segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios VI - IV


Inquérito Social IV 

Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38. A estatística que se segue perceber-se-á melhor lendo o capítulo anterior.


 
 
 





Nota dos editores - Como inserimos as tabelas segundo o sistema de imagem, aconselhamos os nossos leitores a clicarem com o rato sobre elas, para que o visionamento seja mais perfeito.
Contamos publicar o próximo episódio - Inquérito Social V - a 3 de Setembro.
Capítulos anteriores:
Inquéritos III - I
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/07/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Inquéritos IV - II
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/07/covilha-inqueritos-industria-dos_23.html
Inquéritos V - III

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios V - III

Inquérito Social III


Continuamos a publicar o inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.                                                     

Usámos como base da estatística, para averiguar a importância das empresas, o critério falível do número de operários. Era aquele que tínhamos à mão e o que correspondia ao fim do inquérito social e deste capítulo, para se atender à posição dos operários em face da organização económica das empresas em que trabalham. Não ignoramos, porém, que o número de máquinas, a sua qualidade, o seu custo, o seguro da empresa nas suas di­versas modalidades, ajudariam a corrigir este critério; se o usámos, sem atender aos outros foi porque nos convencemos que para este estudo ele era bastante elucidativo e, que em Portugal e nos lanifícios, não condu­zia a erros capazes de atingir a verdade a que fomos levados.
Tratámos já da grande e da pequena empresa no seu aspecto geral. Vamos agora referir-nos à secção de tecelagem nas suas relações com a grande e pequena empresa. Somos levados a isso por três razões: a primeira porque a exploração económica da tecelagem é diferente da exploração das outras secções; a segunda porque a indústria de tecelagem é como que a base sobre que assenta todo o edificio da indústria de lanifícios, quer segundo a tradição quer pela exigência do estatuto da indústria; a terc­eira porque a maioria da pequena empresa é constituída quase exclusiva­mente pela indústria de tecelagem.
O estudo que vamos agora esboçar, prende-se intimamente com o capitulo VII “Espécie de Trabalho" e com o capítulo V, consagrado à "Propriedade”. Temos que distinguir porém dois momentos: a) – a altura em que o Inquérito foi feito; b) - aquela época posterior ao inquérito, em que vigoram já os quadros permanentes. Estes dois momentos podem classificar-se também como a época pré-corporativa e a época corporativa da indústria. Para compreender a segunda é preciso antes estudar a primeira. É o que nos propomos fazer.
Como se faz a expIoração da tecelagem?
Chamamos a atenção do leitor para este facto curioso. Na tecelagem dos lanifícios encontramos os mais variados regimes de exploração, coe­xistindo lado a lado no mesmo centro fabril, vivendo em melhores ou piores condições mas vivendo todos eles. Pelo estatuto da indústria só deixou de existir à clara luz do sol, o último dos sistemas que vamos enume­rar, e dizemos à clara luz do sol porque ele continuará a existir sempre que nisso convenham os actuais industriais.
Concentra-se a tecelagem em regime de grande empresa, em fábrica completa, na fábrica de M. Carp Ltd, em Belém, Lisboa, onde se aglomeram 221 teares mecânicos e 5 teares manuais; na fábrica de Arrentela, 115 tea­res mecânicos e 4 teares manuais; na Sociedade Industrial de Gouveia 112 teares mecânicos e 19 teares manuais; na fábrica Perez Ferreira, em Alcântara, 143 teares mecânicos e 3 manuais.
Notou-se nestas fábricas, através do Inquérito, nas secções de tecelagem, grande inconstância no trabalho, salários reduzidos, o risco da má qualidade do fio recaindo sobre o salário de empreitada do operário, predomínio da mão-de-obra feminina, que conduz a uma diminuição de custo no produto. Acrescia que durante a maior parte do ano, a maioria dos teares não laborava.
Para evitar os inconvenientes da concentração, devia impôr-se um máximo de unidades de tecelagem para além do qual não era permitido possuir máquinas, segundo o mesmo critério que exigem um número mínimo para ser industrial.
Encontrámos uma tecelagem mais reduzida, na fábrica completa que no Grémio do Sul vai dos 26 aos 50 teares mecânicos, no grémio da Covilhã anda à roda dos 5 a 20 mecânicos e dos 5 a 10 manuais; no Grémio de Gouveia dos 10 aos 25 mecânicos e dos 15 aos 30 manuais. Nesta segunda modalidade o trabalho torna-se mais constante, sobem os salários, predominam os homens à frente dos teares, sobretudo no Grémio da Covilhã e no de Gouveia. Na Covilhã o trabalho dos teares é exclusivo dos homens.
As fábricas em regime misto, ou seja, especializadas num ramo único de   produção dos lanifícios, mas dedicadas ao mesmo tempo à indústria da tecelagem, constituem também a terceira modalidade de exploração na secção de tecelagem.
O número de teares diminui, mas as condições de trabalho e de salá­rio são idênticas à segunda forma de exploração.
Indústria de simples tecelagem assim chamamos à quarta forma de exploração. Diferencia-se da terceira porque as firmas assim classificadas dedicam-se só à indústria de tecelagem ao passo que na terceira modalidade têm juntamente outra qualquer secção. Caracteriza-se pelo emprego de poucas unidades, pertencentes à firma exploradora, ou à firma exploradora e ao operário conjuntamente. Todos os industriais que figuram na “estatística das unidades de tecelagem pertencentes aos patrões" que aparecem no fim deste capítulo, devem ser incluídos nesta modalidade de exploração.
É própria dos pequenos centros ou então da Covilhã donde a ascensão ao patronato é rápida e fácil.
Os salários equiparam-se hoje aos das duas modalidades anteriores; durante a guerra e já depois, esta indústria pequena viveu no regime do salário reduzido dos tecelões manuais, com teares pró­prios.
Nesta quarta espécie de exploração os industriais também costumam usar dos teares manuais que são pertença dos operários. Aqui já é grande a instabilidade do trabalho, dependendo este do estado dos negócios do industrial, da sua segurança económica, da crise da indústria ou da esta­ção.
Esta mesma circunstância da falta de trabalho verifica-se nas outras modalidades de exploração da indústria de tecelagem, no respeitante a operários efectivos, sempre que a competência técnica e profissional do patrão é pequena, embora conforme os centros.
Essa inconstância de trabalho, na Covilhã, é quase nula na segunda e terceira modalidade de exploração ao passo que no Grémio de Castanheira de Pera e em alguns centros do Grémio de Gouveia e do Sul é acentuado.
Vamos agora referir e comentar a última modalidade da indústria de tecelagcm: a Covilhã é o único centro onde ela se encontra. Referimo-nos àqueles fabricantes que não possuindo unidades de tecelagem, nem qualquer outra unidade industrial, utilizam os teares dos operários a quem dão trabalho.
Estes industriais eram conhecidos pelo nome de traficantes, o que significava que eram simples mercadores de matérias-primas, matérias-primas essas que eles mandavam transformar e que depois distribuíam pelo país através do seu comércio. Esta modalidade foi posta de parte definitivamente, como já dissemos, pelo estatuto da indústria com o fundamento que não se compreendia que fosse considerada industrial quem não tinha encargos, concretizados na posse de máquinas. Argumentava-se também com o facto de que estes industriais ao assomarem-se as crises se encontravam em situação privilegiada, pois não tinham pessoal a quem manter o trabalho. Parece-nos, contudo, que embora sejam de peso as razões apresentadas, elas contrariam de certa maneira o espírito corporativo e vêm a dificultar a resolução de um problema que julgamos de singular importância.
A primeira razão deixa de existir se considerarmos que nem só a posse de máquinas constitue encargo, pois bastava um contrato garantido por hipoteca ou caução com os possuídores dos teares manuais para colocar os traficantes em situação de responsabilidade, idêntica à dos outros industriais.
A segunda razão parece-nos também pouco forte porque desde que os traficantes tenham assinado contratos com os industriais proprietários das fábricas especiaIizadas, recaíam também sobre os seus ombros as mesmas responsabilidades de manutenção do pessoal.
A sua situação até nos parece menos protegida do que a daqueles industriais que trabalham a feitio.
Pode dizer-se que eles contribuem para a instabilidade da produção, mas desde o momento que existem quadros permanentes de tecelagem deixa de haver razão de produzir este argumento.
Ao contrário do que foi legislado parece haver razões que aconselhem a existência desta forma de exploração de tecelagem.
Partimos do princípio que não convém à Nação a importação de novos teares pela evasão de ouro que acarreta e porque o número de teares existentes no país é suficiente para satisfazer as necessidades do mercado.
Se não admitirmos esta última modalidade na indústria de tecelagem, caímos em dois erros, cada qual o mais funesto: quem desejar ser in­dustrial de lanifícios, e tenha condições morais, técnicas e económicas para isso, na impossibilidade de importar máquinas do estrangeiro, só lhe resta comprar teares manuais, não registados, propriedade dos tecelões e considerados instrumentos de trabalho ou renunciar à actividade industrial.
