quarta-feira, 2 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXII



  Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
Vicente Marcos é o primeiro Vedor dos Panos da Covilhã. Vemos abaixo informações do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e uma cópia do documento de nomeação.



O documento de nomeação:


******

LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV

******

III

O VEDOR DOS PANOS

     O Vedor foi a mais antiga das entidades que superintenderam no fabrico dos panos, mas a sua origem não remonta além do século XVI, ou quando muito, ao último quartel do século XV. Encontram­-se-lhe referências em documentos públicos e municipais. Cabia-lhe a polícia da técnica do trabalho. O vedor oferece, assim, logo no princípio do séc. XVI, uma ideia de unidade a ofícios díspares mas com fim comum, e actua como elo entre eles, de modo a contribuir para a sua integração numa corporação de carácter mais vasto do que o simples oficio.
     No ciclo dos mesteres, a polícia cabia aos juízes de cada um, sob a tutela da Câmara e o adjutórío dos almotacés. Os mesteres eram independentes, e a sua célula era o artesão, com a tenda, realizando totalmente uma necessidade do mercado e concorrendo a ele.
Mas o princípio da divisão do trabalho actuou tão profunda­mente que actividades outrora reunidas se foram especializando, e a produção começou a realizar-se por escalões. No mester dos panos a cardação, a fiação, a tecelagem, o apisoamento, a tosagem e a tinturaria também se fraccionaram em profissões ou mesteres dife­rencíados; estes deixaram de trabalhar directamente para o mercado do consumo e começaram a trabalhar para um mercado circunscrito de intermediários ou mercadores, e por isso alienaram a favor do vedor, entidade fiscal a prol do comum, a jurisdição e a polícia do ofício, exclusiva de cada um deles.
     Neste rumo a posição do vedor evolui paralelamente à estrutura económica dos panos.
   A organização corporativa desenvolvia-se em Lisboa, no princí­pio do séc. XVI, com ritmo acelerado, devido à afluência de provin­cianos e estrangeiros à capital, tocados do espirito da aventura, proporcionado pelos Descobrimentos. A cidade estava pletóríca, e nada mais adequado ao desenvolvimento do corporativismo munici­palista do que a saturação do mercado da mão de obra. Batia então a hora do apertar das malhas desse sistema, de seus regulamentos entrarem a pôr travões e de suas normas defensivas, arquitectadas no arame farpado do privilégio, barrarem a entrada dos aprendizes e oficiais que aspiravam forçar a porta dos mestrados. Os vedores dos panos actuaram, inicialmente, em Lisboa, como agentes do munící­pio: não pertenciam a qualquer mester, porque fiscalizavam a acção de vários. A sua função era vitalícía (1).
    O povo, porém, julgou o município fraco defensor dos privilégios dos ofícios, porque certamente o preocupava de mais o interesse comum, e não tardou em pedir ao Rei que de ora avante os vedores dos panos fossem de eleição anual, e a escolha feita na corporação ou hospital, dentre os tosadores.
     A coroa não cedeu totalmente: era cedo para emancipar os oficios do círculo da autoridade municipal que representava o inte­resse comum do consumidor e ainda tutelava o interesse corporativo dos mesteres. E a solução intermediária foi preferida; reconhecendo­-se que a função devia ser desempenhada por pessoa idónea, aceitou-se confiá-la ao mester dos tosadores. Dentre eles seriam escolhidos 4, em hospital e destes a câmara escolheria dois. Recebiam o salário por emolumentos, à razão de 2 reais pela peça de pano grande e um real pela peça do pano de varas (2).
     O vedor era assim uma entidade corporativa e comunal ao mesmo tempo; embora eleito por um ofício, a sua jurisdição, cir­cunscrita ao território municipal, excedia a órbita dele e alargava-se aos mercadores, algibebes, tecelões e outros, num sentido nitidamente a prol do comum (3).
