Inquérito Social XXV
Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
Comércio
Ao abordarmos o problema da grande e
da pequena empresa tivemos ocasião de nos referir ao facto de, em certo
momento, o tecelão e o mercador serem a mesma pessoa.
Este facto ainda persiste, como
dissemos também, nos centros da indústria regional, por exemplo Minde. O
comércio de lanifícios é aqui realizado e dirigido pelo industrial.
Este mesmo facto se nota ainda nos
centros em que a indústria está mais desenvolvida, embora em menor escala.
Assim, na Covilhã há industriais que
produzem e vendem directamente ao público ou através de armazéns próprios ou em
feiras. Outros ainda há que vendem os produtos manufacturados ao armazenista e
ao público, conjuntamente.
Quanto ao comércio dos lanifícios
muito haveria que dizer se este inquérito não fosse simplesmente dirigido aos
operários. Portanto vamos agora referir-nos às relações do operário com o
comércio em geral.
Este capítulo quase que serve
unicamente para fazer referência às cooperativas.
No grémio do Sul encontramos vários
operários, sócios de cooperativas, o mesmo acontecendo nos grémios do Norte e
da Covilhã.
Do grémio de Gouveia nada podemos
dizer em pormenor porque os boletins nenhuma indicação nos oferecem.
A Covilhã vai ocupar sobretudo a
nossa atenção. Aí existem duas cooperativas que englobam a quase totalidade dos
operários covilhanenses. O comercio local várias vezes se queixa da
concorrência que as cooperativas lhe fazem. A única forma de se equilibrar
reside nos métodos de realizar o comércio – vendendo a fiado e a prestações. É
claro que tanto uma forma de vender como outra auxilia, de certo modo, a
economia do operário.
Quanto às duas cooperativas há a
dizer que delas são sócios tanto operários de lanifícios, como os não
operários, os operários e os patrões. A mais antiga denomina-se “A Social da
Covilhã” e a mais moderna “Cooperativa de Renovação Social”. A primeira teve
origens acentuadamente comunistas e socialistas; a segunda características
católicas.
Damos por concluído este capítulo,
ajuntando ao que dissemos, os estatutos de ambas.
A capa das brochuras dos estatutos das duas cooperativas |
Capítulo XV
Cultura Intelectual
Um dos aspectos mais cruciais do
problema social operário, em Portugal, é sem dúvida este da cultura e da
educação das massas.
A estatística dos operários que
sabem ler e escrever e a dos analfabetos são suficientemente elucidativos. A
sua clareza bastava por si, independentemente de comentários, para verificar a
agudeza do problema se não acrescesse ainda, ao mal do analfabetismo, a
deficiente formação das elites patronais, problema já exposto no capítulo
consagrado ao patronato, e a falta de educação no seio das famílias; a
desorganização que a indústria moderna trouxe aos lares com o trabalho das
mulheres e dos menores; a facilidade de penetração revolucionária nas massas,
tanto mais acentuada quanto menor é o seu poder de apreensão da verdade.
As estatísticas referentes ao
analfabetismo são preciosas para a resolução do problema da educação operária
que, como dissemos no período anterior, não é mais do que uma parcela deste
capítulo da cultura intelectual dentro da indústria dos lanifícios.
Antes de publicarmos as
estatísticas, compete-nos primeiro dizer as razões que, em certos centros do
país, nos parece explicar a maior quantidade de analfabetos, em contraposição
com outros centros onde o seu número é sensivelmente menor.
Há lugares no grémio de Gouveia em
que, embora a população industrial diga respeito unicamente a uma fábrica, o
número de analfabetos é nulo, enquanto que noutras terras, em circunstâncias
idênticas, o número de analfabetos é máximo. Em todas as terras onde floresce a
indústria de lanifícios, a organização do trabalho não pode explicar esta
diversidade de situação no problema, pelo que há que procurar as razões do
analfabetismo no maior ou menor cuidado que os professores põem no cumprimento
da lei que obriga os menores a frequentar a escola.
O problema do analfabetismo anda
muito ligado com o da educação dos filhos dos operários. Em princípio, a
educação na família é a mais perfeita – mas já vimos no capítulo consagrado à
família quanto ela é deficiente e, por vezes, prejudicial. A escola já vimos
como cumpria o seu dever: este depende unicamente o espírito de apostolado do
professor. A Mocidade Portuguesa operária, resolveria duplamente o problema;
contribuiria para a diminuição do analfabetismo e tratava da formação de
“elites” na massa operária, que o mesmo é dizer, aristocratizava a massa,
dava-lhe consciência do seu papel nacional.