Os inconvenientes do primeiro caminho mostrá-lo-emos no decorrer deste estudo, e eles são tantos que esperamos que ele se feche também aos futuros industriais, como já se fechou, ainda que temporariamente, quanto à compra dos teares manuais registados, propriedade dos operários.
Ver-se na necessidade de renunciar à indústria de lanifícios é reconhecer que a organização, transformada em monopólio, dos actuais industriais é a negação da mesma doutrina corporativa, porque realiza o tipo de corporação fechada.
Em Novembro de 1937 a Federação proibiu a transferência dos teares manuais registados na posse de operários, para a posse dos patrões.
As mesmas razões que levaram a Federação a usar desta medida, devi­am estender-se às unidades de tecelagem propriedade dos operários que não estivessem registadas, pois o que interessa é que todos esses teares que não estão registados o venham a ser.
A vantagem social de que esses teares continuem na posse dos operários é impedir que aumente a proletarização daquela massa de trabalha­dores que tem no tear manual o meio seguro de responder às exigências de uma família numerosa. A manutenção dos traficantes dava possibilidades de garantir através de um contrato a longo prazo o trabalho a estes te­celões manuais: se a posse dos instrumentos de trabalho se transferir para os patrões, diminui a garantia de trabalho, porque os quadros perma­nentes obrigam unicamente o patrão diante de um tecelão indeterminado, ao passo que, se os teares forem propriedade do operário estes não podem ser substituídos por qualquer motivo.
A posse dos instrumentos de trabalho, que é já uma manifestação de economia operária, constitui assim uma segurança de trabalho para os tecelões manuais.
Pôr em laboração todos aqueles teares manuais dispersos pela área da Covilhã tinha a vantagem de repartir por um maior número de famílias os beneficios que a indústria proporciona.
Segundo o parecer da técnica certos artigos preferem ser fabricados em teares manuais; nada pode justificar que o artigo baixo venha a ser retirado ao labor desta gente que depois o consome. A técnica só é legitima de aproveitar quando não perturba o bem-estar do maior número.
E se os teares manuais não correspondem tecnicamente às exigências do artigo alto e de luxo, são contudo suficientes e capazes de satisfa­zer as necessidades do artigo baixo não só na ordem técnica, mas também na ordem monetária.
A evolução natural da indústria e as influências do espírito capi­talista não conseguiram apagar os restos de artesanato de que a indús­tria caseira do tear manual é a última manifestação.
A Covi1hã, onde a tradição Nacional resistiu melhor às influências do capitalismo uniformista e absorvente, guardou o tipo de tecelão pro­prietário. Porque a Covilhã é o centro industrial mais importante do país, porque secularmente à roda do seu concelho se aglomera um maior número de unidades industriais, porque aí os fenómenos se encontram mais à superfície e as modificações da indústria são mais evidentes, é lá que vamos estudar o problema do tecelão, proprietário do seu instrumento de trabalho. A estatística dos teares na posse dos operários, que pu­blicamos ao findar este capítulo, indica-nos a verdade do que acabamos de expôr.
No grémio de Gouveia e no grémio de Castanheira de Pera assim como na reduzidíssima indústria do Norte, verificamo-lo através da mesma esta­tística, os operários desfizeram-se dos seus instrumentos de trabalho em favor das empresas industriais. No grémio do Norte a proximidade e a influência da indústria do algodão, onde predomina a concentração indus­trial, explica a razão porque encontramos um número reduzido de tecelões proprietários.  Em algumas terras do grémio de Gouveia como Manteigas, Paços da Serra e Moimenta ainda encontramos alguns operários possuido­res do seu instrumento de trabalho, o que revela que a população dos re­feridos lugares se defendeu da absorção referida.
O espírito capitalista, na Covilhã, parece ter recuado como já dissemos, diante de um facto histórico acentuado: o tear e o oficio ou seja o direito ao trabalho, equivalia na vida municipal ao direito que o homem do campo tinha à sua jeira de terra.
Ao começar a época da expansão, verificamo-lo através dos capítulos das Cortes Gerais, em pleno século XVI, não havia ninguém entre Minho e Tejo que não tivesse a sua leira de terra. A fixação nas cidades e vilas, a procura excessiva dos ofícios, o abandono do campo, com a consequente alienação dessa jeira de terra, veio a fazer da população das cidades uma população que trocou pelo direito ao ofício o direito à terra. É assim que assistimos nos séculos XVI, XVII e XVIII ao desenvol­vimento do velho burgo municipal da Covilhã.
A indústria era um mester cujos produtos invadiram as feiras do reino, mereceram a protecção dos reis, tiveram nos frades de Santo António da Covilhã e de S. Francisco de Gouveia, protectores e mestres, e nas 1iberdades municipais ensejo de se desenvolverem e perdura­rem. No século XVIII e princípios do século XIX começam a constituir-se as médias empresas. Como já dissemos, a indústria deixou de ser unica­mente caseira e doméstica para se constituir em pequenas oficinas espe­cializadas que albergavam já debaixo dos seus tectos operários sem instrumentos de trabalho, ascendentes directos dos proletários de hoje. Mas dentro de casa ficou o tear, que continuou a ser a escada pa­ra muitos operários atingirem o patronato.
Aumentou o número de patrões; aqueles operários que possuiam os seus instrumentos de trabalho, deixaram de trabalhar por conta própria, para começarem a trabalhar por conta daqueles que agora subiram; recebiam deles o fio e entregavam -lhes depois a fazenda que era a seguir apisoada e ultimada nesta e naquela oficina.
Dantes por conta própria, agora por conta alheia eles continuam a ser os transformadores, trabalhando na sua casa com os seus instrumen­tos próprios. Este mester é que diferencia os proletários de hoje des­ses operários tecelões de outrora, com o seu direito de tecer, de se asso­ciar, de ter confraria, de usar a protecção da mesma bandeira.
Da tecelagem manual passou-se para a tecelagem mecânica. Um tear mecânico é infinitamente mais caro do que um tear manual; mas como su­biram os ordenados nada impediu que 1evados pela mesma tendência de emancipação, os tecelões procurassem adquirir o seu instrumento de traba­lho. Lá os vamos encontrar na Covilhã. A estatística dá-nos a existência de 34 teares mecânicos propriedade de 34 operários; e a caminho já do patronato, três operários com dois teares mecânicos cada um.
Dir-se-ia que a tendência para a especialização que se revela de novo na indústria moderna através do abandono da fábrica completa, cujo e­xemplo nos vem sobretudo daquelas nações que sofreram os horrores do al­to capitalismo, é inversa daquela outra que ao princípio do capitalismo procurou agrupar na grande empresa as pequenas oficinas especializadas.
Os próprios teares mecânicos que se julgava nunca poderem abandonar o complexo, até esses vemos separarem-se do aglomerado económi­co que é a empresa e voltarem de novo para a propriedade daqueles que tra­dicionalmente os possuiam. Este facto ou melhor esta evolução natural da indústria só na Covilhã e no Tortosendo se pode averiguar, pois só nesta região do país, consagrada exclusivamente ao fabrico dos panos, ela aflorou de novo.
Com a electrificação geral do país e o consequente barateamento da energia, usando uma politica de protecção aos mais pequenos, nada impede que amanhã voltemos a ter na indústria de lanificios, com todas as suas vantagens sociais, os tecelões proprietários não já de teares ma­nuais mas de teares mecânicos.
Já enumerámos ao tratar dos teares manuais algumas das vantagens da tecelagem nas mãos dos operários. Mais uma vez se repete que qualquer medida de protecção que se lhe dispensar, equivale a garantir o trabalho e a acabar, neste sector da indústria , com os péssimos efeitos da proleta­rização.
Deixámos para o fim as desvantagens que apresentava a grande empresa, porque foi preciso estudar, primeiro e separadamente os inconvenientes que ela a­presenta naquela secção que é a base e a origem da indústria de lanificios, a tecelagem.
A grande empresa pelo carácter anónimo que a caracteriza, estabele­ce um grande abismo entre patrões e operários. Quase que não há relações entre eles ou porque os patrões são sociedades anónimas ou porque é tão grande o movimento da fábrica que o patrão não tem tempo de conhecer os seus colaboradores. Daí a impossibilidade de se resolverem com justiça todos aqueles problemas de despedimento que afectam tão profundamente a autoridade do patrão e deixam por outro lado revoltados aqueles que injustamente vão para a miséria. Chama-se vulgarmente a este facto a desumanização da empresa: isto é o sacrificio de todos os factores morais, de todas as razões pessoais, de todas as razões justas a esta incon­cebível ética da produção.
Na grande empresa e às vezes até naquelas que não se podem chamar assim, fica a Justiça confiada aos mestres das secções, que são juízes, por vezes em causa própria e que zelam tanto os interesses da empresa que esquecem vulgarmente os mais simples deveres de humanidade.

