sábado, 1 de dezembro de 2018

Covilhã - Pedro Álvares Cabral e Belmonte IX

    Em 1968 na Casa das Beiras do Rio de Janeiro, nas comemorações do quinto Centenário do nascimento de Pedro Álvares Cabral, Luiz Fernando Carvalho Dias proferiu uma conferência sobre o descobridor do Brasil e a ligação deste e a dos seus ancestrais com a vila de Belmonte, terra da sua naturalidade.

O investigador Luiz Fernando Carvalho Dias
quando proferia a sua conferência.

     Antes já tivera uma polémica, publicada no Jornal do Fundão a partir de 16 de Junho de 1963, com o autor de um livro intitulado “Pedro Álvares Cabral - Belmonte ou S. Cosmado?”, que pretendia contestar Belmonte, como pátria de Cabral, substituindo-a por S. Cosmado, do concelho de Mangualde.

     Hoje apresentamos alguns documentos que o investigador usou para fundamentar as suas conclusões, em especial a ideia de que os Cabrais viviam em Belmonte, muito antes do nascimento de Pedro Álvares Cabral.

Estátua de Pedro Álvares Cabral em Belmonte

            Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, filho de Fernão Cabral, como refere, entre outros, o ilustre Barros na 1ª Década da Índia, levou consigo, dos seus maiores, à bela terra da Vera Cruz a fidelidade da sua Raça, personificada na Grão liberdade dos alcaides mores do Castelo de Belmonte, na isenção de prestar menagem.
          Singular privilégio esse, de nossos Reis confiarem aos Cabrais, sem garantia, uma das mais importantes fortalezas da Beira, chave defensiva do Vale do Zêzere e bastião duma linha de outras nobres fortalezas, carregadas de história, que desciam da Guarda por Sortelha à Covilhã e do Sabugal a Penamacor, Penha Garcia, Salvaterra e Segura, e do Rosmaninhal até ao Tejo!
          Em Portugal só a Casa de Marialva gozava de idêntico privilégio e exclusivo aos castelos de Numão e de Penedono.
          Tratava-se assim de um privilégio familiar e privilégio tão excelente cuja génese merece honrosa evocação nos factos centenários de quem o honrou nas horas altas e sobretudo nas horas aziagas. Sem documento coevo donde conste a isenção, ao contrário do que sucede com os Marialvas cuja carta régia de concessão ainda hoje existe, presumimos que este privilégio tenha advindo aos Cabrais da fidelidade de Álvaro Gil, alcaide - primeiro da Covilhã e depois da Guarda, no tempo de D. Fernando e depois no interregno - honrado escudeiro da Crónica de Fernão Lopes que, contra todos os fidalgos da cidade aliciados pelo bispo D. Afonso Correia, se recusou a entregar a fortaleza a D. João de Castela, marido da princesa Beatriz e genro da “ flor d’ altura “.
        Sabemos, contudo, ter sido Fernão Cabral, pai de Pedro Álvares, o primeiro Cabral a invocá-lo. Este, desde 1449 presidia à alcaidaria mor de Belmonte e o Rei quando lhe a doou de juro e herdade em 1464, autenticou nessa fonte não só serviços dele, mas os de seu pai e de seu avô, o que permite concluir que tal privilégio viesse na herança de Álvaro Gil e se instituísse depois em Belmonte com o bisavô de Pedro Álvares, ou seja com Luiz Álvares Cabral.
          Como serviram os Cabrais o princípio da fidelidade e quais as ligações desta nobre estirpe com a província da Beira? Eis o escopo do meu estudo, atentos os laços que ligam o Descobridor do Brasil à pequena pátria de todos nós, a Província da Beira, que Gil Vicente mais tarde escolheria para representar a fama lusitana.
          Álvaro Gil Cabral, (trisavô de Pedro Álvares Cabralda família do Bispo da Guarda D. Gil, morreu em Coimbra em 1385, a seguir às Cortes de aclamação de D. João I, nas vésperas de Aljubarrota. Os seus bens transferiram-se logo para seu filho Luiz Álvares em Outubro desse ano, como consta da carta régia que confirmou tal doação. Mas de tais bens não constava a alcaidaria de Belmonte nem a da Guarda.
          Luiz Álvares só veio a radicar-se em Belmonte cerca de 1401 (Era de 1439) para receber a administração do morgadio de Maria Gil, constituído por bens na Covilhã e em Belmonte, anteriormente doados por El Rei D. Pedro ao referido D. Gil, mas só foi alcaide de Belmonte depois de ter cessado, por escambo, o domínio da mitra de Coimbra naquela vila e ainda o senhorio de Martim Vasques da Cunha ao ausentar-se para Castela em fins do século XIV.
          Luiz Álvares Cabral esteve na Tomada de Ceuta em 1415, como assevera Zurara; foi vedor do Infante D. Henrique e possuiu ainda Valhelhas, Manteigas, Vila Chã de Tavares e alguns bens em Azurara da Beira. Consta de um documento, ainda inédito do arquivo da Câmara de Manteigas, que tinha casas em Belmonte  antes de ser alcaide-mor do Castelo.


