domingo, 26 de outubro de 2014

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo III

O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.


Fotografia de D. Miguel e seus correligionários (1)

 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
“Venha cá, senhor malhado/Sente-se nesta cadeira/Grite: Viva D. Miguel!/Senão parto-lhe a caveira”, versos que podem ajudar a provar que o medo funcionava mesmo, o controlo existia de facto. A Igreja Católica apoiava verdadeiramente D. Miguel, “o arcanjo salvador” e por isso se falava em unanimidade na aceitação daquele rei; mas os muitos liberais apanhados pelo terror miguelista existem de facto, como alguns historiadores nos dizem:
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias cujos bens foram confiscados.  
Esta situação abre em Portugal uma guerra civil entre absolutistas e liberais. Só a Convenção de Évora-Monte (1834) e o início do reinado de Dona Maria II procuram sanar a ferida imensa que grassa no País.

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Ilustração de Alfredo Roque Gameiro



Ill.mº e Ex.mº Senhor

            Hoje se está formalisando em camara um batalhão de voluntarios realistas do Senhor D. Miguel, para com o mais vivo zelo e amor debelar os perversos traidores que ousaram ofender os seus Direitos. Toda esta Vila e seu Distrito se acha animada do maior entusiasmo pela sagrada causa da Realeza.
            Consta-me que todos os habitantes da Província se acham animados do mesmo amor não poupando sacrificio algum que seja necessário fazer-se.
            Puz em Custódia o Dr. Manuel António Leal Preto de Lima Castelo Branco e seu filho Augusto do lugar do Dominguizo por se acharem com armas em casa e serem conhecidos por exaltados liberais, assim como o P.e Manuel Alves Padez, cura do mesmo lugar, José Pessoa Leão, solteiro, desta Vila e Manuel da Silva, soldado de Caçadores nº 3, que transitava sem passaporte e proferindo expressões suspeitosas.
            Não sei se V. Ex.ª foi entregue da minha participação com data de 13 do corrente mês em que detalhava o plano da conspiração que descobri, apreendendo seus autores, porquanto ainda não recebi disto certeza.
Deus guarde etc.

Covilhã, 24 de Maio de 1828.

Ill.mº Intendente
O Juiz de Fora
                                            Antonio Roberto de Araujo Queiroz

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Ilmº e Ex.mº Senhor


Tendo mandado repicar o sino da Camara pelo motivo da muito agradável notícia da Vitória que as tropas realistas alcançaram em Penafiel sobre os rebeldes, acontecia juntar-se imenso povo que correu às casas dos notados por liberais e lhes quebrou as vidraças sem que os voluntários e milicianos pudessem impedir este excesso, porem dizendo eu ao povo que estes procedimentos eram contrarios às Reais Intenções de El-Rei o Senhor D. Miguel, logo se absteve da sua continuação e hoje reina o maior socego.
Deus Guarde etc.

Covilhã 16 de Junho de 1828

Ill.mº e Ex.mº Snr. Intendente
                                                                       O Juiz de Fora
                                                     Antonio Roberto de Araujo Queiroz

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“Ill.mº e Ex.mo Senhor

            Participo a V. Ex.ª que em todo o meu distrito tem havido muito regozijo pelo inapreciável decreto de El Rei N. S. o Snr. D. Miguel I de um do corrente mez.
            Tenho continuado a fazer abrir a mala do correio desta vila afim de reter e abrir as cartas suspeitas.
            Deus guarde etc.

            Covilhã 12 de Julho de 1828

            Ill.mo e Ex.mo Snr. Intendente etc.

      O Juiz de Fora
António Roberto de Araujo Queiroz



Nota dos Editores - 1) Fotografia existente no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, sem nenhuma referência que nos elucide se efectivamente se trata de D. Miguel I ou de seu filho D. Miguel no exílio.

Fonte - Dias, Luiz Fernando Carvalho, "História dos Lanifícios, Documentos".

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