domingo, 1 de junho de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXVIII


     Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV

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V



      O CONDE DA ERICEIRA
 E OS LANIFÍCIOS (1)
(Continuação)

Após este sucesso, organiza-se a fábrica da Vila de Melo, contra­tada por Filipe Cardona (23), com João da Fonseca de Magalhães, sargento-mór da comarca, em superintendente.
Esta concessão, já anteriormente requerida, fora obstruída pelos contratadores da Covilhã, com o fundamento de recair na área reser­vada ao seu contrato, argumento semelhante ao que opuseram a Pe­dro da Cunha.
A certeza da prosperidade desta realização deriva do facto de, em 1681, trabalhar com sete teares. As cláusulas obrígacíonaís, privilégios e isenções regulavam-se pelos termos do contrato da Covilhã.
Combatida no meio, certamente pelos pequenos mercadores e fabricantes, conseguiu ultrapassar as dificuldades, a ponto de Vilas Boas lhe augurar boa fortuna.
A posição geográfica de Melo assemelhava-se à da Covilhã e na Vila mourejava uma vasta colónia de mercadores cristãos novos que lhe assegurava o desenvolvimento do comércio.
Contudo, nem a Covilhã nem Melo, na sua dependência, basta­vam ao abastecimento do país, em sarjas e baetas, a ponto de poder dispensar-se o pano inglês, pois tendo o Conde da Ericeira mandado inquirir das possibilidades de produção de ambas as Vilas concluiu que não atingiria as três mil peças anuais. Ora as necessidades orça­vam por seis mil.
Como a competência de Vilas Boas se impusera definitivamente aos olhos do Vedor da Fazenda, coube ao magistrado lançar, na Vila de Manteigas, os alicerces duma nova fábrica. Também esta Vila oferecia boas condições de florescimento: lenhas abundantes, boas águas e, sobretudo, um aglomerado populacional de 700 vizinhos, consagrados inteiramente ao mester dos panos.
Uma vez nessa Vila, convocou os mercadores e fabricantes à Câmara e expôs-lhes o plano. Mais do que simples projecto levava­-lhes os resultados práticos, colhidos na Covilhã. Mas eles, afer­rados à sua técnica antiquada, perderam-se a discutir os privilégios daquela Vila e a pretender diminuí-los em favor duma hipotética empresa. Os contratadores da Covilhã decidiram sair-lhes ao ca­minho, conhecedores da vantagem do negócio, e, sem mais dilações, organizaram eles próprios a fábrica de Manteigas, certamente custodiados pelo mesmo Juiz de Fora. Levaram oficiais e instrumentos, elegeram feitores e meirinho e, instalados, abriram uma fabricação de baetas e sarjas cujos resultados excederam os da Covilhã.
Montaram quatro teares e os novos oficiais aprenderam tão fà­cilmente a nova técnica que, iniciados os trabalhos, nos primeiros dias de Abril de 1680, um mês depois, quando Vilas Boas voltou a vi­sitar essa Vila, maravilhou-se do progresso atingido.
Nesta obra de Manteigas compartilhava do êxito o superinten­dente João Leitão Teles (24), mas os paneíros da Vila não lhe deixaram murchar os louros porque, aconselhados do Capitão-Mór, tenta­ram concorrer com outra fábrica de grande número de teares. Nem o Príncipe nem o Conde se deixaram embair pelo estratagema, escar­mentados pelo alheamento do convite anterior e certos de que tudo o que ofereciam agora era mais fruto do ódio ao superintendente do que desejo de servir a economia do Reino.
Novas preocupações assaltaram a obra do Conde da Ericeira na primavera de 1680.
Os ingleses, conscíentes já da ameaça dessa obra de fomento, começaram a utilízar uma arma nova que, no futuro, iria ser largamente manejada pelas grandes organizações económicas contra a concorrência: baixaram repentinamente o valor das suas baetas e esperaram que a falta de dinheiro e o pânico desorientassem e levassem à ruína a nossa indústria nascente. Durou a manobra dois me­ses, mas, durante eles, os panos portugueses continuaram a ven­der-se ao preço anteriormente estabelecido, porque o público com­preendeu o sentido da luta que se travava. Por outro lado, os ingleses esqueciam que dois dos contratadores da Covilhã, André Nunes e Jorge Fróis eram cristãos novos e, como tais, não os intimidavam essas armas.
