quinta-feira, 29 de maio de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXVII


     Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV


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V



      O CONDE DA ERICEIRA
 E OS LANIFÍCIOS (1)
(Continuação)

A nova companhia dos mestres chegou a Covilhã, em fins de Fevereiro de 1678, com um tintureiro, um pisoeiro e um fabricante inglês, este alcunhado «mestre de mestres». Todos, generosamente pagos, traziam no contrato, salários diários de 1$000, preço razoável se atendermos às esperanças neles depositadas: porém, ao fim de quatro meses, verificou-se o grande logro, pois só o tintureiro correspondia às exigências da reforma.
O pisoeiro idealizou o pisão, num açude da Ribeira, mas gastos 600$000 logo se concluiu pela ineficácia da obra.

A água na Ribeira de Goldra, também conhecida por Ribeira dos Pisões
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Regressaram à Pátria, permanecendo só o tintureiro que, por descuido ou má fé, ainda elevou a soma dos prejuízos; duma assen­tada deixou queimar, no vão duma caldeira, vinte peças de pano, no valor de 200$000, não obstante entrar na teoria dos seus compatriotas a exigir mais dinheiro para ensinar os portugueses.
Desanimados, os contratadores resvalaram pelo caminho do de­sânimo e, se não fora a tenacidade do Juíz de Fora, tudo se havia perdido.
Os mestres ingleses, induzidos por um português de Évora, fin­gido operário da fábrica, mas emissário dos comerciantes britânicos de Lisboa, deliberaram fugir certa madrugada de Abril.
Imediatamente o Juíz de Fora ordenou às autoridades da fron­teira lhes fechassem os portos da raia de Castela e, sabendo que marchavam pela estrada de Castelo Branco, partiu-lhes no encalço, acompanhado de vários populares armados. Topou-os em Alcaria, a sete quilómetros ao sul da Covilhã. Como se encontravam também armados, levou-os, por boas palavras, a regressarem ao trabalho, e fingiu transigir em que dois ingleses seguissem para Lisboa, em míssão desconhecida.
Chegados à Covilhã, prendeu-os, esperando que o argumento da força os convencesse, sem atender às vozes daqueles que achavam indigno da justiça a cilada que lhes armara.
A verdade, porém, era outra: os mestres ingleses permaneciam ligados a cláusulas contratuais de que tentavam eximir-se, sem res­peito pelos prejuízos que a sua atitude acarretava. Era preciso fazer cumprir o contrato. Por isso o Vedor da Fazenda aprovou a atitude do Juiz e remeteu Cortim para a Covilhã, como mensageiro de paz. Este, porém, ou porque a voz do sangue não lhe fosse indiferente, ou por qualquer outra razão desconhecida, ainda acirrou mais os ânimos.
Só a intransigência do Juiz de Fora se não abalou!
Decorridos alguns dias, os ingleses quebraram e, voltando ao tra­balho, desvendaram o mistério dos nós sem remuneração especial. Mas os ânimos permaneciam agitados. Dentro da Vila, o espectro do «exclusívos» não se afastava, e a reacção dos mercadores e dos tra­peiros revolvia o meio operário e agitava a consciência dos obreiros. Temiam pelo trato livre e que a fábrica, senhora do mercado do tra­balho, explorasse a necessidade dos pobres, provocando a baixa dos salários. Insistiam, por isso, que a direcção da fábrica passasse dos contratadores à Câmara.
Os tecelões recusavam-se a tecer e corria voz de que, açambar­cada a mão-de-obra pelas exigências da fábrica, sossobrariam as livres actividades. Acabaram os contratadores por ordenar os salários das baetas e sarjas pelos dos panos, enquanto o Juiz de Fora procedia ao inquérito da mão de obra.
Neste concluiu: o número das fiandeiras era não só suficiente para as baetas, mas também para os panos de comércio livre, e ainda sobejava para fiar as lãs das vilas circunvizinhas. Quanto aos tecelões, reconhecendo os motivos de queixa, pediu ao príncipe mandasse regressar os cinco que prestavam serviço militar em Penamacor.
 Acabou o Juiz de Fora por calar os descontentes provando-lhes, pelo Livro do varejo dos panos, que, desde a nova instalação do fabrico das baetas, a fábrica dos panos, longe de diminuir, aumentara muito, e a sua qualidade melhorara sensivelmente.
Ao preparar-se a primeira grande remessa de baetas, sarjas e estambres para o mercado de Lisboa, notou-se que a grossura do fiado prejudicava o tecido; a fim de o prestígio da fábrica não ser afectado, exportaram-se estas peças para Espanha, por contraban­do, e tentou reformar-se a fiação, não sem que se erguesse novo ru­mor na população fabril da Covilhã. Um cardador descontente mar­chou para Lisboa a queixar-se ao Conde de terem rejeitado certo fiado a uma sua filha: aceitou Ericeira a queixa, por urbanidade, e convidou o reclamante a voltar à Covilhã, depois de o indemnizar das despesas da viagem.
