parecela de mando.
            Os factos apontados, que aumentam de dia para dia, podem atingir 30 % da população, o que é muito se atendermos que há vinte e cinco anos a esta parte era muito maior o respeito pela autoridade, pela moralidade e pela honra.
            Ora este estado moral reflectir-se-à necessariamente na educação dos filhos e fará o ambiente da geração que se cria para a vida. Mas os lanifícios são, afinal, uma parcela mínima da actividade nacional; a sua mão de obra aglomera uma população muito pequena na colmeia do trabalho. É dócio como nenhuma outra e reeducada no amor da grei, amparada nas suas dificuldades, auxiliada na educação da prole, constituirá, de novo, um fulcro de virtudes portuguesas. Para isso várias medidas haveria que pôr em prática; entre elas sobressai a organização da mocidade portuguesa, obrigatória para todos os filhos dos operários e para todos aqueles operários com menos de 18 anos. Mas uma Mocidade Portuguesa como devia ser.
            A organização industrial podia colaborar com o oferecimento gratuito de fardas, em cuja fabricação seriam utilizados os teares manuais parados; não se pensa que isto seria um grande favor prestado pelo patronato; ele próprio beneficiaria grandemente da medida proposta.
            Os filhos dos operários dos 7 aos 19 anos são, sem distinção de sexo, cerca de 6.000. Formadas as duas secções masculina e feminina, teríamos modificada, dentro de dez anos não só a mutualidade, mas o conceito de vida, higiene e educação do operariado da indústria. Ao abordarmos o problema da cultura intelectual volveremos a este assunto.


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