Nota dos editores – O capítulo seguinte, a apresentar no dia 6 de Agosto, facilitará a compreensão do agora publicado.
Capítulos anteriores:
Inquéritos III - I
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/07/covilha-inqueritos-industria-dos.html
Inquéritos IV - II
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/07/covilha-inqueritos-industria-dos_23.html

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Covilhã - A Misericórdia, uma Instituição de Solidariedade Social XX


Este pequeno documento constituído por duas partes está integrado numa visitação da Covilhã, vila que pertencia à Diocese da Guarda. Uma visitação, esta de 1613, é uma informação colhida pelo visitador do Bispado acerca das igrejas, comunidades, pessoal existente, para transmitir ao superior hierárquico. Estes relatórios, como refere Luiz Fernando Carvalho Dias, por vezes são muito ricos não só sob o ponto de vista religioso, como económico, etc.
Neste caso: Lemos uma petição do provedor e irmãos da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã a propósito de horários de Missas nas Confrarias de S. Pedro e do Arcanjo S. Miguel cujos capelães incorriam em excomunhão e multa em dinheiro, se não celebrassem Missa a determinada hora, antes da das paróquias, concretamente “duas horas antes que o dito prior mande tanger a missa conventual dos seus fregueses” na Igreja S. Pedro, (1) cujo prior fez uma petição nesse sentido. Como era muito cedo não tinham assistentes, nem esmolas, o que prejudicava as confrarias. Pela resposta abaixo apresentada, sabemos que a excomunhão é levantada “se começarem a revestir para dizerem missa das confrarias de que se trata posto que deem nesse tempo as sete horas, no verão E as oito no inverno”. 

Declaramos que não incorrem na excomunhão posta na vizitação os padres que estiverem revestidos ou sem fraude se começarem a revestir para dizerem missa das confrarias de que se trata posto que deem nesse tempo as sete horas, no verão E as oito no inverno. E quanto ao que mais se contem no dito Capº da vizitação haja vista o Rev.dº prior de S. Pedro da dita vila, e responda em termo de três dias, ou os suplicantes requeiram sua justª embargando a vizitação ou como lhes parecer.
Guarda 16 d’ Outubro de 1613 


O provedor e Irmãos da Santa Casa da Misericórdia da Villa da Covilhã q nella estão citas duas confrarias uma delas antiquissima do Espirito Sancto, cujas missas se custumam dizer todos os domingos e Santos e a outra do Arcanjo S. Miguel que tem missas todas as terças feiras de cada semana ainda que sejam feriados.
Alem disto se dizem as missas na dita caza todas as quartas feiras e festas de N.ª Senhora. E porquanto as ditas missas sempre se disseram à hora competente sem contradição de pessoa alguma nem prejuizo das paróquias da dª Vª. E contudo ora a petiçam do prior da Igreja de S. Pedro ficou em vizitação que as missas das ditas confrarias dissessem os capelães delas de 6 horas até 7 de verão E de 7 a 8 no inverno, duas horas antes que o dito prior mande tanger a missa conventual de seus fregueses, E isto com penas de excumunhão maior ipso facto Incurrenda E dinhº.: O que fica redundando Em perda das ditas comfrarias que por ser muito cedo não vem gente a ouvir as missas dellas e assim cessam as esmolas de que se sustentam E em perigo das consciências dos Capelães e escândalo dos ouvintes que tem acontecido estarem revestidos para dizerem as ditas missas, nisto dá o relógio as 7 ou as 8 oras e tornam-se os Capelães a despir sem dizerem missa por respeito das censuras postas na dita vizitação. Pedem a V. Ill.mº Snr. Respeitando ao que os suplicantes dizem, cuja tenção não é em alguma man.rª prejudicar a liberdade da paróquia do dito prior nem a outra, que querem se digam as missas das ditas confrarias antes das das parochias como sempre se disseram, porem não tam estrictamente com censuras, as quais seja V. S.ª servido levantar por respeito das consciências dos Capelães.  E R.J. e m. 