A fábrica da Covilhã, com 14 teares, conseguia assim ultrapassar mais esta barreira que lhe opusera o génio inglês.
Entretanto a sombra do motim vinha escurecer de novo o Céu. Preparam-no antecipadamente vários panfletos e secundava-o do púlpito a voz dum franciscano.
Desta vez, antes que a tempestade desabasse, fez D. Pedro ocupar a Vila por um troço de gente de guerra da praça de Penamacor, sob o comando do Mestre de Campo, Sebastião de Elvas Leitão.
Aflitos, os vereadores ajuntaram a Câmara e escreveram ao Príncipe para que aliviasse a Vila do encargo e do opróbrio de sus­tentar soldados ocupantes, porque para vergonha dos transgressores do exclusivo bastava já o vexame infligido à Vila. Enviaram por isso a Lisboa uma embaixada, saindo eleito, para ela, o próprio Juíz de fora e Conservador da Fábrica. Pretendeu fugir ao encargo, mas al­guém do congresso municipal lhe gritou que não devia escusar-se a servir o povo, nesta emergência, quem lhe comia há três anos as rendas e os benefícios.
Feliz e livre povo que tinha do serviço público consciência tão nitida, e altos e dignos magistrados que aceitavam esta fórmula rude de lhes lembrar os deveres!
Vilas Boas acabou por aceitar. Exigia, contudo, a escolha doutro delegado que o acompanhasse e por sua vez se encarregasse das contas da viagem e sua fiscalização.
Escolheram António Botelho, mesteirel da Covilhã, que nesse ano servia, na Câmara como procurador dos Vinte e Quatro.
Em três dias atingiram Lisboa e o Juiz de Fora, por certo participante das medidas tomadas, alcançou imediatamente de D. Pedro a revogação delas. Seguiu logo mensageiro para o Conde de Pontevel, Governador das Armas da Beira, com ordens de levantar o presídio, que durara doze dias.
Na fábrica trabalhavam 15 teares desde Setembro de 1680, nú­mero pequeno para as exigências do mercado, pois as baetas eram tão procuradas que, em Outubro, a loja de Lisboa já carecia de peças para satisfazer as encomendas. Mandou-as por isso o Conde buscar directamente à Covilhã.
A Memória de Vilas Boas faz ressaltar sempre quanto D. Pedro intervinha para animar o Conde a prosseguír o empreendimento das fábricas e para louvar os contratadores. O Pacífico não foi, pois, um mero espectador da Reforma do seu Vedor da Fazenda.
O número de teares já subira para dezassete, no fim do ano de 1680: este número leva a considerar a circunstância de cada tear ocupar diàriamente 23 pessoas, ou sejam dois tecelões, que tecem ao mesmo tempo, o moço das canelas, a urdideira, o estambrador efectivo, as oito fiandeiras do barbim, as oito fiandeiras das tramas e os dois cardadores. Para a laboração de 17 teares exigiam-se pelo menos 381 pessoas.
Mas a fábrica agrupava ainda 5 feitores, um na casa do estam­bre, outro na casa das lãs, outro na casa dos písões, outro na compra das lãs, e outro na loja de Lisboa, sem referir dois homens que esco­lhiam lãs, três tintureiros, dois operários para aquecer as fornalhas, um negro para servir o tinte, três carregadores de lenha, um pisoeiro, dez percheiros, um preparador do cardo, duas mulheres serventes do pisão, um prensador e um oficial das prensas. Acrescentem-se ainda dois carpinteiros efectivos.
Adicionando a estas trinta e quatro pessoas, as 381 já referidas pode computar-se o pessoal desta empresa, em 415 pessoas.
Se atendermos ao fabrico e trato livre que ainda florescia na Covilhã, e à sua população, que tanto na Vila como no termo, não excedia 6.000 vizinhos, teremos consciência de que a gente não ultra­passava as necessidades; era até exígua para o futuro que lhe desti­nava a política económica do Conde da Ericeira.
A população fabril da empresa, a primeira grande empresa dos lanifícios, autoriza a incluí-la no número das maiores desta época.
