domingo, 1 de maio de 2016

Covilhã - Os Forais XXVI

Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.

 […] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]

     O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.

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Illmº e Ex.mº Snr.

Mandou-me V. Ex.ª que expusesse os fundamentos pelos quaes julgava que os direitos banaes e os serviços pessoaes no caso em que se extinguissem não deviam ser compensados aos donatarios ou senhorios. Os ditos fundamentos reduzem-se aos seguintes: A compensação poderia ter lugar quando os senhorios ou os donatarios fossem obrigados a largar certos bens ou rendimentos dos quaes até então precebessem um beneficio e utilidade directa e importante; pois que ainda que a causa publica pedisse em taes e taes casos esta consideravel diminuição do patrimonio, era justo que aqueles que a sofriam fossem indemnisados. Mas se a causa publica exige que certa classe de pessoas perca uma mui pequena parte do seu rendimento ou certos direitos e privilegios dos quaes só indirectamente lhe resulta esse rendimento e utilidade, então o mesmo melhoramento da causa publica sendo como é um beneficio geral e de consideração muito superior é a compensação unica que os lesados devem esperar na extinção de tais rendimentos e privilégios.
Neste segundo caso estão compreendidos os direitos banaes e serviços pessoaes; eles não consistem num rendimento directo que aumente o patrimonio dos privilegiados mas sim num direito e privilegio donde indirectamente se seguem esses lucros; ainda mais, eles consistem num direito ou privilegio que necessariamente se deriva numa ordem de cousas que já há muito tempo não subsiste e que hoje se conhece ser incompatível com o Estado publico e com a Legislação geral das Nações modernas e por isso a extinção desta ordem de cousas devia bem necessariamente trazer consigo a extinção do que era uma consequencia dela.
Nem pode obstar o dizer-se que aqueles direitos e serviços se fundam ou em leis ou em contratos legitimos. Quem o duvida falando em chefe? Mas pode o Soberano quando a utilidade publica o pede derogar essas leis e regular esses contratos declarando exóticas e insubsistentes aquelas clausulas deles que repugnam à mesma publica utilidade ainda que delas resulte interesse a algum dos contratantes. É escusado ou provar o principio ou produzir os exemplos.
Mui interessantes eram para os donatarios (não falando ainda no que propriamente se chama jurisdição) os privilegios de izenção que eles tinham nas suas terras a respeito dos aboletamentos, recrutamentos e coudelarias; e tambem de fintas e impostos para caminhos, pontes e fontes etc. e a-pesar disso todos esses privilegios foram abolidos no § 41 da Lei de 19 de Julho de 1790, sem que se falasse de compensação alguma; porque com razão se assentou que em todas estas cousas deve prevalecer a causa publica da defensa e conservação do Reino; e a tranquilidade, comodo e felicidade dos vassalos, primeiros objectos do cuidado e inspecção da Soberania.
Já se falar no que propriamente se chama jurisdição, bastava ver a referida lei para se julgar quanto com ela perderião os Donatarios, os quais nem por isso foram julgados dignos de compensação: é verdade que no § final lhes dá a lei o direito de a pedirem mas note-se 1º- que esta compensação é um beneficio extraordinario e por isso mesmo que se não concedeu em regra. 2º- que ela só podia ter lugar se acontecesse que algum donatario experimentasse no particular algum dano pelo disposto nesta lei ou pela execução dela; e portanto bem se vê que não recaía a compensação sobre a abolição das jurisdições por que esta de certo acontecia e de certo causava dano a todos os donatarios. 3º- Assim mesmo S. Mag.e não promete reparar ou compensar esse dano senão sendo ele atendivel e ficando alias a lei em seu vigor.
Mas supondo mesmo que os direitos banaes e serviços pessoaes (infelices reliquias dos costumes feudais) mereciam maior contemplação do que os outros direitos, privilegios, izenções e até jurisdições, para não serem abolidos sem compensação: porque modo se poderiam eles compensar? Parece evidente que isto só poderia ser feito à custa dos povos sujeitos àqueles encargos, avaliando-se a perda que com a extinção deles experimentassem os senhorios e donatarios. Ora 1º- esta avaliação não podia deixar de ser muito arbitraria, como dependente de muitas circunstancias locais e temporarias e por isso mui diversas e variadas; o que daria ocasião a muitas questões e litigios. 2º- Deste modo ficarião os povos obrigados a um novo tributo ou foro: quer dizer, ficariam sujeitos a uma nova contribuição directa e por isso tanto ou ainda mais gravados, então mesmo quando se reconhece que por seu necessario alivio se devem extinguir aqueles encargos. Em que estaria pois aqui o beneficio da Lei?
E não ficam já assás compensados muitos dos proprietarios com os abusos que até aqui podem ter feito dos direitos banaes; pois que em fim é muito possivel que os moleiros ou lagareiros sejam imperitos ou não façam boa obra, é possivel que os fornos, moinhos ou lagares não deem expedição bastante a todos os que dela necessitam e nestes casos ainda que se diga que cessa o direito do Senhorio e a obrigação do foreiro, já este tem recebido detrimento com a mora, fora a despeza que ainda tem que fazer de reconduzir o seu genero a lugares mais distantes e sujeitos talvez a iguaes dificuldades. Por tanto pode-se dizer em regra que a extinção dos direitos banaes forma por si mesmo uma justa compensação e não merece por isso ser novamente compensada.
Ultimamente não é tão grande como parece à primeira vista a perda dos donatarios e proprietarios na extinção dos direitos banaes: pois nem se proibe que os povos continuem a servir-se dos lagares até então privilegiados; nem se lhes impõe a obrigação de fazerem lagares e moinhos proprios. Como só se lhes dá a este respeito a liberdade de fazerem o que fôr mais conforme a seus interesses; seguir-se-à que a muitos será mais comodo e a outros necessario continuarem a servir-se ou das oficinas dantes privilegiadas ou das outras diversas segundo o maior comodo e mais breve expedição que nestas ou naquelas encontrarem. Então sucederá que os antigos privilegiados para facilitarem a voluntaria concorrencia dos povos aos seus lagares, moinhos e fornos; ponhão por interesse seu, estas oficinas na boa ordem em que até então as deviam ter posto para utilidade publica; e deste modo pode até ser maior a utilidade futura do que o prejuizo presente.
Eis aqui o que me parece sobre este objecto; mas tudo sujeito às superiores luzes e reflectida consideração de V. Ex.ª.

Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos.

Lisboa 20 de Julho de 1813


Ill.mo e Ex.mo Snr. João Antonio Salter de Mendonça

                        De V. Ex.ª
                        M.to Att.º creado
                        F.

Publicações anteriores sobre forais:
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