sábado, 31 de janeiro de 2015

Covilhã - Pedro Álvares Cabral e Belmonte VIII


 Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias documentação vária relacionada com a família de Pedro Álvares Cabral e Belmonte. Hoje continuamos a publicar esta memória sobre o Convento de Nossa Senhora da Esperança, próximo de Belmonte. Este convento é hoje uma pousada e a imagem da Senhora da Esperança está na Igreja de S. Tiago, em Belmonte.


Interior da Igreja de S. Tiago
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
               
[...] 

         "Não são poucos os Religiosos que tem florescido nesta casa de Belmonte em Letras e Virtudes; e segundo o sistema que me propus vou fazer menção daqueles sujeitos que julguei mais distintos.
O Notário Apostolico Christovão Fernandes de Matos atesta em 1602 que entre os papeis que lhe apresentou o ministro de Lisboa, o Presidente (sic) Fr. Luiz de Figueiredo, havia um carta original da comarca da Covilhã, dos grandes serviços, que fizera na Casa de Saude daquela vila, na ocasião da peste de noventa e nove, um Religioso do Convento da Esperança, ministrando com zelo e caridade ao proxímo os remedios de corpo e  da alma, confessando e dando os sacramentos com grande edificação dos Povos. Estes papeis dos grandes serviços desta congregação foram para o Conselho de Portugal em Madrid e lá ficaram depois da Aclamação do Senhor Rei Dom João IV (22).
É de suma honra a este convento a memoria do P. Fr. Manuel dos Anjos, nascido na vila de Manteigas, seis leguas da cidade da Guarda , aos 11 de Fevereiro de 1595, e que professou no Convento da Pesqueira em 3 de Maio de 1616. Feito pregador e confessor, e deliberado o corresponder fiel ao uso de seu mi­nisterio sacerdotal conseguiu grande fruto nas almas dos Diocesanos do seu bispado. Os importantes lucros espirituais que tirava das missões que pregou naquela extensa cetedral, com beneplacito dos Exmºs. ordinarios D. Francisco de Castro, D. Fr. Lopo de Sequeira, e D. Diniz de Mello aos quaes foi muito aceite, lhe merecerão a estimação e respeito dos povos, que o tratavão como homem justo. Arrancando vicios e subministrando a doutrina da penitencia pela mortificação dos apetites e observancia da lei evangelica punha em paz os discordes, desfazia as intrigas, os odios, e firmava a boa armonia nos povos.
Recorrião a ele muitos sujeitos, ainda de grandes distancias, a pedir-lhe conselho em seus negocios e interesses particulares, que aplanava com sua autoridade e respeitosa veneração, encomendando-se outros em suas orações, que esperançados no valimento de servos do Senhor se prometião as graças, e beneficios do Ceu.
Estes e outros serviços feitos à Igreja Egitaniense, compensados nos copiosos e abundantes frutos que recolhia daquela vinha do Senhor, não lhe embaraçavam os continuados estudos das belas letras, da Historia Sagrada e Profana, fazendo particular interesse na lição dos livros doutos, compondo tratados eruditos sobre a Imaculada Conceição da Senhora, da Historia Geral do Mundo, e da Politica de Principes, unida com as virtudes inerentes à sua alta dignidade, em que mostra a vasta instrução que tinha das Santas Escritur­as, e estabelece doutrinas solidas e seguras; sendo por suas composições respeitado dos sabios. Faleceu no Colegio de S.Pedro de Coimbra, aonde se tinha recolhido a descansar, e polir as suas obras, aos 19 de Novembro de 1653. O Livro dos Obitos lhe faz um digno e merecido elogio (23)
Tem impresso = Triumfo da gloriosa Virgem Maria. Lisboa: 1638. 4º. Historia Universal do Mundo. Coimbra 1651. Lisboa 1702 e 1735. Politica Predicavel etc. Lisboa. 1693, e 1702. Folha.
Nem sempre a virtude vem seguida como herança de Pais a filhos: muitas vezes de um varão justo nasce um filho celerado, e pelo contrario: Os virtuosos e bons exemplos do P. Fr. Manue1 dos Anjos, tiverão uma seguida imitação em seu sobrinho o P. Fr. Manue1 de Stº. António. Nasceu este religioso na vila de Manteigas a 21 de Março de 1626, e professou no Convento da Esperança a 20 de Junho de 1644. A regularidade, observancia, zelo, e prudencia com que exercitou por duas vezes o lugar de Prelado no convento da sua educação claustral, lhe mereceram o respeito dos seus subditos, e o amor daqueles povos, que doutrinava e instruia nos preceitos o cristianismo. Era frequente na oração, e Penitencia, dando exemplo de modestia, e paciencia, cheio de virtude e merecimentos, faleceo no Convento da Esperança a 24 de Junho de 1704. (24)
Os grandes serviços que fez à Igreja Egitaniense o veneravel Provincial Fr. Miguel da Anunciação e o ser Diocesano deste Bispado, aonde é ainda hoje viva a memória deste austero e penitente religioso, me obriga a fazer menção de suas letras e virtudes, quando escrevo as noticias do Convento de Nossa Senhora da Esperança de Belmonte.
Sete leguas distante da cidade da Guarda fica situada a freguesia de S.Sebastião da Capinha, aonde nasceu este Padre a 15 de Novembro de 1646, professando o Instituto da Terceira Ordem, no exemplar convento de Caria a 14 de Setembro de 1664. Estudadas as Artes com o mestre Fr. Francisco da Natividade, chamado vulgarmente o mestre Beato não só aprendeu as ciencias Filosóficas e Teologicas com desempenho mas seguindo os seus virtuosos exemplos aproveitou tanto nos deveres da sua profissão, quanto testemunhão os exercicios de sua justificada vida, e os acontecimentos extraordinários de sua preciosa morte. Interessado na lição dos Livros Santos, foi reputado um douto, e instruido professor, ensinando no Co1egio de Santarem em 1676 as ciencias naturais com as luzes do seu seculo, deixando discipulos de muite literatura e instrução: e sendo lente de vespera e de prima nos Colegios de Coimbra, Santa Catharina, e em Lisboa, até que jubilou, foi considerado pelos sabios um teologo de singular ornamento desta congregação.
