quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXIII


    Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias o documento que hoje começamos a apresentar. O investigador inicia a cópia com o nº do códice, mas não indica onde está depositado. Termina com s.a.n.d. = sem autor nem data, o que também tem contribuído para hesitarmos em publicá-lo. É uma carta ao Rei D. Pedro II, aclamado rei em 1683, sobre a difícil situação económica de Portugal no século XVII. Vejamos alguns indicadores que nos permitem datar este documento:
1 - No 2º parágrafo, e noutros, se escreve - “o que convem a este Reino é ver como nele há-de entrar dinheiro e o não possam tirar os estrangeiros”. Faz-se a defesa do mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, durante a regência e reinado de D. Pedro. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira, vedor da Fazenda, vai publicar legislação proteccionista para tentar resolver a crise comercial existente.
2 - […] ” De mais Senhor que hoje em Portugal se fabricam baetas e panos (1), duquezas e estamenhas muito boas e com comodo por terem no Reino as lãs” […]
3 - […] “ Indo a França um Domingos Gomes português no ano de 1674 […]
4 - […] No ano da felice aclamação mandou o Sereníssimo Senhor Rei D. João o 4º Pai de V. M. dar balanço ao dinheiro”. […]
5 - […] “Quanto mais, Senhor, que de mais dos ditos estrangeiros que estão em todas as Praças do Brazil com cazas e fazendas e comissões foram nesta frota passada de 1684. […]
- […] “Isto Senhor, se perde porque no tempo em que se descobriram ou por ambição ou por causas a que o gentio desse motivo como ainda há poucos anos se viu na ocasião de Ruy Vaz de Sequeira (2) o foram reprimindo e metendo pelo interior da terra”. […]
- […] ”E ainda alivia esta Corte porque no ano de 680, por causa das muitas fomes”. […]
    Nesta Carta, que datamos do ano de 1684 ou de anos seguintes, é descrita a situação económica portuguesa, as consequências da mesma, o cenário económico noutros países, etc. Procura-se valorizar a criação de um Banco Mercantil, ("uma companhia e banco em forma mercantil"), o desenvolvimento da navegação mercante e de várias zonas de Portugal, como Entre Douro e Minho ou o Brasil.

D. Pedro, Regente (1667-68 a 1683) e Rei (1683 a 1706)

                                                           Senhor

          O zelo de vassalo e filial amor devido ao Augusto e sempre benigno ânimo de V. M. me anima ainda que tímido a formar nestes discursos alguma direcção ao bem público, por serem de suma ponderação, em seu real amparo, e por ser o Comércio a alma das Repúblicas, o coração das Monarquias, a cauza eficiente dos Reinos, e por onde se colhe a opulência dos Principados, a este não menos, antes com maior razão se devem estudar as máximas para o seu aumento porque já com estas levantarão alguns estados os hombros de uma mal sofrida fortuna.
         O que convem a este Reino é ver como nele há-de entrar dinheiro e o não possam tirar os estrangeiros; que ainda que as leis lho proibam, as transgridem sem que possa nisso haver remedio e não somente levarão o que nele entra mas também o que nele se cunha e algum deixarão porém sem valor.
          O Comércio pode ser mais lusido cujas conveniências assentam melhor em os naturais que sempre como vassalos tem exposta a faculdade à obediência, a navegação mais florente, em que não menos consistem as forças de uma Monarquia.
       O fazer ricos, antes que ser rico  não é defeito da liberalidade, mas é máxima de Príncipes em cujas aflições como coração das Monarquias, a ele como animado corpo  corre o sangue e não pode ser poderoso Monarca se os vassalos são pobres,
      Nem é acção distributiva deixar aos estrangeiros aquelas conveniências que podem lucrar os naturais, não sendo aqueles mais que uns inimigos caseiros que na indústria do seu comércio estudam a fazer-se poderosos, com que se na Real atenção de V. Mag.e tiverem soberano auspício os danos que se reparam nestas considerações, não se deixarão de arguir outras à felicidade de seu Império.
         São as Alfandegas dos portos secos na extremidade do Reino a ponte por onde entra em Portugal a prata lavrada, dobrões e patacas de Castela e pudera entrar muita mais abrindo-se algum refugio à conveniência.
