quarta-feira, 23 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXIV



Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.



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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS









O S  L A N I F Í C I O S


NA  POLÍTICA  ECONÓMICA


DO   CONDE   DA   ERICEIRA




I









LISBOA   MCMLIV

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IV

Gonçalo da Cunha Vilas Boas, Conservador da Fábrica
e Cronista da Reforma

Barbosa Machado deixou-nos esta notícia de Gonçalo da Cunha Vilas Boas:

        «Gonçalo da Cunha Villas Boas, Cavalheiro professo da Ordem de Christo, filho de Pedro Vaz de Villas Boas, nasceo em Lisboa no anno de 1646. Frequentou a Univer­sidade de Coimbra, estudando Jurisprudencia Civil, na qual recebido o grao de Bacharel, e feita a Formatura, ser­vio com desinteresse os lugares de juiz de fora de Torres Vedras, Villa da Covilhã, e Conservador das suas fabricas, Ouvidor de Alfandega, e Dezembargador do Porto, donde passou à casa da Supplicação em 7 de Maio de 1704, Corre­gedor do Civil, a 12 de Julho de 1706, Juiz de Fisco, Pro­curador fiscal da Fazenda Real, e Junta dos Trez Estados, até ser apozentado no lugar de Deputado da Meza da Con­ciencia, como elle pedio. Retirado à sua quinta de Ourem falleceo piamente. Teve genio para a Poezia Lyrica, que sempre dedicou a assurnptos sagrados, deixando compos­tas letras para Vilhancicos, que podião formar tres Tomos de quarto, que intitulou: Terpsicore Musa Lyrica, M. S.» (1)

