Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
Vicente Marcos é o primeiro Vedor dos Panos da Covilhã. Vemos abaixo informações do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e uma cópia do documento de nomeação.
O documento de nomeação:
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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
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O VEDOR DOS PANOS
O Vedor foi a mais antiga das
entidades que superintenderam no fabrico dos panos, mas a sua origem não
remonta além do século XVI, ou quando muito, ao último quartel do século XV.
Encontram-se-lhe referências em documentos públicos e municipais. Cabia-lhe a
polícia da técnica do trabalho. O vedor oferece, assim, logo no princípio do
séc. XVI, uma ideia de unidade a ofícios díspares mas com fim comum, e actua
como elo entre eles, de modo a contribuir para a sua integração numa corporação
de carácter mais vasto do que o simples oficio.
No ciclo dos mesteres, a
polícia cabia aos juízes de cada um, sob a tutela da Câmara e o adjutórío dos
almotacés. Os mesteres eram independentes, e a sua célula era o artesão, com a
tenda, realizando totalmente uma necessidade do mercado e concorrendo a ele.
Mas o princípio da divisão do
trabalho actuou tão profundamente que actividades outrora reunidas se foram
especializando, e a produção começou a realizar-se por escalões. No mester dos
panos a cardação, a fiação, a tecelagem, o apisoamento, a tosagem e a
tinturaria também se fraccionaram em profissões ou mesteres diferencíados;
estes deixaram de trabalhar directamente para o mercado do consumo e começaram
a trabalhar para um mercado circunscrito de intermediários ou mercadores, e por
isso alienaram a favor do vedor, entidade fiscal a prol do comum, a jurisdição
e a polícia do ofício, exclusiva de cada um deles.
Neste rumo a posição do vedor
evolui paralelamente à estrutura económica dos panos.
A organização corporativa
desenvolvia-se em Lisboa, no princípio do séc. XVI, com ritmo acelerado,
devido à afluência de provincianos e estrangeiros à capital, tocados do
espirito da aventura, proporcionado pelos Descobrimentos. A cidade estava
pletóríca, e nada mais adequado ao desenvolvimento do corporativismo municipalista
do que a saturação do mercado da mão de obra. Batia então a hora do apertar das
malhas desse sistema, de seus regulamentos entrarem a pôr travões e de suas
normas defensivas, arquitectadas no arame farpado do privilégio, barrarem a
entrada dos aprendizes e oficiais que aspiravam forçar a porta dos mestrados.
Os vedores dos panos actuaram, inicialmente, em Lisboa, como agentes do munícípio:
não pertenciam a qualquer mester, porque fiscalizavam a acção de vários. A sua
função era vitalícía (1).
O povo, porém, julgou o município fraco
defensor dos privilégios dos ofícios, porque certamente o preocupava de mais o
interesse comum, e não tardou em pedir ao Rei que de ora avante os vedores dos
panos fossem de eleição anual, e a escolha feita na corporação ou hospital,
dentre os tosadores.
A coroa não cedeu totalmente:
era cedo para emancipar os oficios do círculo da autoridade municipal que
representava o interesse comum do consumidor e ainda tutelava o interesse
corporativo dos mesteres. E a solução intermediária foi preferida; reconhecendo-se
que a função devia ser desempenhada por pessoa idónea, aceitou-se confiá-la ao
mester dos tosadores. Dentre eles seriam escolhidos 4, em hospital e destes a
câmara escolheria dois. Recebiam o salário por emolumentos, à razão de 2 reais
pela peça de pano grande e um real pela peça do pano de varas (2).
O vedor era assim uma
entidade corporativa e comunal ao mesmo tempo; embora eleito por um ofício, a
sua jurisdição, circunscrita ao território municipal, excedia a órbita dele e
alargava-se aos mercadores, algibebes, tecelões e outros, num sentido
nitidamente a prol do comum (3).
Porém, como alguns destes
mesteres trabalhavam tecidos doutras fibras, v. g. a seda e o algodão, os
regimentos municipais de Lisboa, particulares deles, mantêm a judicatura
própria e com ela a fiscalização respectiva (4).