         Foi V. M. servido arrendá-los por contrato sendo que das rendas do seu rial patrimonio, não podem ser sem detrimento do comum, todas arrendadas, ainda que assim tenham melhor arrecadação porque o rendeiro mede pelo seu tempo as suas conveniências.
       E de se extinguir o tal contrato dos portos secos que das pessoas em que andam arrendados, se descobre ao publico o prejuizo que se segue ao Reino por não ser mais que um seguro de se decipar nas raias o valor intrínseco da moeda, por terem tambem anexo o contrato dela, e dando ao real cunho o cerceio, o deixarão ao comum, com a metade menos do seu valor corrente.
         Se a V. M. foram publicas as maximas com que os tais administram o dito contrato, entende se de seu real zelo, sejam punidos sem que à justiça ficasse o defeito da dissimulação.
         São estas Alfandegas as portas do Reino aonde primeiro chega a moeda de Castela que por ficar exposta à malicia a compram por muito mais do que vale, ou ali mesmo dão aos Castelhanos os generos que por ela lhes compram e bastava para receio o serem estes homens suspeitos, que neste Reino não tem mais estabilidade que emquanto detem a âncora dos seus interesses tirando dele a faculdade que vão pondo em outros aonde se não examinam tanto as suas consciências e nem os seus arbitrios deixam de indusir dano ao comum.
Deixando-se o dito contrato que não serve mais que de ruína e ficando as alfandegas com a arrecadação por via de V. M., que a não terão seus ministros menos exacta, pois tanto importa à satisfação de seus cargos, e mandando V. M. tirar os direitos aos seus frutos da terra que são comumente assucares e tabacos, que por ali forem para Castela, para que tendo conta aos Castelhanos por causa dos muitos portes, entre mais dinheiro para o Reino e tenham mais consumo estes frutos, porque Senhor estes não tem conta aos Castelhanos por causa dos muitos portes da condução como tambem pelos muitos direitos que pagam e vexames que se lhes fazem nas Alfandegas e é impedir o ingresso a um tão nobre comércio.
E às fazendas que entram de Castela mande V. M. levantar os direitos, porque a maior parte delas não são de momento ou consumo ao Reino sendo lans em grande copia que aqui se compram para Holanda e Inglaterra para as suas fabricas de panos, baetas e outras fazendas porque como veem de Andaluzia, muito perto deste porto, sempre por aqui se hão-de navegar por lhe ficar muito longe o porto de Cadis, e o que mais entra são tafetás, estamenhas grossas, e vendo a maior parte dos castelhanos que costumam comprar as lãs para trazerem a esta Corte àqueles que de força as hão-de mandar por serem da sua lavra, que pagam aqui muitos direitos, hão-de trazer dinheiro em tanta copia que venderão o que tiverem, para levar assucares e tabacos, não lhe levando direitos deles ou ao menos sendo muito moderados.
Assim de necessidade virão com dinheiro a comprar os frutos de que necessitam e é abrir o caminho, a que entre mais copia e sem risco de que nas raias o cerceiem.
Em a alfândega de Badajoz logo depois das pazes mandou El Rei de Castela se registasse um decreto per que ordenava aos Provedores e recebedores de suas alfandegas que não levassem as fazendas de Portugal que por elas entrassem em Castela mais direitos que aqueles que no Reino pagavam de saída; porem pelo pouco cuidado que houve em conservar o dito decreto se foi deixando ao arbitrio daqueles contratadores que lhe fazem pagar uma pataca por cada arroba de assucar e a este respeito mais.
Isto se contraria com entender se que não sendo a moeda cerceada, aos estrangeiros tem melhor conta o navegá-la do que os frutos da terra, e que quanta mais houver maior quantidade tirarão dele; esta é a razão vulgar mas não sem defeito das leis que são aquelas que asseguram os Estados e as Monarquias que se executam.
Estudam os estrangeiros nas suas respublicas pequenas o como hão-de estabelecer se e para isto acharam maximas. Veneza no exacto governo, Itália na perigrinação de seus cidadãos, Génova por todos os angulos do mundo, Holanda na industriosa navegação e França proibindo em seu Reino os generos estrangeiros, mandando-os fabricar para si e para os alheios.