O que se fez até hoje, dentro dos
lanifícios, para modificar a mentalidade dos operários? Sejamos francos, já que
não temos motivos para estar orgulhosos: é forçoso confessar que a massa tem
continuado abandonada e os sindicatos abandonados estão também, por falta de
dirigentes sindicais: corporativismo sem dirigentes preparados, numa
organização fomentada pelo Estado, é corporativismo sem possibilidades,
corporativismo agonizante que faz descrer os operários de organização,
contribuindo somente para a perda do dinamismo da ideia.
Se a população escolar da Covilhã
fosse proporcionada às suas necessidades, e dentro da orientação pedagógica
actual, precisavam-se dentro da área da cidade, mais 20 professores do que os
existentes.
Calcule-se daqui, qual o poder de
valorização da massa perante todos os ideais colectivos, se a Mocidade
Portuguesa agrupasse em si, obrigatoriamente, toda a população, de ambos os
sexos, em idade escolar, assim como aqueles cuja idade vai dos 12 até aos 18
anos, quer fossem operários menores, quer filhos de operários.
Ponhamos de parte já o ponto de
vista ideológico e patriótico: a farda, a higiene, os exercícios, os dias obrigatórios
no campo, modificariam não só o ambiente moral em que presentemente se dissolve
a nossa mocidade operária, mas dar-lhe-ia alegria, saúde, espírito de
solidariedade, vontade para o trabalho e consciência do serviço nacional que
este representa. Com sacrifício, vontade de realizar e tenacidade, tudo seria
possível se os senhores industriais sacrificassem à realização desta obra,
alguns dos seus lucros. A indústria seria a primeira a beneficiar desta
reeducação das massas.
É tempo de começarmos a transcrever
a estatística onde os operários de lanifícios são distribuídos segundo o mínimo
grau de cultura: saber ler e escrever.
Grémio da Covilhã
|
||||||
Idade
|
Masculinos
|
Femininos
|
Total
|
|||
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
|
12/14
|
140
|
173
|
10
|
14
|
150
|
187
|
15/18
|
358
|
301
|
125
|
181
|
483
|
482
|
19/20
|
180
|
106
|
54
|
111
|
234
|
217
|
21/25
|
320
|
277
|
91
|
269
|
411
|
546
|
26/30
|
254
|
283
|
39
|
188
|
293
|
471
|
31/35
|
175
|
220
|
33
|
117
|
108
|
337
|
36/40
|
130
|
239
|
15
|
94
|
145
|
333
|
41/45
|
108
|
123
|
6
|
53
|
114
|
176
|
46/50
|
13
|
1426
|
6
|
57
|
119
|
199
|
51/55
|
78
|
109
|
5
|
31
|
83
|
140
|
56/60
|
54
|
107
|
1
|
24
|
55
|
131
|
61/65
|
40
|
70
|
0
|
9
|
40
|
79
|
66/70
|
10
|
25
|
0
|
8
|
10
|
33
|
71/80
|
12
|
17
|
0
|
4
|
12
|
21
|
Total
|
1972
|
2192
|
385
|
1156
|
2357
|
2348
|
Grémio de Gouveia
|
||||||
Idade
|
Masculinos
|
Femininos
|
Total
|
|||
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
|
12/14
|
68
|
42
|
20
|
20
|
88
|
62
|
15/18
|
215
|
129
|
119
|
79
|
334
|
208
|
19/20
|
57
|
35
|
58
|
55
|
115
|
90
|
21/25
|
166
|
94
|
96
|
118
|
262
|
212
|
26/30
|
146
|
114
|
47
|
87
|
193
|
201
|
31/35
|
102
|
48
|
59
|
40
|
161
|
88
|
36/40
|
50
|
78
|
35
|
49
|
85
|
127
|
41/45
|
45
|
47
|
5
|
29
|
50
|
76
|
46/50
|
42
|
54
|
2
|
39
|
44
|
93
|
51/55
|
30
|
36
|
12
|
18
|
32
|
54
|
56/60
|
34
|
37
|
2
|
18
|
36
|
55
|
61/65
|
16
|
28
|
1
|
7
|
17
|
35
|
66/70
|
4
|
11
|
0
|
7
|
4
|
18
|
71/80
|
8
|
8
|
0
|
1
|
8
|
9
|
Total
|
983
|
761
|
446
|
567
|
1429
|
1328
|
Grémio do Sul
|
||||||
Idade
|
Masculinos
|
Femininos
|
Total
|
|||
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