Castelo de Belmonte
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

             Faleceu entre 11 de Agosto de 1419 e 31 de Julho de 1421.
        Está documentada a sua residência em Belmonte em 1405, 1408, 1411 e 1419." Vejamos:

23/3/1405 – Recibo notarial passado por Luís Alvares Cabral, vassalo d’el Rei de 7.500 libras da moeda corrente à Câmara de Manteigas do ano de 1405. Em Belmonte “no Castelo”. (1)

Em 10/7/1408 – Recibo notarial, passado em Belmonte “a par de as casas de Luis Alvares Cabral”, por Pero Vasques, seu procurador à Camara de Manteigas, de 7500 libras desta moeda que era de três libras e meo real, da colheita que a referida Camara havia de pagar ao dito Luís Alvares Cabral por dia de S. João. Feita por Gonçalo Martins, tabelião regio em Belmonte. (1)

27/6/1411 – Recibo notarial passado em Belmonte por procurador de Luis Alvares Cabral de 7500 libras de três e meio real, à Camara de Manteigas da colheita que lhe havia de pagar a el-rei e este fez mercê ao dito Cabral por carta. Feita por Gonçalo Anes, tabelião régio em Belmonte. (1)

11/8/1419 – Recibo notarial, passado a Luís Alvares Cabral, em Belmonte, à Camara de Manteigas, da colheita que o dito concelho em cada um ano pagam a el-rei de 37.500 libras. (1)

          "Fernão Álvares Cabral, seu filho, herdou os bens de seu pai em 1421, mas de tais bens já não constava a Vila de Valhelhas, vendida anteriormente, com consentimento do Rei, a outro ascendente de Pedro Álvares Cabral, o nobre Fernão Álvares de Queiroz.  
          Conservamos notícias de Fernão d’ Álvares Cabral desde 1415, pois dirigindo-se para Ceuta houve de desembarcar por ser atacado de peste. Esteve em Ceuta seis anos onde combateu. Guarda-mor do Infante D. Henrique, casou com D. Teresa Novais de Andrade ou Freire de Andrade, viúva de Estevam Soares de Melo. Discutiu em 1430 com Rui de Melo e outros cunhados de sua mulher, os direitos à quinta de Melo, nessa Vila e compôs-se com eles, por imposição do Infante, no Castelo de Pombal. O seu esforço e lealdade foi tamanho que morreu no cerco de Tânger em 1437, sacrificando a vida para salvar a do Infante D. Henrique, seu senhor.
          Desde os tempos de Maria Gil que existia na Igreja de S. Tiago de Belmonte a Capela da Senhora da Piedade, com uma impressionante imagem dos fins do século XIV, talhada em granito e policromada.


Interior da Igreja de S. Tiago
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

         Depois de 1437 essa capela, cuja forma desconhecemos, cedeu o lugar a uma capela gótica, cujos capitéis trabalhados invocam episódios da vida de Fernão d’ Álvares Cabral. Daí concluímos que a arca tumular junta, guarda a sua nobre ossada, decerto trazida de Tânger, para consolação da viúva e dos filhos e homenagem póstuma ou do Rei ou do Infante D. Henrique.
        De Fernão Álvares Cabral guarda Belmonte este impressionante monumento que decerto sagraria indelevelmente para os combates da honra e da Pátria a mocidade de Pedro Álvares como o mais belo feito da fidelidade Cabralina.


