quinta-feira, 29 de março de 2012

Covilhã - Invasões IX

Hoje publicamos um pequenino texto que não está datado, mas sabemos ter sido escrito em 1704, já que o Coronel Richards visitou Penamacor, Fundão e Covilhã no Outono daquele ano, durante a Guerra da Sucessão de Espanha. Esta é uma das várias guerras que se desenrolaram na zona fronteiriça e por isso em terrenos próximos do nosso palco – a Covilhã. Este confronto começa depois da morte (1700) de Carlos II de Espanha que não tinha  descendentes. Forma-se a Grande Aliança, entre a  Inglaterra, Províncias Unidas e Império, mais tarde também Portugal, que pretende impor o Arquiduque Carlos, Carlos III, como rei de Espanha. Esta posição não é aceite pela Espanha, França e inicialmente também Portugal, que querem Filipe (Duque de Anjou), neto de Luís XIV, como Filipe V.

O Coronel Richards é certamente um dos muitos militares ingleses que se encontram nesta zona e o Marquês, referido na carta, será o Marquês das Minas, António Luís de Sousa, nomeado governador das Armas da Beira em 1703. O ano de 1704 foi muito importante, porque nesse ano Filipe V acompanhou o exército franco-espanhol, entrou por Salvaterra do Extremo ocupando toda esta região passando por Segura, Penha Garcia, Idanha-a-Nova, Monsanto e Castelo Branco. Alguns destes recontros foram violentos e seguidos de saque.
Panorâmica raiana
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

       O exército inimigo seguiu a caminho do Alentejo, onde várias povoações como Nisa e Portalegre se renderam. Contudo as vitórias de Filipe V estavam a chegar ao fim, pois os exércitos da Grande Aliança encontravam-se agora preparados para reconquistar as terras beiroas e pôr o inimigo em debandada. O  mês de Junho é decisivo para a retoma destas povoações, tendo sido Monsanto a aldeia que demorou mais tempo a ser reconquistada.

A povoação de Monsanto
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
D. Pedro II e Carlos III vieram em festa até à Guarda, onde chegaram a 30 de Agosto, mas só se juntaram ao exército para o fim de Setembro.
     Esta guerra vai prosseguir, tendo 1706 sido o ano glorioso, pois o Marquês das Minas chegou a entrar em Madrid, onde Carlos III foi, por algum tempo, solenemente aclamado rei.
A Guerra da Sucessão de Espanha só termina  em 1713 e 1715, quando D. João V - o rei que sucedeu a D. Pedro II - assina o tratado de Utrecht, primeiro com a França e depois com a Espanha. Estes acordos puseram um ponto final ao poderio espanhol, selaram a França como senhora do continente europeu e a Inglaterra como senhora dos mares. A paz, para Portugal, significou o reatar de relações diplomáticas com os vários países e outras claúsulas, como a restituição de praças conquistadas, quer na Europa, quer na América, a norte e a sul do Brasil.

Imagens do original, correspondente ao Fundão e à Covilhã,
da carta do Coronel John Richards

Carta do Coronel John Richards. Diário da Campanha em Portugal, em 1704

Quarta e Quinta-Feira, 22 e 23 de Outubro, fiquei em Penamacor para me preparar para a minha viagem para Lisboa.
Sexta-feira, 24 de Outubro, tendo-me despedido do marquês (das Minas??) que foi esta manhã a Monsanto para visitar esse lugar com os engenheiros, suponho que para o fortificar, eu parti também saiu um dia de chuva muito excessiva (sic), de tal forma que tivemos grande trabalho em passar os pequenos rios que poucos dias antes estavam inteiramente secos. Era tarde quando cheguei ao Fundão tendo assim muita sorte por não ter ficado na rua. Fiquei aquartelado em casa do Dr. Francisco Chaves, um cristão-novo que se queixou muito do mal que era feito aos filhos de Israel, estando agora a realizar-se um auto de fé em Lisboa. É quase inacreditável ver a obstinação e a malícia desta gente, pois apesar da horrível perseguição que têm sofrido há quase 200 anos e de em público parecerem em palavras e obras ser cristãos e dos mais zelosos, todavia nunca se converterem, pois juntamente com os princípios da Religião cristã também absorvem eficazmente os da Lei mosaica, de forma que apenas o seu exterior é católico enquanto na realidade são judeus, ou melhor demónios, pois nem a Lei de Moisés nem qualquer outra até hoje professada pelo Homem pode sofrer tanta infame hipocrisia, muito menos a Igreja Católica os horríveis sacrilégios que esta gente comete, e por isso quando são descobertos e condenados por judaísmo, se eles abjuram pela primeira vez são perdoados, mas a segunda, se impenitentes são queimados vivos, se arrependidos são estrangulados primeiro e depois queimados. (1)
Sábado 25 de Outubro, continuando a chover todo este dia os almocreves julgaram impraticável prosseguir a nossa viagem e, por isso, ficámos quedos. Esta e a Covilhã são tidas como as melhores vilas da Beira, pois não só a região é muito rica e abundante mas elas também têm várias manufacturas e tentaram imitar o nosso pano inglês e, é possível que o tivessem conseguido, se os judeus, que eram os grandes promotores, não tivessem sido tomados pela Inquisição, e assim foram obrigados a desistir, apesar de terem levado vários dos nossos tecelões ingleses a vir para cá. (2)