 Os Imperios e as Monarquias se se deixam ao curso da fortuna, sem atender à sua conservação, diminuem-se na grandeza, aquilo que o ócio lhe dissipa à eleição e curso do tempo, pouco duraram muito poucos Impérios, e muito pequenas Provincias se conservam de mui longos anos.
Para que os estrangeiros não levem dinheiro do Reino há muitos remédios, mostrando a experiencia que os das Leis não bastam. O mais urgente é o de registar-lhe as fazendas que eles metem neste Reino e o modo em que tiram o valor delas, o que sem alteração se podia conseguir. Todas as fazendas que entram de fora do Reino se despacham na alfandega aonde primeiro que tudo dão os navios entrada na forma de seu regimento, e para se despachar tira-se bilhete, avalia-se a cousa ou genero, e depois de feita a avaliação se carregam os direitos em Livro de receita ao Tezoureiro e estes bilhetes se registam às portas pelos feitores em Livros que para isso teem para a todo o tempo se conferirem.
Pois sem inovação estes mesmos em Livro separado, ou o mesmo de seu regimento podiam fazer em outra forma, abrindo-se a cada um seu título em folhas separadas e saindo-se por adições com o valor da cousa que despacham, conhece-se então por entrada o que entra nas Alfandegas pelo discurso de cada ano, sem inovação ou queixa dos mesmos estrangeiros.
E ainda que estas fazendas, depois de despachadas tem maior valor ou menos, conforme a alta ou baixa que tem todos os géneros, contudo deste mesmo titulo de entrada se conhece a quantidade das peças e generos de cada couza que basta para se calcular o excesso da avaliação ao preço da venda.
E sendo assim registadas de entrada essas fazendas que os estrangeiros metem no Reino convem saber se os frutos que tiram ou em que levam o valor desses efeitos; o que tambem com suave modo se pode conseguir.
Todas as fazendas que vão para fora do Reino se despacham pelo consulado da casa da India, para cujo expediente há nele dois escrivães. pois estes mesmos em um caderno, podem pôr titulos e assentar cada um o valor ou generos do que despacha que tambem ali se avaliam e já por este modo fica a maneira como pode haver registo e por ele saber se quando não fora mais que por grandeza o que gasta este Reino e o valor dos frutos que dá ao comércio de outros muitos, e porque nem todos os efeitos de fora podem sair em generos da terra, que de muitos se tira o valor por cambio, o corrector deles, por disposição do Senado ou do Tribunal por donde é provido, faça também em seu livro, titulo do que cada um saca por cambios.
E no fim de cada ano, pelo Ministro que a V. M. parecer, ou pelos mesmos que forem seus conservadores tomar-lhe conta a cada um, em que, ou como tirou o valor da fazenda que parece de seu titulo e entrada e para maior clareza e menos queixa que neste particular não pode havê-la, antes estes mesmos estrangeiros assim o devem estimar, porque do dinheiro que remetem não tiram de comissão a seus comissos mais que meio por cento e sendo as remessas em frutos sobre outras muitas conveniencias que nisso tem lhe carregam a dois por cento de comissão; e o remédio é que
Mande V. M, publicar aos naturais que nenhuma pessoa possa comprar ou vender fazenda a estrangeiros sem assistencia ou intervenção dos correctores do numero na forma das posturas da cidade e provisões reais, com perdimento da fazenda na forma das mesmas provisões, com que os mesmos corretores que para isso foram creados, darão por clareza pelos seus livros, o que cada um comprou e vendeu para melhor se ajustarem os registos, quanto mais que neste modo se não pode furtar aos direitos fazenda alguma, descobrindo se lhe assim o remedio e ao publico reparo de não poderem levar dinheiro.
Tambem de outra maneira não menos urgente se evitava não se tirar dinheiro do Reino, querendo-o V. M. pôr em praxe; e não é de menos ponderação ao bem publico. 
Se os estrangeiros não tiveram faculdade livre de assinar na alfandega necessariamente haviam de vender os seus generos dentro dela como o faziam antigamente e então se achava esta Praça menos carregada e mais florente, e só depois que tiveram esta entrada se tem experimentado em fallim.tos dos naturais e ausencias dos estrangeiros usurpado o cabedal dos vassalos de V. M. e de sua real fazenda, porque na confiança de que os tais assim não lhe fião os naturais suas fazendas, e se lhes ausentam com elas, como se tem visto no grande numero de estrangeiros que nestes nossos tempos tem fugido com o cabedal alheio e direitos de V. M.
