domingo, 6 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXIII

Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

******

LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV

******
III

O VEDOR DOS PANOS
(Continuação)

Mas voltemos à Covilhã.
Diogo Pinheiro perdeu o lugar, por tê-lo vendido, em 1532, a um Manuel Dias; alcançou-o por isso Martim Fernandes, em 17 de Ou­tubro, mas pouco tempo logrou o benefício, porque faleceu (21).
A Câmara adianta-se a qualquer nomeação régia e, em 20 de Setembro de 1533, promove a Estêvão Rico, seu vizinho, que vem requerer ao Rei a confirmação. A Chancelaria não discute o acto consumado, aceita-o, e a confirmação surge em 1533, a 12 de No­vembro (22).
Curiosa coincidência: Estêvão Rico era o feitor e selador dos panos da Covilhã desde 1528 (23). Acumula os ofícios até 1555; perde-os então de direito, por estar incurso na morte do clérigo Miguel Pires, mas consegue ainda transmiti-los a seu fílho Cristóvão Tavares, moço da Câmara da Infanta D. Maria, porque EI-Rei lhos prometera anteriormente (24).
A Câmara não volta a intervir, e os oficiais de Vedor e de Ofícial das sisas, continuam anexos, para passarem em 1568 a Manuel de Vilhegas, que faleceu em 1573 (25). Manuel de Vilhegas foi assim o último Vedor de nomeação régia, na Covilhã.
Neste ano como entrasse em vigor o Regimento dos panos, os Vedores do Rei foram substituídos por Vedores de eleição. Daí o não tornarmos a encontrar, na Chancelaria, as cartas deste ofício, para a Covilhã, e Xisto Delgado, sucessor de Vilhegas, aparecer investido somente na função de selador e recebedor das sisas dos panos (26).
As duas funções de vedor dos panos e de recebedor das sisas acabaram, pois, por separar-se. Por sua vez a eleição do vedor, con­forme o Regimento de 1573, começa a ser feita à margem dos quadros corporativos tradicionais: já não são os mesteres organizados, mas os trapeiros, os mercadores,  e outros oficiais dos panos, individualmente, que vão escolher o seu orientador e fiscal (27).
A eleição realiza-se na Câmara, perante os vereadores e o pro­curador do Concelho, mas fiscalizam-na o Juiz de Fora e o Corregedor da Comarca, representantes dum interesse geral, e como delegados do Rei.
A presença do Corregedor e o carácter geral do Regimento ates­tam que estava ultrapassado o ciclo municipal.
Com o Regimento define-se finalmente a função do Vedor: limita-se a três anos o período da sua actividade; exige-se-lhe a prestaçao duma fiança; os padrões das fazendas e das tintas, os selos da Vila, os ferros e o livro dos sinais e marcas dos ofícios são-lhe entregues no momento da posse; entre as suas obrigações figuram a visita às casas dos trapeiros e dos oficiais, a fiscalização dos ins­trumentos de fabrico, a ferragem e a selagem dos panos após a tece­lagem e ultimação, e em colaboração com o juiz da terra, a deter­minação anual da percentagem de panos finos que, sobre o total dos panos mais grosseiros, cada trapeiro é obrigado a fabricar. Em Cas­telo de Vide, no princípio do século, a visita aos tecelões e pisoeiros era obrigatória de oito em oito dias.
Ao contrário dos antigos juízes dos ofícios e dos seladores das sisas dos panos, compartilha do valor das multas das transgressões, com o acusador ou com a obra dos cativos, enquanto que as multas aplicadas por aqueles só revertiam para as obras da cidade, para o cofre do ofício ou para a fazenda real; recebe emolumentos de dois réis por ferrar cada pano em enxerga, igual verba pelo corte, e quatro réís pela selagem quando puser o chumbo; não se lhe proíbe o fabrico dos panos, dentro do regime de liberdade económica, quase geral, previsto pelo regimento, mas, nesta hipótese, a fiscalização dos seus panos competirá ao juíz do lugar.
