Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
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V
O CONDE DA ERICEIRA
E OS LANIFÍCIOS (1)
(Continuação)
(Continuação)
A nova companhia dos mestres chegou a Covilhã, em fins de Fevereiro de 1678, com um tintureiro, um pisoeiro e um fabricante inglês, este alcunhado «mestre de mestres». Todos, generosamente pagos, traziam no contrato, salários diários de 1$000, preço razoável se atendermos às esperanças neles depositadas: porém, ao fim de quatro meses, verificou-se o grande logro, pois só o tintureiro correspondia às exigências da reforma.
O pisoeiro idealizou o pisão,
num açude da Ribeira, mas gastos 600$000 logo se concluiu pela ineficácia da
obra.
A água na Ribeira de Goldra, também conhecida por Ribeira dos Pisões Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias |
Regressaram à Pátria,
permanecendo só o tintureiro que, por descuido ou má fé, ainda elevou a soma
dos prejuízos; duma assentada deixou queimar, no vão duma caldeira, vinte
peças de pano, no valor de 200$000, não obstante entrar na teoria dos seus
compatriotas a exigir mais dinheiro para ensinar os portugueses.
Desanimados, os contratadores
resvalaram pelo caminho do desânimo e, se não fora a tenacidade do Juíz de
Fora, tudo se havia perdido.
Os mestres ingleses,
induzidos por um português de Évora, fingido operário da fábrica, mas
emissário dos comerciantes britânicos de Lisboa, deliberaram fugir certa
madrugada de Abril.
Imediatamente o Juíz de Fora
ordenou às autoridades da fronteira lhes fechassem os portos da raia de
Castela e, sabendo que marchavam pela estrada de Castelo Branco, partiu-lhes no
encalço, acompanhado de vários populares armados. Topou-os em Alcaria, a sete
quilómetros ao sul da Covilhã. Como se encontravam também armados, levou-os,
por boas palavras, a regressarem ao trabalho, e fingiu transigir em que dois
ingleses seguissem para Lisboa, em míssão desconhecida.
Chegados à Covilhã,
prendeu-os, esperando que o argumento da força os convencesse, sem atender às
vozes daqueles que achavam indigno da justiça a cilada que lhes armara.
A verdade, porém, era outra:
os mestres ingleses permaneciam ligados a cláusulas contratuais de que tentavam
eximir-se, sem respeito pelos prejuízos que a sua atitude acarretava. Era
preciso fazer cumprir o contrato. Por isso o Vedor da Fazenda aprovou a atitude
do Juiz e remeteu Cortim para a Covilhã, como mensageiro de paz. Este, porém,
ou porque a voz do sangue não lhe fosse indiferente, ou por qualquer outra
razão desconhecida, ainda acirrou mais os ânimos.
Só a intransigência do Juiz
de Fora se não abalou!
Decorridos alguns dias, os
ingleses quebraram e, voltando ao trabalho, desvendaram o mistério dos nós sem
remuneração especial. Mas os ânimos permaneciam agitados. Dentro da Vila, o
espectro do «exclusívos» não se afastava, e a reacção dos mercadores e dos trapeiros
revolvia o meio operário e agitava a consciência dos obreiros. Temiam pelo
trato livre e que a fábrica, senhora do mercado do trabalho, explorasse a
necessidade dos pobres, provocando a baixa dos salários. Insistiam, por isso,
que a direcção da fábrica passasse dos contratadores à Câmara.
Os tecelões recusavam-se a
tecer e corria voz de que, açambarcada a mão-de-obra pelas exigências da
fábrica, sossobrariam as livres actividades. Acabaram os contratadores por
ordenar os salários das baetas e sarjas pelos dos panos, enquanto o Juiz de
Fora procedia ao inquérito da mão de obra.
Neste concluiu: o número das
fiandeiras era não só suficiente para as baetas, mas também para os panos de
comércio livre, e ainda sobejava para fiar as lãs das vilas circunvizinhas.
Quanto aos tecelões, reconhecendo os motivos de queixa, pediu ao príncipe
mandasse regressar os cinco que prestavam serviço militar em Penamacor.
Acabou o Juiz de Fora por calar os
descontentes provando-lhes, pelo Livro do varejo dos panos, que, desde a
nova instalação do fabrico das baetas, a fábrica dos panos, longe de diminuir,
aumentara muito, e a sua qualidade melhorara sensivelmente.
Ao preparar-se a primeira
grande remessa de baetas, sarjas e estambres para o mercado de Lisboa, notou-se
que a grossura do fiado prejudicava o tecido; a fim de o prestígio da fábrica
não ser afectado, exportaram-se estas peças para Espanha, por contrabando, e
tentou reformar-se a fiação, não sem que se erguesse novo rumor na população
fabril da Covilhã. Um cardador descontente marchou para Lisboa a queixar-se ao
Conde de terem rejeitado certo fiado a uma sua filha: aceitou Ericeira a
queixa, por urbanidade, e convidou o reclamante a voltar à Covilhã, depois de o
indemnizar das despesas da viagem.