Remediava-se a isto se V. M. mandasse chamar aos consules e com o titulo de favorecer as nações, aliviar aos vassalos, e dizendo-lhes tem entendido como esta praça lhe é devedora de um grosso cabedal, o qual cobram muito mal e tardamente (sic), e não quer ver tão empenhados os seus vassalos, ao qual dano há por bem que seus generos se lhes comprem na Alfandega à convença das partes com assistencia dos corretores para que em nenhum modo possam ser cavilados, e que desta maneira nem eles padecerão as demoras de uma tão larga cobrança para as remessas de seus efeitos nem experimentará V. M. falimentos e empenhos em seus vassalos.
E assim sendo corretor medianeiro, se o pagamento fosse de contado, do corretor dos cambios podia constar se o remetiam por ele. e se em frutos da terra, os mesmos naturais lhos vendiam com a intervenção dos mesmos corretores do numero; e ficavam só para os vassalos de V. M. as conveniencias que os estrangeiros lhe tiram, estancando estes mesmos frutos da terra em suas proprias mãos, como o fazem dos azeites, vinhos, assucares, tabacos, cravo e outros que ou os vendem ou os navegam e finalmente lançando em contratos e outras negociações, tendo naus que mandam ao Brazil a tirar os ganhos com as fazendas, e os fretes com os navios, aos naturais, mandando à India carregações e ao Maranhão, e pôr casas de negócio em todas as conquistas deste Reino sendo em Castela reservadas as Indias só para El Rei e seus vassalos e nos mais reinos pena de morte.
E assim se remediavam os danos que padecem as conquistas e Estados do Brazil, porque se os naturais comprassem e despachassem na Alfandega não ficava aos estrangeiros ocasião de mandar ao Brazil aquilo que os naturais não podem vender, metendo neste Reino maior copia de fazenda do que aquelas que podem nele gastar afim de o terem sempre sujeito com o empenho.
E naqueles estados entrando e encontrando-se a que eles mandam com a que carregam os naturais as suas fazendas são as primeiras que se vendem, como a quem lhe tem maior conta o vender por menos 40 por 100, e tiram logo os seus efeitos com que de força os naturais ou se hão-de acomodar a perder a maior parte do cabedal de suas carregações.
Parecerá a V. M. que aqueles estados em comprarem aos Estrangeiros por menos o que hão-de comprar aos naturais por mais, teem melhor conveniencia, porque se se acha por cinco tostões um covado de baeta, é mais injusto dar por ele seis. Porem senhor o estrangeiro vende neste Reino um covado de baeta ao Português por cinco tostões e o carrega para o Brazil, e o estrangeiro leva ou manda as mesmas baetas ao Brazil; o português não pode vender por cinco tostões aquilo que lhe custou os mesmos cinco tostões, de que pagou direitos e fretes e correu risco, ou pagou seguro, com que os estrangeiros vendem pelos mesmos cinco tostões a troco de assucares e tabacos, os melhores e mais baratos como a dinheiro, e os Portugueses como não podem vender por cinco tostões, vendem por seis, fiado por dois anos, e desta longa espera nasce o quebrar lhe o comprador ou pagar-lhe com o refugo que lhe deixou o estrangeiro, os quais em irem e mandarem ao Brazil são a causa destes danos.
E quando não houvera outra razão de que este lucro ficasse aos naturais que tambem para o navegar lhe correm o risco e lhe custam aos estrangeiros mais caros bastava, porque neste trato negociavam os naturais somente, e no Reino ficavam sempre os seus aumentos. Quanto mais Senhor que os estrangeiros só estudam o como hão-de meter os seus generos, afim de que no aumento se façam poderosos, e ainda que levem ao Brazil essa conveniencia não é em beneficio daqueles estados, mas somente porque ainda nessa venda que fazem lucram muito porque em suas fabricas o primeiro custo lhe não faz despeza mais que de oito vintens um covado de baeta, e a este respeito os mais generos.
Covilhã - Ribeira da Carpinteira, onde foi construída uma fábrica (1677) com o exclusivo
 do fabrico de baetas e sarjas.