Os progressos da fábrica eram evidentes; visitada por prelados, ministros e pessoas gradas que jornadeavam pela Beira, não logrou contudo convencer muitos dos naturais que jamais lhe franquearam os umbrais.
Da Memória de Vilas Boas e da tradicional estrutura económica da Covilhã somos levados a concluir que inicialmente os três contra­tadores fabricavam, em separado, as suas baetas e sarjas, quer nos seus engenhos, quer em oficinas alheias, quando careciam de secções próprias, mas o comércio desenvolvia-se em comum.
Chegamos, porém, ao momento em que este condicionalismo cede ao espírito associativo e às novas tendências da concentração capitalista: a oficina autónoma, de raiz artesanal, filha do princípio da divisão do trabalho e especializada à sombra dum ofício, aglutina as outras oficinas da cadeia industrial, aconchega-as sob o mesmo edificio, sujeita-as à mesma direcção, para surgir a fábrica completa.
O artesão ou mestre, senhor do seu ofício, sai do círculo paternal dele para ingressar na fábrica e ser aí com os seus antigos oficiais um assalariado a mais da grande babilónia do trabalho.
A oficina, contudo, já alienara antes, muito da sua independência e do seu valor económico, quando o artesão largou ao mercador a iniciativa da venda, e este tomou nas suas mãos audazes e ávidas a conjuntura do mercado e da produção.
Também na Covilhã, os três mercadores-fabricantes, que cedo saborearam as vantagens do exclusivo, não tardaram em ajuntar as ­suas oficinas, associando-se para erguerem o primeiro edifício fabril, que ao depois se chamou a Fábrica Velha (22), nas escarpas da Ribeira da Carpinteira. Adquiridos os terrenos, chamaram pedreiros ­e carpinteiros da província de Entre Douro e Minho e um mestre de obras de Alpedrinha e, em Julho de 1678, deram início à casa do tinte. Seguiu-se-lhe o armazém. A água para as caldeiras repartia-se por registos. A casa das fornalhas e a casa da lenha sucedem-se com capacidade para mil carradas, atendendo à dureza dos invernos da região. Do outro lado da Ribeira começa a surgir a casa dos písões, superior à do tinte, apetrechada de fornalha e de oito perchas. A casa das prensas levanta-se quase ao mesmo tempo: nela instalam duas prensas e um tendal para se dobrarem e pregarem as baetas.
Não descuram os contratadores o aspecto humano da indústria e, por isso, projectam casas de habitação para os prensadores e mais oficiais, ao lado do armazém das baetas, que levantam junto do aglo­merado fabril. Cavam-se os alicerces da alfândega, destinada a arre­cadar os direitos do Rei. Jungidas ao privilégio, deviam andar obri­gações sociais que justificam o intuito de alojar nas imediações to­dos os obreiros, à maneira de povoação. A empresa acarretava ainda outras inovações, como levantar uma casa para os estambres, outra para o armazém de lã e dos fiados, e outra para a concentração dos teares, - tudo com o fim de facilitar a direcção do fabrico e ajudar a fiscalizar os métodos industrais. Mas não chegaram a efectuar-se.
Como se vê, começando por agrupar dentro da mesma fábrica, aquelas actividades especializadas que anteriormente viviam em regime dispersivo, a concentração inicia-se pelo tínte, o último elo da cadeia do fabrico dos panos e aspira a terminar na tecelagem.
Fase mais humana do que a posterior fase capitalista, a inter­venção do Estado obriga a cuidar do alojamento de mestres e oficiais, para os aproximar do local do trabalho.
Na história dos lanifícios esta iniciativa marca a primeira mani­festação do novo espírito industrial, a organização da primeira em­presa de tipo capitalista.
Filha do século XVII sofria, porém, restrições na sua actívídade. Como o privilégio derivava duma concessão legal, os contratadores agiam na órbita das suas cláusulas: tinham à ilharga os fiscais de entidade pública que, se por um lado lhes coartavam a liberdade, por outro também lhes prestavam serviços. Eram eles o Juíz, o Es­crivão e o Meirinho. Mas dos contratadores se mantinha a direcção técnica e financeira e a responsabilidade. A direcção técnica repar­tiam-na com os mestres e feitores das secções. O desconhecimento das cláusulas da concessão inibem-nos de desenvolver mais larga­mente o quadro das relações entre a entidade pública e os con­tratantes, embora se adivinhe claramente que a função dos repre­sentantes do Estado à maneira doutras concessões dessa época, englobava o julgamento de acções ligadas aos fins da fábrica, como cobrança de dívidas e defesa do exclusivo.
Corria o mês de Setembro e a empresa desejosa de alargar a sua actividade pelo campo do comércio a retalho, determina abrir uma loja, em Lisboa, sem embargo de se venderem já pelo país as fazendas da sua fabricação e de concorrerem ao mercado espanhol, muito embora o nosso não estivesse ainda saturado.
