Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.
******
LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS
O S L A N I F Í C I O S
NA POLÍTICA ECONÓMICA
DO CONDE DA ERICEIRA
I
LISBOA MCMLIV
******
V
O CONDE DA ERICEIRA
E OS LANIFÍCIOS (1)
(Continuação)
Após este sucesso, organiza-se a fábrica da Vila de Melo, contratada por Filipe Cardona (23), com João da Fonseca de Magalhães, sargento-mór da comarca, em superintendente.
Esta concessão, já
anteriormente requerida, fora obstruída pelos contratadores da Covilhã, com o
fundamento de recair na área reservada ao seu contrato, argumento semelhante
ao que opuseram a Pedro da Cunha.
A certeza da prosperidade
desta realização deriva do facto de, em 1681, trabalhar com sete teares. As
cláusulas obrígacíonaís, privilégios e isenções regulavam-se pelos termos do
contrato da Covilhã.
Combatida no meio, certamente
pelos pequenos mercadores e fabricantes, conseguiu ultrapassar as dificuldades,
a ponto de Vilas Boas lhe augurar boa fortuna.
A posição geográfica de Melo
assemelhava-se à da Covilhã e na Vila mourejava uma vasta colónia de mercadores
cristãos novos que lhe assegurava o desenvolvimento do comércio.
Contudo, nem a Covilhã nem
Melo, na sua dependência, bastavam ao abastecimento do país, em sarjas e
baetas, a ponto de poder dispensar-se o pano inglês, pois tendo o Conde da
Ericeira mandado inquirir das possibilidades de produção de ambas as Vilas
concluiu que não atingiria as três mil peças anuais. Ora as necessidades orçavam
por seis mil.
Como a competência de Vilas
Boas se impusera definitivamente aos olhos do Vedor da Fazenda, coube ao
magistrado lançar, na Vila de Manteigas, os alicerces duma nova fábrica. Também
esta Vila oferecia boas condições de florescimento: lenhas abundantes, boas
águas e, sobretudo, um aglomerado populacional de 700 vizinhos, consagrados
inteiramente ao mester dos panos.
Uma vez nessa Vila, convocou
os mercadores e fabricantes à Câmara e expôs-lhes o plano. Mais do que simples
projecto levava-lhes os resultados práticos, colhidos na Covilhã. Mas eles,
aferrados à sua técnica antiquada, perderam-se a discutir os privilégios
daquela Vila e a pretender diminuí-los em favor duma hipotética empresa. Os contratadores da Covilhã decidiram sair-lhes ao caminho, conhecedores da
vantagem do negócio, e, sem mais dilações, organizaram eles próprios a fábrica
de Manteigas, certamente custodiados pelo mesmo Juiz de Fora. Levaram oficiais
e instrumentos, elegeram feitores e meirinho e, instalados, abriram uma
fabricação de baetas e sarjas cujos resultados excederam os da Covilhã.
Montaram quatro teares e os
novos oficiais aprenderam tão fàcilmente a nova técnica que, iniciados os
trabalhos, nos primeiros dias de Abril de 1680, um mês depois, quando Vilas
Boas voltou a visitar essa Vila, maravilhou-se do progresso atingido.
Nesta obra de Manteigas
compartilhava do êxito o superintendente João Leitão Teles (24), mas os paneíros da Vila não lhe deixaram
murchar os louros porque, aconselhados do Capitão-Mór, tentaram concorrer com
outra fábrica de grande número de teares. Nem o Príncipe nem o Conde se
deixaram embair pelo estratagema, escarmentados pelo alheamento do convite
anterior e certos de que tudo o que ofereciam agora era mais fruto do ódio ao
superintendente do que desejo de servir a economia do Reino.
Novas preocupações assaltaram
a obra do Conde da Ericeira na primavera de 1680.
Os ingleses, conscíentes já
da ameaça dessa obra de fomento, começaram a utilízar uma arma nova que, no
futuro, iria ser largamente manejada pelas grandes organizações económicas
contra a concorrência: baixaram repentinamente o valor das suas baetas e
esperaram que a falta de dinheiro e o pânico desorientassem e levassem à ruína
a nossa indústria nascente. Durou a manobra dois meses, mas, durante eles, os
panos portugueses continuaram a vender-se ao preço anteriormente estabelecido,
porque o público compreendeu o sentido da luta que se travava. Por outro lado,
os ingleses esqueciam que dois dos contratadores da Covilhã, André Nunes e
Jorge Fróis eram cristãos novos e, como tais, não os intimidavam essas armas.