Apesar de compartilhar das multas, pouca eficiência devia resul­tar da fiscalização do vedor, porque a tendência já definida no sen­tido da liberdade do fabrico, era endémica nesta indústria, fruto do mercado deficitário para que trabalhava e da estrutura económica em que esse fabrico se desenvolvia. Devia normalmente ceder aos interesses do meio que era o seu, e ainda à realidade que fazia tran­sitar a fiscalização para o mercador, como entidade que contactava com o mercado. Não admira, pois, que também estas disposições do Regimento de 1573 caíssem no esquecimento, como se deduz do al­vará que há-de ressuscitá-lo em 1690, e o deixam claramente ver os resultados da devassa aos trapeiros, efectuada pelo corregedor da Comarca da Guarda, em 1673 (28).
O vedor António Simões tolerava as transgressões, pois só assim se compreende como as vistorias dum corregedor legalista enrique­cessem o fisco de peças e peças de fazenda.
Ficou célebre essa devassa de 1673. Além de sequestros e multas, acirrou tanto os ódios entre os fabricantes cristãos novos, que aca­baram por ir vingá-los, através de delações sobre matéria herética, no Tribunal da Inquisição (29).
Mas, nem no regime do Regimento de 1573, a eleição constituiu uma regra uniforme. A coroa, sempre que as circunstâncias o acon­selhavam, recorria a nomeação directa, como acontecia no Fun­dão (30): mais uma vez as normas económicas do sistema tradicio­nal longe de se hierarquizarem em fórmulas rígidas e absolutistas, cediam perante as realidades.
O Regimento de 1690 reafirmou o sistema da eleição dos Vedores pelos trapeiros, mercadores e oficiais. Mas foi sol de pouca dura porque logo a resolução régia de 11 de Abril de 1693, citada na carta de 18 de Agosto de 1696 que nomeia Francisco Homem de Brito, filho doutro do mesmo nome, (31) Vedor dos panos do Fundão, transfere a  dada do ofício obrigatoriamente para o Rei, revogando o capítulo do Regimento.
E compreende-se: o interesse nacional dos panos supera já o interesse de mercadores, trapeiros e oficiais. E no Regimento de 1690 alargaram-se tanto os poderes do Vedor que veio a transformar-se de fiscal em juíz. Por isso o cabo desta evolução é de assinalar, porque marca a hora da emancipação dos panos da tutela do munícípío, e prepara pelo menos idealmente a futura corporação que possui, desde há um século, um regimento nacional. A futura corporação tardará ainda algumas décadas, mas quando vier não empolgará os interessados como bandeira de defesa, ao modo dos alvores do cor­porativismo municipalista e cristão. Será duramente imposta, como grilhão aos pés do condenado, por um déspota esclarecido, em nome do fim superior do Estado. Este começará por narcizar-se, afastando­-se do bem estar dos cidadãos. Quando raiar a falsa liberdade, os grilhões quebrar-se-ão, é certo, mas os dois termos do binómio não voltarão a encontrar-se, no mesmo meridiano.
Por outro lado, só transformando o Vedor em Juiz se com­preendia que ficassem adstritos ao cumprimento de seus mandados e despachos os alcaides, meirinhos e juízes das vintenas e passasse a julgar, suspender, prender e condenar qual outro juíz, reconhecendo como a seu direito superior não já o Juiz de Fora como tal, nem a Câmara, mas uma nova entidade fabril, o Juíz Conservador, subor­dinado, por sua vez, ao juízo dos feitos da Fazenda (32).

NOTAS DO CAPÍTULO III
(2ª e última Parte)

21 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 19, fls.254 vº

22 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 7, fls. 221

23 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 30,fls. 206 vº

24 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 61, fls. 105 vº e Livº54, fls.26 e 26vº.

25 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº 24, fls. 150 vº e 151 e 151 vº

26 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº - Livº32, fls. 208 vº e 209 - Xisto Delgado era escudeiro da Casa d'El Rei.

27 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573, cap.º 83.

28 - ANTT - Procº da Inquisição Lxª nº 902.

29 - ID. ibid.

30 - ID. Chanc. de D. Pedro 2º - Liv. 52, fls. 37.

31 - ID., ibid.

32 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573 E 1690 - cap.º 99.


As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html

Sem comentários:

Enviar um comentário