A vitória do Conde da Ericeira ficava patente aos olhos incrédulos e a satisfação de D. Pedro II era enorme; começava já a lobrigar-se a hora de diminuir a evasão do ouro para Inglaterra, ver­dadeiro quebra-cabeças dos economistas e políticos do tempo!
Por isso o Rei, consciente do valor da empresa, quer testemunhar a sua admiração perante o conselho de ministros e grandes do Reino. Convocados os próceres, ordena ao Conde que prossiga na politica encetada, depois de o felicitar pelo êxito dela.
Novamente os mercadores ingleses se movimentam junto do seu Rei, mas era tarde. Avaliavam num milhão e seiscentos mil cruzados anuais as perdas do tesouro inglês, se o mercado de Portugal se auto­-abastecesse.
Era essa a intenção do nosso governo, que não tarda a fomentar a organização duma nova fábrica, agora em Estremoz, Vila também ligada ao fabrico dos panos de lã.
Já no século XVI, o regimento do Desejado a inculca como cen­tro importante dos lanifícios.
Gonçalo da Cunha Vilas Boas indica o nome do contratador António Mendes Garcia, para logo lastimar a morte dessa tentativa e com certo orgulho acrescentar que, apesar de todos os contratempos a fábrica da Covilhã laborava, em Dezembro de 1678 com um efectívo de oito teares. Tão próspero resultado levou o Conde da Ericeira que sabia recompensar os serviços, a louvar publicamente os contratadores.
No princípio de Janeiro de 1679, um novo motim contra o con­trato agita a Covilhã, mesmo no coração da Vila, ao Arco de Pelou­rinho, nas imediações da Câmara. Os vivas ao povo entremeavam-se com morras à fábrica e votos de liberdade, deixando transparecer a impopularidade do exclusivo do fabrico das baetas e sarjas.
A devassa porém, quase não sobreviveu ao alvoroço. A justiça régia não ligava grande importância a estas explosões naturais da opinião pública: considerava-as até desejáveis para que os funcionários não morressem de pasmo, e o povo não perdesse aquela cons­ciência da coisa pública, sempre tão útil, especialmente nos momen­tos de crise.
O uso moderado e momentâneo da força, despido de toda a violência, caracteriza os métodos repressivos da nossa administração. Manifesta-se aqui o poder na sua feição paternalista, ainda afasta­do do absolutismo do Marquês de Pombal. Embora a Corôa conce­desse o exclusivo para amparar a reforma das fábricas, e os monopólios tutelados estivessem na moda, a verdade é. que esse regime repugnava não só à burguesia e ao povo, mas ao próprio Rei. E é por isso que o Conde da Ericeira não se cansa de, a toda a hora, chamar à colaboração o maior número de mercadores e trapeiros. Esta circunstância leva-nos a concluir que esse regime de exclusivo vigorou somente porque a reforma não podia progredir em regime de liberdade e mesmo assim não ultrapassou o decénio previsto. A concessão, contudo, estava longe de se assemelhar aos monopólios propriamente ditos. Conquanto houvesse um preço estabelecido, este andava longe do preço óptimo. A concorrência, pràticamente inofensiva pela carência do produto, podia abrir-se entre os detentores de iguais exclusivos de outras terras do país, no mercado nacional, que era comum; e ainda com os panos ingleses e franceses, sem referir os trapeiros e mercadores portugueses do sector da fabricação livre.
Os motins revelam não só a consciência e a força duma burguesía que, à semelhança das suas congéneres europeias, reage abertamente contra as barreiras levantadas à sua actividade; mas um sistema politico que embora atento às exigências do bem comum, não recusa admitir a multiplicidade das fórmulas económicas.
O espírito de resístêncía não esmorece a confiança do Juíz Vilas Boas que volta a salientar quanto a fábrica representava para o ínteresse da Vila, pois «aos pobres enchia de dínheíro e aos ricos de esperança» e a vaticinar à Covilhã que, em breve, seria «segundo Colshester, que no Reyno de Inglaterra, se fez por este caminho, hum erario do maior dinheiro dos Reynos estranhos».
Contudo, o fermento da discórdia alastrava. A defesa do interesse público exigia intervenção. Um clérigo, um nobre e dois plebeus assumem a cabeça da revolta. Os plebeus são presos e remetidos ao Limoeiro de Lisboa, o clérigo é entregue ao juízo do seu prelado, e o nobre repreendido, em auto de Câmara.
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO V
2ª Parte

22- Não resta dúvida tratar-se da fábrica que ainda hoje conserva esta denominação. A essa conclusão, aliás perfilhada por outros monografistas que atribuem a fundação a D. Pedro 2º, somos levados pela Monografia Inédita do P.e Manoel Cabral de Pina e por vários instrumentos notariais cuja publicação oportunamente faremos por se referirem já ao sec. XVIII.


As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
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