Os progressos da fábrica eram
evidentes; visitada por prelados, ministros e pessoas gradas que jornadeavam
pela Beira, não logrou contudo convencer muitos dos naturais que jamais lhe
franquearam os umbrais.
Da Memória de Vilas Boas e da
tradicional estrutura económica da Covilhã somos levados a concluir que
inicialmente os três contratadores fabricavam, em separado, as suas baetas e
sarjas, quer nos seus engenhos, quer em oficinas alheias, quando careciam de
secções próprias, mas o comércio desenvolvia-se em comum.
Chegamos, porém, ao momento
em que este condicionalismo cede ao espírito associativo e às novas tendências
da concentração capitalista: a oficina autónoma, de raiz artesanal, filha do
princípio da divisão do trabalho e especializada à sombra dum ofício, aglutina
as outras oficinas da cadeia industrial, aconchega-as sob o mesmo edificio,
sujeita-as à mesma direcção, para surgir a fábrica completa.
O artesão ou mestre, senhor
do seu ofício, sai do círculo paternal dele para ingressar na fábrica e ser aí
com os seus antigos oficiais um assalariado a mais da grande babilónia do
trabalho.
A oficina, contudo, já
alienara antes, muito da sua independência e do seu valor económico, quando o
artesão largou ao mercador a iniciativa da venda, e este tomou nas suas mãos
audazes e ávidas a conjuntura do mercado e da produção.
Também na Covilhã, os três
mercadores-fabricantes, que cedo saborearam as vantagens do exclusivo, não
tardaram em ajuntar as suas oficinas, associando-se para erguerem o primeiro
edifício fabril, que ao depois se chamou a Fábrica Velha (22), nas escarpas da Ribeira da Carpinteira.
Adquiridos os terrenos, chamaram pedreiros e carpinteiros da província de
Entre Douro e Minho e um mestre de obras de Alpedrinha e, em Julho de 1678,
deram início à casa do tinte. Seguiu-se-lhe o armazém. A água para as caldeiras
repartia-se por registos. A casa das fornalhas e a casa da lenha sucedem-se com
capacidade para mil carradas, atendendo à dureza dos invernos da região. Do
outro lado da Ribeira começa a surgir a casa dos písões, superior à do tinte,
apetrechada de fornalha e de oito perchas. A casa das prensas levanta-se quase
ao mesmo tempo: nela instalam duas prensas e um tendal para se dobrarem e
pregarem as baetas.
Não descuram os contratadores
o aspecto humano da indústria e, por isso, projectam casas de habitação para os
prensadores e mais oficiais, ao lado do armazém das baetas, que levantam junto
do aglomerado fabril. Cavam-se os alicerces da alfândega, destinada a arrecadar
os direitos do Rei. Jungidas ao privilégio, deviam andar obrigações sociais
que justificam o intuito de alojar nas imediações todos os obreiros, à maneira
de povoação. A empresa acarretava ainda outras inovações, como levantar uma
casa para os estambres, outra para o armazém de lã e dos fiados, e outra para a
concentração dos teares, - tudo com o fim de facilitar a direcção do fabrico e
ajudar a fiscalizar os métodos industrais. Mas não chegaram a efectuar-se.
Como se vê, começando por
agrupar dentro da mesma fábrica, aquelas actividades especializadas que
anteriormente viviam em regime dispersivo, a concentração inicia-se pelo tínte,
o último elo da cadeia do fabrico dos panos e aspira a terminar na tecelagem.
Fase mais humana do que a
posterior fase capitalista, a intervenção do Estado obriga a cuidar do
alojamento de mestres e oficiais, para os aproximar do local do trabalho.
Na história dos lanifícios
esta iniciativa marca a primeira manifestação do novo espírito industrial, a
organização da primeira empresa de tipo capitalista.
Filha do século XVII sofria,
porém, restrições na sua actívídade. Como o privilégio derivava duma concessão
legal, os contratadores agiam na órbita das suas cláusulas: tinham à ilharga os
fiscais de entidade pública que, se por um lado lhes coartavam a liberdade, por
outro também lhes prestavam serviços. Eram eles o Juíz, o Escrivão e o
Meirinho. Mas dos contratadores se mantinha a direcção técnica e financeira e a
responsabilidade. A direcção técnica repartiam-na com os mestres e feitores
das secções. O desconhecimento das cláusulas da concessão inibem-nos de
desenvolver mais largamente o quadro das relações entre a entidade pública e
os contratantes, embora se adivinhe claramente que a função dos representantes
do Estado à maneira doutras concessões dessa época, englobava o julgamento de
acções ligadas aos fins da fábrica, como cobrança de dívidas e defesa do
exclusivo.
Corria o mês de Setembro e a
empresa desejosa de alargar a sua actividade pelo campo do comércio a retalho,
determina abrir uma loja, em Lisboa, sem embargo de se venderem já pelo país as
fazendas da sua fabricação e de concorrerem ao mercado espanhol, muito embora o
nosso não estivesse ainda saturado.