|
12/14
|
19
|
15
|
29
|
18
|
48
|
33
|
15/18
|
91
|
28
|
110
|
53
|
201
|
81
|
19/20
|
41
|
14
|
30
|
52
|
71
|
66
|
21/25
|
100
|
54
|
135
|
158
|
235
|
212
|
26/30
|
87
|
68
|
84
|
149
|
171
|
217
|
31/35
|
79
|
23
|
64
|
128
|
143
|
151
|
36/40
|
58
|
23
|
78
|
104
|
136
|
127
|
41/45
|
47
|
18
|
40
|
73
|
87
|
91
|
46/50
|
50
|
24
|
26
|
71
|
76
|
95
|
51/55
|
34
|
15
|
18
|
50
|
52
|
65
|
56/60
|
30
|
20
|
12
|
36
|
42
|
56
|
61/65
|
25
|
20
|
5
|
18
|
30
|
38
|
66/70
|
16
|
8
|
3
|
14
|
19
|
22
|
71/80
|
5
|
13
|
1
|
7
|
6
|
20
|
Total
|
682
|
333
|
635
|
941
|
1317
|
1274
|
Grémio de
Castanheira de Pera
|
||||||
Idade
|
Masculinos
|
Femininos
|
Total
|
|||
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
|
12/14
|
33
|
16
|
12
|
11
|
45
|
27
|
15/18
|
82
|
69
|
53
|
54
|
135
|
123
|
19/20
|
26
|
13
|
37
|
24
|
63
|
37
|
21/25
|
64
|
75
|
47
|
53
|
111
|
128
|
26/30
|
86
|
41
|
22
|
40
|
108
|
81
|
31/35
|
41
|
13
|
7
|
19
|
48
|
32
|
36/40
|
33
|
24
|
5
|
20
|
38
|
44
|
41/45
|
21
|
10
|
6
|
10
|
27
|
20
|
46/50
|
14
|
12
|
1
|
10
|
15
|
22
|
51/55
|
6
|
6
|
0
|
8
|
6
|
14
|
56/60
|
8
|
6
|
1
|
7
|
9
|
13
|
61/65
|
6
|
7
|
0
|
4
|
6
|
11
|
66/70
|
2
|
6
|
0
|
2
|
2
|
8
|
71/80
|
0
|
6
|
0
|
0
|
0
|
6
|
Total
|
422
|
306
|
193
|
260
|
615
|
566
|
Grémio do Norte
|
||||||
Idade
|
Masculinos
|
Femininos
|
Total
|
|||
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
Sabe
|
Não
|
|
12/14
|
6
|
1
|
4
|
5
|
10
|
6
|
15/18
|
22
|
3
|
32
|
44
|
54
|
47
|
19/20
|
10
|
1
|
12
|
24
|
22
|
25
|
21/25
|
21
|
9
|
29
|
73
|
50
|
32
|
26/30
|
26
|
17
|
20
|
46
|
46
|
63
|
31/35
|
14
|
13
|
12
|
25
|
26
|
38
|
36/40
|
6
|
10
|
13
|
24
|
19
|
34
|
41/45
|
4
|
5
|
4
|
8
|
9
|
12
|
46/50
|
1
|
3
|
3
|
11
|
4
|
14
|
51/55
|
4
|
13
|
5
|
6
|
9
|
19
|
56/60
|
4
|
3
|
3
|
7
|
7
|
10
|
61/65
|
1
|
1
|
1
|
3
|
2
|
4
|
66/70
|
1
|
1
|
0
|
2
|
1
|
3
|
71/80
|
2
|
1
|
0
|
0
|
2
|
1
|
Total
|
122
|
81
|
138
|
278
|
260
|
359
|
Transcritas as estatísticas, vamos
seguidamente, para terminar, indicar as percentagens de analfabetos em cada
grémio.
Grémio da Covilhã 58%
Grémio de Gouveia 48%
Grémio de
Castanheira 48%
Grémio do Sul 49,1%
Grémio do Norte 57%
As Publicações do Blogue:
Capítulos anteriores do Inquérito Social:
Inquéritos III - I
Inquéritos IV - II
Inquéritos V - III
Inquéritos VI - IV
Inquéritos VII - V
Inquéritos VIII - VI
Inquéritos IX - VII
Inquéritos X - VIII
Inquéritos XI - IX
Inquéritos XII - X
Inquéritos XIII - XI
Inquéritos XIV - XII
Inquéritos XV - XIII
Inquéritos XVI - XIV
Inquéritos XVII - XV
Inquéritos XVIII - XVI
Inquéritos XIX - XVII
Inquéritos XX - XVIII
Inquéritos XXI-XIX
Inquéritos XXII-XX
Inquéritos XXIII-XXI
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/11/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Inquéritos XXIV-XXII
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Inquéritos XXV-XXIII
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-inqueritos-industria-dos_22.html
Inquéritos XXVI-XXIV
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
Inquéritos XXIV-XXII
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Inquéritos XXV-XXIII
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-inqueritos-industria-dos_22.html
Inquéritos XXVI-XXIV
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
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