Começamos hoje a publicar documentos do
século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias recolheu vários estudos, que pretendemos apresentar, e deixou algumas reflexões, não revistas, sobre o assunto.
Uma reflexão: ”Parece que em Espanha a liquidação do Regime Senhorial começou logo a
seguir à Invasão Francesa ou mesmo durante e, antes dela teve lampejos, fruto da
Espanha Ilustrada do século XVIII. Em Espanha o problema levantou-se entre
Senhorio jurisdicional e solarengo ou territorial e deu lugar a uma curiosa
literatura histórico-jurídica, tendente a esclarecer a distinção das terras ou
senhorios.
Havia vários graus de senhorios
jurisdicionais. O regime senhorial mostra-se altamente complexo, como verificou
Altamira…”
Outra reflexão: “Trigoso fazia parte dos canonistas
afectos ao Padre António Pereira de Figueiredo e portanto não admira que por
este lado andasse de boas relações e fosse favorecido do Dr. António Ribeiro.
Era amigo também do Dr. Ricardo Raymundo Nogueira, que num desentendimento com Manuel
Pacheco de Resende, Vice-Reitor da Universidade, que depois foi Bispo de
Aveiro, protegeu as suas pretensões.
A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos
Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António
Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro
Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa
Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que
haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa
indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o
meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e
terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes”.
Dos trabalhos da Junta pouco
teria resultado porque, informa Trigoso, os colegas canonistas “não podiam
suportar discussão alguma mais profunda sobre os objectos que se podião
tratar”.
Houve, porém, várias propostas que todos assinavam que subiram ao
Desembrago do Paço e depois à consulta do Governo do Rio.
É assim que Trigoso refere as
suas propostas, respectivamente, sobre a reforma dos pezos e medidas, em 18
de Novembro de 1812, o modo de minorar ou remir os encargos a que estão
sujeitas as terras da Corôa ou do Património Régio em 9 de Dezembro; a
adjudicação de terrenos encravados e contíguos, respeitante à Lei de 9 de Julho
de 1773, em 3 de Fevereiro de 1813; lei das sesmarias em 10 de Março; acerca da
memória oferecida ao Governo pelo advogado António Máximo Lopes, sobre a
agricultura em 17 de Março, redução das jugadas e quartos em 3 de Maio e,
finalmente, em carta para Salter de Mendonça, a opinião de não haver lugar a
compensação dos direitos banais aos donatários se os mesmos direitos fossem
extintos.
Qual o fim das memórias de Trigoso sobre os forais? A memória sobre
os pesos e medidas foi remetida à Academia de Sciencias em 5 de Dezembro de
1812 para que se formalizasse um plano. A Academia estudou o assunto e, para
tal, nomeou uma comissão de que faziam parte com Trigoso, dois outros elementos
da Comissão dos Forais, e ainda o irmão de Trigoso, Francisco de Paula
Travassos, António Travassos, Alexandre António das Neves e Anastácio Joaquim
Rodrigues.
O parecer da tal comissão foi remetido ao Governo no fim de 1812.
Informa Trigoso que a Comissão
dos Forais obrigava a ir à Torre do Tombo uma vez por semana e que a actividade
da referida Junta dos Forais praticamente terminara com a aprovação do projecto
de regulamento dos pesos e medidas. Entretanto Trigoso leu na Academia uma
memória sobre a Lei de Amortização que não figura no apêndice bibliográfico às
suas memórias (fls. 75).
Referindo-se às Cortes de 1820-22 e à proposta para a Reforma dos Forais de Soares Franco, recorda
Trigoso a sessão de 28 de Junho (ano de ?) onde se opôs à discussão desse
projecto, da conta exclusiva de Franco e sem o acordo e conhecimento dele
Trigoso e dos outros membros da Comissão e fê-lo baixar a esta para ser
estudado e discutido. (fls 122)
Mais tarde, ao apreciar a sua actuação nas Cortes de 1820-23 (fls 131)
acrescenta: “Promovi e adeantei muito a discussão da lei sobre os foraes”.
Mais adiante (fls 146), volta Trigoso a referir-se aos seus trabalhos na
Academia das Sciências, mas no período das chamadas Constituintes: “frequentei
pouco as sessões porque os trabalhos do Congresso me tomavam todo o tempo.
Apenas na sessão pública de 24 de Junho repeti uma memória sobre a lei das Sesmarias
que se imprimiu no tomo 3º, parte 1ª das Memórias da Academia. Este trabalho
não foi feito de novo; era com pouca diferença o que eu já tinha apresentado na
antiga comissão dos foraes, e que serviu de objecto a uma das consultas da
mesma comissão...”D. João, Príncipe Regente e futuro D. João VI |
O liberalismo é um momento importante no
sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire, substituir os forais era
tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja
passos importantes que não podem ser esquecidos:
-
Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810
dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que
tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que
são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
-
Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens
para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
-
Em 17 de Outubro de 1812 a
Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.(2)
-
Em 1815, D. João volta a querer que
se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais
provinham ao bem e aumento da agricultura”.
-
É já nas Cortes Constituintes, em 1822,
que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
-
A contra-revolução miguelista, em 1824,
revoga as anteriores medidas.
-
Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a
qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos
por foral ou contrato enfitêutico.
-
A reforma continua pelo século XIX.
Integradas nesta reforma estão as
tentativas de uniformização dos pesos e medidas, iniciadas muito cedo e que funcionavam como
instrumento de afirmação do poder real.
Luiz Fernando Carvalho Dias, sobre Pesos e Medidas, deixou-nos o documento (1) que em 18 de Novembro de 1812 a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura entrega ao Príncipe Regente e diz-nos ainda:
“Antes de 20/12/1814 há um parecer da Real
Resolução de 22/8/1814 tomada em consulta da Mesa do Desembargo do Paço sobre
Pesos e Medidas, aprovado por aviso desse dia. A reforma foi posta em prática por
aviso de 27 de Fevereiro de 1819” .
Contudo
é em 1822 que Adrien Balbi publica as equivalências duma tabela portuguesa de
pesos e medidas ao sistema francês. Sabemos que Portugal foi um dos primeiros
países a adoptar este sistema decimal de pesos e medidas.
Notas dos editores 1)Iremos publicar este documento.
2) Diz-nos o investigador Carvalho Dias: "Em 1822 também existia a comissão encarregada de organizar os projectos dos Códigos Criminais. Foi oferecido um projecto de Codigo Criminal - às Cortes – pelo Dezembargador Alberto Carlos de Menezes. A Comissão era constituida por Guilherme Henriques de Carvalho = João Fortunato Ramos dos Santos = Jose Maria Pereira Forjaz de Sampaio = Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Melo = Jose da Cunha Neves e Carvalho. Tratavam de organizar um projecto de Código de Processo Criminal e outro de Delitos e Penas.
Para tal tambem constavam, entre outros, com uma memoria do Bacharel Francisco Xavier Soares de Macedo".
Bibliografia - "Dicionário de História de Portugal", dir. Joel Serrão, II volume, Iniciativas Editoriais, 1965
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