A fábrica da Covilhã, com 14
teares, conseguia assim ultrapassar mais esta barreira que lhe opusera o génio
inglês.
Entretanto a sombra do motim
vinha escurecer de novo o Céu. Preparam-no antecipadamente vários panfletos e
secundava-o do púlpito a voz dum franciscano.
Desta vez, antes que a
tempestade desabasse, fez D. Pedro ocupar a Vila por um troço de gente de
guerra da praça de Penamacor, sob o comando do Mestre de Campo, Sebastião de
Elvas Leitão.
Aflitos, os vereadores
ajuntaram a Câmara e escreveram ao Príncipe para que aliviasse a Vila do
encargo e do opróbrio de sustentar soldados ocupantes, porque para vergonha
dos transgressores do exclusivo bastava já o vexame infligido à Vila. Enviaram
por isso a Lisboa uma embaixada, saindo eleito, para ela, o próprio Juíz de
fora e Conservador da Fábrica. Pretendeu fugir ao encargo, mas alguém do
congresso municipal lhe gritou que não devia escusar-se a servir o povo, nesta
emergência, quem lhe comia há três anos as rendas e os benefícios.
Feliz e livre povo que tinha
do serviço público consciência tão nitida, e altos e dignos magistrados que
aceitavam esta fórmula rude de lhes lembrar os deveres!
Vilas Boas acabou por
aceitar. Exigia, contudo, a escolha doutro delegado que o acompanhasse e por
sua vez se encarregasse das contas da viagem e sua fiscalização.
Escolheram António Botelho,
mesteirel da Covilhã, que nesse ano servia, na Câmara como procurador dos Vinte
e Quatro.
Em três dias atingiram Lisboa
e o Juiz de Fora, por certo participante das medidas tomadas, alcançou
imediatamente de D. Pedro a revogação delas. Seguiu logo mensageiro para o
Conde de Pontevel, Governador das Armas da Beira, com ordens de levantar o
presídio, que durara doze dias.
Na fábrica trabalhavam 15
teares desde Setembro de 1680, número pequeno para as exigências do mercado,
pois as baetas eram tão procuradas que, em Outubro, a loja de Lisboa já carecia
de peças para satisfazer as encomendas. Mandou-as por isso o Conde buscar
directamente à Covilhã.
A Memória de Vilas
Boas faz ressaltar sempre quanto D. Pedro intervinha para animar o Conde a
prosseguír o empreendimento das fábricas e para louvar os contratadores. O
Pacífico não foi, pois, um mero espectador da Reforma do seu Vedor da Fazenda.
O número de teares já subira
para dezassete, no fim do ano de 1680: este número leva a considerar a
circunstância de cada tear ocupar diàriamente 23 pessoas, ou sejam dois
tecelões, que tecem ao mesmo tempo, o moço das canelas, a urdideira, o
estambrador efectivo, as oito fiandeiras do barbim, as oito fiandeiras das
tramas e os dois cardadores. Para a laboração de 17 teares exigiam-se pelo
menos 381 pessoas.
Mas a fábrica agrupava ainda
5 feitores, um na casa do estambre, outro na casa das lãs, outro na casa dos
písões, outro na compra das lãs, e outro na loja de Lisboa, sem referir dois
homens que escolhiam lãs, três tintureiros, dois operários para aquecer as
fornalhas, um negro para servir o tinte, três carregadores de lenha, um
pisoeiro, dez percheiros, um preparador do cardo, duas mulheres serventes do
pisão, um prensador e um oficial das prensas. Acrescentem-se ainda dois
carpinteiros efectivos.
Adicionando a estas trinta e
quatro pessoas, as 381 já referidas pode computar-se o pessoal desta empresa,
em 415 pessoas.
Se atendermos ao fabrico e
trato livre que ainda florescia na Covilhã, e à sua população, que tanto na
Vila como no termo, não excedia 6.000 vizinhos, teremos consciência de que a
gente não ultrapassava as necessidades; era até exígua para o futuro que lhe destinava
a política económica do Conde da Ericeira.
A população fabril da
empresa, a primeira grande empresa dos lanifícios, autoriza a incluí-la no
número das maiores desta época.
Aparte o salário dos
ingleses, citado atrás, a «Memória» de Vilas Boas fixa somente o ordenado anual
do meirinho em 20$000, mas o documento número 7 (25),
adiante publícado discrimina o custo de cada peça de baeta, neste período.