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Porem ainda neles é maxima o fazer dano aos naturais afim de serem eles somente os que se estabelecem em todo o negócio destes e daqueles estados, e tirar essa conveniencia aos naturais para que nunca este Reino possa levantar cabeça e menos fazer-se poderoso. De mais Senhor que hoje em Portugal se fabricam baetas e panos (1), duquezas e estamenhas muito boas e com comodo por terem no Reino as lãs que os estrangeiros por aqui navegam para as suas fabricas, e quanto melhor é abrir caminho à indústria dos vassalos de V. M. que entregar tudo aos estrangeiros.
Se os ingleses e holandeses e outras nações metessem tantas fazendas para levar tanto em frutos podiam em algum modo tolerar-se as insolencias . Porem Senhor se estes o que metem em drogas o levam em dinheiro que razão há que o tolere? Se este remedio se lhe buscara no tempo que eles fabricavam na costa da América os assucares e tabacos com que hoje se servem para o consumo da terra, nunca tiveram tamanha baixa os destes estados de V. M. havendo de força levá-los pelos seus generos; e parece ultraje abrir tanto as portas aos estrangeiros que saibam o interior das casas, porque assim meditam as forças, medem as terras, registam os fortes, e talvez pela noticia suceda a desgraça.
Tambem havendo nesta corte banco por forma mercantil se dava remédio a todos os danos que recebe a nação portuguesa em o comércio, que ainda que o tal se não haja praticado em Reinos absolutos, não foi porque neles não seja conveniente mas porque os homens de trato e outras pessoas de cabedal não querem que os soberanos conheçam a sua faculdade, e estando em banco a de muitos ou por violencia ou por acidente lha podem tirar ou reprimir, e a causa porque muitas cidades ou Republicas o conservam é porque neles estejam mais seguros seus cabedais e para que em nenhum modo se possa deles tirar dinheiro porque este é somente o que as faz opulentas, e as mais consequencia que dele se seguem são comuns.
Nestas a boa forma do comercio lhe dá maiores lusimentos e este é o mais evidente motivo da sua conservação como se vê em muitos estados, províncias e Praças da Europa e maiormente em os de Holanda, Itália, Veneza, França e Inglaterra.
Aqui não menos antes com maiores razões porque nesta cidade vivem os negócios de toda a Europa, Azia e America, assim nos tratos dos reais estados de V. M. como de muitos reinos e cidades do mundo, como forja mais fervente do comércio, a ela concorrem todas as nações com mui delgados estudos a buscar as suas conveniencias e consequentemente as tiram aos vassalos de V. M..
Sendo esta Praça a mais idonea e a mais fervente do comercio das que em si tem toda a Europa por viverem nela todos os negocios nos generos da India, America, Mar Germanico, Baltico e do Levante, e outras muitas Provincias porem com diferença que este Reino como passagem da prata e ouro de Castela, nele artificiosamente buscam o seu lapis filosophorum e das drogas dos seus ingredientes tiram o ouro com que fazem as suas Provincias ricas e poderosas.
Por esta causa em numero, sem numero de falidos da propria nação portuguesa se descobre a atenuação desta Praça, envolvendo em si como Metropoli o cabedal de muitos homens do Reino e das mesmas nações que abominando a omissão da justiça na execução das leis tão soberanamente advertidas pagam a seus comissos a perda que lhe toca com o ultraje da censura.
O dinheiro é aquele bem e mal que faz aos Reis belicosos, aos estados soberbos e fortes e inexpugnaveis as Respublicas, este como mais necessario sabem tirar a toda a Hespanha industriosamente, previstas todas as nações pelos dois portos mais ferventes da navegação Lisboa e Cadis, com que pela aliança da amizade damos aos inimigos as armas, o que suavemente se lhes impedia originando-se o dito banco mercantil nesta corte para os generos de fora, cambios, seguros e outras negociações de que se forma o seu comercio porque na intenção dele em nenhum modo podiam perturbar os estrangeiros pelas capitulações e outros pretextos, que não ficassem nas propostas convencidos.
Porque se os ingleses e nações priviligiadas metem neste Reino fazendas por terem nele certo o seu consumo, como são panos, baetas, serafina, sarjas, e outros  generos de Lã, Linho, seda, prata e ouro, e com este pretexto se estabelecem para se fazerem venda deles pelo mundo aos naturais com longos termos de espera, fazendo trocas, cessões e outros tratos de que se enche a terra, e o Reino se embaraça vendendo-lhe as fazendas com 30 por 100 mais do que valem a respeito de 3 anos ou quatro em que as cobram não tendo outro fim os estrangeiros mais que o dessa venda.
