Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
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O VEDOR DOS PANOS
(Continuação)
Mas voltemos à Covilhã.
Diogo
Pinheiro perdeu o lugar, por tê-lo vendido, em 1532, a um Manuel Dias; alcançou-o
por isso Martim Fernandes, em 17 de Outubro, mas pouco tempo logrou o
benefício, porque faleceu (21).
A Câmara
adianta-se a qualquer nomeação régia e, em 20 de Setembro de 1533, promove a
Estêvão Rico, seu vizinho, que vem requerer ao Rei a confirmação. A Chancelaria
não discute o acto consumado, aceita-o, e a confirmação surge em 1533, a 12 de Novembro (22).
Curiosa
coincidência: Estêvão Rico era o feitor e selador dos panos da Covilhã desde
1528 (23). Acumula os ofícios até 1555;
perde-os então de direito, por estar incurso na morte do clérigo Miguel Pires,
mas consegue ainda transmiti-los a seu fílho Cristóvão Tavares, moço da Câmara
da Infanta D. Maria, porque EI-Rei lhos prometera anteriormente (24).
A Câmara
não volta a intervir, e os oficiais de Vedor e de Ofícial das sisas, continuam
anexos, para passarem em 1568 a
Manuel de Vilhegas, que faleceu em 1573 (25).
Manuel de Vilhegas foi assim o último Vedor de nomeação régia, na Covilhã.
Neste ano
como entrasse em vigor o Regimento dos panos, os Vedores do Rei foram
substituídos por Vedores de eleição. Daí o não tornarmos a encontrar, na
Chancelaria, as cartas deste ofício, para a Covilhã, e Xisto Delgado, sucessor
de Vilhegas, aparecer investido somente na função de selador e recebedor das
sisas dos panos (26).
As duas
funções de vedor dos panos e de recebedor das sisas acabaram, pois, por
separar-se. Por sua vez a eleição do vedor, conforme o Regimento de 1573,
começa a ser feita à margem dos quadros corporativos tradicionais: já não são
os mesteres organizados, mas os trapeiros, os mercadores, e outros oficiais dos panos, individualmente,
que vão escolher o seu orientador e fiscal (27).
A eleição
realiza-se na Câmara, perante os vereadores e o procurador do Concelho, mas
fiscalizam-na o Juiz de Fora e o Corregedor da Comarca, representantes dum interesse
geral, e como delegados do Rei.
A
presença do Corregedor e o carácter geral do Regimento atestam que estava
ultrapassado o ciclo municipal.
Com o
Regimento define-se finalmente a função do Vedor: limita-se a três anos o
período da sua actividade; exige-se-lhe a prestaçao duma fiança; os padrões das
fazendas e das tintas, os selos da Vila, os ferros e o livro dos sinais e
marcas dos ofícios são-lhe entregues no momento da posse; entre as suas
obrigações figuram a visita às casas dos trapeiros e dos oficiais, a
fiscalização dos instrumentos de fabrico, a ferragem e a selagem dos panos
após a tecelagem e ultimação, e em colaboração com o juiz da terra, a determinação
anual da percentagem de panos finos que, sobre o total dos panos mais grosseiros,
cada trapeiro é obrigado a fabricar. Em Castelo de Vide, no princípio do
século, a visita aos tecelões e pisoeiros era obrigatória de oito em oito dias.
Ao
contrário dos antigos juízes dos ofícios e dos seladores das sisas dos panos,
compartilha do valor das multas das transgressões, com o acusador ou com a obra
dos cativos, enquanto que as multas aplicadas por aqueles só revertiam para as
obras da cidade, para o cofre do ofício ou para a fazenda real; recebe
emolumentos de dois réis por ferrar cada pano em enxerga, igual verba pelo
corte, e quatro réís pela selagem quando puser o chumbo; não se lhe proíbe o
fabrico dos panos, dentro do regime de liberdade económica, quase geral,
previsto pelo regimento, mas, nesta hipótese, a fiscalização dos seus panos
competirá ao juíz do lugar.
Apesar de
compartilhar das multas, pouca eficiência devia resultar da fiscalização do
vedor, porque a tendência já definida no sentido da liberdade do fabrico, era
endémica nesta indústria, fruto do mercado deficitário para que trabalhava e da
estrutura económica em que esse fabrico se desenvolvia. Devia normalmente ceder
aos interesses do meio que era o seu, e ainda à realidade que fazia transitar
a fiscalização para o mercador, como entidade que contactava com o mercado. Não
admira, pois, que também estas disposições do Regimento de 1573 caíssem no
esquecimento, como se deduz do alvará que há-de ressuscitá-lo em 1690, e o
deixam claramente ver os resultados da devassa aos trapeiros, efectuada pelo
corregedor da Comarca da Guarda, em 1673 (28).