     Carta encontrada no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias

    Notas dos editores – 1) As vilas referidas pelo Coronel Richards e outras fronteiriças, viveram intensamente o choque cristianismo/judaísmo, nem sempre se compreendendo ou respeitando. Através da nossa investigação vamos percebendo que os Judeus viveram uma situação de perseguição constante por parte do Tribunal do Santo Ofício e por isso uma vida religiosa dúbia, o que levou Richards a chamar-lhes, indevidamente, hipócritas e demónios. Sabemos que o mês de Outubro de 1704 foi muito pesado quanto a autos-de-fé realizados em Lisboa, na praça do Rossio: penitenciados 59 homens e 34 mulheres; relaxados em carne 1 homem e em estátua 3 homens e 2 mulheres. Enumeramos a seguir os da região da Covilhã que já publicámos nas Listas deste blogue e que saíram em auto público de 19/10/1704:
Simão Nunes Rios, x.n.,de 33 anos, homem de negócio, filho de André Nunes, rendeiro, natural e morador na Covilhã. (444)
Francisco Henriques Ferreira, x.n., de 55 anos, tintureiro, natural e morador na Covilhã.(445)
António Gomes Cáceres, x.n., de 61 anos, tratante, natural e morador na Covilhã.(446)
Pedro Rodrigues Henriques, x.n., tratante, de 32 anos, natural de S. Vicente da Beira, morador na Covilhã.(447)
Pedro Lopes Henriques, x.n., clérigo in minoribus, de 26 anos, filho de Simão Lopes Samude, médico, natural e morador na cidade de Lisboa, cárcere e hábito perpétuo. (449)
          António Gomes Cáceres, x.n., de 22 anos, solteiro, filho de António Gomes de Cáceres, tratante, que vai na lista, natural e morador na Covilhã. (452)
          João Mendes da Cunha, x.n., de 36 anos, tratante, natural do Fundão, morador em Lisboa. (453)
Pedro Lopes Henriques, x.n., de 35 anos, de alcunha Arroja, solteiro, mercador, natural do Fundão, morador em Lisboa. (454)
          D. Hierónima Henriques de Chaves, x.n., natural do Fundão, moradora em Lisboa, casada com Gaspar Lopes Henriques, médico.(455)
          Domingas Henriques, x.n., de 70 anos, natural e moradora na Covilhã, viúva de Simão Fernandes Lousada, mercador. (456)
Maria Henriques, x.n., de 28 anos, natural da Covilhã, moradora em Lisboa, viúva de Paulo Mendes, ourives de ouro. (457)
Maria Henriques, x.n., de 20 anos, natural da Covilhã, moradora em S. Vicente da Beira, casada com Duarte Rodrigues da Costa, tratante de panos. (458)
          Leonor Rodrigues, x.n., de 51 anos, natural da Guarda e moradora na Covilhã, viúva de Manuel Dias Monsanto.(459)
          Diogo Rodrigues Lopes, x.n., de 40 anos, requerente de causas, natural da Covilhã, morador em Lisboa, filho de Jorge Rodrigues, mercador e de Isabel Lopes, viúvo de Violante Rodrigues.(460)
          Branca Rodrigues, x.n., de 26 anos, solteira, natural e morador em Lisboa, filha de Diogo Rodrigues Lopes, mercador, natural da Covilhã  e de Violante Rodrigues, neta paterna de Jorge Rodrigues, mercador e de Isabel Lopes. (461)
          Álvaro Mendes, x.n., de 26 anos, solteiro, natural de Monsanto, morador em Setúbal, filho de Manuel Mendes, natural do Fundão  e de Isabel Rodrigues, natural de Monsanto. (448)
2) A Covilhã e o Fundão tinham tradição manufactureira, muito relacionada com as Ribeiras e com a pastorícia. O rei D. Pedro II, no século XVII, estimulou esta produção, embora em 1703 tenha sido assinado com a Inglaterra o Tratado de Metween. Os Judeus contribuiram para este desenvolvimento, porque além de mercadores, também eram produtores (industriais).