Nota dos editores – 1) A Igreja de S. Pedro foi destruída após a implantação da República.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Covilhã - O Senhorio III


     Continuamos a publicar documentos do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, relacionados com o Senhorio da Covilhã. Em primeiro lugar uma carta de “conuenca e possyssam”, de D. Afonso V, datada de 1449. Este instrumento  é dirigido a D. Duarte de Meneses e sua mulher Dona Isabel de Castro, cujo conteúdo refere uma obrigação do Infante D. Henrique sobre a compra de bens no termo de Seia e da Covilhã.
     Outro documento, de 30 de Junho de 1471: “A dom dioguo filho do Ifamte dom fernamdo”. D. Diogo  recebe o senhorio da Covilhã, porque morrera D. João, seu irmão mais velho, como podemos observar na árvore genealógica já publicada. Este D. Diogo, duque de Viseu vem a ser executado em 1484, como já antes seu cunhado D. Fernando, quando D. João II procurava cortar pela raiz o poder da nobreza, fortalecida por seu pai, D. Afonso V, que o deixara ”rei das estradas de Portugal”. Ainda outra carta de 7 de Agosto do mesmo ano com a doação do senhorio a seus irmãos, se D. Diogo morrer sem “ filho que sua erança aja de erdar”.
             Por último uma carta de D. João II, de 1492, para D. Manuel, o irmão mais novo de D. Diogo, “duque doaçam da villa de couilhãa com seu termo com todas Rendas e direitos foros etc.” Como D. João II morrera sem sucessor, o seu herdeiro vai ser este D. Manuel – D Manuel I, que em 1498 concede à Covilhã o privilégio de realenga, embora já antes, em 18 de Abril de 1497, confirmara privilégios dados por D. Afonso V àquela vila.

O Infante D. Henrique com caravela
(pormenor do Padrão dos Descobrimentos, Lisboa)


A dom duarte de meneses (1) aprouaçã da obrigaçam que lhe ho yffamte dom amrrique fez de duas mill e Vc coroas por certas quymtas beês e padroados de igreias que o dito dom duarte e sua molher aviam em termo de ssea e em couylhãa e as vemderom ao dyto yffante o quall quis que emquamto lhes nom pagasse ouuesse xxv mill de teemça e pera seguramça dello obrigou e etc

Dom affonso e etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que dom duarte de meneses e etc nos mostrou hu estormento pubrico que pareçia seer fecto e assynado pello taballiam em elle nomeado do quall o theor tall he.
Saybam quamtos este estormento de conuenca e possyssam virem que no anno do nacimento de nosso senhor Jhesu christo de mill e iiijc Riij annos dez dias do mes dabrill na rribeyra da çidade de lixboa em dereyto da fonte de venaboquer estamdo hy em huua carauella pera sse partir ho muyto homrrado e preçado senhor ho yffamte dom amrrique duque de viseu e senhor de couilhãa e logo per elle foy dito que na verdade era que dom duarte de meneses e etc que outrossy presemte estaua lhe fezera pura carta de vemda de certas quimtãas e bêes e padroados de ygreias que elle dito dom duarte e sua molher dona ysabel de castro aviam ê terra de sseea e em couilhãa e no quatrom segumdo majs compridamente he contheudo na carta da dita vemda fecta per mym tabaliam adiante escripta em este dia presemte por preço de duas mill e quinhemtas coroas de boom ouro e justo pero as quaaes o dito dom duarte conheçera e confessaua que rreçebera do dito senhor e se dera dellas por emtregue e satisfecto e bem pagado e dera dello ao dito senhor jffante por quite e liure pera sempre mandando e outorgando que o dicto senhor e seus herdeyros e soçessores ouuessem os ditos bêes liuremente segumdo outrossy na dita carta de vemda faz mençam E em caso que assy fosse que o dito dom duarte sse ouuesse e desse por pagado das ditas duas mill e quinhemtas coroas como dito he que a verdade he que o dito senhor lhe nom pagara cousa alguua dellas e que lhe era nas ditas coroas compridamente deuedor ao dito dom duarte e a sua molher ssem embargo da verba da dita carta de vemda seer em comtrayro.
Porem elle dito senhor Jffamte disse que por o dito dom duarte e sua molher averem pagamento das ditas duas mill e quinhentas coroas elle obrigaua como logo obrigou todollos seus bêes e terras de sseu duquado e Jffamtado a dar e pagar ao dito dom duarte e a sua molher as ditas duas mill e quinhemtas coroas.
E emquanto lhas nom pagasse lhe dar e pagar em cada huu anno de teemça vymte e çimquo mill reaaes bramcos ora corremtes os quaaes o dito yffamte mandou que o dito dom duarte e sua molher e herdeyros ajam em cada huu anno na saboaria brãca da dita çidade ssem lha mudando pera outra parte alguua emquamto elle dito senhor jffamte viuer Os quaaes avera em cada huu anno da feytura deste estormento em diamte E esto por satisffaçam e rremdas e fruytos que o dito Senhor leuar das ditas quymtãas e bêes que assy comprou e nom pagou.
E emquamto os ditos dom duarte e sua molher e herdeyros nom forem pagados das ditas duas mill e quinhemtas coroas averem sempre os ditos vimte e çimquo mill rreaes bramcos de teemça em cada huu anno segumdo dito he ssem desconpemssaçom nem desconto alguu das ditas duas mill e quinhemtas coroas.
E acomtecemdosse que o dito dom duarte moyra primeyro de seer pagado das ditas coroas ou de sseu direito vallor que essa meesma teemça de xxv mill rreaes aja a dita sua molher e herdeyros e soçessores em aquelle meesmo lugar ssem mays seerem mudados pera outra parte.
Outrossy morremdo primeyro o dito senhor yffamte que o dito dom duarte e sua molher e herdeyros ajam pagamento das ditas duas mill e quinhentas coroas. E por elle disse o dito senhor yffante que daua a penhor das ditas coroas a sua villa e terra de sseea com seu termo e com todos seus direitos e pertemças e fruytos e trebutos e rremdas e jurdiçom e senhorio della assy como o elle dito senhor agora ha e de direito deue dauer e possuyr e estar em posse a quall villa e termo elle dito senhor lhe ouue por apenhada com a dita rremda como dito he por as ditas duas mill e quinhemtas coroas.
A quall terra e rremdas della elles ditos dom duarte e sua molher e herdeyros possam aver ssem descomto alguu das ditas coroas atee lhe serem pagadas as ditas duas mill e quinhemtas coroas ou sseu justo vallor segumdo dito he pellos herdeyros e sobçessores do dito senhor yffamte.
E outorgou mays o dito senhor yffamte que morremdo elle primeyro de fazer pagamento jumtamente ao dito dom duarte e a sua molher e herdeyros e soçessores das ditas coroas que o dito dom duarte e sua molher e herdeyros e soçessores possam tomar a posse da dita sua villa de sseea com seu termo segumdo dito he ssem outra fegura nem hordem de juyzo e dereytamente a possa aver na maneira suso dita.
E como lhe as ditas duas mill e quinhentas coroas jumtamente forem emtregues ou pagadas que a dita terra de sseea e seu termo fique liuremente de paz ao dito senhor yffamte e a seus herdeyros E pera este cõtrauto aver moor lugar e se nom poder contradizer o dito senhor yffamte disse que per este presemte estormento pedia por mercee a nosso senhor el Rey e ao yffante dom pedro Regête seu jrmaão que mandem dello dar sua carta de comfirmaçom ao dito dom duarte e o aprouem e dem lugar a sse comprir e guardar em parte e em todo assy e pella guysa que em elle he comtheudo E per nenhuua guysa nom aja lugar a sse quebrar em nenhuua cousa assy da dita temça como do principall como da forma do dito apenhamento da dita villa de sseea.
E o dito senhor ouue este contrauto e comueemça por firme deste dia pera todo sempre sob obrigaçom de todos seus bês que pera ello obrigou E em testimunho desto o dito senhor lhe mãdou asi dar este estormento dous e tres e quamtos comprirem.
E o dito senhor yffamte pedio outro estormento testimunhas dom emrrique de castro e gomçallo de sousa e martim louremço comendadores caualleyros da hordem de Jhesu christo e outros. E eu gomçalle annes taballiam pruuyco per autoridade del Rey meu senhor na dita çidade que a esto cõ as ditas partes e testimunhas presemte fuy este estormento pera o dito dom duarte escpreuy e aquy meu ssignall fiz que tall he.
E apresemtado o dito estromento o dicto dom duarte nos disse que por quamto ho dito senhor yffamte dom emrrique rrequeria comfirmaçom delle que porem nos pedia por merçee que lho comfirmassemos E nos visto seu dizer e pedir e queremdolhe fazer graça e mercee teemos por bem e confirmamos e outorgamos e aprouamos e rretificamos o dito estrormento pella guysa que fecto he e o avemos por boom. E de nosso poder absolluto soprimos quall quer defecto que sse em elle comtenha nom embargamdo quaaes quer direitos custumes façanhas ou hordenaçoões geeraaes ou particollares ajamda que taaes seiam de que deua ser fecta expressa mençom em esta nossa carta de confirmaçom as quaaes nos aquy avemos por expressas e expressamente nomeadas que a esto forem comtrayras e as cassamos e anullamos jrritamos e queremos que nom valham em quamto poderiam anullar ou em alguua guysa embargar em todo ou em parte esta nossa carta de comfirmaçam A quall mandamos a todallas nossas justiças que a cumpram e guardem e façom comprir e guardar como em ella he comtheudo e all nom façades Dada na nossa muyto nobre e sempre leall çidade de lixboa xvj dias do mes de julho joham de lixboa a fez anno de nosso senhor Jhesu christo de mill e iiijc Rix. (2)