Ficavam essas nações mesmas favorecidas em que somente pelo dito banco lhe fossem comprados os seus generos e deles lhe fizessem pagamento logo quer fosse em frutos da terra ou em cambio porque nem padeciam a espera do tempo nem corria por eles o risco das pessoas a quem vendem, e os vassalos de V. M. lucrando trinta e quarenta por cento que os estrangeiros lhe levam de mais a respeito da espera que lhe fazem.
E ainda mais que as fazendas dos que trouxessem de necessidade, haviam de ser menos falsificadas que as que metem de presente e menos drogas a fim de seus lucros, e senão empenhavam nestas os homens mercadores de lojas mais que de fazendas que lhe fossem necessarias por não faltarem ao tempo com o seu pagamento, sendo hoje a causa, a não venderem os tais, o estarem as nações vendendo nas suas cazas aos côvados o que lhes foi sempre proibido. como se vê da copia de uma carta do S.or Rei Dom João de boa memoria que dis assim.

Carta de El Rei D. João (I) que nenhum estrangeiro venda a retalho as fazendas

Nos El-Rei: Fazemos saber aos vereadores desta nossa cidade de Lisboa e a outros oficiais da Camara, que nos temos dados alguns privilegios de visinhança e de outras qualidades a alguns estrangeiros estantes em esta nossa Corte e que nela não estão e porque nossa tenção quando lhe os ditos privilegios outorgamos não foi que por bem deles podessem vender a retalho como nossos naturais, nenhumas mercadorias: e temos informação que em alguma maneira se faz; Declaramos por este presente que por bem dos ditos privilegios os ditos estrangeiros não podem retalhar nem vender a retalho em maneira alguma, porem vo-lo notificamos assim; e mandamos que assim o mandeis logo apregoar e notificar, porque seja a todos notorio e nenhum possa alegar ignorancia, e este se assentará no Livº. das Ordenações e posturas da Camara feito em Lisboa aos 24 dias de Junho Antonio Carneiro o fez ano de 1459. (1421)
E outras muitas cartas e provisões do dito Senhor Rei D. Manuel nas quais ordenou e mandou que em nenhuma maneira estrangeiro algum gosasse dos privilegios honras e liberdades e franquezas de que gozavam os naturais; e outras de outros Senhores Reis dadas à Camara para as mandar apregoar e registar para que em nenhum tempo pudessem os estrangeiros alegar ignorancia, e ainda o Senhor Rei D. João o 4º que santa gloria haja confirmou todos à Camara por privilegio que todos lhe deram para o governo dela, as quais por não fazerem maior papel se não repetem. e tanto assim que como pelas Leis dos Reinos os estrangeiros eram obrigados a registar suas fazendas na Alfandega e vendê-las dentro de seis meses e levarem o procedido delas em frutos da terra e estando nesta um ingles por nome Robert Col por estar carregado de fazendas fez uma petição ao Senhor Rei D. João o 4º relatando que tinha muitas fazendas que havia trazido e lhe remeteram e porque se iam acabando os seis meses que havia de estar nesta praça em que as não pudera vender e se as lavava outra vez ficava perdido, lhe pedia de piedade Licença para ir ao Brazil, à cidade da Baía, por tempo de dois anos, o que fez o dito Senhor precedendo primeiro informação, concedendo-lhe provisão da dita licença, por dois anos, e depois de partir a segunda frota, fez o dito Senhor aviso ao Governador que dera licença ao dito inglês para vender suas fazendas naquela cidade, que tivesse entendido que se se acabassem os dois anos e não viesse para o Reino lhe tomasse por perdidas as que tivesse; E parece, Senhor, que queria atalhar por todas as vias os danos que hoje este Reino padece.