Fontes - Nota deixada pelo investigador: Cartas do Coronel John Richards
Diários e cartas etc do Coronel John Richards (1704 - 1710).  British Museum, Col. Stowe 466/7 e 8. Vid. Tb. 470, 472, 474, 475 e 481 - A colecção dos Richards vai de 447 a 481, sendo a da Covilhã 467.
"História de Portugal”, direcção de Damião Peres, Volume VI, Portucalense Editora L.da, Barcelos, 1934.
Mendonça, José Lourenço D. de e Moreira, António Joaquim, "História da Inquisição em Portugal", Círculo de Leitores, 1980


domingo, 25 de março de 2012

Covilhã - Os Forais e a População nos séculos XV e XVI - VI

      Continuamos a apresentar reflexões dispersas e não revistas de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre censos e população portuguesa, em especial as da Beira Baixa, no século XVI. 

            A população portuguesa dos séculos XV e XVI interessa sobremaneira não só ao estudo económico e político do continente, nesta época decisiva da nossa história, mas ainda ao estudo da expansão portuguesa no mundo.
            O composto da população continental comparado ao composto daquela que embarcou nas armadas do descobrimento e da conquista poderia ainda explicar as causas da decadência do império do Oriente e da quebra do ritmo dessa expansão e conquista.
            O censo de 1527 tem servido de base ao estudo da população continental; para  a emigração têm servido de base os livros e listas das armadas. Levantemos algumas questões:
Como se descobriu o censo de 1527 e onde se encontra.
Suas diferentes fases - O Minho, etc.
Como se levou a efeito a sua técnica.
O conceito de vizinho e de fogo e alma. A distinção só tem praticamente interesse nos locais de população concentrada, por isso a obra de Rodrigues é utilíssima. Igualmente o é para indicar o número médio de almas a atribuir a cada fogo.
No censo de 1527 algumas vezes se confunde fogo com vizinho pela identidade dos conceitos em regiões de população pouco concentrada: mas aquilo que parecem erros de aritmética podem significar a correcção numérica  duma terminologia imprópria que devia estar presente, como demonstra Rodrigues.
Sua integração por outros documentos.
            a) Integração já feita - Documento do Visconde de Santarém para o Algarve.
            b) Integração por fazer – Documento do Visconde de Santarém - para a Covilhã. Documento do Padre Brázio.
            c) Integração de Lisboa: os números do censo de 1527 são os do Visconde de Santarém, Rodrigues e Brandão.
            O cuidado de Rodrigues na distinção dá-nos a medida do valor científico do seu trabalho; a disparidade com Brandão não advirá do facto deste não incluir os menores?
            A rapidez da recolha pressupõe a existência de um trabalho anterior, axioma também aplicável ao censo de 1527: ou então a existência de um censo permanente da população com fins fiscais, militares, e económicos - actualizável dentro de períodos e períodos certos.
É preciso comparar os números do Alentejo dados por Braancamp com os de Colaço, visto a origem documental ser diferente. Ver se ambos se referem a fogos ou a moradores.
            O censo de 1527 regista os vizinhos no estrito conceito jurídico, embora em algumas comarcas, inspirado certamente por razões de recrutamento militar, abra um capítulo à parte para os mancebos solteiros de 18 a 30 anos. O conceito jurídico de vizinho, relacionado com o claro sistema utilizado por Cristóvão Rodrigues e com uma apurada leitura do censo de 1527, dão-nos a chave para a interpretação deste.
