domingo, 26 de janeiro de 2014

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas VI


Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue. Seguidamente vamos concluir a apresentação de a Memória de João Macedo Pereira Forjaz.

“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos.” […]
[…] O século XIX abre com o trabalho do luso-brasileiro, oriundo da Covilhã, Dr. João António de Carvalho Rodrigues da Silva sobre a indústria dos lanifícios. Tivemos oportunidade de publicar uma segunda edição deste curioso estudo na revista “Lanifícios”, (a) no ano de 1955. Continua a série com a memória do Dr. João de Macedo Pereira Forjaz, bastante documentada.” (b)

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“Esta Memória da Covilhã e da sua indústria, da auto­ria de João Macedo Pereira Forjaz foi escrita para a Aca­demia Real das Ciências de Lisboa. Como instrue a notícia manuscrita que a antecede, subscrita pelo Dr. António Mendes Alçada de Morais, que no-la transmitiu, não está completa, embora o pareça, e o seu autor teria sido advogado, segundo a mesma fonte.
Cumpre esclarecer que não encontrámos, no fundo da Biblioteca da Academia das Ciências rasto desta Me­mória, pois não deve ter chegado a entrar na referida instituição; do autor também não achámos qualquer refe­rência no arquivo da Universidade de Coimbra; assim haverá, que rever a hipótese da profissão que lhe foi atri­buída. (1)
Devemos a gentileza desta cópia ao Dr. Luiz Filipe da Fonseca Morais Alçada.
     O Dr. António Alçada, como era mais conhecido, nota­bilizou-se como advogado e jurista: escrevia elegantemente e deixou inéditos um livro de versos e um romance incom­pleto cujo enredo decorre na Roma dos Césares. Publicou além de várias minutas de recurso para os tribunais superiores, uma pequena Memória da Covilhã, sua terra natal, como representação da cidade, nos pri­meiros anos da república, destinada a conseguir uma pro­moção a capital de distrito.
Como seu tio, Dr. Valério Nunes de Morais, também o Dr. António Alçada foi jornalista de mérito.
No capítulo da sua actividade jornalística cabe referir não só alguns estudos de história da cidade, publicados na peugada do seu referido tio ou em colaboração com ele, mas também outros, que, sob o pseudónimo de Diogo Nu­nes, dedicou à divulgação dos progressos industriais, ins­pirado em revistas técnicas estrangeiras, o que representa uma contribuição meritória à formação técnica da cidade que lhe foi berço.” (c)

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“Este manuscrito é devido à pena do eminente advo­gado da vila da Covilhã, Dr. João de Macedo Pereira For­jaz, que o fez para concorrer como candidato à Academia Real das Ciências de Lisboa.
Não chegou a concluí-lo. Parece aliás, concluído.
Esta cópia foi textualmente extraída, sem nada alte­rar do manuscrito existente na biblioteca do Ex.o Se­nhor Dr. Manuel José Gonçalves dos Santos Gascão, con­servando-se a própria ortografia.
Esta cópia foi tirada em 1905 por António Mendes Alçada de Morais e pertence-lhe.” (d)

Descrição Analítica e Económica da Notável villa da Covilhã, do seu antigo, e grande distrito, e da famigerada Serra d'Estrela, acompanhada de notas e peças justificativa.
(Continuação)

Capítulo IX

Do Monte Hermínio, hoje Serra d’Estrela e suas notabilidades

     O Monte Herminio, bem conhecido nas historias antigas, primeira habitação dos Erminios, progenitores dos habitantes da Vila de Manteigas, é um dos mais elevados e celebres de toda a Espanha, não só pelas suas raridades, mas por ter sido o temor dos Romanos; ainda hoje se vê um vale, junto ao mais elevado do mesmo monte, donde estes povos estavam quando vieram dar batalha a Julio Cesar; em um campo que fica ao Norte da dita vila, o qual ainda conserva o nome de Campo Romam, corrupção do primeiro nome de Campo dos Romanos, onde se tem des­coberto varios sepulcros em marmore e outros monumentos que asseveram esta verdade.
     Hoje, porem, e há muitos seculos, se não conhece este monte, pelo sobredito nome de Hermínio mas sim da Serra de Estrela o qual se lhe deu, por sua eminencia ou por uma penha que tem aparencias duma estrela, ou doutra estrela que sobre ela se vê aparecer e se avista da parte do Norte.
     No mais alto da mesma serra se conserva tambem um rochedo com o nome de Mallhão de Estrela que fica ao Sul e dali se avista parte do mar oceano, as serras mais elevadas de Espanha; e o Marão, serra transmontana; por alguma destas singularidades se apelidou, sem duvida, Serra d’Estrela.