Nem sempre as noticias registadas pelo ilustre polígrafo do século XVIII, primaram pela pureza das fontes, e daí a conveniência de procurar, quanto possível, clarificá-las à luz dos documentos.
A investigação directa conduz aos seguintes resultados na biografia de Gonçalo da Cunha Vilas Boas.
Nasceu em Aveiro, em 27 de Agosto de 1644, filho de Pero Vaz de Vilas Boas e de D. Maria de Albergaria, moradores naquela cidade; os avós maternos foram o Desembargador Agostinho da Cunha de Vilas Boas e D. Bárbara Madeira, moradores na capital, na freguesia dos Anjos. Entroncavam na nobreza do Reino, desempenhando ele as funções de Corregedor do Cível da Corte e Juíz de Chancelaria.
A estirpe paterna regista, na jurisprudência, os nomes de seu tio avô, Pedro Vaz de Vilas Boas, procurador da cidade de Lisboa que viveu, muito tempo, na sua quinta do Campo Grande, a Alvalade, e de seu bisavô, também chamado Pedro Vaz de Vilas Boas, que desempe­nhara antes as mesmas funções de seu filho e homónimo.
O ramo materno provinha da Beira marítima. O avô, aveirense, dava por António Privado de Albergaria, e a avó por Catarina Godi­nha de Castro. Desta e do bisavô João Gomes de Pinho, Juiz dos Ór­fãos da Esgueira, corria rumor de defeito de sangue, brevemente abafado pela habilitação dum primo a um benefício eclesiástico da diocese de Coimbra, com inquirição julgada nesse bispado e confir­mada no Juízo Metropolitano de Braga. Questão azeda, entre a famí­lia de Catarina Godinha e o Vigário da Esgueira, originara o rumor infamante. (2).
O curriculum vitae de Gonçalo Vilas Boas, na Lusa Atenas, de­senvolve-se deste modo: os termos de matrícula trazem as datas de 23 de Outubro de 1660, 24 de Outubro de 1661, 8 de Janeiro de 1662, 29 de Janeiro de 1663, 1 de Outubro de 1664, 24 de Dezembro de 1667, 29 de Outubro de 1668 e 21 de Janeiro de 1669. Matricula-se na Uni­versidade com 16 anos; depois de quatro anos de frequência, inter­rompe o curso, para regressar aos 23 anos. Recebe o grau de bacharel aos 25 anos, em 7 de Junho de 1669, e forma-se em 16 do mesmo mês, no ano seguinte (3).
Inicia a sua carreira como Juiz de Fora de Torres Vedras, segundo Barbosa Machado, fundado certamente na Carta Régia de 22 de Setembro de 1691 (4), ou de Torres Novas como consta de igual carta de 19 de Junho de 1676, exactamente aquela que o transfere para o Juízo da Covilhã (5).
Aqui, durante três anos e meio, acumula as funções da judica­tura geral com a de Conservador das fábricas.
A judicatura largou-a ainda durante o ano de 1680 visto em Fevereiro de 1681, entrar a sua residência no Desembargo do Paço, e o seu substituto Bacharel Manuel Rodrigues Beja aparecer no­meado em 19 de Junho de 1681 (6).
Permaneceu, contudo, na Conservatória das Fábricas subordinado à Vedoria da Fazenda do Reino (7).  
A sua acção como executor da política de fomento do Conde da Ericeira, na fábrica de lanifícios, patenteia-se no relatório dirigido a esse fidalgo e demonstra as altas qualidades de acção de que era dotado. Reservámos para outro lugar deste ensaio os passos princi­pais da sua actividade, na missão económica que lhe destinou o Conde (8).
Cabe a essas páginas da literatura económica dos fins do Século XVII a honra de constituir o único documento circunstanciado da política do Vedor de D. Pedro, no sector da indústria dos panos de lã.
Encontrando-se inéditas, vêm agora pela primeira vez à publi­cidade. Nem mesmo Barbosa Machado lhes fez qualquer referência, muito embora inclua Gonçalo de Vilas Boas, na Biblioteca Lusitana. Circunscreve, porém, a sua actividade literária à autoria de Vilhan­cicos de carácter religioso.
A despedida da Covilhã acarretou ao Magistrado alguns dissabo­res, mas, se não fossem eles, a sua acção de ímpulsíonador da indús­tria de lanifícios ter-se-ia perdido no redemoinho do tempo. Foi a urgência de se defender contra a cavala dos seus inimigos, que lhe proporcionou, em 1681, a composição da Memória dos seus serviços.
Dividiu a obra, dirigida ao seu protector Conde da Ericeira, em três partes. Na primeira, descreve a reforma da fábrica de baetas e sarjas na Covilhã, em Melo e em Manteigas; na segunda, confessa os ódios que essa fábrica lhe acarretou e queixa-se das agruras do serviço público; na terceira parte, que não chegou a redigir, ou se perdeu, desejava demonstrar a falsidade das acusações que lhe fo­ram dirigidas.
Embora não o diga, pressente-se da leitura dessas páginas como as lutas, que procuravam queimá-lo, ao sair da Covilhã, se filiavam na revolta dos prejudicados pelo contrato de exclusivo das baetas e sarjas. Privados de fabricar e de comerciar neste tipo de fazendas, atribuíram ao Juíz de Fora toda a perda que daí adveio. Não deviam enganar-se.
