Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando
com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue. Seguidamente vamos
concluir a apresentação de a Memória de João Macedo Pereira Forjaz.
“Convém
enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história
local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la,
render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da
Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos
heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo
que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade,
constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e
amanhã será pelos nossos filhos.” […]
[…] O século XIX abre com o trabalho do luso-brasileiro,
oriundo da Covilhã, Dr. João António de Carvalho Rodrigues da Silva sobre a
indústria dos lanifícios. Tivemos oportunidade de publicar uma segunda edição
deste curioso estudo na revista “Lanifícios”, (a) no ano de 1955. Continua a
série com a memória do Dr. João de Macedo Pereira Forjaz, bastante
documentada.” (b)
******
“Esta Memória
da Covilhã e da sua indústria, da autoria de João Macedo Pereira
Forjaz foi escrita para a Academia Real das Ciências de Lisboa. Como instrue a
notícia manuscrita que a antecede, subscrita pelo Dr. António Mendes Alçada de
Morais, que no-la transmitiu, não está completa, embora o pareça, e o seu autor teria sido advogado,
segundo a mesma fonte.
Cumpre
esclarecer que não encontrámos, no fundo da Biblioteca da Academia das Ciências
rasto desta Memória, pois não deve
ter chegado a entrar na referida instituição; do autor também não achámos
qualquer referência
no arquivo da Universidade de Coimbra; assim haverá, que rever a hipótese da
profissão que lhe foi atribuída. (1)
Devemos a
gentileza desta cópia ao Dr. Luiz Filipe da Fonseca Morais Alçada.
O Dr. António Alçada, como era mais conhecido, notabilizou-se como advogado e
jurista: escrevia elegantemente e deixou inéditos um livro de versos e um romance incompleto
cujo enredo decorre na Roma dos Césares. Publicou além de várias minutas de recurso para os tribunais superiores,
uma pequena Memória da Covilhã, sua terra natal, como representação da
cidade, nos primeiros
anos da república, destinada a conseguir uma promoção a capital de distrito.
Como seu
tio, Dr. Valério Nunes de Morais, também o Dr. António Alçada foi jornalista de
mérito.
No
capítulo da sua actividade jornalística cabe referir não só alguns estudos de história da cidade, publicados na peugada do seu referido tio ou em
colaboração com ele, mas também
outros, que, sob o pseudónimo de Diogo Nunes, dedicou à divulgação dos progressos industriais, inspirado em revistas técnicas
estrangeiras, o que representa uma contribuição meritória à formação técnica da cidade que
lhe foi berço.” (c)
******
“Este
manuscrito é devido à pena do eminente advogado da vila da Covilhã, Dr.
João de Macedo Pereira Forjaz, que o fez para concorrer como candidato à Academia
Real das Ciências de Lisboa.
Não chegou a concluí-lo.
Parece aliás, concluído.
Esta cópia foi textualmente
extraída, sem nada alterar do manuscrito existente na biblioteca do Ex.o
Senhor Dr. Manuel José Gonçalves dos Santos Gascão, conservando-se a própria
ortografia.
Esta cópia foi tirada em 1905
por António Mendes Alçada de Morais e
pertence-lhe.” (d)
Descrição
Analítica e Económica da Notável villa da Covilhã, do seu antigo, e grande
distrito, e da famigerada Serra d'Estrela, acompanhada de notas e peças
justificativa.
(Continuação)
Capítulo IX
Do Monte Hermínio, hoje Serra
d’Estrela e suas notabilidades
O Monte Herminio, bem conhecido nas
historias antigas, primeira habitação dos Erminios, progenitores dos habitantes
da Vila de Manteigas, é um dos mais
elevados e celebres de toda a Espanha, não só pelas suas raridades, mas por ter
sido o temor dos Romanos; ainda hoje se vê um vale, junto ao mais elevado do
mesmo monte, donde estes povos estavam quando vieram dar batalha a Julio Cesar;
em um campo que fica ao Norte da dita vila, o qual ainda conserva o nome de Campo Romam, corrupção do primeiro nome de Campo dos Romanos, onde se tem descoberto varios
sepulcros em marmore e outros monumentos que asseveram esta verdade.