Entre as fadigas literarias, jamais preteriu os austeros sistemas a que o levava seu espirito, zeloso observador de sua Regra, praticava as vir tudes religiosas com suma exacção, distinguindo-se mui particularmente quando celebrava o augusto sacrif:cio da missa que exercitava confundido, e abismado no seu nada, derramando sempre lagrimas de ternura e compunção. Era bus­cado dos doutos e timoratos para a direcção e conselho, que (o) achavam sempre pronto e seguro (sic) em todas as materias, e com as doutrinas mais certas,e firmes na consciencia.
Chamado pelo Exmº. Ordinario da Guarda para educar os ordenandos daquela Diocese no seu seminario sera impossivel dizer em breve os dignos frutos da doutrina e exemplo praticados nesta casa. Com as ciencias eclesiasticas do Ejito (?) Prito (sic) da Teologia e da sã moral sempre se nutriam, e se fizeram doutos Parocos, emulos discipulos da sua instrução, e exemplos, lhes ensinava as maximas que deviam ter sempre presentes afim de conseguirem a felicidade eterna. Nas conferencias literarias que entretinha com erudição e graça, misturava com prudencia suaves admoestações, conhecia o mundo, a fragilidade da natureza; e as idades dos seminaristas; e sendo nimiamente austero consigo, não era pesado à educação da mocidade. Os jejuns, as vigilias, as rigorosas discipli­nas, e outros exercicios piedosos em que se exercitava este Religioso, indicavam a inocencia de seus costumes e lhe mereciam respeito e veneração.
Crescia a fama de sua probidade dentro e fora do claustro, e sendo eleito ministro provincial em 25 de Junho de 1707, o Senhor Rei D.João V formando um justo conceito de suas letras e virtudes o nomeou capelão mór das Armadas Reais pela promoção ao Bispado de Cabo Verde do Exmº. e Revdmº. D. Fr. Francisco de Santo Agostinho que exercitava este honorifico lugar.
Mil desordens acontecidas naqueles dias entre nós afligiram muito seu espirito: males que via ir arruinando a Religião e destruindo a virtude lhe feriam insensivelmente a alma, e sepultaram este douto varão na eternidade. Recebidos os sacramentos da Igreja com muita devoção expirou no ósculo do Senhor no Convento de Lisboa a 14 de Março de 1711 proferindo as palavras: Domine mi Jesu, in manus tuas cosumando spiritum meum.
Divulgada a morte deste prelado pela Corte concorreu ao convento inumeravel multidão de povo: grandes e pequenos querião respeitar o cadaver do justo: e foi tanto o concurso que no segundo dia de exposto custou muito ao Duque de Cadaval D. Nuno, a entrar pela portaria, não podendo romper na porta da Igreja. Vestiram lhe tres habitos; e o que levou à sepultura ia já muito bem retalhado. Entre outras dignidades eclesiasticas que vieram honrar a me­moria deste sabio e austero religioso foi o Exmº. e Revdmº D. Rodrigo de Moura Telles que passava da Igreja da Guarda a Arcebispo Primaz de Braga, e rompendo em expressões honrosas de literatura de mestre Fr. Miguel concluiu dizendo: en­tre as virtudes do P. Mestre Capinha, sobressai muito a sua penitencia de que eram testemunhas as paredes do Seminario Egitaniense, muitas vezes rubricadas com o sangue das rigorosas disciplinas que ali tomava.
Seu corpo ficou flexivel e maniavel de cabeça, braços e mãos, que parecia desengonçado: o semblante respeitoso, e agradavel; e sendo sangrado muitas horas depois de falecido, lançou sangue, em que se molharam alguns lenços, não se percebendo, passados dois dias e meio corrução alguma, nem causando horror ao sexo melindroso, que em roda do feretro lhe tocava nas mãos; e cabeça; e reconhecendo as graças, e beneficios que recebião, manifestava as maravilhas do Onnipotente, obradas em honra, e gloria de seu servo. Foi retratado depois de morto, e se conserva em testemunho da sua virtude no Conven­to de Lisboa. Tendo passado dois dias e meio que esteve exposto na Igreja, entre lagrimas e satisfação dos Religiosos de probidade, no alto silencio da noite o deram à sepultura, engrandecendo todas as maravilhas do Senhor. A raiva fradesca, mais activa e veloz que o roedor Copim, tapando os olhos aos extraor­dinarios prodigios que obrava o Onnipotente, se enfureceu mordaz contra o vene­ravel superior. Foi escandaloso aos seculares as blasfemias que proferião cer­tos frades contra o austero e penitente Religioso, mas a sua reconhecida e justificada virtude, e de muitos outros Religiosos benemeritos de que vou fazendo uma sucinta lembrança, faz escurecer a malignidade de sordidos espiritos que se atrevem a apertar nas mãos a lama vil e imunda, mascarando a fama, e os aposentos dos superiores que se distinguem em merecimento de letras e de virtudes. De quanto não é capaz o coração preverso do homem mal educado e falta de principios da honra, civilidade e virtude.
Não sei dizer se foi espirito de partido ou simples curiosidade,abrirem a campa deste religioso, contra as leis eclesiasticas, depois de doze dias: encontrando os curiosos ou maldizentes o corpo sem corrupção, e do mesmo modo tratavel; e o lenço que lhe cobria o rosto, ainda com sangue puro, servindo depois esta alfaia do servo do Senhor de medecina eficaz ao sujeito que a reservou. O mestre jubilado Frei José da Conceição Escotinho, honrado depois com lugar de Ministro Provincial, pregou nas exéquias deste prelado maior, convencendo os caluniadores da sua perfidia, e realçando o discurso com a verdade que fez brilhantissimo aquele funebre elogio.
Neste cartorio de Lisboa se conservam cartas originais daqueles tempos, reconhecidas por notarios publicos, de varios parocos, Benficiados e Religiosos que testemunham a sua virtude e a guerra que o inimigo comum lhe fazia, quando este piedoso varão se dirigia aos exercicios virtuosos dentro e fora do Seminario da Guarda e em os nossos claustros (25).
                        Na campa se lhe poz este epitafio =

