Estas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias serviram de prefácio à publicação de 1984 “Cancioneiro da Covilhã”, aquando do
1º Centenário da Escola Industrial Campos Melo da Covilhã. Apresentamos também duas músicas - o Bendito do Campo - “o Bendito da procissão do Senhor dos Enfermos da segunda-feira
de Páscoa” e Duas Canções de Roda (Refúgio). Sobre estas canções de roda disse Luiz Fernando Carvalho Dias: "o Eng. Mello e Castro, nessa altura, como depois outros músicos, buscava na Beira as canções da roda de tirar água: foi pela minha mão que recebeu a única do seu cancioneiro e creio que raríssima".
Na parte final publicamos uns dados biográficos de Mello e Castro, não revistos, da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias.
Na parte final publicamos uns dados biográficos de Mello e Castro, não revistos, da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias.
O Cancioneiro da Covilhã
e o
Eng.º Ernesto de Mello e Castro
Das minhas andanças na Mancha da
bibliografia algo haveria de contar. Hoje cabe a vez ao Cancioneiro Musical da
Covilhã, recolhido e preparado pelo Eng. Ernesto de Mello e Castro, de como
veio à minha posse e porquê. É o que passo a descrever.
Por voltas de 1970 comecei a
organizar um dicionário de autores covilhanenses, com o intuito de acertar as
minhas pesquisas nesse sector, feitas até então, e para prosseguir no registo
de trabalhos de interesse regional, publicados posteriormente às grandes
bibliografias gerais de Inocêncio Francisco da Silva, de Brito Aranha e de
Martinho da Fonseca. Dentro dos limites de tal objectivo ordenei um
questionário, distribui-o e publiquei-o nos jornais locais e quedei à espera do
resultado. Com quanto as respostas me não tivessem decepcionado, notei no
entanto, que muitas pessoas a quem dirigira o questionário e eu sabia autores
de trabalhos literários e técnicos publicados, alguns até com quem não mantinha
relações pessoais, não responderam, ou porque a iniciativa carecia de
actualidade ou porque viram nela mais um gesto de promoção pessoal do que uma
valorização de interesse comum.
Puz a iniciativa de remissa e
aguardei melhor oportunidade.Há meses, revendo esses papéis, topei entre as fichas com algumas referentes a membros da família Campos Mello que o eng. Ernesto, então interessado na iniciativa, se prontificara a redigir e, junto delas – o Cancioneiro da Covilhã.
Recordo que ao confiar-mo, me
dissera:
- Se um dia tiver oportunidade,
publique-o.
Várias vezes o tentei, mas em vão,
se não quando me apareceu o Francisco Geraldes a falar no Centenário da Escola
Industrial e nas festas que se propunham realizar. Pensei que era a
oportunidade de publicar o Cancioneiro do Eng. Mello e Castro, como homenagem
ao seu autor que fora Director da Escola durante muitos anos, e homenagem à
Escola que assim via consagrado quem fora um valioso elemento do seu corpo
docente.
Acrescia
a circunstância de ter sido o Cancioneiro motivo para o seu autor organizar na
Escola, entre alunos, quando Comissário da Mocidade Portuguesa, um Grupo Coral
para a execução e difusão das canções do folclore da Covilhã. A iniciativa
constituiu, na altura, uma expressão cultural de muito interesse e mereceu do
público uma total adesão.
Francisco
Geraldes propôs-se imediatamente a integrar a publicação do Cancioneiro no
programa das festas centenárias e, dado que o original estava em borrão,
mandá-lo copiar convenientemente, trabalho de que se encarregou o filho Marco
Paulo Fernandes Raposo Fazendeiro Geraldes.
As
minhas relações pessoais com o Eng. Ernesto de Mello e Castro, embora sempre
atenciosas – foram cerimoniosas, e só o comum interesse pelas tradições da
Covilhã, justificaram a oferta do Cancioneiro. Trinta anos, no fim da
década de trinta, sugestionados pela publicação do livro de Rodney Gallop, e
sobretudo pelas surpreendentes colheitas de António Joyce, no Paul e em
Monsanto, deambulámos ambos pela Boidobra e pelo Refúgio, acompanhados do seu
pequeno órgão, em busca das canções da Covilhã. Poderia estar aqui a razão da
amável oferta de que fui alvo?
Eu
não sabia música, mas romeiro da mesma peregrinação folclórica já antes
percorrera aqueles caminhos à cata de rimances e quadras populares, por isso
estava em condições de servir de cicerone a quem dominava a música. Nesses
tempos buscava eu, na tradição local, elementos líricos sobre Santa Maria da
Estrela, mas eram turvas as águas onde navegava, todos me repetiam que a
melodia da Senhora da Estrela se confundia com o Coração de Maria do Ferro.