Nossa Senhora da Esperança e os símbolos dos Cabrais
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Uma procuração de Fernão Álvares Cabral, passada em Gouveia por Gil Fernandes, tabelião por El-Rei e a doação régia de Moimenta da Serra e algumas referências à sua estadia em Viseu, concluem o seu rasto ainda visível na nossa província":

31/7/1421 – Recibo notarial, passado em Moimenta, termo de Gouveia, por João Pires, como procurador de Fernão Alvares “Cabralla” de 150 libras, pagas pela Camara de Manteigas, da colheita de 1421. Feito por Gil Fernandes, tabelião de el-rei em Gouveia. (1)

          "Fernão Cabral, filho deste Fernão d’ Álvares Cabral, foi o pai do achador das terras de Vera Cruz. Ainda era menor quando ficou órfão, em 1437; da sua meninice e juventude restam vários documentos de sua mãe, outorgando como sua representante legal. Lembrarei dentre eles um instrumento notarial, outorgado em Viseu, nos paços de D. Tereza de Andrade “ em 7 de Julho de 1441 “ e outro do mesmo ano, a 8 de Agosto, no Castelo da Menagem de Belmonte”:

 7/7/1441 – Recibo notarial, passado na cidade de Viseu “nos paços de D. Teresa de Andrade”, pela própria, de 3.000 reais brancos, da colheita que o concelho de Manteigas paga anualmente a seu filho Fernão Cabral, menor, sob o seu poder e administração, e lhe foram entregues por João do Prado, procurador da dita Camara, e residente em Moimenta. Testemunhas Alvaro Fernandes, escudeiro do Infante D. Henrique. Tabelião João Lourenço. (1)

Ano de 1441 - Tereza Andrade, viúva de Fernão A. Cabral passa um recibo de quitação da colheita do ano 1440-1441.
Foram testemunhas Afonso Vasques e Nuno Martins. Este documento foi feito e outorgado no castelo de “menagem” de Belmonte, (de) onde as testemunhas eram moradoras. E eu Pedro Afonso tabelião em a dita vila pelo Infante D. Henrique 8 de Agosto de 1441. (1)

          "Fernão Cabral presumimos que tivesse nascido cerca de 1429; a primeira doação real em que lhe são confirmados bens da coroa vem de 1449, e nela surge já como fidalgo d’El Rei e criado do Infante D. Henrique, se bem que esta doação pressupusesse, com 20 anos, uma emancipação que não chegou até nós. A maioridade atingia-se aos 25 anos nos termos das Ordenações Afonsinas, mas o rei, após os 20 anos, podia concedê-la.
          A doação respeita a Zurara da Beira, e a Moimenta da Serra, do concelho de Gouveia.
          Em 1450, Fernão Cabral quita a Câmara de Manteigas de várias colheitas; conhecemos o recibo exarado em Gouveia a 21 de Novembro desse ano":

21/11/1450 – Recibo notarial, passado na aldeia de Moimenta, termo de Gouveia, por Fernão Cabral, à Camara de Manteigas, de 3.000 reais brancos de 10 pretos o real, da colheita que a dita Camara é obrigada a pagar anualmente, em dia de S. João, relativos ao ano de 1450. Tabelião público pelo Infante D. Henrique em Gouveia, Gil Domingues. (1)

         " A biografia de Fernão Cabral apresenta um vivo interesse para fixar a data do nascimento de Pedro Álvares Cabral, o lugar do seu nascimento, e os quadros em que se modelou a sua educação e personalidade, e ainda para estudar a evolução do privilégio da escusa de menagem. Por isso vamos desenvolvê-la. A confirmação régia, já referida, de 1449 reconhece a Fernão Cabral os serviços dos seus ascendentes, mas o Rei acrescenta que também os espera dele.