            Sua ligação com os censos de outros países. Várias espécies de censos. Seus problemas idênticos aos outros censos. Enunciação destes problemas. A sua chave: Cristóvão Rodrigues. Comparar os números de Rodrigues com os do Visconde de Santarém. Os de Rodrigues referem-se só à cidade e não ao termo. Diz Rodrigues que Lisboa teve um grande aumento o que demonstra que os números do Visconde de Santarém só podem referir-se aos 13010 - que não são fogos, nem almas, mas vizinhos e assim os do censo de 1527. Os escravos nos termos dos forais não são vizinhos e Cristóvão Rodrigues inclui-os como tal. O censo também? As almas ainda podem significar somente os que andam no rol de confessados - devendo neste caso dar-se ao termo de almas um sentido restrito.
            Por que fará o censo de 1527 a discriminação de certos grupos sociais que depois se vieram a englobar no censo? É que o cadastro, embora as actas existentes o não digam, não tinha fins meramente de curiosidade científica, mas era fruto duma política realista: além de fins militares, sempre presentes aos homens daquela época, apresentava pelo menos fins de natureza fiscal e possivelmente ultramarina. Já devia andar no espírito de muitos aquela urgente necessidade de espiolhar e fixar o número dos privilegiados.
            Uns e outras exigem estudos críticos nem sempre fáceis de levar a efeito por carência de elementos comparativos e de cálculos assentes mais nas realidades do que nas suposições. Pretendemos neste modesto ensaio dar algumas achegas para o estudo da população daquela zona do continente que não consta do censo de 1527, integrando por conseguinte este censo e fornecendo novos elementos para o estudo de um censo anterior na mesma região.
            O censo de 1527, conforme se sabe, existe repartido por dois arquivos: os cadernos da Beira e o Alentejo estão no Museu de Londres e constam do ms. 20.959, de fls 6 a 301, como se encontra descrito no “Catálogo dos Manuscritos Portugueses ou relativos a Portugal existentes no Museu Britânico“, do Conde de Tovar. Esses manuscritos, refere o mesmo catálogo, pertenceram à Biblioteca de Lord Charles Stuart de Rothesay e foram adquiridos pelo Museu em 1855. Destes cadernos da Beira existe uma cópia na Biblioteca da Universidade de Coimbra, donde o Prof. Dr. Magalhães Colaço fez o extracto que publicou na Revista da Faculdade de Direito de Lisboa em 1934, ano 2º.  Parece que esta cópia de Coimbra, como refere o mesmo Prof. Colaço, foi feita por J. P. Ribeiro ou por sua ordem.
            Na Torre do Tombo estão os volumes do censo das Províncias de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Estremadura e ainda alguns cadernos do Alentejo. Publicou-os por sua vez Braancamp Freire, nos vols. 3º, 4º, 6º e 7º do Arquivo Histórico Português.  Não se conhece o paradeiro dos cadernos do Algarve e da Beira faltam 60 páginas tanto no manuscrito de Londres, como na cópia de Coimbra, o que demonstra ser esta posterior à perda das referidas folhas. (1)
            Muito se tem escrito sobre os números do censo de 1527: parece contudo que a sua interpretação não pode levantar dúvidas. Os números referem os fogos existentes no país. Idêntico critério deve ter presidido à elaboração do cadastro em todas as terras do país. A conhecida carta de D. João III diz: 

 “ follgarey de saber quamtas cidades vyllas e lloguares ha em vossa correiçom e os nomes delles e assy quantos moradores nellas ha ..... “. ( Coimbra, 17 de Julho de 1527)  

Moradores, fogos e vizinhos seriam três expressões equivalentes.
Vizinhos seriam pois os habitantes que viveriam sobre si: não entrariam aqui os criados, as crianças, os mancebos solteiros, os filhos e filhas de família, todos aqueles que vivessem sobre o pátrio poder ou por conta de outrém. Vizinhos seriam pois os chefes de família, os clérigos e as viúvas, e nas camadas mais elevadas os chefes de casa.
Por isso no cadastro de Entre Douro e Minho se lê, a fls. 249, do volume 3º do Arquivo Histórico, na parte referente à vila de Viana de Foz do Lima:  

“ Somam os moradores desta vila e termo 2.104. Item haverá mais nesta vila e seu termo mancebos solteiros de 18 para 30 anos que vivem com seus pais e amos e deles por si - 1660 “. 