O vedor
António Simões tolerava as transgressões, pois só assim se compreende como as
vistorias dum corregedor legalista enriquecessem o fisco de peças e peças de
fazenda.
Ficou
célebre essa devassa de 1673. Além de sequestros e multas, acirrou tanto os
ódios entre os fabricantes cristãos novos, que acabaram por ir vingá-los,
através de delações sobre matéria herética, no Tribunal da Inquisição (29).
Mas, nem
no regime do Regimento de 1573, a
eleição constituiu uma regra uniforme. A coroa, sempre que as circunstâncias o
aconselhavam, recorria a nomeação directa, como acontecia no Fundão (30): mais uma vez as normas económicas do
sistema tradicional longe de se hierarquizarem em fórmulas rígidas e
absolutistas, cediam perante as realidades.
O
Regimento de 1690 reafirmou o sistema da eleição dos Vedores pelos trapeiros,
mercadores e oficiais. Mas foi sol de pouca dura porque logo a resolução régia
de 11 de Abril de 1693, citada na carta de 18 de Agosto de 1696 que nomeia
Francisco Homem de Brito, filho doutro do mesmo nome, (31) Vedor dos panos do Fundão, transfere a dada do ofício obrigatoriamente para o Rei,
revogando o capítulo do Regimento.
E
compreende-se: o interesse nacional dos panos supera já o interesse de
mercadores, trapeiros e oficiais. E no Regimento de 1690 alargaram-se tanto os
poderes do Vedor que veio a transformar-se de fiscal em juíz. Por isso o cabo
desta evolução é de assinalar, porque marca a hora da emancipação dos panos da
tutela do munícípío, e prepara pelo menos idealmente a futura corporação que
possui, desde há um século, um regimento nacional. A futura corporação tardará
ainda algumas décadas, mas quando vier não empolgará os interessados como
bandeira de defesa, ao modo dos alvores do corporativismo municipalista e
cristão. Será duramente imposta, como grilhão aos pés do condenado, por um
déspota esclarecido, em nome do fim superior do Estado. Este começará por
narcizar-se, afastando-se do bem estar dos cidadãos. Quando raiar a falsa
liberdade, os grilhões quebrar-se-ão, é certo, mas os dois termos do binómio
não voltarão a encontrar-se, no mesmo meridiano.
Por outro
lado, só transformando o Vedor em Juiz se compreendia que ficassem adstritos
ao cumprimento de seus mandados e despachos os alcaides, meirinhos e juízes das
vintenas e passasse a julgar, suspender, prender e condenar qual outro juíz,
reconhecendo como a seu direito superior não já o Juiz de Fora como tal, nem a
Câmara, mas uma nova entidade fabril, o Juíz Conservador, subordinado, por sua
vez, ao juízo dos feitos da Fazenda (32).
NOTAS DO CAPÍTULO III
(2ª e última Parte)
21 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 19, fls.254 vº
22 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 7, fls. 221
23 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 30,fls. 206 vº
24 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 61, fls. 105 vº e Livº54, fls.26 e 26vº.
25 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº 24, fls. 150 vº e 151 e 151 vº
26 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº - Livº32, fls. 208 vº e 209 - Xisto Delgado era escudeiro da Casa d'El Rei.
27 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573, cap.º 83.
28 - ANTT - Procº da Inquisição Lxª nº 902.
29 - ID. ibid.
30 - ID. Chanc. de D. Pedro 2º - Liv. 52, fls. 37.
31 - ID., ibid.
32 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573 E 1690 - cap.º 99.
21 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 19, fls.254 vº
22 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 7, fls. 221
23 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 30,fls. 206 vº
24 - ID. Chanc. de D. João 3º, -Livº 61, fls. 105 vº e Livº54, fls.26 e 26vº.
25 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº 24, fls. 150 vº e 151 e 151 vº
26 - ID. Chanc. de D. Sebastião, - Livº - Livº32, fls. 208 vº e 209 - Xisto Delgado era escudeiro da Casa d'El Rei.
27 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573, cap.º 83.
28 - ANTT - Procº da Inquisição Lxª nº 902.
29 - ID. ibid.
30 - ID. Chanc. de D. Pedro 2º - Liv. 52, fls. 37.
31 - ID., ibid.
32 - REGIMENTO DOS PANOS DE 1573 E 1690 - cap.º 99.
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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-contributos-para-sua-historia.html
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