    Porém, como alguns destes mesteres trabalhavam tecidos dou­tras fibras, v. g. a seda e o algodão, os regimentos municipais de Lisboa, particulares deles, mantêm a judicatura própria e com ela a fiscalização respectiva (4).
     Os vedores dos panos passaram a ser, portanto, em Lisboa, os juízes dos tosadores, mas nem sempre as suas intervenções, em plei­tos alheios ao mester, como por exemplo entre mercadores e tosa­dores constituiam sentenças: agiam então como técnicos. Ao almo­tacé, entidade exclusivamente comunal que fiscalizava como os mesteirais usavam de seus mesteres, nos termos de Ordenação (5) ficava competindo a judicatura.
     Os Vedores dos Panos e os Almotacés intervêm, pois, nos conflítos, em posições distintas. Mas não resta dúvida: os vedores dos panos eram entidades ao mesmo tempo corporativas e comunais, na organização corporativa de Lisboa.
     Não era assim no resto do país.
  Na Covilhã, cujos panos mereciam ao regimento dos tosadores de Lisboa uma regulamentação especial (6), o vedor dos panos aparecia como oficial público de nomeação régia; a posse era conferida pelo corregedor da Comarca e na sua falta pelos juízes e oficiais da Vila, que também propunham ao Rei a mercê do ofício. A nomeação não era definitiva, pois o Monarca podia fazê-la cessar quando qui­sesse (7).
      Em Castelo de Vide a nomeação também competia ao Rei; os processos de demissão seguiam trâmites idênticos aos dos oficiais públicos, v. g. tabelíães, escrivães e outros (8).
      Em Fronteira, o Rei limitava-se a confirmar a nomeação da Câmara, onde o Vedor saía eleito a mais vozes (9).
   Em Arronches, acontecia como em Fronteira, mas à vedoria só podiam concorrer os examinados, (10) enquanto que, em Manteigas, a função nitidamente pública, dependia sempre da mercê régia, con­ferindo a posse o Contador da Comarca (11). Igual era o uso de Montalvão (12).
     Além da tendência nítida, aliás já de origens remotas, da gra­dual substituição da legislação local pela geral, esta variedade de situações podia derivar:
    a) de não existir ainda na Covilhã e nas outras Vilas e lu­gares de usos semelhantes, organização corporativa e significar a situação de Lisboa o produto do seu agre­mialismo municipal;
   b) da existência dum regimento dos panos só para a Covilhã ou para os centros principais, consagrados a essa in­dústria;
    c) do reconhecimento dum interesse nacional, na política económica dos panos, com intenção de protegê-los e o consequente reconhecimento do pouco interesse dos de Lisboa, disseminados na orgânica geral dos mesteres mu­nicipais. A admitir-se, esta circunstância é tanto mais notável quanto pode representar, no princípio do séc. XVI, o desenvolvimento de um tipo de corporação de interesses super-municipais, super-regionais, e de carac­terísticas nacionais. É de acentuar a pouca inportân­cia dos panos de Lisboa; na sua organização corporativa não figuravam regimentos de pisoeiros, de cardadores e fiandeiros. Exceptuados os písoeíros, estes mesteres vi­viam em regime de liberdade: não transitaram do ciclo caseiro para o artesanato, o que pode justificar a carên­cia de regimento.
    d) de começar o vedor dos panos por ter sido um desdobra­mento de qualquer das funções fiscais das sisas, v. g., escrivão, feitor, recebedor, ou juiz, cujas funções de fiscalização, através dos varejos e da selagem, eram semelhantes àquela. Podia a origem comum explicar a interferência régia.
Mas a divergência também pode derivar da própria estrutura económica da fábrica dos panos, em Portugal.
O desenvolvimento do fabrico coincide exactamente com a época de declínio da política económica dos municípios e com os princípios duma estruturação nacional da economia.