Panorâmica da Serra da Estrela

     Esta mesma Serra que tem de comprido vinte leguas, principiando na Cidade da Guarda, e finando nos confins de Goes, contem em si varias raridades.
     Logo no seu mais alto cume, junto quasi ao sobredito Malhão d' Estrela se acha uma fonte chamada de Manuel Pires cuja agua é um grau mais fria do que a neve: nesta fonte tem origem o Rio Zezere de que já falámos que corre ao longo do Sul até ao principio do grande vale que forma a mesma Serra, e deste entra a correr para o Nascente até à Vila de Belmonte, engrossando muito o dito Rio uma famosa fonte que está quasi ao cimo do mesmo vale a que chamam de Palos Martins, tendo igual frialdade da neve, e sendo tão copioso o seu nascente que logo ali podem andar duas rodas de moer.
     Neste lugar há abundancia de arvores silvestres: freixos framoazeiros, azeveiros, sabugueiros, azinhos e genipro, e outras, a que deram o nome de Pomar de Diogo Mazano (sic=massano?).
     Descendo legua e meia para o vale, se acha da parte do Poente, junto ao Zezere, um grande nascente de agua sulfurea, e salitrosa que tem tres graus de calor, a cujo solo chamam as Caldas, onde há 12 cazas para se acomodarem os enfermos que ali concorrem a procurar o remédio de suas queixas e uma capela para ouvirem missa; um quarto de legua abaixo para o mesmo Poente se acha situada a dita Vila de Manteigas. (30)
     Tornando agora à fonte de Manuel Pires, origem do Zezere, de que acabamos de falar, logo desta para o norte se encontra uma grande Rua que desce do mais alto da Serra até ao Cantaro delgado e desta pela parte do Sul até à sua raiz, a que dão o nome de Rua dos Mercadores.
     O cantaro delgado é um grande rochedo que tem a sua raiz em um vale, a que chamam Alvergaria, e Covão da Ametade, sobre encostado à Serra até ao cimo desta, e daí continua em forma piramidal, sobre si mesmo, e terá meia legua de altura, produz muita argenciana, difícil de colher, pela aspereza do rochedo.
     Correndo ao mesmo Norte se acha outro semelhante Rochedo a que chamam o Cantaro Gordo, deferindo do Delgado em não passar do cume da Serra e tem ao fundo uma lagoa que chamam do Cântaro.
     Segue-se a esta outra maior Alagoa a que chamam do Pachão, em cujo cimo, junto ao Covão do Ferro se gosa o mais claro e famoso eco que excede ao de Sant'Ana na Cidade de Coimbra e para cima se acham as tulhas da neve.
     Todas estas notabilidades estão no limite de Manteigas que termina no cume da serra; e bem assim os de Loriga, Seia, Gouveia, Covilhã, Folgosinho e Linhares.
     Na parte do limite de Seia, no mesmo cume, para o Poente, se acha outra Alagoa, a mais notavel pela sua grandeza, chamada a Escura a qual tendo-se aprofundado em 6 de Agosto de 1667, na presença de muitas pessoas, em todas as partes e no mais profundo, se achou ter de alto 110 palmos ou onze braças que é o mesmo.
     E seguindo para o Norte está outra Alagoa, chamada a Comprida, donde tem origem o Rio Alva.
     Na mesma serra há outro rochedo a que chamam as Penhas Douradas, onde terminam os termos ou limites de Seia e Gouveia e no limite desta Vila, em pouca distancia das ditas Penhas nasce o Rio Mondego que corre pela Serra ao Norte, até ao lugar da Faia, termo da Cidade da Guarda, onde principia a fertilisar aquele grande Vale.
     Perto do nacente deste grande Rio, seguindo o Norte, está o antigo Campo Romão, de que se falou ao principio, onde terminam os termos de Gouveia e Manteigas.
     Não se tem até agora, nesta serra, descuberto mineral algum, as suas terras são pela maior parte arenosas, as pedras de marmore rude mas é abundantissima de aguas cristalinas e fertil de frutos e plantas salutiferas, produzindo igualmente muitos pastos pois sustenta em si 60.000 cabeças do gado de lã, alem do caprino e vacum, que serão 30.000, dos povos que tem parte na dita serra, que são os mencionados.
    Até ao ano de 1777 conservaram os Religiosos de N. Senhora de Agua­dalupe o privilegio de pastarem na dita serra 16.000 cabeças de gado suas e 2.000 dos seus criados, que lhes foi derrogado no dito ano na Mesa das confirmações, do qual se passou alvará para as Camaras vizinhas que existe nos seus arquivos.
     No tempo do infante D. Luiz havia alcaide na dita serra, por carta sua registada na Camara da Covilhã em 1552, o qual também havia em Manteigas; eles se juntavam quatro vezes no ano, na dita serra, no Verão, quando vinham os gados para ela; e quando os pastores traziam nos seus rebanhos gados alheios, lhos levavam, e os nutriam em um curral, e fazendo audiencias, mandavam apregoar pelo andador da Serra, confirmado por Sua Alteza; que toda a pessoa que ali conheceu gado alheio o manifestasse, dando-lhe os Alcaides primeiro juramento.
Serra da Estrela - Senhora da Boa Estrela (Nossa Senhora dos Pastores)
A Senhora dos Pastores com neve
     Tambem ali determinavam as diferenças que havia entre os pastores, assim de gados como de soldadas e dividas, para o que tinham escrivão, que ia de Manteigas por distribuição, por ser o seu termo.
     Tambem em dia de S Tiago e de S. Mateus iam à Ponte Pedrinha, com escrivão de Covilhã, e determinavam o mesmo, e o gado que lhes não aparecia dono o julgavam ao vento, conforme o Foral da dita Vila.    Deste gado levava o Alcaide-mór o terço, o concelho outro terço, e os alcaides outro; de que estavam de posse havia mais de 300 anos, desde o Reinado do Senhor D. Sancho o 1º.
     Hoje já não há Alcaide na Covilhã e só se conserva o de Manteigas mas por se ter demolido a Capela de Santo Antonio da Argenteira na dita serra, no referido sítio, da Nave d'Argenteira. se pratica hoje junto da sobredita Vila, em outra capela do mesmo Santo, decidindo-se as mesmas questões, jogando a barra e levando o vencedor do tiro um grande bolo de trigo de um alqueire.