Estes 1660 que são mancebos em idade militar não fazem parte do censo.
E em Caminha:  

“ Soma de todos os fogos e moradores 800 moradores; avera mais mancebos da vila e termo de 18 a 30 anos, 760 mancebos “. (fls 248 do mesmo volume) 

E no cadastro da Estremadura, para Santarém: 

 “ 1988 vizinhos no corpo da vila dos quais são 20 fidalgos, 28 cavaleiros, 62 escudeiros, 534 viúvas e 61 clérigos e o mais povo. (fls 262 do vol. 6º) 

Em Abrantes também se faz a mesma descriminação dos vizinhos dizendo-se que há: 

 775 vizinhos no corpo da vila, a saber, 72 cavaleiros e escudeiros, 45 clérigos, 92 viúvas e mais povo”. 

E ainda em Tomar: 

“737 vizinhos no corpo a saber 9 fidalgos, 19 cavaleiros, 41 escudeiros, 40 clérigos, 38 freires, 245 viúvas e o mais povo“. 

            Do  cadastro da Beira faltam os números  das cidades, concelhos e vilas que seguem:

Idanha-a-Velha, Alvares, Bichoeira, Beva e Oleiros, Álvaro, Atalaya, Bemposta, Cerzedas, Castelo Branco, Castelo Novo, Covilhã, Figueiró dos Vinhos, Idanha-a-Nova, Monsanto, Manteigas, Pedrogam Grande, Pedrogam Pequeno, Pampilhosa, Proença, Pena Garcia, Penamacor, Rodam, Rosmaninhal, Sovereira Formosa, Sertam, S. Vicente da Beira, Segura, Salvaterra e Valhelhas; coutos de Anadia, Augado de Cima e Pereiro.

            Há dois documentos do século XVI, posteriores a 1530, já publicados, mas para os quais até hoje (o autor faleceu em 1991) ainda ninguém, que eu saiba, chamou a atenção para o alto valor dos seus números como integradores dos cadernos perdidos do censo de 1527. São eles :
a) - O documento intitulado “ Lugares que vem aas Cortes e os Vezinhos que tem : anno de 1535 “, que se guardava no ANTT, sob o nº 2, maço 3, armário 26, publicado pelo Visconde de Santarém, a fls 88 da História e Teoria das Cortes Gerais, na 2ª edicção. Este documento não o consegui ver na Torre do Tombo, por conhecer dele só a numeração antiga e  ter sido informado que está fora do seu lugar . 
b) - Os documentos para a constituição dos Bispados de Viana do Castelo, Freixo, Covilhã e Abrantes, que também se guardam na Torre do Tombo, fazendo parte da Colecção Moreira e longamente extractados pelo Revdo. Padre António Brázio, S. Sp., a fls 61, da Revista Estudos. (Coimbra, fasc. 2º, 1942)
Comparando o número de vizinhos das diferentes cidades e vilas e seus termos do censo de 1527, verificamos que são os mesmos dos dois documentos citados, salvo uma ou outra excepção explicável por erro de soma ou ainda por errada leitura do censo. O censo serviu pois de base ao documento de 1535 do Visconde de Santarém, e aos documentos para a constituição das dioceses novas. A diocese da Covilhã foi pedida no interregno da morte de D. Jorge de Melo e a elevação ao solis da Guarda de D. Cristóvão de Castro.
O Revdo Padre António Brázio fixa o pedido para a constituição da Diocese de Viana em 1545.
            Estes dois documentos se por um lado nos ajudam a suprir a falta dos cadernos de 1527, por outro são um aviso aos investigadores do cuidado que deve haver na utilização dos dados sobre população nos documentos do século XVI posteriores ao censo, porque, como estes, devem oferecer não um cômputo actualizado dela, mas os do próprio censo ou  então apresentam os dados anteriores do censo, que naturalmente conhecem, e não os da época a que dizem respeito.
Podemos comparar a população das vilas e cidades e depois a soma destas com o termo. Observemos de novo a tabela:



Beira Baixa e Beira Alta


Sec XV
Sec XVI
Observ


Censo 1527
Doc. Visc. Santarém (1535)
Doc. Dioceses (Col. Moreira)


Covilhã


2334

819
3241
4060


4060

Valhelhas
230



430
Pampilhosa



137

Castelo Branco


820

870
547
1417


1417

S.Vicente da Beira

337



582

Castelo Novo



571


Sortelha


140
78
---
383



Atalaia



62

Idanha-a-Nova




267

Idanha-a-Velha




199

Segura



200

Salvaterra
130


239

Pena Garcia



42


Monsanto



300?