Sepultura do P. M. Fr. Miguel da Anunciação Capinha, Leitor Jubilado, Consultor do Santo Officio, Capelão-Mór das Armadas Raes, e Ministro Provincial, varão insigne em Letras e virtudes. Falleceo em 14 de Março de 1711 e admirarão-se na sua morte grandes prodigios.

Fazem menção deste sabio e virtuoso Padre muitos autores nacionais; e o Livro dos Obitos da Congregação faz uma honrada lembrança a sua memória. (26).
O pregador Fr. Francisco de Stª. Agueda, deu tambem um grande lustre a esta casa, por sua conhecida probidade. Nasceu na vila de Valegim no Bispado de Coimbra, e foi baptisado na Freguesia da Senhora do Rosario aos 24 de Janeiro de 1674, professando o Instituto a Terceira Ordem no Convento de Caria aos 5 de Fevereiro de 1698. Era este Religioso muito exemplar, amigo da paz, e caritativo em sumo grau, repartindo com os religiosos pobres dos seus trastes e cousas usuais para seu aninho (sic) e asseio; não fautando em socorrer no que podia a donzela honesta e a viuva recolhida; sobressaindo a sua compaixão com os pobres cegos e aleijados a quem ensinava a doutrina e liberalisava a esmola, sendo prelado deste Convento da Esperança foi zeloso e observantissimo da disciplina regular, não faltando nunca ao coro, e ouvindo sempre de joelhos a missa conventual, orando e meditando frequentemente na Paixão de Jesus Cristo, de que tirava abundantissimos frutos, e consolação espiritual. Teve graça e virtude particular do Ceu contra os demonios, obrando maravilhas extraordinarias pela força e eficacia de suas lagrimas, derramadas a favor daqueles miseraveis, diante do Augusto Sacramento, querendo o Onnipotente ser propicio aos seus rogos. Era venerado dos povos circumvezinhos por varão justo, formando um particular conceito da sua virtude o Excelentissimo Diocesano (sic) da Guarda D. Bernardo Antonio de Melo Osorio, como tambem o Excelentissimo Diocesano de Coimbra. Faleceu este religioso em fama de santidade na vila de Sandomil no primeiro de Dezembro de 1749 e está sepultado na capela mór da Igreja matriz, com sentimento e lagrimas daquele povo, res­peitando neste religioso um sujeito virtuoso e justo.
É ainda viva e saudosa na vila de Belmonte a virtuosa conversação do servo de Deus o Irmão Antonio, natural do lugar de Canas. Serviu muitos anos este irmão Donato na vida activa da comunidade de Nossa Senhora da Esperança, à qual unia o exercicio de uma grande virtude, sendo continuo na oração, nos jejuns e disciplinas, merecendo do céu particulares favores. Todos os secula­res daquelas visinhanças o veneravam por santo, publicando dele, com pia cre­dulidade extraordinários acontecimentos, que para gloria de Deus, ainda os velhos daqueles povos vão transmitindo de pais a filhos. Andava este irmão no peditorio, e os fieis se mostravam tão afeiçoados, liberalisando lhe as esmolas, e esmolas, e donativos, para que lhe abençoasse os frutos, e rogasse ao Senhor por eles. Havia tempos que havia prognosticado a sua morte, e che­gando ao lugar de Benespera, duas leguas distante do convento, na quinta fei­ra maior do ano de 1657, não pode passar adiante. Foi para a igreja e fregue­sia de Stº. Antão, aonde se confessou com devotas e enternecidas lagrimas, e recebendo o Augusto Sacramento da Eucaristia se retirou em contemplação; e extactico, com as mãos levantadas ao céu, deu a alma ao seu Creador. Algumas pessoas que estavam na Igreja o acharam assim morto. Avisados os religiosos do Convento da Esperança vieram, com pressa, assistir ao corpo e querendo con­duzir o cadaver para o seu mosteiro o não puderam conseguir pela devoção do povo. Depois de estar tres dias incorrupto e flexivel, não tendo mudança al­guma na cor do rosto, foi sepultado na dita freguesia de Stº. Antão do Lugar da Benespera, sendo ainda venerada a sua memoria pelos lugares circunvizinhos. Por tudo seja louvada e engrandecida a misericordia do Altissimo, pro­digiosa em seus servos, distinguindo-se ainda no deserto do Convento de Nossa Senhora da Esperança da vila de Belmonte, muitos sujeitos dignos de serem lembrados neste escrito, assim nas letras como nas virtudes, deixando aqueles antigos Padres testemunhos veridicos de suma honra a esta casa, de que farei particular memoria quando formalisar a historia Geral desta congregação, satisfazendo neste simples compendio aos desejos dos curiosos.
(FIM)

