Inquérito Social XXI
Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
Família
(Continuação)
Procurou-se
com as estatísticas dos casais com filhos, dar à FNIL a possibilidade de calcular,
em qualquer momento, os encargos que um salário familiar poderia acarretar e ao
mesmo tempo mostrar neste inquérito, a constituição da família operária e o seu
possível aumento.
Tomamos, para
exemplificar, a “estatística dos operários casados pelo civil e pela igreja”,
do grémio da Covilhã. Basta este título a encimar a estatística, para nos
mostrar imediatamente, qual o critério mais lato, adoptado na elaboração destes
mapas: dentro de cada grémio, os operários casados, com filhos, estão divididos
conforme o seu estado civil. Temos pois, diante de nós, uma estatística dos
operários casados pela igreja e pelo civil dentro do grémio da Covilhã. Os
primeiros algarismos referem-se à idade dos operários e os segundos, dentro de
cada período, significam a idade dos filhos, nesse período.
Ao lado da coluna onde se encontram os
números a que fizemos referência, aparecem colunas sucessivas e intercaladas
onde se encontram os filhos dos operários, distinguindo os operários masculinos
dos femininos. Na primeira coluna referem-se os filhos dos casais que só têm um
filho; na segunda os filhos dos casais com dois filhos e, assim sucessivamente
até à décima terceira e última dos casais com treze filhos. Na décima quarta
coluna indicam-se o total dos filhos dos operários que neste período que
estamos apresentando, têm de 18 a
25 anos, figurando em cada uma delas, os filhos destes operários, com a
respectiva idade. A décima quinta coluna, que não é dupla como as outras,
representa uma soma da coluna dupla anterior. A soma de cada capítulo indica,
por debaixo das colunas duplas, o número total de filhos aglomerados em cada
coluna; ainda abaixo da soma aparece horizontalmente o número de casais, de
cada período, agrupados conforme o número de filhos.
Na mesma
estatística dos operários casados pelo civil e pela igreja, do grémio da
Covilhã, vamos ler o segundo capítulo. Refere-se ele, como dissemos no
princípio deste comentário, aos operários de 26 a 30 anos de idade, casados sob o
costume nacional, e que têm filhos. Como refere a última coluna horizontal
deste capítulo, agrupam-se os casais com a idade que acabamos de referir: nesta
idade há 181 operários do sexo masculino e 20 do feminino, com um filho; 111
masculinos e 17 femininos com dois filhos; 40 masculinos e 5 femininos com três
filhos; 9 masculinos e 3 femininos com quatro filhos. Por outro lado, os filhos
dos casais que têm unicamente um filho, têm a idade seguinte: com menos de 7
anos de idade – 172 filhos de operários e 16 filhos de operárias; com 7 a 10 anos de idade – 9 filhos de
operários e 3 filhos de operárias; com 11
a 12 anos de idade – 1 filho de operária e, assim
sucessivamente conforme consta nas outras colunas e nos outros capítulos.
Cumpre-nos
agora esclarecer a razão que nos levou a dispor, talvez um pouco confusamente,
os números desta estatística. Houve no entanto razões para assim procedermos. A
organização corporativa pode determinar, que ao estabelecer-se um salário
familiar se atenda ao acto que presidiu à organização da família: que se
pague x por cada filho do operário com família legitimamente constituída; e ½ x
por cada filho do operário amancebado; pode determinar também, como aliás se
procede em determinados países, que se pague x por cada filho de operário e, ½
x por cada filho de operária; pode ainda determinar que beneficiem unicamente
de salário familiar os casais com mais de quatro, cinco e seis filhos, desde
que a idade destes seja inferior a sete, a dez e a doze anos.
Atendeu-se
à idade dos progenitores para verificar quais os possíveis encargos de uma
Caixa de Compensação, em cada ano; não é normal que os casais com mais de
50 anos venham ainda a ter filhos, ao passo que os de 18 a 25, de 26 a 30, de 31 a 35, de 36 a 40, de 40 a 45 anos, estão ainda em idade
normal de reprodução, sendo as possibilidades desta tanto maiores quanto menor
é a idade dos operários casados.
Recorreríamos
primeiro à estatística dos casais sem filhos e faríamos de conta que, no
próximo ano, todos aqueles operários cuja idade fosse inferior a 30 anos
entravam na coluna dos operários com 1 filho; e que 50% dos operários sem
filhos de 30 a 50
anos entravam, também, na coluna dos operários com 1 filho. Para verificarmos o
possível aumento da população, faríamos o mesmo com relação aos operários que
figuram na estatística dos operários com filhos.
Vamos
colocar-nos diante de um caso concreto. A FNIL resolve subsidiar todos os
casais em que os operários são casados pelo civil e pela igreja, têm mais de
cinco filhos, desde que esses filhos tenham menos de 11 anos de idade, sendo o
subsídio diário de 1$00 para os filhos dos operários e $50 para os filhos das
operárias. Tomemos o mapa “Resumo Geral” dos filhos dos operários, “casados
pelo civil e pela igreja”; vamos à sexta coluna e somamos separadamente os
números referentes a filhos de operários e de operárias, indicados nas primeira
e segunda colunas horizontais. (185 – 21; 98 – 8; 71 – 6; 22 – 4; 0 -0; 13 – 0;
3 – 0); (108 – 16; 52 – 6; 50 – 4; 12 – 3; 0 – 0; 6 – 0; 0 – 0). Temos assim
620 filhos de operários e 68 filhos de operárias.
Dispender-se-ia
neste salário familiar 620$00 diários referentes a operários, mais 34$00
diários referentes a operárias, ou seja 654$00 diários, ou 3.924$00 por semana.