Mas se o primeiro impulso, no renovado fabrico das sarjas e baetas, não se tivesse escudado no exclusivo industrial, certamente não teria resistido ao cerco que de todos os lados assaltou a constân­cia e iniciativa dos contratadores. Vilas Boas viu bem e executou me­lhor a difícil missão que, em boa hora, o Conde da Ericeira lhe con­fiara.
No antigo regime todos os ministros do Rei, governadores, jui­zes, altos funcionários, decorrido o período do mando, viam a sua administração joeirada no peneiro da devassa geral, sob a presidên­cia de um magistrado; a ela acudiam todas as queixas dos desman­dos cometidos ou deixados cometer. A esta devassa chamava-se o tomar da residência.
Não temia o governo do Rei estas supurações em que, por vezes, a paixão, o ódio e o despeito também vinham à tona da água e se misturavam aos queixumes duma justiça agravada, mas a verdade clarificava-se sempre e os desmandos do poder mal usado ou arbi­trariamente exercido nunca ficavam a rir-se da pobreza da bolsa ou da influência.
O governo do Rei não precisava, como os governos que ao depois vieram, de se prestigiar a toda a hora, numa autolatria permanente e absoluta, sustentando as tropelias dos sobas só porque detinham a vara do comando.
O governo do Rei estava prestigiado por natureza.
Por isso todos os que um dia mandaram, sabiam antecipada­mente que haviam de ouvir a réplica da opinião pública, e esperar do Desembargo do Paço ou dos outros Tribunais do Rei o veredictum da condenação ou da absolvição. É escusado encarecer a vantagem do sistema: por ele o exercício do mando era mais cauteloso e menos cobiçado.
Gonçalo da Cunha Vilas Boas chamou elegantemente às resi­dências dos ministros o esmalte dos seus procedimentos.
Com um governo agitado não só pelas lutas desencadeadas so­bre a fábrica, mas ainda pelas alterações da eleição dos procurado­res às Cortes de 1679-80, é natural que tivesse de sopear atritos e de­penar arrogâncias, que levantasse invejas à sua volta, sobretudo quando apresentava no activo da carreira realizações tão sérias como as três fábricas que barravam a entrada das fazendas inglesas e ele­vavam o nível da nossa balança comercial (9).
A residência, cometida a um velho magistrado, ouviu cerca de cem pessoas e dela nada resultou a deslustrar o Juiz, muito embora os seus inimigos tentassem vergar o inquiridor. Julgada a residência, no Desembargo do Paço, alcançou Vilas Boas as cartas de Provedor da Guarda, que, contudo, ficaram retidas na mesa do Príncipe.
Que tinha acontecido?
A Vilas Boas interessava acumular as funções de Provedor com as de Conservador das fábricas, que ainda não largara. Empenhou-se por isso nesta nova comissão, mas esqueceu-se de um novo concor­rente, a quem chama ministro, que lhe obstruiria as intenções.
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO IV
(1ª Parte)
1 – BARBOSA MACHADO, Biblioteca Lusitana – Lisboa, 1933 – 2ª Edição – Tom. 4 pags. 137.
2 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis, ms. 2, nº 54.
      A naturalidade de Gonçalo de Vilas Boas, consta do Arquivo da Universidade de Coimbra.
3 – ARQ. DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA – Matrículas, Actos e Graus respectivos.
      Estes dados foram-me gentilmente remetidos pelo meu velho amigo e contemporâneo de Coimbra Dr. Abel de Almeida e Sousa, ilustre conservador da Biblioteca da Universidade.
4 – ARQ. N. DA T. DO TOMBO – Chanc.ª de D. Pedro 2º Liv. 39, fls. 68 vº.
5 – ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Liv. 42, fls. 323 v.
6 – ID., Chanc-ª de D. Afonso 6º - Liv. 34 fol. 47 v.
7 – É esta a doutrina que devia concluir-se da carta régia de 22 de Outubro de 1687 que nomeia Villas Boas ouvidor da alfândega de Lisboa, na qual se declara que, com boa residência, ocupou ultimamente o lugar de Juiz de Fora da Covilhã e ainda o alvará de 20 de Janeiro de 1695 que refere a mercê que lhe foi outorgada por Dec. de 2 de Julho de 1685. Contudo, deve rectificar-se o nosso juízo e admitir que Vilas Boas esteve afastado do serviço desde 1681 a 1684, cerca, portanto, de quatro anos, apesar de parecer deduzir-se dos seus discursos que todas as dúvidas se tinham aplanado. A descoberta das suas cartas para o Conde da Ericeira leva-nos a fazer esta rectificação. Não consta do texto esta rectificação por este se encontrar já em estado de não poder ser alterado. 
8 – VID. CAP.º 5º. 
9 - DOC. Nº 8. 

Nota dos editores - As cartas de Cunha Villas Boas foram publicadas por Luiz Fernando Carvalho Dias em II volume de "Os Lanifícios na Política Económica do Conde da Ericeira": 









As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html

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