Notas:
(22) - Neste cartorio de Lisboa. Armario 2º. Pasta 18.  Papeis interessantes etc. se conserva este Instrumento autentico feito pelo notario Cristovão Fernandes de Matos aos 9 dias de Fevereiro de 1602.
(23) - Venerab. P. Fr. Emmanuelis ab Ange1is, Theologi admodum pii, ardentes charitatis Missionarii, Beatissimae Virginis, cultoris eximii, res morali atque divinii, et humanitoribus Litteris instructissinii, prudentes, pii, et eruditi Politici, Docti scpriptoris, Provinciae. Protoxrinarii Collegii conimbricensij Alumni ubi decessit suae virtutis, et Litteraturae fama clarus.
(24)- Sic. O cronista Garcez nas Memorias dos Religiosos Veneraveis, faz uma honrada lembrança deste Religioso.
(25) - Cartorio do Convento de Lisboa. Armario lº. Casa Ve. Maço 6 nº. 7.
(26)- Item vener. P. N. Fratis Micaelis ab Annuntiatione Capinha, sacrae Theo­logiae Lectoris Inbilati, Sancti Officii censoris, Collegii Conimbricen­sii Alummi, clasis Regiae Sacrifici maximi; Ministri Provincialis, quo tempore fuit magnum schisma in nostra Provincia, quo cujus pacifica compositione solerter adlaboravit benedictus vir: tandem poemtentiis, et Laboribus confectus obiit olisipone pronuncians = Domine mi Jesu in manus tuas comendo spiritum meum, cujus cadaver per triduum universae curiae veneratiom expositum suavemque spirans odorem coruscavit=
(27) – Segue-se em nota (14) sic a cópia do breve do Cardeal Protector de Medeces em que aprova os Estatutos feitos no Convento da Esperança em 1584. Não se copia por desnecessaria.


sábado, 24 de janeiro de 2015

Covilhã - Memoralistas ou Monografistas XIV


    Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]

Esta memória histórica que apresentamos, já publicada no volume I da “História dos Lanifícios” (Documentos), de Luiz Fernando Carvalho Dias, e designada por Memória das Fábricas da Covilhã, é cópia do original existente no Museu Britânico, que o investigador obteve, obsequiosamente, através dos irmãos William e Anthony Hunter, penteadores de Bradford na década de 50 do século passado, que conheceu em Lisboa, no Congresso da Lã, realizado em 1953.
A Memória, de autor desconhecido, foi citada, sem crítica, por diversos escritores, entre os quais J. Lúcio de Azevedo, mas nunca fora publicada, apesar do seu indiscutível interesse para a história económica, certamente, por a cópia conhecida da Biblioteca Nacional de Lisboa se encontrar deteriorada em longas passagens.
Quando o autor entregou à Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, no ano de 1939, o trabalho de que fora encarregado de elaborar, designado por “Aspectos Sociais da Indústria dos Lanifícios e Subsídios para uma Monografia Histórica” (Relatório duma inquirição 1937-1938), incluiu alguns fragmentos desta Memória, segundo a versão existente na Biblioteca Nacional de Lisboa. Sobre ela refere: “dá indicações muito interessantes não só sobre a fabricação dos panos, mas também sobre a psicologia dos industriais, mercadores e operários que a ela se dedicavam, no século XVIII. De certo modo, certos aspectos desta monografia são como que um inquérito industrial à indústria desse tempo e uma base de informação para a grande reforma pombalina.” 


A Covilhã

MEMÓRIA DAS FÁBRICAS DA COVILHÃ
Esta Vila da Covilhã, situada nas abas da Serra da Estrela, entestando com o Nascente na província da Beira Alta, bispado e comarca da cidade da Guarda, distante desta sete léguas; é das primeiras povoações que visita o sol logo que nasce depois de dourar à mesma serra os cumes. Tem ruas muito boas e algumas menos andáveis, porque a situação em que foi edifi­cada, as fez mais empinadas, e com alguma incapacidade para nelas roda­rem carruagens. Acha-se fabricada em um monte, circundada de duas ribei­ras, uma da parte do Norte e outra do Sul, que descendo da dita serra, levam em todo o tempo águas, que depois de servirem aos engenhos de moe­rem pão, pizões, tintes da fábrica dos panos, vão regar e fertilizar os cam­pos vizinhos na distância de meia légua, e se incorporam com os de outra ribeira chamada a Córges, a qual tendo também o seu nascimento na dita serra, vem da parte do Norte para o Sul. Todas as três ribeiras, principal­mente a última, produzem trutas, eirozes (sic) e bordalos, excelentes ao gosto, mais saborosos que os de outras da mesma comarca.


A Ribeira da Degoldra
A Ribeira da Carpinteira


Desta vila, na altura em que se acha, se avistam na distância de três léguas os lugares seguintes: Teixoso, a vila de Belmonte, a de Sortelha, Caria, Peraboa, Ferro, Boidobra, Alcaide, Donas, Vila do Fundão, Aldeia Nova, Cabo (sic), Aldeia de Joane, Souto da Casa, Alcaria e Valverde. Entre estes lugares e na vizinhança desta vila há quintas, pomares e chãos de muito rendimento, os quais produzem frutos em abundância.

A muralha

Tem muros, que se diz serem da fundação do Senhor Rei D. Dinis ainda que outros lhe dão maior antiguidade: por uma inscrição de uma conta de 1004, que se acha gravada em uma pedra nos mesmos que tem, de âmbito e circunferência 4,670 palmos de 9 polegadas e um quarto; e de largura dez; e tudo de pedra de cantaria lavrada: neles se acham cinco portas grandes, com seus torreões; duas para o nascente, chamadas da Vila e do Sol; a terceira para o Sul, denominada de S. Vicente; a quarta para o Norte, com o nome de Altravelho; a quinta para o Poente, chamada do Castelo, junto à qual, em sítio mais superior, está uma eminente torre, chamada a de homenagem, com cinco quinas; tem de circunferência 190 palmos, e dentro um reduto para o qual também se entra pela parte do Nascente por uma grande porta que tem dois torreões, cada um de seu lado, e dentro edificada uma casa que pertence ao Alcaide-Mor o Vis­conde de Barbacena. Nos mesmos muros existem ainda quatro postigos: o da Pouza, o do Rosário, o da Barbacã e o do Terreiro de D. Teresa o qual se acha fechado haverá mais de 30 anos e a sua serventia. E sendo a obra destes muros tão grande, se bem que hoje demolidos na maior parte, há dois anos pouco mais ou menos caiu um dos torreões da Porta do Reduto, e no mês de Março deste presente ano de 1758, cairam duas quinas da Torre, quase até ao meio; e as que ficaram em pé, ameaçam total ruína.