Devemos acrescentar a este número 17 filhos de operários viúvos, nas mesmas
circunstâncias e 3 de operárias, o que aumenta a cifra semanal para 4.035$00. O
encargo anual deste subsídio atingiria 209.820$00. Esta cifra diria, contudo,
respeito a um momento determinado. Novos cálculos se deveriam desenvolver para
a tornar verdadeira em qualquer momento, atendendo para isso ao possível
aumento da população desde a época em que foi elaborada a estatística até ao
momento em que se deva estabelecer o salário familiar.
Esse
estudo compete já à ciência actuária e não a um simples inquiridor social, pelo
que nos abstemos de entrar nele.
Justificadas
as estatísticas e o seu método de elaboração, indicada como deve ser feita a
sua leitura, vamos continuar o estudo da família operária.
Mapa
dos operários e dos filhos dos operários, atendendo agora ao contrato
matrimonial.
Vamos considerar agora os mesmos operários com filhos,
tendo em conta o número de filhos de cada casal. Estes mapas oferecer-nos-ão
um aspecto dos encargos da família; referem-se eles unicamente aos operários
casados pela igreja e pelo civil, somente pelo civil. aos amancebados, e aos
viúvos, São tão poucos os outros que não vale a pena perdermos tempo a
fazer-lhes referência especial.
Mapas
que indicam o Número de Operários conforme os Filhos
Dos filhos de operários indicados neste mapa, com idade
superior a doze anos, alguns figurarão também na estatística dos operários de
lanifícios, por também trabalharem na indústria.
*
* *
Não
podemos terminar este capítulo sem fazer referência especial à educação dada na
família.
Várias
circunstâncias influem para que ela seja melhor ou pior como, por exemplo, a
autoridade do pai no seio da família; o facto da mãe trabalhar em fábrica ou
não; a influência do alcoolismo; o local onde vive a família, isto é, o campo
ou a cidade; o salário e a educação dos pais; o maior ou menor espírito
religiosos; o conceito geral da moralidade nesse meio; o exemplo patronal; a
casa de habitação, etc.
A vida da
fábrica como já frisámos neste trabalho, contribui imenso para a desagregação
do espírito patriarcal. Por isso, o nível de educação dos filhos dos operários
é inferior ao nível de educação dos agricultores, não atendendo aqui, é claro,
àqueles pequenos centros pouco industrializados que guardam ainda a educação
antiga dos povos muito velhos, como o português.
Na maneira de
cumprimentar, no respeito pela a hierarquia, na honradez pessoal pode
verificar-s, independentemente do espírito da época actual, a influência do
urbanismo, a desvalorização daqueles conceitos morais que já referimos,
produzida pela vida da fábrica. O salário dos filhos que os emancipa
economicamente, desde muito novos, do pátrio poder; a liberdade excessiva que
lhe dão os pais; a excessiva confiança travada nas fábricas entre rapazes e
raparigas; a possibilidade que estas têm de fazer uma vida muito longe do lar;
a facilidade de explicar certas saídas; o pouco cuidado que os pais têm na moralidade
delas são outros tantos factores de deseducação familiar.
Quanto aos
rapazes há a crescentar, ainda, um desprezo absoluto por tudo aquilo que seja
higiene moral; há terras onde é frequente ouvi-los fazer gala das suas doenças
venérias e julgarem-se homens por serem portadores delas. Nos maiores centros
começa a descuidar-se a honra das mulheres casadas: o adultério tende a
alastrar, por vezes com o consentimento dos maridos. No decorrer deste
inquérito verificou-se também a existência de alguns casos de incesto.
A deficiência
e a pequenez das moradias elevam os efeitos da promiscuidade. O patronato
contribui, mais talvez do que aquilo que se pensa, para a desmoralização do
ambiente, abusando da situação previligiada em que se encontra. O mesmo sucede,
em grau ainda mais elevado, com todos aqueles inferiores ao patrão que possuem
alguma parecela de mando.
Os factos
apontados, que aumentam de dia para dia, podem atingir 30 % da população, o que
é muito se atendermos que há vinte e cinco anos a esta parte era muito maior o
respeito pela autoridade, pela moralidade e pela honra.
Ora este
estado moral reflectir-se-à necessariamente na educação dos filhos e fará o
ambiente da geração que se cria para a vida. Mas os lanifícios são, afinal, uma
parcela mínima da actividade nacional; a sua mão de obra aglomera uma população
muito pequena na colmeia do trabalho. É dócio como nenhuma outra e reeducada no
amor da grei, amparada nas suas dificuldades, auxiliada na educação da prole,
constituirá, de novo, um fulcro de virtudes portuguesas. Para isso várias
medidas haveria que pôr em prática; entre elas sobressai a organização da
mocidade portuguesa, obrigatória para todos os filhos dos operários e para
todos aqueles operários com menos de 18 anos. Mas uma Mocidade Portuguesa como
devia ser.
A organização
industrial podia colaborar com o oferecimento gratuito de fardas, em cuja
fabricação seriam utilizados os teares manuais parados; não se pensa que isto
seria um grande favor prestado pelo patronato; ele próprio beneficiaria
grandemente da medida proposta.
Os filhos
dos operários dos 7 aos 19 anos são, sem distinção de sexo, cerca de 6.000.
Formadas as duas secções masculina e feminina, teríamos modificada, dentro de
dez anos não só a mutualidade, mas o conceito de vida, higiene e educação do
operariado da indústria. Ao abordarmos o problema da cultura intelectual
volveremos a este assunto.
Capítulos anteriores do Inquérito Social:
Inquéritos XI - IX
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