356
138
494


494

Rosmaninhal
70


191

Manteigas
220



397

Penamacor


115
380

446
418
864


864


Belmonte



88
159
---
244



244

Oleiros



289

Alvaro



215

Bemposta



39

Proença
130


219


Guarda



1000


2321-397


2321-379


2321





Que nos diz Magalhães Colaço, na Revista citada, sobre alguns lugares?

fls 121 “ termo da cidade da Goarda / Item na cidade da Goarda e seu termo tem moradores ... 2321 / assaber na cidade dos muros a demtro vivem trezentos quaremta e nove / e no arravalde trinta que fazem em soma ... 379 / tem a dita cidade no termo della amtre quintaães e alldeas .... 65 / nos quuaaes vivem os mais moradores e ssaaom os seguintes / etc “
fls 129 Termo da villa de Castelo Rodrigo / Na villa de Castelo rodrigo e seu termo vivem moradores dous mill no/venta e sete .... 2097 / Assaber na villa dos muros a demtro vivem ...91/ E no termo ha os lugares e quymtãs e moradores segjntes / etc...
fls 131 “Item na villa de pinhel e seu termo vyvem moradores ... 1766 / Assaber na villa dos muros ademtro vivem ... 152 / e no arravallde da dita villa com tres quimtãs que estão junto della vivem . 136 / E no termo ha os lugares e moradores segymtes “ ..etc...
fls 147 “Termo da cidade de Lamego / Nesta cidade de Lamego e seu termo vivem moradores .. 1490 / A saber na cidade dos muros a dentro que se chama a cerca do castello / vivem ... 58 / E no aRavallde da see ... 105 / E no aRavallde da seara ( sic ) ... 309 / Somão todos os moradores da cidade e Ravaldes ... 472 / E tem esta cidade no termo amtre quintãs e lugares setenta os quaes / sam estes “ / etc...
fls 210 Gouvea - Na vila e termo 845 a saber na vila vivem 210 e no termo há os lugares e moradores seguintes - etc...
fls 211 Sea : na vila e termo - 1.168, na vila 103, e no termo há os lugares e moradores que seguem --
fls 153 Vizeu - cidade e seu termo, moradores, 2.340, a saber na cidade dos muros a dentro 354 e no arravaldes vivem 105, seguem os lugares do termo como nas outras 

Sobre o Alentejo 

Ares - 42 moradores; termo 2, Soma 44
Amieira - 222 e no termo 10 = 232
Alpalhão = 115
Crato = 391, Termo e vila 730, Tem esta vila mancebos solteiros 420
Aviz - vila e arrabalde 320; vª e termo 896; vila e termo mancebos solteiros 79
Castelo de Vide - cerca e arrabaldes - 885 fogos; termo 26 fogos, Soma 911
A Comenda de Belver (é sufragânea de Belver) e tem uma freguesia e moradores em casaes apartados 57
Évora - cidade : 2.813 fogos; termo 788 fogos; soma 3.601
Elvas - cidade - 1916 fogos; termo 438, soma 2354
Marvão - vila 363 fogos; termo 132 fogos; soma 495
Nisa - moradores 295; termo 54; soma 349
Portalegre - cerca e arrabaldes 1224 fogos; termo 195 fogos; soma 1419
Beja - Beja e arravaldes 1205 fogos; termo, fora aldeas 722; aldeas 205 + 71 + 89 + 235 + 182 + 102 = Soma 2.807 

Enquanto que no cadastro da Beira se dão os limites dos concelhos, neste do Alentejo dão-se distâncias às terras circunvizinhas ou mais próximas e noutras, se é comenda, de quem é a jurisdição, as rendas d’ El Rei, de tal ordem que faz lembrar o nosso documento de 1496. (2) 