Notas
(30) A população desta Vila é de 500 vizinhos, unida a duas freguesias que são vigarias do Padroado Real. S. Maria uma e S. Pedro outra, pertencentes às Comendas da Ordem de Cristo, com sua Misericordia separada. Tem jurisdi­ção ordinaria, civel, criminal e orfãos, com capitão-mor de ordenanças; foi tri­butada com direitos reais em 1500 pelo Senhor D. Sancho o primeiro, que o senhor D. Diniz mudou para 60 maravidis de ouro, os quais o senhor D. Manuel, no ano de 1514, no foral que deu novamente àquela vila, mudou para a quantia de 5400, que se pagam ao senhorio dos ditos direitos que é a Casa de Belmonte, por doação regia. Gosa esta vila de varios privilegios, o 1º) de serem dados os maninhos aos seus moradores, repartindo-os a Camara para os lavrarem, sem pagarem tributos mais do que o dizimo a Deus, graça que lhe concederam os primeiros Reis de Portugal para haver quem habitasse aquela terra e se poder aumentar por ficar no meio da mencionada serra, confirmado pelo capitulo 3º do Foral e por Sentença do Juizo dos Feitos da Coroa de 19 de Novembro de 1520. 2.º) O poderem os seus moradores pastar com os seus gados livremente nos baldios da Covilhã e seu termo, confirmado em 1768, e em parte do termo de Gouveia, onde chamam o montado, que é da Coroa, por compromisso de 1420, celebrado na Igreja de S. Pedro da Vila de Gouveia, e confirmado pelos Duques de Vizeu, em tempo que tiveram o senhorio daquela Vila, até ao tempo do in­feliz D. Diogo, donde passou para a Coroa, e depois pelo Senhor D. João 3º ao qual cedeu a Camara daquela Vila o Padroado daquelas Igrejas pela nomeação do Juiz Vedor dos Panos de Lã, que hoje não possui, o que consta do alvara regio de 14 de Dezembro de 1524 que está e o mais de que se faz menção no Cartório da Camara da dita Vila.

Notas dos editores - a) Revista que era propriedade da FNIL - Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
b) Publicação neste blogue em 29 de Maio de 2011.
c)Texto da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias.
d)Texto de António Mendes Alçada de Morais.
1) Encontrámos posteriormente no espólio de Carvalho Dias as seguintes referências a cargos desempenhados por João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz de Gusmão, que denotam não haver sido formado em Direito:
Vedor dos Panos da Fábrica da Covilhã - alvará de 23/10/1804, Livº 73, fls. 148 da Chancelaria de D. Maria I;
Escrivão do Geral da Vila da Covilhã, alvará de 07/01/1806, Lº 76, fls. 143, da Chancelaria de D. Maria I;
Repartidor dos Órfãos da Vila da Covilhã, alvará de mercê 07/01/1806, Lº 74, fls. 259 vº e alvará de propriedade do mesmo, da mesma data, Lº 76, fls. 143 da mesma Chancelaria, cargo que renunciou em 23/10/1813, Lº 16, fls. 122  da Chancelaria de D. João VI.

Notas dos editores - A Nossa Senhora da Boa Estrela situa-se no Covão do Boi a 1850 m de altitude, foi esculpida em baixo-relevo pelo escultor António Duarte e inaugurada em 1946.
- Duas fotografias são do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias.

As publicações do blogue:
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