Por isso, o Coração de Maria do Ferro entrou no Cancioneiro do Eng. Mello e
Castro. Mais tarde D. Maria d’Ascenção Carvalho Rodrigues faria dissipar o
engano a que as nossas deduções de então, ingenuamente nos levaram. O Eng.
Mello e Castro, nessa altura, como depois outros músicos, buscava na Beira as
canções da roda de tirar água: foi pela minha mão que recebeu a única do seu
cancioneiro e creio que raríssima.
“Anda,
minha roda, anda...”
Anoto,
por isso, os locais da freguesia da Boidobra e do Refúgio onde foram recolhidas
esta e outras canções e ainda o nome das colaboradoras: quinta Velha ou
Polito Pequeno, com elementos da família Gaiola e Neto (Guilhermina e Maria);
Quinta do Ribeiro Negro, com elementos da família Carrola e Mingote (Maria,
Piedade, Conceição e Teresa), frente à loja do sr. Santarém (Natividade de
Oliveira, Anita Curto, etc.).
Não
colaborei na colheita das canções de Orjais, do Teixoso e de Verdelhos e
desconheço as condições da sua recolha, mas sei terem sido posteriores às da
Boidobra e do Refúgio.
As
recolhas da Covilhã coincidiram cronologicamente com estas últimas e essas
canções provêm de fontes várias. Andavam nos ouvidos de todos nós como o
Bendita e Louvada Seja das novenas da Imaculada Conceição do Antigo Convento de
São Francisco; o Bendito da procissão do Senhor dos Enfermos da
segunda-feira de Páscoa; o São João da Covilhã e o São João do Campo; e as
canções do Natal, versão diferente das estropiadas na versão de Gallop e as
Janeiras.
Além
destas e outras canções, o Cancioneiro da Covilhã de Mello e Castro contém
algumas cantigas das romarias da Beira tal como os romeiros da Covilhã as
entoavam: refiro-me designadamente à Senhora da Póvoa de Vale de Lobo, à Santa
Luzia do Castelejo, à Senhora do Desterro do outro lado da Serra da Estrela.
Reparo
ainda, sem encontrar explicação para a falta, na ausência de outras canções que
eu sabia constarem da recolha do Eng. Ernesto de Castro, como por exemplo o
Senhor Deus Misericórdia das procissões da Semana Santa, canto propiciatório
nas tempestades e naufrágios das naus da India; os Martírios – da quaresma; o
Encomendar das Almas – tudo recolhido nos mesmos locais e na mesma época. Sou
levado a atribuir tal ausência, na minha colectânea, a que esta resumiria
somente as canções exibidas pelo Grupo da Mocidade Portuguesa e não todas as
canções recolhidas primeiramente.
De
qualquer modo considero o Cancioneiro Mello e Castro, não como um cancioneiro
definitivo do folclore covilhanense, mas como uma nobre tentativa, capaz de ser
aprofundada, completada e alargada por novas pesquisas noutras zonas do
concelho da Covilhã.
O
Eng. Ernesto de Mello e Castro, embora esta sua obra tenha tardado muito, deve
considerar-se como um pioneiro na pesquisa, recolha e difusão da música popular
da sua terra.
A
recolha oferece ainda garantia de genuinidade e pureza dum meio de 1940, pouco
poluído pelos meios mecânicos de difusão sonora. O campo aparecia como um oásis
aonde não chegava a perversão dos ritmos doentios que a música exótica trazia
no ventre.
*
* *
O Eng. Ernesto de Castro apesar de
ter vivido na Covilhã a maior parte da vida, finou-se em Lisboa, em Agosto de
1973, com 77 anos incompletos.
Morrer em Lisboa, teatro de glórias
fenecidas e de desvairos deste povo... merecia melhor sina quem nascera na
Covilhã e se empolgara com os motes lígios e ilírios de seus cânticos, merecia
que se lhe postassem em homenagem os pinheiros esguios e simples de Santo
António e do Sineiro... e extintos os derradeiros pontos do Requiem, o
amortalhasse carinhosamente a terra donde veio e o vento, em seguida,
arrancasse das copas das árvores, em ritmos de adufe, a canção que ele
considerava e repetia como hino à vida e à alegria da sua Covilhã.
“Agora é que ela vai
boa
Já me cá vai
agradando...”
***
***
Dados biográficos não revistos da autoria de
Luiz Fernando Carvalho Dias
"O Engº Ernesto de Campos de Melo e Castro,
ou Engº Ernesto de Castro como melhor o conhecíamos, nasceu na freguesia de S.
Martinho da Covilhã em 9 de Outubro de 1896, filho de José Maria de Melo
e Castro e de D. Carolina Eugénia da Silva Campos. Era neto paterno de José
Guilherme de Castro e de D. Guilhermina da Silva de Campos Melo e materno dos
Viscondes da Coriscada Francisco Joaquim da Silva Campos Melo e Carolina
Eugénia da Silva Campos.