***

A dom dioguo filho do Ifamte dom fernamdo carta que falecendo o duque seu Irmão em que foy posta a eramça que o Dito Ifamte tinha sem delle ficar herdeiro lídimo que o dito dom dioguo lhe fique como seu filho lídimo “.
Lisboa 30 de Junho de 1471

“ porem considerando nós como a erança da coroa de nossos reinos que o dito infante meu irmão tinha e era posta em o duque seu filho meu muito amado e presado sobrinho que a ouve per dita sucessão e porque segumdo a lei e ordenação de nossos reinos não pode vir dele se não a filho seu e assim descorrendo per linha direita e vindo caso que nosso senhor defenda que o dito duque seu filho falecesse a dita erança sua não podia vir a algum de seus irmãos por serem a ele colateraes e se tornaria direitamente à Coroa dos nossos reinos o que seria destroço e confusão aos muitos criados e casa que o dito meu irmão leixou.
“ que antão dom dioguo seu Irmaão lhe fique como filho lídimo o que queremos que soçeda como seu legítimo herdeiro “, etc... (3)

***

 Ao Duque de Vizeu e Sñor da Covilhã Dom diogo, doação que falecemdo ele sem filho que sua erança aja de erdar ha aja e suceda cada um de seus irmãos dom duarte e dom manoel que a esse tempo ficar maior
Porto, 7 de Agosto de 1471 (4)

***  

Ao dito Senhor duque doaçam da villa de couilhãa com seu termo com todas Rendas e direitos foros etc.