A Igreja de Santa Maria

Tem a mesma vila treze freguesias paroquiais, e a maior delas está dentro dos muros, chamada Stª Maria e consta de trezentos fogos; é vigai­raria do Padroado Real e comenda de que é comendador Sebastião de Castro e Lemos. Na mesma igreja existe a famosa e devotíssima relíquia do San­tíssimo Lenho, donativo que foi do Senhor Infante D. Luís, filho do Senhor Rei D. Manuel. Está em forma de uma cruz, em uma preciosa custódia de prata, sobredourada, aonde ùltimamente foi posta e autenticada pelo bispo actual D. Bernardo António de Melo Osório, com assistência das primeiras dignidades da sua sé, no ano de 1754. Tem esta sagrada relíquia meio palmo de comprido e de largura dois dedos naturais e quase meio dedo de grossura, duas travessas, uma superior à outra, à maneira de cruz pontifícia.
Fora dos muros está a igreja de S. Pedro, cujo pároco é prior apresentado pelo cabido da sé da Guarda. A igreja de S. Paulo também priorado, e apre­sentação do padroado real. A vigairaria de S. Bartolomeu do mesmo padroado e pertence a uma das comendas do conde da Ericeira; o priorado de S. Salvador da apresentação do bispo da Guarda; Stª Marinha também do padroado real; A igreja de S. João de Malta que tem cura apresentado pelo comendador da mesma religião; o priorado da Madalena; o de S. Tiago; o de S. Silvestre. E suposto em algum tempo foram todas estas 3 igrejas do padroado particular, hoje são todas três da apresentação e data episcopal; o padroado de S. Vicente que é do padroado real; a de S. João de Marterin­collo (sic) da apresentação dos Cónegos Regrantes de S. Agostinho e per­tence particularmente a sua data ao Reitor do Colégio Novo da cidade de Coimbra; finalmente o priorado de S. Martinho, também data do bispo. Todas estas freguesias constam de mil e duzentos fogos; e ainda que algumas tenham na terra pequena freguesia, estão anexas a outras povoações vizinhas donde os párocos percebem dizimos e apresentam curas.
Em tempo mais antigo havia mais três igrejas paroquiais: uma da invocação de S. Miguel, hoje reduzida a capela e beneficio simples da colação ordinária por se anexarem os fregueses a outras igrejas; e percebe o beneficiado somente o rendimento dos bens próprios; outra chamada de S. Lou­renço, hoje demolida; e dela é padroeiro particular o dr. Filipe de Macedo Castelo Branco, da mesma vila; não tem fregueses e o beneficiado só percebe os dizimos dos bens próprios, com que foi dotada: a última é da invocação de Stº André, da qual hoje não existe mais do que o assento com uma cruz para sinal; e os rendimentos se anexaram à igreja do lugar de Boidobra, distante meia légua, data da Abadessa do Lorvão da ordem de S. Bernardo.

Capela de Santa Cruz ou do Calvário
De presente tem seis capelas ou ermidas em circunferência: uma rica e majestosa, com o título de Stª Cruz, extra-muros, na qual esteve primeiro a Santa Relíquia do Santíssimo Lenho, e hoje guardada na igreja de Stª Maria, no altar do Santíssimo Sacramento, com seis chaves das quais uma pertence à Câmara e costuma existir na mão do vereador mais velho por ser da real protecção, outra na do Acipreste (sic), ministro eclesiástico, e as mais na do pároco e do juiz e mordomos da Confraria. No ano se põem patente no dia 3 de Maio e depois de finda a procissão com assistência de toda a câmara, na sobredita capela, e de tarde à veneração na igreja: no dia de Sexta-feira Santa; antigamente no dia 16 de Setembro; e fora destes dias só se mostra aos prelados e pessoas titulares, que devotamente querem adorá-lo. Outra capela da invocação de S. Sebastião que de novo se pretende reedificar; outra do Senhor Jesus; outra de S. Lázaro, que há poucos anos se demoliu, e foi antigo hospital de leprosos, e empestados: outra sumptuosa e moderna com o título do Senhor da Ríbeira, com grande concurso de romagem; outra pequena de um morgado particular donde se tresladou o mesmo Senhor da Ríbeira, no ano de 1752 e tem hoje a invocação de Stª Bárbara; dentro dos muros na freguesia de Stª Maria está outra magnífica, com o titulo de Nossa Senhora do Rosário; e fora deles, mas no meio da vila, está a Casa da Misericórdia, com templo majestoso e grave hospital para os pobres enfermos, tratados à custa das rendas da mesma casa; e é da protecção real. 

Ao longe o antigo Convento de Santo António, 
(hoje Reitoria da UBI)
Tem mais a vila dois magníficos conventos, com sumptuosas igrejas, um de religiosos observantes de S. Francisco, aonde está erecta em capela separada, a irmandade da Ordem Terceira da Penitência. Outro de Stº António de religiosos descalços da província da Piedade, o qual é da real protecção, e para se reedificar concorreu a memorável generosidade do Senhor Rei D. João V, que santa glória haja. Ambos têm grandes e mimosas cercas, com abundância de águas nativas e também de fora que conduzem por aquedutos para maior fertilidade; o primeiro fica para a parte do Norte, na extremidade da vila, o segundo, em sitio levantado, superior na fronte dela para a banda do Sul.