Pela deficiência da produção nacional, os panos nunca tiveram entre nós um mercado exclusivamente municipal, e daí a consequên­cia das suas normas regulamentares derivarem quase sempre do poder central. Além disso, as corporações não atingiram em Por­tugal, mercê da nossa tradição política, aquele excessivo desenvolvi­mento, assumido nos países do norte, quando os seus fins próprios sobrelevaram o bem comum.
Estudemos, porém, a situação dos Vedores dos panos no con­celho da Covilhã, pela situação especial desta Vila como metrópole dos lanifícios. Aí, embora os mesteres só começassem a ter assento no grémio municipal em 1535, por carta do Infante D. Luís, Senhor da Vila, (13) de há muito os mesteirais deviam andar organizados. Há notícia dessa organização desde o reinado de D. João I (14).
O primeiro vedor dos panos da Covilhã é um Vicente Marcos, (15) escudeiro do Barão d'Alvito. O Barão ligara-se à família do alcaide-mór da Covilhã D. Rodrigo de Castro, pelo casamento de D. Antónia Coutinho com D. João Lobo (16).
Vicente Marcos foi nomeado, como já acentuámos, a requeri­mento dos juízes e oficiais da Vila: apresentaram-no ao Rei como homem capaz de desempenhar o ofício.
A carta de nomeação de Vicente Marcos é dada em Lisboa, a 11 de Outubro de 1515. Acumulava estas funções com as de tabelião de notas, desde 5 de Outubro de 1515, após a renúncia de Gonçalo Pais (17). Manteve-se Vicente Marcos como vedor, durante 15 anos, até que em 26 de Abril de 1530, renuncia ao ofício. El-Rei nomeia para a sua vaga, um Diogo Pinheiro, também morador na Covilhã, por carta de 9 de Junho do mesmo ano (18).
D. João III desagrega da vedoria dos panos da Covilhã a aldeia do Fundão, após a renúncia de Vicente Marcos e confere o lugar, criado de novo, a Álvaro Gonçalves, morador no mesmo lugar, que já o exercia por mandado de Álvaro Pacheco, feitor-mór das Alfân­degas e Portos do Reino (19). Atribui-lhe os proes e percalços orde­nados a semelhantes lugares e manda conferir a posse pelo Juiz das sisas. O nomeado pagou na Chancelaria, a percentagem de 400 réis, arbitrada a lugares daquele valor. Além de vedor, chamaram tam­bém a Álvaro Gonçalves farpador dos panos. A nomeação correu pela vedoria da fazenda, o que pode justificar a hipótese desta função derivar dos vedores das sisas.
Neste reinado deparamos com vedores dos panos em Alegrete, Alpalhão, Alter do Chão, Arronches, Avis, Cabeço de Vide, Campo Maior, Castelo Branco, Castelo de Vide, Seia, Crato, Estremoz, Fol­gosinho, Fronteira, Gouveia, Guarda, Linhares, Marvão, Melo, Montalvão, Portalegre, Sousel, Veiros, S. Romão e Vila de Seda (20)
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO III
(1ª Parte)
1 – DOC. Nº 1 – Arq. N. da T. do Tombo – Liv. 2 da Extremadura – fls. 129 e 129 v.
2 – ID., ibid.
3 – DOC. Nº 3 – Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 116 v.
4 – FRANZ-PAUL LANGHANS – ob. cit. vol. 2, Regimento dos Tecelões (1559).
5 - LIVRO DOS REGIMENTOS ETC. - Virgílio Correia, ob. cit. fls. 174.
6 – ID., ibid.
7 - DOC. Nº 2 – Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 127 v. 
8 - DOC. Nº 3. 
9 - DOC. Nº 4 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 25 fls. 29. 
10 – DOC. Nº 5 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 37 fls. 63 v.  
11 – DOC. Nº 6 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 39 fls. 40.  
12 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 25 fls. 156 v. 
13 – Arq. Municipal da Covilhã – Doc. a publicar.
14 – Arq. Municipal da Covilhã – Cópia do sec. XVII do Testamento de Vicente Domingues Crespo, a publicar.
15 – Doc. Nº 2.
16 – Arq. N. da T. do Tombo – Místicos – Liv. 5 fls. 85.  
17 - Arq. N. da T. do Tombo – Chanc. de D. Manoel – Liv. 24 fls. 124 v.  
18 – ID. Chanc. de D. João 3º, - Livº 39, fls. 15 vº.
19 - ID. Chanc. de D. João 3º, - Livº 39, fls. 79 vº.
20 – Arq. N. da T. do Tombo – Indice da Chancª. de D. João 3º, Vol. 3º - Comuns – Vid. Vedores.

As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html

Sem comentários:

Enviar um comentário