Hoje, porem, e há muitos seculos, se não
conhece este monte, pelo sobredito nome de Hermínio mas sim da Serra de Estrela o qual se lhe deu, por sua
eminencia ou por uma penha que tem aparencias duma estrela, ou doutra estrela
que sobre ela se vê aparecer e se avista da parte do Norte.
No mais alto da mesma serra se conserva
tambem um rochedo com o nome de Mallhão de Estrela que fica ao Sul e dali se avista parte do mar oceano, as serras mais
elevadas de Espanha; e o Marão, serra transmontana; por alguma destas
singularidades se apelidou, sem duvida, Serra d’Estrela.
Panorâmica da Serra da Estrela |
Esta mesma Serra que tem de comprido vinte
leguas, principiando na Cidade da Guarda, e finando nos confins de Goes, contem
em si varias raridades.
Logo no seu mais alto cume, junto quasi
ao sobredito Malhão d' Estrela se acha uma fonte chamada de Manuel Pires cuja agua é um
grau mais fria do que a neve: nesta fonte tem origem o Rio Zezere de que já falámos que corre
ao longo do Sul até ao principio do grande vale que forma a mesma Serra, e
deste entra a correr para o Nascente até à Vila de Belmonte, engrossando muito o dito Rio uma famosa fonte que está
quasi ao cimo do mesmo vale a que chamam de Palos Martins, tendo igual
frialdade da neve,
e sendo tão copioso o seu nascente que logo ali podem andar duas rodas de moer.
Neste lugar há abundancia de arvores
silvestres: freixos framoazeiros, azeveiros, sabugueiros, azinhos e genipro, e
outras, a que deram o nome de Pomar de Diogo Mazano (sic=massano?).
Descendo legua e meia para o
vale, se acha da parte do Poente, junto ao Zezere, um grande nascente de agua
sulfurea, e salitrosa que tem tres graus de calor, a cujo solo chamam as Caldas,
onde há 12 cazas para se acomodarem os enfermos que ali concorrem a
procurar o remédio de suas queixas e uma capela para ouvirem missa; um quarto
de legua abaixo para o mesmo Poente se acha situada a dita Vila de Manteigas. (30)
Tornando agora à fonte de Manuel Pires, origem
do Zezere, de que acabamos de falar, logo desta para o norte se encontra uma
grande Rua que desce do mais alto da Serra até ao Cantaro delgado e desta pela
parte do Sul até à sua raiz, a
que dão o nome de Rua dos Mercadores.
O cantaro delgado é um grande rochedo que
tem a sua raiz em um vale, a que chamam Alvergaria, e Covão da Ametade, sobre
encostado à Serra até ao cimo desta, e daí
continua em forma piramidal, sobre si mesmo, e terá meia legua de altura,
produz muita argenciana, difícil de colher, pela aspereza do rochedo.
Correndo ao mesmo Norte se acha outro
semelhante Rochedo a que chamam o Cantaro
Gordo, deferindo do Delgado em não passar do cume da Serra e tem ao fundo uma lagoa
que chamam do Cântaro.
Segue-se a esta outra maior Alagoa a que
chamam do Pachão, em cujo cimo, junto ao Covão do Ferro se gosa o mais claro e famoso
eco que excede ao de Sant'Ana na Cidade de Coimbra e para cima se acham as
tulhas da neve.
Todas estas notabilidades estão no limite
de Manteigas que termina no cume da serra; e bem assim os de Loriga, Seia,
Gouveia, Covilhã, Folgosinho e Linhares.
Na parte do limite de Seia, no mesmo cume,
para o Poente, se acha outra Alagoa, a mais notavel pela sua grandeza, chamada
a Escura a qual tendo-se aprofundado em 6 de Agosto de 1667,
na presença de muitas pessoas, em todas as partes e no mais profundo, se achou ter
de alto 110 palmos ou onze braças que
é o mesmo.