Os vedores dos panos passaram
a ser, portanto, em Lisboa, os juízes dos tosadores, mas nem sempre as suas
intervenções, em pleitos alheios ao mester, como por exemplo entre mercadores
e tosadores constituiam sentenças: agiam então como técnicos. Ao almotacé,
entidade exclusivamente comunal que fiscalizava como os mesteirais usavam de
seus mesteres, nos termos de Ordenação (5)
ficava competindo a judicatura.
Os Vedores dos Panos e os
Almotacés intervêm, pois, nos conflítos, em posições distintas. Mas não resta
dúvida: os vedores dos panos eram entidades ao mesmo tempo corporativas e
comunais, na organização corporativa de Lisboa.
Não era assim no resto do
país.
Na Covilhã, cujos panos
mereciam ao regimento dos tosadores de Lisboa uma regulamentação especial (6), o vedor dos panos aparecia como oficial
público de nomeação régia; a posse era conferida pelo corregedor da Comarca e
na sua falta pelos juízes e oficiais da Vila, que também propunham ao Rei a
mercê do ofício. A nomeação não era definitiva, pois o Monarca podia fazê-la
cessar quando quisesse (7).
Em Castelo de Vide a nomeação
também competia ao Rei; os processos de demissão seguiam trâmites idênticos aos
dos oficiais públicos, v. g. tabelíães, escrivães e outros (8).
Em Fronteira, o Rei
limitava-se a confirmar a nomeação da Câmara, onde o Vedor saía eleito a mais
vozes (9).
Em Arronches, acontecia como
em Fronteira, mas à vedoria só podiam concorrer os examinados, (10) enquanto que, em Manteigas, a função
nitidamente pública, dependia sempre da mercê régia, conferindo a posse o
Contador da Comarca (11). Igual era o uso
de Montalvão (12).
Além da tendência nítida,
aliás já de origens remotas, da gradual substituição da legislação local pela
geral, esta variedade de situações podia derivar:
a) de não existir ainda na
Covilhã e nas outras Vilas e lugares de usos semelhantes, organização
corporativa e significar a situação de Lisboa o produto do seu agremialismo
municipal;
b) da existência dum
regimento dos panos só para a Covilhã ou para os centros principais,
consagrados a essa indústria;
c) do reconhecimento dum
interesse nacional, na política económica dos panos, com intenção de protegê-los
e o consequente reconhecimento do pouco interesse dos de Lisboa, disseminados
na orgânica geral dos mesteres municipais. A admitir-se, esta circunstância é
tanto mais notável quanto pode representar, no princípio do séc. XVI, o
desenvolvimento de um tipo de corporação de interesses super-municipais,
super-regionais, e de características nacionais. É de acentuar a pouca
inportância dos panos de Lisboa; na sua organização corporativa não figuravam
regimentos de pisoeiros, de cardadores e fiandeiros. Exceptuados os písoeíros,
estes mesteres viviam em regime de liberdade: não transitaram do ciclo caseiro
para o artesanato, o que pode justificar a carência de regimento.
d) de começar o vedor dos
panos por ter sido um desdobramento de qualquer das funções fiscais das sisas,
v. g., escrivão, feitor, recebedor, ou juiz, cujas funções de fiscalização,
através dos varejos e da selagem, eram semelhantes àquela. Podia a origem comum
explicar a interferência régia.
Mas a
divergência também pode derivar da própria estrutura económica da fábrica dos
panos, em Portugal.
O
desenvolvimento do fabrico coincide exactamente com a época de declínio da
política económica dos municípios e com os princípios duma estruturação
nacional da economia.
Pela
deficiência da produção nacional, os panos nunca tiveram entre nós um mercado
exclusivamente municipal, e daí a consequência das suas normas regulamentares
derivarem quase sempre do poder central. Além disso, as corporações não
atingiram em Portugal, mercê da nossa tradição política, aquele excessivo
desenvolvimento, assumido nos países do norte, quando os seus fins próprios
sobrelevaram o bem comum.
Estudemos,
porém, a situação dos Vedores dos panos no concelho da Covilhã, pela situação
especial desta Vila como metrópole dos lanifícios. Aí, embora os mesteres só
começassem a ter assento no grémio municipal em 1535, por carta do Infante D.