Aparte o salário dos ingleses, citado atrás, a «Memória» de Vilas Boas fixa somente o ordenado anual do meirinho em 20$000, mas o documento número 7 (25), adiante publícado discrimina o custo de cada peça de baeta, neste período. Contudo, é difícil calcular os encargos ordinários desta grande colmeia (26). Sem forçar os núme­ros, convém tentar um juízo sobre o valor económico da fábrica da Covilhã como empresa industrial e mercantil.
Pode calcular-se em 4.500 réís o lucro líquido de cada peça de baeta e sarja, no momento óptimo da produção da fábríca, ou seja em 1682; conhece-se o preço de custo, cerca de 15.000 rs.; o preço de venda varia de 21.000 rs. a 22.000 rs. Ao cálculo pelo mínimo, ser­vem de base o preço da baeta da terra, ou baeta nacional, que antes da reforma valia 300 réís o côvado e o preço da sarja, sem indicação de proveniência, que valia 450 réis. A baeta inglesa, no último decénio do século, cotava-se a 27.000 rs., mas pagava, na alfândega, 23 % ad valorem, sobre o preço de 1652, que era de 15.000 rs. (27).
Os 23 teares da Covilhã podiam tecer, por semana, cerca de 46 peças, soma que prefaz, ao fim dum ano, 2.392; o lucro líquido total destas peças não excederia 10.764.000 réis. O lucro, cerca de 30 %, englobava o lucro do fabrico e do comércio, repartido conjuntamente pelos contratadores.
O custo da produção da fábrica fixa-se em 35.880.000 réís que em 1953 valem 3.629.005$71.
Segundo as tabelas publicadas por J. Lúcio de Azevedo nas Épo­cas de Portugal Económico (28), para reduzir a centavos de 1929 o valor dos reais de 1688 basta multiplicar 1,26 reais por 0$054; deste modo o lucro anual dos contratadores depois de reduzido à moeda de 1929 andaria por cerca de 461.314$28. Como a libra ouro se compu­tava: em 1929, a 99$00 (29) e em 1953 a 236$00, aquela importância equivale hoje a 1.088.701$70. Procedendo a idênticas operações veri­ficamos que a baeta, cujo côvado valia em 1688 cerca de 450 réis, custaria em 1929, 19$28,5 e, em 1953, 45$51, ou seja 68$95 o metro.
Esta apreciação do valor da baeta, em 1953 dá-nos a certeza de que as contas estão certas e ainda quanto de valioso representava para os contratadores a fábrica da Covilhã.
A técnica industrial dos regimentos de 1573 e de 1690 afasta-se levemente e no pormenor, da fixada pelo Juiz Conservador, pelo que convém reproduzi-la aqui, em resumo.
Depois de determinar a forma de escolher a lã, regista como fa­ses da técnica da fabricação a lavagem da lã, a escarduça, a carda­ção, o estambramento, a fiação e a lavagem do fiado, a urdidura, a tecelagem do pano, o apísoamento e a tosagem, a espínza, a cardação do pano, sua lavagem e enxuga.
Na tinturaria refere-se à operação de tingir, propriamente dita, à lavagem e à pregagem.
De todas estas operações de fabrico parece-nos que só a estambragem era verdadeiramente nova. O que divergia do passado era, além dela, a perfeição das restantes e o uso de certa maquínáría e dos instrumentos adequados. O resto resumia-se na utilização de produtos naturais, oferecidos pela terra e encaminhados pela importação: boa água, lenha, carvão, azeite, sabão e grude e para as tintas: pastel, ruiva, caparrosa, lírio, pedra hume, anil e cal.

NOTAS DO CAPÍTULO V
3ª Parte

         23- DOC. N.º 8. Este Cardona era dos Cardonas da Covilhã.
24- João Leitão Teles, veio a ser genro de Luiz Romão Sinel, por haver casado em segundas núpcias, com sua filha D. Maria Correia Sinel, cerca de 1695.
25- DOC. N.º 7.
26- É necessário corrigir as operações aritméticas do doc. nº 7 porque estão erradas. O erro provém do cod. 647 da Pombalina que serviu de base à nossa cópia e não deve ser o original. Os nossos cálculos tiveram em atenção esse erro
27- LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO – obra citada. Este autor dá-nos o valor da baeta no último decénio do sec. XVII. O imposto é ainda o do Tratado com Inglaterra de 1652, no artigo secreto também já citado.
28- LUCIO D’AZEVEDO – ob.ª cit.ª

29-ID

As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
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