Dom Joham etc A quamtos esta nossa carta virem fazemos saber que esguardamdo nos aos gramdes mereçimentos que Dom manuel meu muyto prezado e amado primo Duque de beja De viseu Sennhor de couilhãa e de vila uiçosa etc conde estabre de nossos Regnos gouernador da hordem e cauallaria do mestrado de christos e asy ao gramde e muy comjumto diuido que tem comnosco e amor e simguar afeiçam que lhe temos pellas gramdes vertudes e bondades que delle conheçemos e que por estes respeitos he gramde Rezam de o acreçentarmos e lhe fazermos bem e mercee segumdo Requere a gramdeza de seu estado queremdo em alguua parte a esto satisfazer como a todo vertuoso Rey e princepe conuem de fazer primçipalmente aquelles que tam gramde leal e verdadeiramente e com tamto amor e gramde acatamento tem seruido e serue E aho diamte esperamos que seruira e asy por lhe fazermos graça e mercee nos de nosso moto propio liure vomtade çerta çiemçia poder absoluto sem nollo elle Requerer nem outrem por elle e de prazer e comsentimento do primçepe meu sobre todos muyto amado e prezado filho lhe fazemos pura e jmreuogauel doaçam amtre uiuos valledoira deste dia pera todo sempre ao dito duque dom manuel pera elle e todos seus filhos e filhas netos e netas e todos outros herdeiros que delle desçemderem per linha direita segumdo declaraçam juzo escprita da nossa villa de couilhãa com seu termo cõ todas Remdas e direitos foros cemsos emprazamentos trabutos penssoões fruitos nouos padroados de ygreias que nos em ella avemos e de direito deuemos dauer pera sempre per qualquer guisa com todallas suas entradas saydas perteemças vallos montes e fomtes canpos e  termos e lemites e matos soutos rosios pacigos e luguares e montados e portagem e pasajêes e Ribeiros e Rios de pescarias delles e com todallas outras nossas Remdas e direitos corporaaes temporaaes sagraaes escpriuaees e Regemguos taballiados e pensoões delles e jurdiçõees ciuees crime mero mixsto jmperio sogeiçam asy e tam compridamente como a nos auemos e de direito e de feito deuamos dauer asy e como as elle milhor e mais compridamente podem e deuem dauer Reseruando pera nos a correiçam e alçadas e que o dito duque dom manuel e seus soçessores suso escpritos ajam a dita villa e seu termo e padroados de igrejas e propiedade como na pose por a maneira que se ao diamte segue a saber o dito duque em sua vida com tamto que a nam posa dar nem doar vemder ou apenhar nem em testamento deixar em todo nem parte saluo acomteçemdo que o dito duque case fora destes Regnos de portugual e dos alguarues ou lhe acomteçese outro alguu negoçio ou Rezam justa lidema por que sem outro emguano e malliçia lhe comprise uiuer fora delle ou lhe uiese alguu negoçio tal que fose veri simily e presumçam manifesta que lhe cumpra por ello vemder ou apenhar ou escambar a dita villa e seu termo e cousas e todos outros direitos suso escpritos ou parte delles que em taees casos ou cada huu delles os posa vemder apenhar ou escanbar por esta guisa primeiramente fazendo saber a qualquer que em aquelle tenpo seia Rey dos ditos Regnos seos quiser tamto por tamto quamto lhe outrem por elles der e querendo os elle que o dito duque os nam posa vemder apenhar nem escanbar a outro nenhuu paguamdo o dyto Rey o preço ou as cousas por que lhas asy vemder ou apenhar ou escanbar tal e tam bõo ou a tam bõos e a tal tenpo como lhe outrem der e nam as queremdo o dito Rey ou nam paguamdo o dito preço tal e a tal tenpo ou cousas como dito he que entam posa vemder e apenhar e escanbar a quem quer que lhe aprouuer a dita villa e termo e direitos em çima nomeados ou parte delles que os ajam por aquelle modo e maneira e emcarguo que per nos sam dados ao dito duque dom manuel com tamto que aquelle a que os asy vemder ou apenhar ou escanbar seia natural e morador nos ditos nossos Regnos de portugual e do alguarue e por esto nom lhe tolhemos nem defendemos que os posa escanbar e aforar e emprazar e arremdar todos ou parte delles amte lhe outorguamos que o posa fazer sem neçesidade ou caso nenhuu com tamto que os ditos escanbos ou emprazamentos e aforamentos e arrendamentos seiam a proueito do Senhorio seu e seus soçesores em as ditas terras seiam feitos aos naturaaes dos ditos Regnos como dito he e morremdo o dito duque dom manuel avemdo filhos lidimos que o filho baraão lidimo que for mayor amtre os barõees aja e herde soo pera sy toda a dita villa e termo e cousas e direitos  suso escriptos pera guisa e comdiçõees que per nos sam dadas ao dito duque dom manuel e que outro nenhuu filho nem filha posto que os hy aja nam herdem nem ajam nelles parte e avemdo hy filhos ou filhas do dyto duque e netos e bisnetos ou outros descemdemtes per linha direita e mascollina do dito mayor filho baraão lidimo e morrêdo o dito mayor filho lidimo em uida do dito duque ou depois que o dito neto barão mayor lidimo herde toda a dita villa e termo e cousas e direitos suso escpritos pella guisa que herdaria ho padre samto fosse e outro nenhuu nam aja parte da dita villa e termo e cousas e direitos e asy desçemdendo per linha direita lidima mascollina e nã avemdo a dita linha lidima mascollina do dito filho baraão mayor e ficamdo outros filhos baraãos lidimos e filhas que semelhamtemente os aja o outro filho baraão lidimo mayor e sua linha mascollina direita lidima segumdo dito he e nam avemdo hy filho baraão lidimo do dito duque nem netos ou desçemdemtes pella guisa suso escprita que entam os aja a filha mayor lidima do dito duque pella maneira e comdiçoões que suso dito he e esta mesma hordenamça se guarde nas filhas do dito duque e seus desçemdentes que se guarda nos desçemdemtes dos baroões com tamto que avemdo filhos baroões ou netos das filhas do dito duque como dito he depois da morte do que os pesuir herde o mayor baraão dos mais acheguados ao dito duque e asy vaão subçesiue pella guisa e comdiçam suso escprita e nam soçeda nenhuua femea descemdente das fylhas do dito duque emquamto hy ouuer barõoes e nam avemdo baroões e ficamdo netas ou bisnetas dos ditos filhos ou filhas do dito duque que emtam aaja a mayor das mais cheguadas ao dito duque e asy ãtre as femeas sempre aja a soçesam a mayor das mais cheguadas ao duque com as condiçõoes suso escpritas com tamto que como o dito duque nam poder vemder nem apenhar nem escanbar a dita villa e termo cousas e direitos senam em çertos casos suso escpritos asy fora dos ditos casos as nam posa vemder nem apenhar nem escambar nenhuu de seus soçesores a que pertencerê e morremdo o dito duque dom manuel sem desçemdemtes lidimos barõoes ou femeas como dito he e semdo a sua linha direita lidima descemdente destimta asy de baroões como de femeas e avemdo hy filhos ou filhas barõees naturaaes do dito duque que ajaa dita eramça ho mayor delles e nam possa soçeder filha natural do dito duque posto que ahy aja e nam avemdo hy filho natural do dito duque baraão que entam se torne a dita villa e termo e cousas suso escprita e direitos que seus desçemdemtes deuiam dauer a coroa destes Regnos de portugual e do alguarue e os aja e herde quem dos ditos Regnos sera Rey e outros Reis que depos elle vierem e por esta presemte carta demutimos e tiramos de nos toda a pose e  propiedade e direito que auemos e de direito deuemos dauer na dita villa e termo e cousas e direitos e o poemos todo no dito duque dom manuel e seus soçesores e outrosy queremos e mandamos e outorgamos que a elles e a cada huu delles ditos seus soçesores Respondam e acudam e seiam obrigados em todo e por todo asy e como a seu senhor reseruamdo pera nos e nossos soçesores a correiçam e alçadas e comfirmacam de taballiaees como dito he e queremos e mãdamos que daquy em diamte sem outra nossa autoridade mas que elle  e os seus soçesores por ssy ou por quem lhe aprouuer posam filhar e filhem pose Real e corporal da dita villa e termo e padroados de jgrejas e todos direitos suso escpritos e usar delles e dos direitos e propiadades e jurdiçõoes delles sem nenhuu embarguo que lhe sobre ello seia posto E Porem mandamos aos nossos veedores da fazenda comtador e corregedor da comarqua e almoxarifes e escpriuãees da dita villa e termo que ora sam e ao diamte forem que lhes deixem aver e lograr e pesuir a dita villa e termo e cousas e direitos com todas Remdas frutos nouos pertenças della sem nenhuu embarguo segumdo suso he escprito a qual doaçam lhe fazemos como dito he nam embarguamdo quaaes quer lex direitos çiues ou canonicos ou nossos ou de nossos amteçesores ou openiõees de doutores foros custumes estatutos façanhas e quaaes quer outras comstituçõees que esta nossa doaçam embarguem ou posam embarguar em todo ou em alguua parte posto que taees seiam de que se deuam fazer expresa simgullar mençam ou espeçial Reuogaçam ou renumçiaçam as quaaes ditas opinioões e cada huua dellas de nossa çerta çiemçia moto propio liure vomtade poder absoluto Reuoguamos casamos jrritamos e nichellamos e anullamos e queremos que nam valham posto que aquy nam seiam escpritos os quaees de nosso moto propio e certa sciêcia poder absoluto nos aqui avemos por expresas  espeçificadas e mandamos que nam ajam luguar em esta doaçam nem lhe posam êpecer em todo nem em parte Outro sy mãdamos que se alguuas pesoas em a dita villa e termo ou parte della tem Remda dereitos della em temça de nos que os deixê e desembarguem liuremente e jsentamente ao dito duque e seus soçesores e lhe nam lhe ponham sobre ello outro nenhuu embarguo por que nossa merce he de nosso poder absoluto as ditas temças Reuoguar as quaees aquy expresamente anichellamos e queremos e mandamos que a dita doaçam seia firme e valle doira pera sempre sem nenhuu falleçimento como dito he e prometemos em nossa ffe Real e por nosos soçesores que depos nos uierem e deçemderem e Reinarem que nam britemos nem desfaçamos em nenhuua maneira a dita doaçam em parte nem em todo mas que aguardemos e atenhamos e a mantenhamos jmteiramente  segumdo nella he comteudo e qual quer que de nos uier e desçemder e lhe a dita doaçam guardar jmteiramente como em ella he comteudo aja a bemçam de deus e a nossa E mandamos a todallos corregedores e meirinhos e justiças a que esta carta for mostrada que o cumpram e defendam com esta merçee que lhe fazemos e cumpram e guardem e façam comprir e guardar como em ella he comteudo e all nam façam e em testemunho desto mandamos dar ao dito duque esta carta asellada do nosso sello do chumbo pemdemte dada em a uilla de beja a xxviij dias do mes de mayo framcisquo diaz a fez anno do naçimento de nosso Sennhor Jhesu christo de mil iiijc. LRij annos. (5) 

Nota dos editores – 1) Pensamos que este D. Duarte de Meneses (1414-1464) seja filho natural de D. Pedro de Menezes, 1º Conde de Vila Real. O 2º casamento é que foi com Dona Isabel de Castro referida no documento. Pelos serviços prestados, tendo mesmo morrido no Norte de África, veio a ser 3º Conde de Viana (do Alentejo) e 2º Conde de Viana (da Foz do Lima).
Fontes – 2) ANTT – Livro 2º da Beira, fls 75.
3) – ANTT - Livro de Místicos
4) – ANTT - Livro de Místicos
5) ANTT – Místicos, Livro 1, fls 111 e segts

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios IV, II


 Inquérito Social II

    Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.