Para a população de Lisboa apresenta Braancamp vários elementos integradores:

v.g. “ Summario em que brevemente se contem alguas cousas (assi ecclesiasticas como seculares) que ha na cidade de Lisboa “ de Cristovão Rodriguez de Oliveira. ( 1551 ) mas dá a Lisboa 10.000 casas, com 18.000 vizinhos e nestes 100.000 almas em que entram 9.500 escravos.
“ Estatística de Lisboa de 1552 “
ms. B. 11-10 da Bib. Nacional de Lisboa
235 ofícios com    39.000 homens
  49 ofícios com    11.500 mulheres
                               3.000 órfãos
                               4.000 meninos das escolas
                               5.000 mulheres solteiras
     Total                62.500 pessoas


Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias 

Deixámos para o fim a transcrição do Censo de 1527 relativa às povoações de Belmonte e Sortelha: 

Belmonte  

“ Termo da Villa de Belmonte /
Item na villa de bellmonte e seu termo vivem moradores ... 244 / na Villa vivem ... 159 / E no termo ha os lugares e moradores segymtes // ( fls 123 ) Item o lugar de macaynhas ... 34/ o lugar de colmear .... 17 / o lugar de emgyas ... 24 / o momte de martjm affomso .. 3 / a quymtam de Vall lomgo ... 3 / a quymtam de ruy fernamdo ...1 / a quymtam de mallpita ( sic ) ... 3 / que todos ffazem a dita soma .... ( sic ) / E a dita Villa tem de termo duas legoas em lomgo e huuma em larguo e / parte e comfromta com o termo da Villa de covjlham pelo ryo do zezere / a tres tiros de besta e per malhoens a huuma legoa e asy parte e com/fromta com ho termo da Villa de sortelha e com o termo da cidade da / Goarda e com o termo da Villa de Valhelhas. / (3) 

Termo da Villa de Sortelha / 

Item na Villa da sortelha e seu termo vivem moradores ... 383 / na Villa dos muros adentro vivem ... 78 / E no termo tem quymze lugares e quymtas em que ha moradores se/quymtes / o lugar de samtestevam ... 76 / o lugar de samto amtonio ... 15 / o lugar malloata ( sic ) ... 13 / o lugar de pena lobo ... 24 / o lugar de bemdada ... 48 / o lugar do casteleiro ... 52 / o lugar da mouta ... 42 / A quymtam de cyzirota ... 4 / A quymtam dagoas bellas ... 12 / A quymtam de Vallmourysio ... 7 / A quymtam dos amos ... 3 / A quymtam da ( sic ) pam ... 2 / A quymyam do azinall ...3 / A quymtam do ameall ... 2 / o cassal do duraom da rua ... 1 / que todos ffazem a soma .... ( sic ) /

( Na minha as somas não estão certas, facto para o qual Colaço também chama a atenção )

E a dita Villa tem de termo em comprido seis legoas e em largo tres le/goas parte e comfromta ho termo da dita Villa com o termo da cidade 7 da Goarda que estaa pera o norte e da Villa a dita cidade sam quatro / legoas e omde se parte o termo ha legoa e mea e asy parte e confromta / com a villa de bellmomte e ha de huuma Villa a ouutra duad llegoas / pera ho poemte e omde se partem os termos huuma legoa e asy parte e / comfromta com a villa de covjlham e ha de huuma vylla a ouutra quatro / legoas omde se parte o termo huuma legoa e asy parte e comfromta / com a Villa de penamacor e de huma villa a ouutra sam tres legoas e / omde se parte o termo haa huma legoa e asy parte e comfromta com o / reyno de Castella cimco legoas e / parte com a villa do sabugal e ha de / huuma villa a outra duas legoas e tamto tem de termo pera a dita vylla / chega o termo a dita vylla pelo ryo de coa que vay pegado nos muros // ( fls 124 ) do sabugal e asy parte e comfromta com ha villa de touro e tem de termo / pera lla legoa e mea / o sabugal faz pera ho nascente e o touro mais / pera o norte /
                                   segue o termo da Vª do Touro (4)  

Fontes:
1)  Rev. da Fac. Direito de Lisboa, ano 2º, 1934, fls : a) 121; b) 153; c) 161; d) 129; e) 147.
2)  Braancamp Freire, Arquivo Histórico Português, Volumes 3º, 4º, 6º, 7º
3)  fls 82 vº original; 122 Colaço
4)  fls 83 original; 123 Colaço