          Portanto, nesta data, Fernão Cabral não tinha prestado ainda serviços ao Rei, embora se possa admitir os tivesse prestado ao Infante D. Henrique, seu senhor, a quem cumpria premiá-los.
          Em 1462, na doação da Igreja de S. Gião de Azurara, hoje Mangualde, já o Rei se refere aos serviços de Fernão Cabral.
          Onde e quais foram esses serviços? Fernão Cabral teria nesta data, pelos nossos cálculos cerca de 33 anos. Os serviços em África a que se refere um documento posterior teriam decerto decorrido entre 1449 a 1462.
       Em 1454, a filha de João de Gouveia e de Leonor Gonçalves desfizera umas núpcias adiantadas com um fidalgo transmontano, chamado Vasco Fernandes de Sampaio.
      Os Gouveias eram beirões de Castelo Rodrigo mas tinham propriedades e jurisdição nas imediações de Belmonte, em Valhelhas, hoje concelho da Guarda, e no concelho da Covilhã. Fiéis à Pátria em 1385; soldados d’ África no século XV, esforçados e valentes, do melhor que a Beira mandou aos cercos de Tânger e às campanhas de Afonso V, foram depois no século XVI professores e intelectuais de renome desde o ortodoxo Diogo de Gouveia, o velho, filho de um beirão emigrado para Beja, até aos inquietos e heterodoxos António e Marcial. Primo de Pedro Álvares Cabral, que admira o interesse de Diogo de Gouveia Sénior pelas missões do Brasil ?
          Desconhecemos onde casaram Fernão Cabral e D. Isabel de Gouveia, mas decerto em Castelo Rodrigo.
          O grosso das doações régias a Fernão Cabral, é de crer coincidisse com o matrimónio.
          Um instrumento de partilhas entre o irmão mais velho de Isabel de Gouveia e esta e seu marido, datado da quinta do Fogo, em Castelo Rodrigo, em 1464, declara que Fernão e Isabel eram casados e que esse casamento fora feito ainda em vida de João de Gouveia.
          Como as confirmações das doações régias a Vasco Fernandes de Gouveia são de 1465, é de crer que o decesso do alcaide de Castelo Rodrigo não fosse além de 1463.
          Por isso admitimos que o casamento dos pais de Pedro Álvares Cabral se tivesse realizado em 1462.
          Deste casamento nasceram seis filhos.
          O primeiro foi João Fernandes Cabral, alcaide-mor de Belmonte e Senhor de Azurara por carta régia de 1496. Foi casado com D. Joana de Castro, filha de D. Rodrigo de Castro (alcaide da Covilhã).
           O segundo foi Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil." Casado com D. Isabel de Castro.


Dom Manoell ecc. A quamtos esta nosa carta virem fazemos saber que avemdo nos Respeito aos muitos serviços que temos Recebjdo de p.º dallvz cabrall que deus perdoe e queremdo por elo fazer graça e merce a dona Isabell de castro sua molher temos por bem e nos praz que des o primeiro dja de janeiro que ora vem da era de mil e quinhemtos e hum (sic) em diamte ela tenha e aja de nos de tença trinta mill rs. cada anno em quamto nosa merçê for e porem mandamos aos vedores de nosa fazemda que lhos façam asemto em os nosos livros della e dar carta delles em cada hum anno e mando lhe sejam bem paguos e por lembrança delo lhe mandamos dar este padrão por nos asynado e asselado do noso selo pendemte dada em evora a tres dias do mês de novembro Jorge frz a fez de j bc xx. (2)

        " O terceiro Vasco Fernandes Cabral.
         O quarto Luiz Álvares Cabral.
    O quinto D. Violante de Gouveia, casada com Luiz da Cunha, de Santar, vulgarmente confundida com a sua homónima e parente D. Violante Cabral, abadessa de Odivelas, a inspiradora do auto da Cananeia de Gil Vicente.
        O sexto D. Beatriz, casada com D. Pedro de Noronha, filho natural do Marquês de Vila Real.
          Admitindo que o casamento dos pais de Cabral se tivesse realizado em 1462 e que o primeiro filho nascesse em 1463 e que todos os anos D. Isabel desse um filho a Fernão Cabral, teríamos de aceitar o nascimento de D. Beatriz, a última filha do casal em 1468.
          Ora sabemos por documento outorgado pelo seu marido D. Pedro de Noronha que ele e D. Beatriz ainda casaram em vida de D. Isabel de Gouveia, porque Fernão Cabral e a esposa lhes fizeram em dote a Malpartida, perto de Castelo Rodrigo.


Túmulo de Fernão Cabral e Isabel de Gouveia
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
          Se D. Isabel de Gouveia morreu em 1483, a filha mais nova teria de casar com 15 anos.
          Assim, ao abordar as terras de Santa Cruz o segundo filho do casal, Pedro Álvares, nessa data, ultrapassaria bem os 33 anos que vulgarmente lhe têm sido atribuídos. " 
(Continua)
Fontes - 1) Arquivo da Câmara de Manteigas
2)Chancelaria de D. Manuel, Livro 39, fls. 60

As Publicações do Blogue:

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:

As Publicações sobre Pedro Álvares Cabral e Belmonte:
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