Capítulo II

A Grande e a Pequena Empresa

Pode afirmar-se que na indústria de lanifícios não aparece a grande empresa. Comparadas as maiores unidades de produção que a cons­tituem, com as grandes empresas doutras indústrias ou com as suas similares estrangeiras, somos levados a concluir que, em Portugal, não existe neste ramo de produção o colosso económico.
Se atendermos porém ao pequeno espaço que, nas estatísticas, cabe ao nosso mercado dos panos, talvez espantem aquelas empresas que para nós parecem grandes, a que chamaremos grandes-pequenas empresas, e haja por isso que rectificar a opinião exposta de que não nos flagelam os grandes potentados económicos.
Essas grandes-pequenas empresas têm a sua explicação. Na indústria sucede o mesmo que na agricultura; conforme a natureza e o momento da transformação assim deve ser o modo de explorar. No Alentejo predomina a grande propriedade ao passo que na Beira e no Minho a terra encontra-se dividida. A água, a natureza dos terrenos e das culturas, o clima, explicam e aconselham esta diversidade de exploração.
O mesmo acontece na indústria de lanificios. Nela vamos encon­trar certos momentos em que a perfeição do produto exige maquinismos excessivamente caros, cujo rendimento só é possível sem alterar o preço com o aumento da produção.
Deste modo se explica que nas fábricas de preparação e fiação encontremos a indústria mais aglomerada, maiores estabelecimentos industriais, um número mais elevado de pessoal.
À organização industrial compete impedir o alargamento descomu­nal destas grandes-pequenas empresas, porque como diz o grande economista alemão Werner Sombart, existe um “optimum determinado para a concentração. Tudo o que seja avançar para além dele é transformar as vantagens em inconveniências.
Permitida a grande empresa nos casos raros em que ela é economicamente útil e socialmente defensável, dentro daqueles limites que a moral e o interesse comum aconselham, ficarão salvaguardados os direitos dos pequenos e os princípios da Justiça.
Dos perigos e inconvenientes da grande empresa, nem dos seus possíveis benefícios, não nos compete aqui tratar. Vamos, por isso, em marcha acelerada referirmo-nos às firmas industriais, adoptando como critério o número dos seus operários.


Mapa das Empresas, conforme os operários que empregam

Operários
Covilhã
Gouveia
Castª Pera
Sul
Norte
- 10
117
24
58
31
4
10 a 20
43
21
7
1
3
21 a 30
17
8
2
2
3
31 a 50
16
11
4
1
2
51 a 70
9
5
4
0
2
71 a 80
2
1
1
1
0
81 a 100
6
0
2
1
0
101 a 150
8
7
1
4
2
151 a 200
1
0
1
1
0
201 a 250
0
0
0
3
0
251 a 300
0
0
0
1
0
301 a 350
1
1
0
1
0
351 a 400
2
0
0
1
0
     435
0
1
0
0
0

Covilhã: Com menos de dez operários não vão incluídos na estatística cerca de trinta e oito pequenos industriais da Covilhã, alguns dos quais é possivel que não fabriquem hoje. Nestes operários não estão também incluídos os tecelões manuais das aldeias do concelho, num total de 1.200, pois só existem os boletins dos tecelões manuais do Teixoso. Refere-se portanto esta estatística às unidades de trabalho pertencentes aos industriais e, em laboração, aquando do Inquérito. Outras existiam mas dessas não curámos por não estarem ocupadas com operários. Cebolais figura neste quadro com 4 industriais com menos de dez operários, 11 de dez a vinte, 3 de vinte e um a trinta. 1 de trinta e um a cinquenta. As duas maiores fábricas da Covilhã têm respectivamente 388 e 393 operários. Só no Teixoso há 295 tecelões manuais.
 Gouveia: As duas maiores fábricas de Gouveia têm respectivamente 435 e 322 operários. Não se incluem os industriais que não têm operários na indústria regional dos Trinta, Meios e Vale de Estrela e Maçainhas.
Castanheira de Pera: As duas maiores fábricas de Castanheira têm, respectivamente, 101 e 160 operários. Faltam 13 industriais de artigos regionais que não figuram na estatística, porque não empregam operários.
Sul: Todos os industriais com menos de oitenta operários, salvo três excepções, pertencem às regiões de Mação e de Minde. Com menos de dez operários Minde tem 24 industriais e Mação 6. Não se incluem operários dos pequenos industriais caseiros que acumulam a qualidade de patrões com a de operários – 18. As duas maiores fábricas do Sul têm, respectivamente, 370 e 339 operários.
Norte: As duas maiores fábricas do Grémio do Norte têm a seguinte popula­ção fabril:145 e 127.
A estatística apresentada oferece-nos o aspecto consolador de uma indústria pouco concentrada. O grémio onde a concentração predomina é o grémio do Sul. Lisboa é o tipo da grande cidade onde é dificil pulular a rede dos pequenos industriais, que não são mais do que filhos de uma indústria de tipo caseiro; com a anexação ao seu (o do Sul) grémio das fábricas completas de Arrentela, Santa Clara e Portalegre, representa bem o fulcro de um movimento capitalista dentro dos lanifícios.
Os pequenos centros de Mação e Minde ficam deslocados, com a sua indústria caseira e primitiva, ao lado destas grandes empresas do gré­mio do Sul. Neste grémio com cerca de metade dos operários do grémio da Covilhã, as referidas empresas e mais algumas que não referimos, agrupam-se entre a casa dos cem e dos quatrocentos operários.
Na Covilhã predomina, ao contrário, o pequeno industrial e ainda o industrial médio.
Se os pequenos preocupam os planificadores da economia e, por vezes sacrificam a uma relatividade aliás mínima a certeza matemática da pro­dução, têm por si a vantagem social de oferecer aos operários o exemplo da economia e da poupança e incitar-lhes o desejo de adquirir os instru­mentos base do trabalho e poderem ascender eles ou os filhos ao patronato.
Se essa ascensão tem todos inconvenientes adstritos a uma subida veloz à grande burguesia, dificultada mas não proibida a ascensão, moderados e retardados nela, será possível criar outra vez essa admirável pequena burguesia, vasta ponte de passagem, onde se caldeiam as mais no­bres virtudes, onde se aprendem os actos de educação e rigidez que moldam o carácter para a formação de uma aristocracia florescente.
Não nos admiremos que o operariado da Covilhã forneça quase sem­pre os seus industriais. Com as reticências postas acima nada impede que aquilo que foi e é tradição continue pelo futuro.
Sendo a fonte da indústria dos lanifícios, a velha indústria caseira do tear da lã, ao princípio era o operário, com a família, o fiandeiro, ele o tecelão, ele o mercador, ele o feirante, em suma, aquele que açambarcava todas as funções que vieram depois, especializar-se pela di­visão de trabalho, através da técnica.
Este conceito da indústria caseira ainda perdura naqueles centros que se dedicam aos artigos regionais.
Em Gouveia e em Castanheira de Pera, fruto da mesma origem tradicional da indústria lá vamos encontrar o seu fiel representante, ainda não aglutinado pela nova economia, o pequeno industrial. A indústria de Lisboa está no polo oposto ao tipo de indústria que acabamos de referir, como indústria que é caracterizadamente capitalista não só na racionalização de métodos industriais, mas na técnica moderna; neste grupo devemos filiar as três grandes fábricas do grémio da Covilhã e as duas do grémio de Gouveia. Não se discute se para a economia nacional, e é sob este prisma que o problema tem de ser olhado, a grande empresa é mais económica, mas quais são os inconvenientes de ordem social que ela traz consigo e quais são os casos em que a natureza da exploração a justificam e exigem.
Já vimos atrás onde ela era de admitir. Vejamos agora onde ela de­ve ceder à pequena exploração. Para isso exige-se primeiro a resolução deste problema que vamos pôr em abstracto: fábrica completa ou fábrica especializada.