Seu bisavô
Fernando de Castro, tabelião de notas na Covilhã, como estimava, ele
engenheiro, de me repetir e até escrever, encontrou-se entre os “bravos do
Mindelo” e justifica a circunstância do pai deste Fernando de Castro – Gaspar
Pereira da Costa, industrial de lanifícios em Pedrouços e mais tarde da
governança da vila da Covilhã, ter fugido dela e morrido no Cerco do Porto.
A sua avó D.
Guilhermina da Silva, uma senhora velhinha, muito simpática e muito culta, ouvi
eu um dia recordar a vinda de Camilo Castelo Branco à Covilhã, quando escrevia
“O Judeu”, de quem ela se considerava descendente pela linha Silva. Não curei
deste facto porque o sangue covilhanense corrente na descendência do
comediógrafo António José da Silva não vem dele, mas sim de sua mulher, Leonor Maria de Carvalho, esta sim natural da Covilhã.
Também o Dr.
Francisco Miguel Henriques da Silva, durante muitos anos Conservador do Registo
Civil na Covilhã, me confessou caber à sua gente a representação do malogrado
António José da Silva. Nunca me dei ao trabalho de pesquisar se o “Silva” de um
e outro lado era o mesmo, mas “Henriques da Silva”, pelo lado Broco
representava uma das mais velhas famílias do gheto covilhanense, como se
conclui do Tombo dos Bens de S. Lázaro de 1500. Os “Melos” e os “Silvas” do
Engº Campos Melo, já aristocratizados, chegaram de outras bandas e já
tardiamente. Da mesma avó D. Guilhermina vinha, ao Engº Ernesto de Castro o
sangue Campos Melo que ele, com razão, considerava o cerne da sua estirpe, que
não da sua personalidade. O Povo, no seu linguarejar arcaico, chamava-lhes os
“Melas”, epíteto castelhanizado a evocar uma origem e uma raça. O século XIX
covilhanense foi deles e só deles. Eles foram os arautos da inovação e
do progresso no comércio e na indústria, como na época anterior o foram os
Pereira da Silva, os Henriques de Castro, os Mendes Veiga e os Pessoas de
Amorim. Mas enquanto estes deixaram casas pintadas, os Campos Melo, para além das naturais fraquezas humanas dos palácios armoriados de latão e das ameias de porcelana, dos quadros de comendadores, das faixas e das veneras amarelas, deixaram uma herança cultural, comercial e industrial; deles permaneceram as novas técnicas comerciais e industriais
largamente difundidas, as novas máquinas importadas directamente da Europa e,
acima de tudo, a Escola Industrial, esse alfobre da indústria covilhanense do
século XX. A esta escola, fundação da
sua família, consagrou o Engº Ernesto de Melo e Castro depois dos anos trinta,
a sua actividade profissional de engenheiro químico-industrial.
Escola Secundária Campos Melo |
A indústria e
o comércio criam riqueza e bem estar, facilitam a difusão da cultura, a própria
actividade revestia aspectos de ética profissional a que a firma Campos Melo
conscientemente se vinculara e religiosamente cumpria. Também um escrupuloso
respeito pela ética profissional, tanto no comércio como na indústria,
constituíram um verdadeiro timbre de nobreza desta gente e uma lição permanente
para a Covilhã. Ora nem durante o liberalismo da monarquia, nem na república,
apesar de em horas atribuladas compartilharem as mesmas dores, nunca os
agrários do sul do distrito os convidaram a desfrutar a lauta boda ou depois a
jogar os dados da tavolagem política. Por isso a Covilhã dessa época correu
sempre marginalizada pela política, resolvendo por si as suas crises, perante a
indiferença geral, gozando os seus triunfos de progresso e de abastança por
entre a inveja e o ódio dos que nada faziam.
A actividade política dos Campos Melo além
de eleições locais, do jornal “A Sentinela da Liberdade”, da Campanha do “Papa
Rei e o Concílio” (que apesar de no Index, colheria hoje os votos do Concílio
Vaticano II), e da recepção e jantares a Ministros visitantes, a pouco ou nada
mais se resumia".
***
As Publicações do Blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/05/covilha-o-2-aniversario-do-nosso-blogue.html
As Procissões no século XVII na Covilhã:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/10/covilha-misericordia-uma-instituicao-de_31.html
Os Jornais neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-jornais-dos-seculos-xix-e-xx-ii.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-jornais-dos-seculos-xix-e-xx-i.html
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
As Procissões no século XVII na Covilhã:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/10/covilha-misericordia-uma-instituicao-de_31.html
Os Jornais neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-jornais-dos-seculos-xix-e-xx-ii.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-jornais-dos-seculos-xix-e-xx-i.html
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
Sem comentários:
Enviar um comentário