Tem a vila 954 fogos; 3.481 pessoas; excelentes edifícios, e casas particulares: de todos o mais majestoso é o da Câmara e cadeia, que formada nos muros sobre a porta da vila, que é de abóbada, tem 9 janelas rasgadas, dominando um grande terreiro; no meio está uma muito grande pedra lavrada em oitavo e no cimo faz a figura duma roca; no meio do edifício estão esculpidas as armas reais; e também no mesmo sitio foi fabricada a torre do relógio, com este para Nascente, e outro sino para o Norte, que serve de tocar à Câmara, audiência, ronda e mais funções. Também no dito terreiro se faz Praça quotidiana de todos os géneros de alimento e mercado ou feira no terceiro domingo de cada mês; e no cimo junto às escadas tem um chafariz com água em abundância por duas bicas.

A Câmara

Até ao ano de 1746 tinha dois ministros postos por Sua Majestade, um com a obrigação do civel e crime e outro sòmente dos órfãos, por ser o termo muito delimitado. E como se criou de novo o lugar do Fundão em vila, e se lhe pôs juiz de fora, ficou este termo mais pequeno; e por isso se pôs nesta vila só juiz de fora, com ambas as obrigações: há quatro escrivães do público e judicial; dois dos órfãos; um das execuções; inquiridor; contador; e distribuidor; meirinho; e alcaide; três tabeliães; dois partidores dos órfãos; escrivão da Câmara; outro das cizas e almotacerias; alferes mór; capitão mór; sargento mór; quatro capitães; quatro alferes; tenentes; e um ajudante. 
(Continua)

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:

Publicações neste blogue sobre os monografistas covilhanenses:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas-xi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/08/covilha-memoralistas-ou-monografistas-x.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ix.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
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sábado, 17 de janeiro de 2015

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo V

O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.
A oposição liberal manifesta-se e centra-se no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). Para defender o trono de sua filha Dona Maria, vem ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil. Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000 soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832 e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns combatem outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e judiciais.



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Embora ainda não tenhamos encontrado no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias documentos do período da Guerra Civil de 1832 a 1834, deparámos com uma rica “Relação dos maços da Correspondência dos corregedores das Comarcas do Reino e juízes de fora com o Intendente Geral da Polícia da Corte e Reino” que vamos publicar. Dessa lista escolhemos o respeitante à Covilhã que referisse algo que possa levar-nos a descontentamentos ou desordens políticas, bem como à Guerra Civil em curso. 

Intendência Geral da Polícia
Relação dos maços da Correspondência dos corregedores das Comarcas do Reino e juízes de fora com o Intendente Geral da Polícia da Corte e Reino

Maço 332
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, 16/2/1830 sobre cantos constitucionais em Aldeia de Mato.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã sobre a desordem no Convento de S. Francisco de 13/12/29. Covilhã 6/3/30.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, 1/3/1830 sobre o roubo de cartuxame no paiol de pólvora.

Maço 333
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, de 27/7/30 com a devassa a que procedeu pelo que denunciou o vigário de S.ta Maria e pelos vivas à Carta, canto da Constituição e morras ao ex juiz de fora Moreira Vaz (em 10 do corrente às 2 ou 3 da madrugada).
- Carta do corregedor sobre o vigário de S. Maria da Covilhã Ver.mo João José Alves. Covilhã 28/8/30
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, 14/8/1830 sobre meia dúzia de esturrados que há na vila etc. a quem o Juiz de fora suspenso, Moreira Vaz dava ouvidos e muita aceitação.

Maço 334
- O Corregedor da comarca é Manuel da Mota Pessoa de Amorim (10/1/1831)
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, de 1/2/1831 e sumário de várias denúncias contra Manuel Pessoa de Amorim (Muito interesse)
- Id. 26/2/1831 (Festas miguelistas na Covilhã)
- 2 Cartas muito interessantes do Juiz de fora da Covilhã (14/5 e 21/5/1831)

Maço 335
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, 16/7/31 – Pasquins no Teixoso.
- Outra de 10 de Setembro sobre o mesmo assunto.
- Carta do Major Com.te interino João Rodrigues de Magalhães, da Covilhã, de 24 Setembro 1831 com a nota dos presos da cadeia da Covilhã por crimes políticos.
- Carta (longa) e documentos do juiz de Fora da Covilhã, de 18/10/1831 sobre uma falsa amnistia dos liberais.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, de 25/10/31 com o sumário (de cariz político) contra José Lopes Toucinho.
- Carta do corregedor Pessoa de Amorim e nota dos presos que foram removidos da cadeia da Guarda para a de Lamego. É tudo por crimes políticos. 19/10/31.
- Carta do coronel com.te dos voluntários realistas da Covilhã e Fundão Luiz Cândido de Tavares Osório, de Covilhã, 19/11/31 com um edital que mandou afixar.
- Lista dos subscritores do Fundão para capotes e arranjos do Batalhão de voluntários realistas.

Maço 336
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, de 10/1/32 com papéis subversivos.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã com a notícia de dois presos políticos de Unhais, agora presos, Rodrigues Gomes e Januário José da Costa. 3/1/32
- Relação dos donativos que ofereceram os oficiais das confrarias da Provedoria da Guarda. Também traz Covilhã.
- Sumário de testemunhas, tirado em Alcaria, sobre cantos da Constituição

Maço 337
- Carta do corregedor da Guarda, 10/7/32 com notícias de cantigas subversivas no Tortosendo.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã, 21/8/32 anunciando ter morrido o P. António do Pezinho por ter resistido às autoridades que o iam prender.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã com notícias do réu político Luiz Pinto Pereira, da Capinha.
- Carta do juiz de Fora da Covilhã sobre a morte do P- António Delgado, do Pezinho, morto por maldade e não porque resistisse.