Contudo, é difícil calcular os encargos ordinários desta grande colmeia (26). Sem forçar os números, convém tentar um
juízo sobre o valor económico da fábrica da Covilhã como empresa industrial e
mercantil.
Pode calcular-se em 4.500
réís o lucro líquido de cada peça de baeta e sarja, no momento óptimo da
produção da fábríca, ou seja em 1682; conhece-se o preço de custo, cerca de
15.000 rs.; o preço de venda varia de 21.000 rs. a 22.000 rs. Ao cálculo pelo
mínimo, servem de base o preço da baeta da terra, ou baeta nacional, que antes
da reforma valia 300 réís o côvado e o preço da sarja, sem indicação de
proveniência, que valia 450 réis. A baeta inglesa, no último decénio do século,
cotava-se a 27.000 rs., mas pagava, na alfândega, 23 % ad valorem, sobre o
preço de 1652, que era de 15.000 rs. (27).
Os 23 teares da Covilhã
podiam tecer, por semana, cerca de 46 peças, soma que prefaz, ao fim dum ano,
2.392; o lucro líquido total destas peças não excederia 10.764.000 réis. O
lucro, cerca de 30 %, englobava o lucro do fabrico e do comércio, repartido
conjuntamente pelos contratadores.
O custo da produção da
fábrica fixa-se em 35.880.000 réís que em 1953 valem 3.629.005$71.
Segundo as tabelas publicadas
por J. Lúcio de Azevedo nas Épocas de Portugal Económico (28), para reduzir a centavos de 1929 o valor
dos reais de 1688 basta multiplicar 1,26 reais por 0$054; deste modo o lucro
anual dos contratadores depois de reduzido à moeda de 1929 andaria por cerca de
461.314$28. Como a libra ouro se computava: em 1929, a 99$00 (29) e em 1953 a
236$00, aquela importância equivale hoje a 1.088.701$70. Procedendo a idênticas
operações verificamos que a baeta, cujo côvado valia em 1688 cerca de 450
réis, custaria em 1929, 19$28,5 e, em 1953, 45$51, ou seja 68$95 o metro.
Esta apreciação do valor da
baeta, em 1953 dá-nos a certeza de que as contas estão certas e ainda quanto de
valioso representava para os contratadores a fábrica da Covilhã.
A técnica industrial dos
regimentos de 1573 e de 1690 afasta-se levemente e no pormenor, da fixada pelo
Juiz Conservador, pelo que convém reproduzi-la aqui, em resumo.
Depois de determinar a forma
de escolher a lã, regista como fases da técnica da fabricação a lavagem da lã,
a escarduça, a cardação, o estambramento, a fiação e a lavagem do fiado, a
urdidura, a tecelagem do pano, o apísoamento e a tosagem, a espínza, a cardação
do pano, sua lavagem e enxuga.
Na tinturaria refere-se à
operação de tingir, propriamente dita, à lavagem e à pregagem.
De todas estas operações de
fabrico parece-nos que só a estambragem era verdadeiramente nova. O que
divergia do passado era, além dela, a perfeição das restantes e o uso de certa
maquínáría e dos instrumentos adequados. O resto resumia-se na utilização de
produtos naturais, oferecidos pela terra e encaminhados pela importação: boa
água, lenha, carvão, azeite, sabão e grude e para as tintas: pastel, ruiva,
caparrosa, lírio, pedra hume, anil e cal.
NOTAS DO CAPÍTULO V
3ª Parte
23- DOC. N.º 8. Este Cardona era dos Cardonas da Covilhã.
24- João Leitão Teles, veio a ser genro de Luiz Romão Sinel, por haver casado em segundas núpcias, com sua filha D. Maria Correia Sinel, cerca de 1695.
25- DOC. N.º 7.
26- É necessário corrigir as operações aritméticas do doc. nº 7 porque estão erradas. O erro provém do cod. 647 da Pombalina que serviu de base à nossa cópia e não deve ser o original. Os nossos cálculos tiveram em atenção esse erro
27- LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO – obra citada. Este autor dá-nos o valor da baeta no último decénio do sec. XVII. O imposto é ainda o do Tratado com Inglaterra de 1652, no artigo secreto também já citado.
28- LUCIO D’AZEVEDO – ob.ª cit.ª
29-ID
As Publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia_29.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_27.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-contributos-para-sua-historia.html
Sem comentários:
Enviar um comentário