E seguindo para o Norte está outra Alagoa,
chamada a Comprida, donde tem origem o Rio Alva.
Na mesma serra há outro rochedo a que
chamam as Penhas Douradas, onde terminam os termos ou
limites de Seia e Gouveia e no limite desta Vila, em pouca distancia das ditas
Penhas nasce o Rio Mondego que corre pela Serra ao Norte, até ao lugar da Faia,
termo da Cidade da Guarda, onde principia a fertilisar aquele grande Vale.
Perto do nacente deste grande Rio,
seguindo o Norte, está o antigo Campo Romão, de que se falou ao principio, onde
terminam os termos de Gouveia e Manteigas.
Não se tem até agora, nesta serra,
descuberto mineral algum, as suas terras são pela maior parte arenosas, as
pedras de marmore rude mas é abundantissima de aguas cristalinas e fertil de
frutos e plantas salutiferas, produzindo igualmente muitos pastos pois sustenta
em si 60.000 cabeças do gado de lã, alem do caprino e vacum, que serão 30.000, dos povos que tem parte na dita serra, que são os
mencionados.
Até ao ano de 1777 conservaram
os Religiosos de N. Senhora de Aguadalupe o privilegio de pastarem na dita
serra 16.000 cabeças de gado suas e 2.000
dos seus criados, que lhes foi derrogado no
dito ano na Mesa das confirmações, do qual se passou alvará para as Camaras
vizinhas que existe nos seus arquivos.
No tempo do infante D. Luiz havia
alcaide na dita serra, por carta sua registada na Camara da Covilhã em 1552, o qual
também havia em Manteigas; eles se juntavam quatro vezes no ano, na dita serra, no
Verão, quando vinham os gados para ela; e quando os pastores traziam nos seus
rebanhos gados alheios, lhos levavam, e os nutriam em um curral, e fazendo
audiencias, mandavam apregoar pelo andador da Serra, confirmado por Sua Alteza;
que toda a pessoa que ali conheceu gado alheio o manifestasse, dando-lhe os
Alcaides primeiro juramento.
Tambem
ali determinavam as diferenças que havia entre os pastores, assim de gados como
de soldadas e dividas, para o que tinham escrivão, que ia de Manteigas por
distribuição, por ser o seu termo.
Serra da Estrela - Senhora da Boa Estrela (Nossa Senhora dos Pastores) |
A Senhora dos Pastores com neve |
Tambem em dia de S Tiago e de S. Mateus
iam à Ponte Pedrinha, com escrivão
de Covilhã, e determinavam o mesmo, e o gado que lhes não aparecia dono o
julgavam ao vento, conforme o Foral da dita Vila. Deste gado levava o Alcaide-mór o terço, o
concelho outro terço, e os alcaides outro; de que estavam de posse havia mais
de 300 anos, desde o Reinado do Senhor D. Sancho o 1º.
Hoje já não há Alcaide na Covilhã e só se
conserva o de Manteigas mas por se ter demolido a Capela de Santo Antonio da
Argenteira na dita serra, no referido sítio, da Nave d'Argenteira. se pratica
hoje junto da sobredita Vila, em outra capela do mesmo Santo, decidindo-se as
mesmas questões, jogando a barra e levando o vencedor do tiro um grande bolo de
trigo de um alqueire.
Notas
(30) A população
desta Vila é de 500 vizinhos, unida a duas freguesias que são vigarias
do Padroado Real. S. Maria uma e S. Pedro outra, pertencentes às Comendas da
Ordem de Cristo, com sua Misericordia separada. Tem jurisdição ordinaria,
civel, criminal e orfãos, com capitão-mor de ordenanças; foi tributada com
direitos reais em 1500 pelo Senhor D. Sancho o primeiro, que o senhor D.