Maço 338
- Carta do juiz de Fora da Covilhã anunciando a fuga de 3 presos políticos da cadeia da Vila, 12/3/33, um de Unhais, outro de Souto da Casa e outro da Aldeia do Mato.
- Carta do juiz de Fora do Fundão anunciando que se preparava lá uma rebelião que se dirigiria depois à Covilhã. 23/4/33. (MUITO interessante)

- Nota de vários presos políticos entre eles alguns da Covilhã ou seu concelho. 8/6/33

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    1834 é o ano da derrota e do exílio miguelista com a Convenção de Évora-Monte. É também o início da governação de D. Maria II, embora a estabilidade ainda esteja longe… 

D. Miguel (sentado) no exílio com os seus correlegionários.
 Entre estes encontra.se um antepassado do editor.(1)


Nota dos Editores - 1) No volume II, pág. 391, de a obra "Portugal em Roma", de Padre José de Castro, encontramos o nome do nosso  antepassado Manuel António Carvalho, tenente de realistas de Aveiro, integrado numa relação nominal dos miguelistas, existentes em Roma em 25 de Março de 1837.

As Publicações do Blogue: 
Publicações no blogue sobre este assunto:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-os-ventos-do-liberalismoos_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/09/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
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sábado, 10 de janeiro de 2015

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXXI-XXIX


   
Inquérito Social XXIX

     Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.

   Hoje prosseguimos a apresentação de alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
O Regimento dos Panos que vamos divulgar foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no ano de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)
   Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os panos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
     A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de panos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom pano da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de pano fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo pormenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os panos deste e daquele; cada qualidade de pano tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os enganos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus panos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois anos, para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do vedor dos panos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”

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[…]

REGIMENTO (de 1690)

Da Fábrica de Pannos em Portugal


Capitulo XVII

Da pena que terá o Tecelão, que no pano tecer puzer marca de outro Tecelão ou lugar.

Tecelão algum não poderá pôr marca de outro Tecelão no pano que tecer, nem marca de outro algum lugar, senão daquele donde tecer sob pena de qualquer que mudar a dita marca, ou sinal, pagar vinte cruzados, além da pena crime, e será degradado por dois anos para um dos logares de Além; e a mesma pena haverá o Trapeiro, que não puzere no seu pano a marca.

Capitulo XVIII

Da pena que terá o Tecelão que tomar pezolada de pano em sua casa, posto que a pessoa, cujo for, lhe queira dar, ou vender, fiado ou puzer panos de muitos fiados, e cores, sem o mostrar ao Védor dos panos.

Outro-sim não poderá Tecelão algum tomar pesolada de pano, que tiver em sua casa, posto que a pessoa, cujo for, lhe queira dar, nem poderá vender fiado algum por si, nem por outrem, nem pôr panos de muitos fiados, e cores em seu tear; e por cada vez que for achado, que tomou as ditas pesoladas, ou que vendeu os fiados, ou que pôs os tais panos de diferentes côres, sem os mostrar ao Vedor, incorrerá em pena de dois mil reis; e o pano que se fizer de diferentes côres de lã se não poderá tingir em preto, sob pena de quinhentos reis para o Vedor acima dito.

Capitulo XIX

Dos pentes que os tecelães são obrigados a ter, e como os trapeiros farão a décima parte dos panos finos.

E porque os Tecelães não tem todos os pentes necessários, e a causa de os panos não serem deitados naquelas contas que devem, e se hão-de mister: Hey por bem, e mando que da feitoria deste a seis mezes primeiros seguintes, todo o tecelão, que tiver duzentos mil reis de fazenda e daí em diante, terá cinco pentes, quais quizer; e tendo até cento e cincoenta mil reis de fazenda, terá um pente, qual lhe aprouver, sob pena de que passados os ditos seis mezes, não tendo ele os pentes, que lhe são limitados por este capitulo, na maneira cima declarada, qualquer dos ditos Tecelães, que assim o não cumprir incorrerá em pena de dois mil reis cada vez que os ditos pentes lhe não forem achados; e porem os Trapeiros serão obrigados a fazer em cada um ano a decima parte dos panos finos, da qualidade dos panos que houverem de fazer, para que os Tecelães possam usar de todos os pentes, que por este Capitulo lhes mando que tenhão; não fazendo assim os ditos trapeiros pagarão por cada pano fino, que menos fizerem mil reis, de que será ametade para o Védor, e a outra para os Captivos: os quais panos finos, que assim se houverem de fazer se alvidrarão a cada Trapeiro pelo Vedor dos panos, e Juiz da terra, que o farão conforme aos panos, que em cada um ano cada um fizer.

Capitulo XX

Dos ramos que terão os panos, que se houverem de ordir e tecer.

Nem o mesmo Tecelão, nem outra pessoa ordirá, nem tecerá pano Dozeno, que seja de maior quantia que de dez ramos, e sendo Quatrozeno de nove ramos, o de Quatorzeno para cima de oito ramos, e acontecendo que algum pano Dozeno se queira fazer de maior comprimento que distos dez ramos, o poderão fazer, fazendo-lhe duas amostras, e cortando-o pelo meio depois de tecido, para que fique de maneira que cada um se possa pizoar por si de menor comprimento, que dos ramos ditos, sendo Dozeno, e daí para cima como dito é; e não o fazendo assim incorrerá em pena de mil reis, da cadêa, pela primeira vês. e pela segunda em pena dobrada, ametade para o Védor, e a outra para quem o acusar.

Capitulo XXI

Que tecelão algum, não possa dar pano algum que tecer, sem primeiro ser visto e examinado pelo Védor.