E sendo estrangeiros hoje os Senhores deste reino parece que de boa razão deviam os portugueses de ter alguma passagem em os seus. Porem, Senhor, isso não costumam eles fazer por quanto as querem só para si e tanto que
Indo a França um Domingos Gomes português no ano de 1674 a curar-se de um achaque de alporcas, por não estar El-Rei em Paris, esperou alguns dias, e como é homem pobre e levava poucas patacas, se lhe acabaram; e como é oficial de sirgueiro de agulha (tão insigne que todas as borlas e franjas que são necessarias para os paramentos de V. M. só ele as faz e podia ensinar o mau perito francês desta arte), se foi ter com um Mestre e lhe representou que era português e que por causa de seus achaques fora a França para que El-Rei o benzesse, e como não estava na terra gastara o dinheiro que levara, que por ser pobre lhe pedia de piedade o deixasse trabalhar nas suas obras de sirgueiro, sem que por isso lhe desse mais que o sustento em quanto El Rei não vinha, e vendo o francês o grande oficial que era o português, vendo-o obrar, querendo lucrar com o seu trabalho, lhe disse que sim, e foi falar com os juizes do oficio sobre este particular e não somente lhe não deram licença para trabalhar só para o sustento, mas lhe deram uma carta de guia ao revés, com que o não deixaram parar em terras de França, nem bastou dizer que ia a curar-se, e finalmente se doente foi, da mesma sorte veio, sem que com ele tivessem piedade ou respeito; a que os franceses são Senhores em Portugal.
E tanto assim que no ano em que os Ingleses e Franceses tiveram guerra contra Holanda, como não navegavam os seus navios mercantes, fretaram os holandeses nesta cidade um navio português para lhe levar alguns assucares procedidos de suas fazendas a Holanda, e os Ingleses fretaram o navio de Antonio Fernandes Pedrozo para fazer o mesmo a Inglaterra o que fizeram e o que foi a Holanda entregar a carga pediu outra e lha não quizeram dar, dizendo era para os naturais e que se naquele tempo tinham guerras brevemente teriam pazes, com que veio carregado de area (areia)por lastro.
Antonio Frz Pedrozo em Inglaterra para fazer carga ao seu navio levou daqui muitas cartas, e não lhe aproveitando se valendo do patrocinio da Serenissima Rainha da Gran-Bretanha com que, intercedendo e pedindo a dita Senhora lhe carregassem o navio, o deixaram carregar de carvão de pedre, que aqui vale o mesmo que a area da Trafaria, e outros muitos exemplos que já os portugueses não estranham, porem sentem, não somente serem os Senhores dos negocios deste Reino, mas ainda sobre qualquer falsa informação que dão dos portuguesas aos consules ou embaixadores, os mandam prender a suas casas, depois de lhe tirar o sangue com a venda de suas drogas, aos mercadores, aos que as vendem, sendo Sapateiros, Alfaiates, Carpinteiros, Sirgueiros, barbeiros e finalmente todos os oficios, sendo cazados, tendo mulher e filhos, e os portugueses em França não haverá quem diga que os deixaram comprar ou vender nem trabalhar por seu oficio, e em Inglaterra se observa o mesmo inviolavelmente e querendo algum depois de lá estar muitos anos, mandar algumas fazendas para este Reino paga mais 16 por 100 de direitos que os naturais, e nesta forma suavemente lhe proibem o poder negociar sendo lá naturalisado, porque como poderão mandar fazendas para se venderem pagando de direitos 16 por 100, onde os Ingleses as teem, se lhe não tem conta?
O estilo com que ao prezente compram a estes tais os mercadores de lojas é por seus escritos para pagarem o que compram, passados 3, 4, 6, 8 e 10 meses, em 6, 8, 10, 12, 16, 18, 20 e 24 pagamentos de 3, 4 e 5 meses cada pagamento, e fiados em que neste intervalo toda a droga se consumirá, se animam a todo o emprego, e enganados da fantasia os que pagam não findam o pagamento em muitos anos, e os que não vendem se perdem. Eis aqui, Senhor, o modo com que esta Praça hoje miseravelmente caduca, porque já os homens não faltam de credito se não quando na injuria se aproveitam, e a todos chega o dano, porque os homens de negocio são como os fusis da cadeia, que atraz de um quebrado se vão todos. [...]
(Continua)

Notas dos editores – 1) Ver no nosso blogue a publicação de 14 de Fevereiro de 2013 em que se referem contratos de concessão de exclusivo do fabrico de baetas e sarjas desde 1677 na Covilhã.

2) Foi capitão-mor (governante) do Estado do Maranhão (Brasil) na década de sessenta do século XVII.

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