Luís, Senhor da Vila, (13) de há muito os
mesteirais deviam andar organizados. Há notícia dessa organização desde o
reinado de D. João I (14).
O
primeiro vedor dos panos da Covilhã é um Vicente Marcos, (15) escudeiro do Barão d'Alvito. O Barão
ligara-se à família do alcaide-mór da Covilhã D. Rodrigo de Castro, pelo
casamento de D. Antónia Coutinho com D. João Lobo (16).
Vicente
Marcos foi nomeado, como já acentuámos, a requerimento dos juízes e oficiais
da Vila: apresentaram-no ao Rei como homem capaz de desempenhar o ofício.
A carta
de nomeação de Vicente Marcos é dada em Lisboa, a 11 de Outubro de 1515.
Acumulava estas funções com as de tabelião de notas, desde 5 de Outubro de
1515, após a renúncia de Gonçalo Pais (17).
Manteve-se Vicente Marcos como vedor, durante 15 anos, até que em 26 de Abril
de 1530, renuncia ao ofício. El-Rei nomeia para a sua vaga, um Diogo Pinheiro,
também morador na Covilhã, por carta de 9 de Junho do mesmo ano (18).
D. João
III desagrega da vedoria dos panos da Covilhã a aldeia do Fundão, após a
renúncia de Vicente Marcos e confere o lugar, criado de novo, a Álvaro
Gonçalves, morador no mesmo lugar, que já o exercia por mandado de Álvaro
Pacheco, feitor-mór das Alfândegas e Portos do Reino (19). Atribui-lhe os proes e percalços ordenados a semelhantes
lugares e manda conferir a posse pelo Juiz das sisas. O nomeado pagou na
Chancelaria, a percentagem de 400 réis, arbitrada a lugares daquele valor. Além
de vedor, chamaram também a Álvaro Gonçalves farpador dos panos. A nomeação
correu pela vedoria da fazenda, o que pode justificar a hipótese desta função
derivar dos vedores das sisas.
Neste
reinado deparamos com vedores dos panos em Alegrete, Alpalhão, Alter do Chão,
Arronches, Avis, Cabeço de Vide, Campo Maior, Castelo Branco, Castelo de Vide,
Seia, Crato, Estremoz, Folgosinho, Fronteira, Gouveia, Guarda, Linhares,
Marvão, Melo, Montalvão, Portalegre, Sousel, Veiros, S. Romão e Vila de Seda (20)
(Continua)
NOTAS DO CAPÍTULO III
(1ª Parte)
(1ª Parte)
1 – DOC. Nº 1 – Arq. N. da T. do Tombo – Liv. 2 da Extremadura – fls. 129 e 129 v.
2 – ID., ibid.
3 – DOC. Nº 3 – Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 116 v.
4 – FRANZ-PAUL LANGHANS – ob. cit. vol. 2, Regimento dos Tecelões (1559).
5 - LIVRO DOS REGIMENTOS ETC. - Virgílio Correia, ob. cit. fls. 174.
6 – ID., ibid.
7 - DOC. Nº 2 – Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 127 v.
8 - DOC. Nº 3.
9 - DOC. Nº 4 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 25 fls. 29.
10 – DOC. Nº 5 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 37 fls. 63 v.
11 – DOC. Nº 6 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 39 fls. 40.
12 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 25 fls. 156 v.
13 – Arq. Municipal da Covilhã – Doc. a publicar.
14 – Arq. Municipal da Covilhã – Cópia do sec. XVII do Testamento de Vicente Domingues Crespo, a publicar.
15 – Doc. Nº 2.
16 – Arq. N. da T. do Tombo – Místicos – Liv. 5 fls. 85.
17 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 124 v.
18 – ID. Chanc. de D. João 3º, - Livº 39, fls. 15 vº.
19 - ID. Chanc. de D. João 3º, - Livº 39, fls. 79 vº.
20 – Arq. N. da T. do Tombo – Indice da Chancª. de D. João 3º, Vol. 3º - Comuns – Vid. Vedores.
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