A vitória do Conde da
Ericeira ficava patente aos olhos incrédulos e a satisfação de D. Pedro II era
enorme; começava já a lobrigar-se a hora de diminuir a evasão do ouro para
Inglaterra, verdadeiro quebra-cabeças dos economistas e políticos do tempo!
Por isso o Rei, consciente do
valor da empresa, quer testemunhar a sua admiração perante o conselho de
ministros e grandes do Reino. Convocados os próceres, ordena ao Conde que
prossiga na politica encetada, depois de o felicitar pelo êxito dela.
Novamente os mercadores
ingleses se movimentam junto do seu Rei, mas era tarde. Avaliavam num milhão e
seiscentos mil cruzados anuais as perdas do tesouro inglês, se o mercado de
Portugal se auto-abastecesse.
Era essa a intenção do nosso
governo, que não tarda a fomentar a organização duma nova fábrica, agora em
Estremoz, Vila também ligada ao fabrico dos panos de lã.
Já no século XVI, o regimento
do Desejado a inculca como centro importante dos lanifícios.
Gonçalo da Cunha Vilas Boas
indica o nome do contratador António Mendes Garcia, para logo lastimar a morte
dessa tentativa e com certo orgulho acrescentar que, apesar de todos os
contratempos a fábrica da Covilhã laborava, em Dezembro de 1678 com um efectívo
de oito teares. Tão próspero resultado levou o Conde da Ericeira que sabia
recompensar os serviços, a louvar publicamente os contratadores.
No princípio de Janeiro de 1679,
um novo motim contra o contrato agita a Covilhã, mesmo no coração da Vila, ao
Arco de Pelourinho, nas imediações da Câmara. Os vivas ao povo entremeavam-se
com morras à fábrica e votos de liberdade, deixando transparecer a
impopularidade do exclusivo do fabrico das baetas e sarjas.
A devassa porém, quase não
sobreviveu ao alvoroço. A justiça régia não ligava grande importância a estas
explosões naturais da opinião pública: considerava-as até desejáveis para que
os funcionários não morressem de pasmo, e o povo não perdesse aquela consciência
da coisa pública, sempre tão útil, especialmente nos momentos de crise.
O uso moderado e momentâneo
da força, despido de toda a violência, caracteriza os métodos repressivos da
nossa administração. Manifesta-se aqui o poder na sua feição paternalista,
ainda afastado do absolutismo do Marquês de Pombal. Embora a Corôa concedesse
o exclusivo para amparar a reforma das fábricas, e os monopólios tutelados
estivessem na moda, a verdade é. que esse regime repugnava não só à burguesia e
ao povo, mas ao próprio Rei. E é por isso que o Conde da Ericeira não se cansa
de, a toda a hora, chamar à colaboração o maior número de mercadores e
trapeiros. Esta circunstância leva-nos a concluir que esse regime de exclusivo
vigorou somente porque a reforma não podia progredir em regime de liberdade e
mesmo assim não ultrapassou o decénio previsto. A concessão, contudo, estava
longe de se assemelhar aos monopólios propriamente ditos. Conquanto houvesse um
preço estabelecido, este andava longe do preço óptimo. A concorrência,
pràticamente inofensiva pela carência do produto, podia abrir-se entre os
detentores de iguais exclusivos de outras terras do país, no mercado nacional,
que era comum; e ainda com os panos ingleses e franceses, sem referir os
trapeiros e mercadores portugueses do sector da fabricação livre.
Os motins revelam não só a
consciência e a força duma burguesía que, à semelhança das suas congéneres
europeias, reage abertamente contra as barreiras levantadas à sua actividade;
mas um sistema politico que embora atento às exigências do bem comum, não
recusa admitir a multiplicidade das fórmulas económicas.
O espírito de resístêncía não
esmorece a confiança do Juíz Vilas Boas que volta a salientar quanto a fábrica
representava para o ínteresse da Vila, pois «aos pobres enchia de dínheíro e
aos ricos de esperança» e a vaticinar à Covilhã que, em breve, seria «segundo
Colshester, que no Reyno de Inglaterra, se fez por este caminho, hum erario do
maior dinheiro dos Reynos estranhos».
Contudo, o fermento da
discórdia alastrava. A defesa do interesse público exigia intervenção. Um
clérigo, um nobre e dois plebeus assumem a cabeça da revolta. Os plebeus são
presos e remetidos ao Limoeiro de Lisboa, o clérigo é entregue ao juízo do seu
prelado, e o nobre repreendido, em auto de Câmara.
(Continua)
NOTAS DO CAPÍTULO V
2ª Parte
22- Não resta dúvida tratar-se da fábrica que ainda hoje conserva esta denominação. A essa conclusão, aliás perfilhada por outros monografistas que atribuem a fundação a D. Pedro 2º, somos levados pela Monografia Inédita do P.e Manoel Cabral de Pina e por vários instrumentos notariais cuja publicação oportunamente faremos por se referirem já ao sec. XVIII.
As Publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-contributos-para-sua-historia.html
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