Diniz mudou para 60 maravidis de ouro, os quais o senhor D. Manuel, no
ano de 1514, no foral que deu novamente àquela vila, mudou para a quantia de 5400, que
se pagam ao senhorio dos ditos direitos que é a Casa de Belmonte, por doação
regia. Gosa esta vila de varios privilegios, o 1º) de serem dados os maninhos
aos seus moradores, repartindo-os a Camara para os lavrarem, sem pagarem
tributos mais do que o dizimo a Deus, graça que lhe concederam os primeiros
Reis de Portugal para haver quem habitasse aquela terra e se poder aumentar por
ficar no meio da mencionada serra, confirmado pelo capitulo 3º do Foral e por
Sentença do Juizo dos Feitos da Coroa de 19 de Novembro de 1520. 2.º)
O poderem os seus moradores pastar com os seus gados livremente nos baldios da
Covilhã e seu termo, confirmado em 1768, e em parte do termo de Gouveia, onde chamam o montado, que é da Coroa, por compromisso de 1420, celebrado na
Igreja de S. Pedro da Vila de Gouveia, e confirmado pelos Duques de Vizeu, em
tempo que tiveram o senhorio daquela Vila, até ao tempo do infeliz D. Diogo,
donde passou para a Coroa, e depois pelo Senhor D. João 3º ao qual cedeu a
Camara daquela Vila o Padroado daquelas Igrejas pela nomeação do Juiz Vedor dos
Panos de Lã, que hoje não possui, o que consta do alvara regio de 14 de
Dezembro de 1524 que está e o mais de que se faz menção no Cartório da Camara
da dita Vila.
Notas dos editores - a)
Revista que era propriedade da FNIL - Federação Nacional dos Industriais de
Lanifícios.
b) Publicação neste blogue em
29 de Maio de 2011.
c)Texto da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias.
d)Texto de António Mendes Alçada de Morais.
1) Encontrámos posteriormente no espólio de Carvalho Dias as seguintes referências a cargos desempenhados por João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz de Gusmão, que denotam não haver sido formado em Direito:
Vedor dos Panos da Fábrica da Covilhã - alvará de 23/10/1804, Livº 73, fls. 148 da Chancelaria de D. Maria I;
Escrivão do Geral da Vila da Covilhã, alvará de 07/01/1806, Lº 76, fls. 143, da Chancelaria de D. Maria I;
Repartidor dos Órfãos da Vila da Covilhã, alvará de mercê 07/01/1806, Lº 74, fls. 259 vº e alvará de propriedade do mesmo, da mesma data, Lº 76, fls. 143 da mesma Chancelaria, cargo que renunciou em 23/10/1813, Lº 16, fls. 122 da Chancelaria de D. João VI.
Notas dos editores - A Nossa Senhora da Boa Estrela situa-se no Covão do Boi a 1850 m de altitude, foi esculpida em baixo-relevo pelo escultor António Duarte e inaugurada em 1946.
- Duas fotografias são do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias.
As publicações do blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/09/covilha-as-publicacoes.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/05/covilha-o-2-aniversario-do-nosso-blogue.html
1) Encontrámos posteriormente no espólio de Carvalho Dias as seguintes referências a cargos desempenhados por João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz de Gusmão, que denotam não haver sido formado em Direito:
Vedor dos Panos da Fábrica da Covilhã - alvará de 23/10/1804, Livº 73, fls. 148 da Chancelaria de D. Maria I;
Escrivão do Geral da Vila da Covilhã, alvará de 07/01/1806, Lº 76, fls. 143, da Chancelaria de D. Maria I;
Repartidor dos Órfãos da Vila da Covilhã, alvará de mercê 07/01/1806, Lº 74, fls. 259 vº e alvará de propriedade do mesmo, da mesma data, Lº 76, fls. 143 da mesma Chancelaria, cargo que renunciou em 23/10/1813, Lº 16, fls. 122 da Chancelaria de D. João VI.
- Duas fotografias são do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias.
As publicações do blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/09/covilha-as-publicacoes.html
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Publicação neste blogue sobre os monografistas covilhanenses:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas-v.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas-iv.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/09/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ii.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas-v.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas-iv.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/09/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ii.html
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