Tecelão algum, não poderá dar pano algum, que tecer, de sua casa, à pessoa que cujo fôr, sem primeiro, ser visto, e examinado pelo Vedor dos panos, que verá e examinará o tal pano se está tecido, e feito com aquela perfeição, que cumprir; e achando-se que está como deve, e bem acabado, o ferrará com o ferro, que para isso terá, e o Tecelão que o der sem primeiro ser visto, e ferrado pela dita maneira, pagará pela primeira vês mil reis para o dito Védor, e pela segunda vês dois mil reis, de cadêa.

Capitulo XXII

Que pessoa alguma não dê pano para levar ao pizão antes de ser limpo de todos os nós, e fios

É porque é menos cabo não ser limpo com perfeição o pano, e despinsado, tanto que se tirar do tear, e antes de ir ao pizão, pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, não dará pano para ser levado ao pizão antes de ser limpo de todos os nós, sob pena de que a pessoa que assim der pagará quinhentos reis para o Vedor.

Capitulo XXIII

Que trapeiro algum não dobe fiado, que houver de dar ao Tecelão, sôbre causa que faça peso.

Trapeiro algum não poderá dobar fiado para dar ao Tecelão, sobre pedra, ladrilho, ou outra qualquer cousa que faça peso, antes o dobará sobre o mesmo fiado, e qualquer que o contrario fizer, incorrerá na pena de quatrocentos reis, para o Vedor, e pagará da cadeia, o que nisso for achado.

Capitulo XXIV

Da maneira que se farão as baetas, os picotes, guardaletes, e panos de cordão.

Porquanto em meus Reinos se costumam ora fazer baetas, picótes, guardaletes, e panos de cordão, que de antes se não faziam, seguindo a informação que para isso se houve, se requer que os tais panos sejam fiados delgados, assim das ordiduras, como das teceduras, para se poderem fazer bem feitos, e deitados na largura dos pentes verbis, em razão da delgadura dêles, não podendo ser da bondade, e perfeição, que a necessaria. Hei por bem, que para se poderem fazer estes panos de cordão, e baetas, se façam os pentes, em que se houverem de tecer, de menos largura, e comprimento, do que são os pentes de sua conta dos panos verbis (barbim = verbim, conf. Cap. IX), e os ditos panos somente se porão em conta de Dozenos, e Sezenos; e as pessoas que os fizerem os não poderão fazer senão nos pentes dessa qualidade, e fazendo-os de outra maneira pagarão pela primeira vêz mil reis, metade para o Vedor e a outra para quem o acusar.

Capitulo XXV

Da conta que terão os picotes, guardaletes, e panos de cordão, e dos fios, e qualidade de lã que levarão.

Tendo o picóte, guardalete, ou outro qualquer pano de cordão, não poderá ser de menos conta, que Sezeno, e levará a ordir mil e seiscentos fios; e o que menos levar será perdido conforme ao Capitulo dos panos Dozenos; e o pente em que se tecer será de largura de tres covados e oitava, somente, de fino a fino, e levará a tecer em cada ramo quatro arrateis e meio, e não menos; e o tecelão será obrigado e avisado, para que não faça nos ditos panos algum passape, antes guarde em tudo a ordem dos ditos panos Dozenos verbis. (barbim, conf. Cap. IX)

Capitulo XXVI

Dos fios que levarão as baetas Sezenas, e tecer; e que elas os picótes, e mais panos de cordão sejam gaspeados.

As baetas Sezenas levarão a ordir mil e seiscentos fios, e não menos, e a que menos levar será perdida, e o pente em que se tecer terá de largura de fino a fino tres covados e oitava de fino a fino, e levará a tecer cada ramo quatro arrateis; os quais panos assim baetas como picotes, e panos de cordão, serão todos gaspeados; e no mais se guardará tambem a ordem dos panos Dozenos.

Capitulo XXVII

Dos fios que levarão as baetas Dozenas a ordir

As baetas Dozenas levarão a ordir mil e duzentos fios, e a que menos levar será perdida, e o pente em que se tecerem será de largura de fino a fino tres covados menos uma oitava, e levará a tecer cada ramo tres arrateis e meio, e será gaspeada; e no mais seguirá o modo que trata o Capitulo dos panos Dozenos; e nos pentes, em que as ditas baetas se tecerem, se não poderão tecer outros panos alguns senão as ditas baetas, e panos de cordão; e o Tecelão que nos tais pentes tecer outros panos pagará de pena dois mil reis, metade para o Védor, e a outra metade para quem o acusar.

Capitulo XXVIII

Da maneira em que serão os panos dizimados

Querendo alguma pessoa fazer panos dizimados, os poderá fazer; mas não de menos conto que Quatrozenos, nem de maior comprimento, que de nove ramo e as ordideiras de perfeição, que leva cada ramo a ordir dois arrateis, e daí para cima, e a tecer não levará menos que quatro arrateis em cada ramo, e daí para cima, e os pentes em que se tecer serão os próprios, e das mesmas larguras de que são os pentes dos panos verbis, e as contas, sinais, ferros, e marcas, serão de feição dos panos verbis; porque em lugar do B, que levará o pano verbi, para se saber o que é, levará o dzimado um D, por onde se conheça que é dizimado; e em tudo o mais se terá a ordem dos panos verbis Dozenos.

Capitulo XXIX

Dos fios que levará o pano Dozeno dizimado a ordir.

O pano Dozeno dizimado levará a ordir mil e seiscentos fios, e a ordideira será de maneira que não leve menos que dois arrateis e quarta, e daí para cima, guardando-se no amis a ordem do Capitulo dos panos Quatorzenos dizimados.

(Continua)

Nota dos editores – O Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.


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Capítulos anteriores do Inquérito Social:
Inquéritos III - I
Inquéritos IV - II
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