                                               *        *        *

Parece que segundo a ordem da tradição, o normal seria a adopção do critério da fábrica completa. Ela é filha legítima de um conceito a que podíamos chamar unitário, da indústria. O mesmo industrial a preparar, o mesmo industrial a fiar, o mesmo industrial a tecer, o mesmo industrial a ultimar, e o mesmo industrial a vender ao consumidor. O armazém por con­ta própria, viria assim substituir a feira acabando com o armazenista, explorador do público e dos industriais através de fecundíssimas falências.
Para nos pronunciarmos por este critério unitário, mesmo sob o pon­to de vista abstracto era preciso esquecermos o princípio utilíssimo da divisão do trabalho que necessariamente atinge os diversos momentos duma mesma exploração. A fábrica completa seria além disso difici1 de conse­guir pelo custo excessivo de certas máquinas e pela concentração económi­ca a que a sua compensação havia de levar.
A fábrica especializada, ou seja aquela que se limita a trabalhar a lã num ou em alguns dos passos do seu calvário tem grandes vantagens: a) - muito maior facilidade de realização e menor empate de capitais; b) - aperfeiçoamento técnico em determinado ramo da produção; c) - extensão dos benefícios da indústria pelo maior número; d) - a consequente facilidade da desproletarização e ascensão patronal; e) - maior especialização no trabalhador que sobe a industrial.
 Com quanto aquilo a que chamamos o conceito unitário da indústria em que filiamos a fábrica completa, tenha sido a célula mãe da organização industrial, a verdade é que anteriormente ao capitalismo e por virtude do princípio da divisão do trabalho, o princípio da especialização presidiu já a toda a organização corporativa dos lanifícios.
O regimento de D. Sebastião, o regimento de D. João IV, a reforma de D. Pedro II assentam no princípio da especialização; a reforma do Marquês de Pombal respeita-o, embora tivesse procurado estabelecer o tipo de fábrica completa e os seus conceitos económicos, através da criação das companhias, produto de um cérebro afeito à ideia de realizar o capitalismo de Estado. As companhias do Marquês de Pombal têm, por isso, alguma coisa de semelhante com certos tipos actuais de corporações fechadas, ao serviço da ideia de Estado cesarista, monopolizador e tirano, que veio depois substituir a técnica não menos tirana do monopólio capitalista.
Por todo o século XVII e por todo o século XVIII e mesmo pelos princípios do século XIX, a não ser esta influência estatista que acabamos de referir, a oficina especializada floresceu sempre e predominou na Covilhã industrial.
A fábrica completa predomina hoje, como já dissemos, naquelas regiões onde a indústria apareceu, não por razões de ordem tradicional, mas simplesmente por razões individuais e lucrativas de um ou outro capitalista; predomina também, pela mesma razão, em lugares onde não existem outras fábricas.
As fábricas especializadas ou aparecem sob a forma de grandes unidades de fiação, preparação ou penteação já referidas e cuja razão já foi explicada, ou então são as pequenas ou médias oficinas que se completam umas às outras e vivem sobretudo, na região tradicional dos lanifícios que é a Serra da Estrela.
A mesma estatística que apresentámos conduz-nos a esta distinção. As pequenas unidades de trabalho predominam em todos os grémios, salvo no Sul e ainda com excepção de Mação e Minde, são em geral fábricas especializadas onde predomina uma única secção ou existe só uma secção. É natural que as fábricas, isoladas dos grandes centros industriais, sejam completas porque não têm facilidade de mandar ultimar e tingir aqui e além. Seria muito dispendioso. Na Covilhã nota-se o contrário; verifica-se um constante descongestionamento, ou seja, uma constante especialização, cujas origens, como dizemos atrás, se devem filiar no princípio da divisão do trabalho, que começou pela separação da função industrial da função mercantil ou armazenista e que foi até à separação ou especialização das diversas secções fabris.
Um operariado muito apto, afeito por tradição hereditária a estes serviços, serviu admiravelmente a tendência da indústria para a especialização, tendência em si tão vincada que nem o alto capitalismo a conseguiu dominar.
Cebolais passou assim do regime primitivo de uma indústria quase doméstica para o tipo da especialização, correndo incólume sob a era capitalista, sem lhe conquistar os benefícios e os erros.

                                                        *       *        *

Encontramos também na indústria de Lanificios, apesar da influência crescente da máquina, um forte predomínio da especialização do operário.
Um bom mestre de cardas, um bom ultimador, um bom tecelão, um bom debuxador, um bom afinador de teares, aptas metedeiras de fios e cerzideiras especializadas são a certeza de que o negócio prospera e são um meio de acredita­r o produto.
Manteve-se pois ao lado da máquina e do espirito de série que ela cria, o respeito pela habilidade e pela arte do operário. 
Embora este sinta diminuida a sua iniciativa na confecção do produto, não deixe gravada nele, como antigamente, a sua marca, alegra-se ainda com os belos trabalhos que lhe dão a executar e considera, quando conhece bem o seu mester, a beleza da sua profissão, em que se revê com amor.  
É vulgar ouvir um tecelão conversar com os colegas sobre esta ou aquela peça que teve entre mãos. Toda aquela espécie de trabalho para que se exige a colaboração especializada dum operário que não pode ser prestada por qualquer, embora seja anónima diante do público, é desejada pelo trabalhador.
Para aqueles que são somente assistentes da máquina, a quem se não exige aptidão especial, diminuídos na sua condição humana, amarrados ao trabalho sem alegria, onde não intervêm senão como autómatos, haveria que pregar a revolta contra a civilização, iludindo-os, ingloriamente, à maneira de Marx, pintando-lhes paraísos impossiveis, ou, à maneira cristã, ensiná-los, na alegria do dever cumprido, na doce e orgulhosa satisfação de ganhar o sustento pelo seu braço.
Mas se atendermos por um pouco à psicologia da maioria dos nossos operários, havemos de concordar que eles não sentem o predomínio da máquina ou do trabalho mecanizado, como coisa espiritualmente desprezíve1, mas somente a supressão da mão-de-obra a que esta pode conduzir.
Se amam os trabalhos que têm entre mãos, nem por isso sentem esta necessidade de lhes deixar a marca da sua mão, porque para eles, humildes e pobres, contenta-os bem o sustento ganho sem favor e a alegria do dever cumprido.
Se fizemos referência a esta tendência absorvente da máquina sobre o espírito do operário, que se reflecte somente numa atrofia das qua­lidades intelectuais, foi apenas para reflectir aqui um dos mais cruciantes problemas que afligem os intelectuais. Mas o operário tem que ser olhado no seu clima próprio, pelas mesmas janelas onde se debruça para assistir à vida.
Como a maioria dos industriais prefere o lucro que o anonimato lhes proporciona, têm horror em marcar os produtos da sua fabricação em criar no mercado marcas de qualidade, em honrar junto do consumidor a boa têmpera dos seus tecidos; em deixar que as fazendas nacionais sejam rotuladas com toda a casta de marcas estrangeiras, não nos admiremos que o operário não se doa também de trabalhar no esquecimento e de ser dominado pela máquina.
É impossivel furtar-nos à dura realidade do nosso tempo segundo a lei da qual todos os conceitos pessoais, como honra, brio, sentimento do dever e ainda outros, sofreram no conceito da massa uma enorme desvalorização.
A influência da máquina faz-se sentir fisica e psiquicamente, dando ao operário um ar parado e embrutecido.

 Nota dos editores - O próximo episódio - V,III - será publicado a 2 de Agosto.