sábado, 7 de março de 2015

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo VI


O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.
A oposição liberal manifesta-se e centra-se no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). Para defender o trono de sua filha Dona Maria, vem ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil. Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000 soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832 e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns combatem outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e judiciais.
1834 é o ano da derrota miguelista e do início da governação de D. Maria II, embora a estabilidade ainda esteja longe…  Agora as guerras vão ser entre liberais.
    Como vai a Covilhã celebrar a vitória Liberal/derrota miguelista? "...soaram na praça desta vila os vivas a nossa legitima Soberana a Senhora D. Maria II, a Vossa Magestade Imperial, e a todos os outros objectos tão caros aos verdadeiros portugueses..." (Abril de 1834)

Dona Maria II
D. Pedro IV




“Senhor = Possuidor do mais vivo entusiasmo temos a honra de levar respeitosamente ao conhecimento de Vossa mag.e Imperial os felises e gloriosos sucessos ocorridos nesta vila a pró da Legitimidade em cuja defeza V. Mag.e Imperial tão honrosa e decididamente se acha empenhado.
            Constando na manhã do dia 22 que os habitantes da Guarda tinham aclamado o legítimo governo de S. Mag. Imp.ªl o Regedor das Justiças com alguns membros da Alçada, e outros desembargadores e magistrados que ocupavam a Vila, imediatamente se retiraram, apoderando-se então o terror das autoridades, e de todos os inimigos da Legitimidade, estes seguidamente ou se evadiram ou se esconderam.
            Um desalento tão pronunciado despertou nos corações dos liberaes a heróica resolução de despedaçar as algemas com que tão cruel e injustamente os haviam agrilhoado, esqueceram-se os perigos, correu-se um véu sobre o futuro (sic), e forçando-se as portas das masmorras, aonde jaziam as desgraçadas vítimas da tirania, soaram na praça desta vila os vivas a nossa legitima Soberana a Senhora D. Maria II, a Vossa Magestade Imperial, e a todos os outros objectos tão caros aos verdadeiros portugueses.
            Mas a falta de meios para manter uma resolução tão pronta e energicamente executada, o ponto crítico em que nos achavamos colocados; por toda a parte ainda rodeado de povoações que ainda tinham a voz do usurpador, por algumas horas entibiou os menos fortes; todavia não era este o momento para reflexões; o zelo pela causa da legitimidade bem depressa desvaneceu as nuvens do receio de sorte que às sete horas da tarde já se tinha feito a aclamação por todas as ruas desta Vila, recolhendo todos aos paços do concelho da mesma aonde se procedeu à nomeação duma junta provisoria, de que temos a honra de ser membros. Aceitando a lisongeira comissão de que haviamos sido encarregados, não nos poupamos a fadigas para fazer vingar a justa causa que defendemos. estabeleceram-se patrulhas de voluntários a pé e a cavalo, expediram-se ofícios para todos os povos e cidadãos mais acreditados, e não se omitiu providencia alguma das que podiam aproveitar em crise tão melindrosa e arriscada. Ainda que no dia 23 se tinha reunido já grande número de patriotas armados, ardendo em desejos de se bater com os inimigos de V. Mag.e Imperial, contudo este recurso não era ainda de seguridade, atendendo a que estavamos inteiramente isolados, foi por isso que recorremos ao general espanhol, comandante da força armada estacionada na cidade da Guarda, o qual prontamente fez marchar uma força respeitavel sobre esta Vila. É inexplicável o entusiasmo que desenvolveram os inimigos da legitimidade com a vinda desta brilhante tropa, assim como não pode exceder-se o acolhimento e os bons oficios que à porfia lhe temos prestado, de que eles se fazem credores pelo seu brioso comportamento.
            Não nos limitámos Augusto Senhor, a restaurar nesta Vila e em todos os povos do seu termo o legitimo governo da Augusta Filha de V. Mag.e Imp.ªl mas cooperámos para que se fizesse o mesmo na Vila do Fundão, que desgraçadamente não poude manter-se por lhe aparecer pouco depois o rebelde Nicolau d’Abreu, intitulado general desta Província, que com alguns aventureiros pretende ainda prolongar a escravidão em que temos vivido, estão porem tomadas as medidas para irmos prontamente socorrer aquela infeliz vila, animados pela justiça da nossa causa esperamos em breve ver ali restabelecido o paternal governo de V. Mag.e Imperial.
            No meio de todas estas oscilações políticas temos tido a satisfação de ver por toda a parte a harmonia e a ordem; e bem longe de se pisar a estrada desse governo desorganizador e despótico, tem sido respeitadas as propriedades, afiançada a segurança de todos os cidadãos, e os dias da restauração têm sido como dias de festa anunciadores de um futuro mais risonho e brilhante.
            Oxalá que estes nossos serviços feitos à causa da legitimidade se façam credores da Real Aprovação de V. Mag.e Imp.ªl e da nossa Augusta Soberana cujos dias céu dilate e prospere para ventura de todos os patriotas portugueses. Covilhã, nos paços do Concelho aos vinte e oito de Abril de 1834 = O Presidente Antonio Gabriel Pessoa d’ Amorim = O Vogal Pedro Vaz de Carvalho = O Vogal Joaquim Antonio Clementino Maciel = O vogal Sebastião de Elvas Leitão Montaes = O Vogal Daniel José da Silva Campos Melo = O Vogal José Caldeira Pinto Castello Branco = O Vogal Bernardo de Almeida Lemos=.

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Sexta feira 16 de Maio
Secretaria de estado dos Negocios da Guerra. 1ª Rep.ção. 1ª secção

“Tendo o Marechal do Exercito Duque da Terceira remetido pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra uma felicitação que a Comissão Municipal da Vila da Covilhã dirigiu a S. Mag.e Imp.ªl o Duque de Bragança, Regente em nome da Rainha, narrando os gloriosos acontecimentos que ali tiveram lugar no dia 22 de Abril ultimo, por ocasião de se aclamar expontaneamente, e com o mais vivo entusiasmo o legitimo governo da Rainha, e da Carta. manda o mesmo Augusto Senhor declarar à mencionada comissão, que lhe foi muito grato o brioso comportamento do povo daquela vila, digno de todo o louvor tanto pelo expontaneo desenvolvimento a pró da causa da justiça e da Honra, como pela maneira generosa com que se tem conduzido na conservação da ordem, e segurança da propriedade de seus concidadãos. Sua Mag.e Imp.ªl está certo que só o jugo duma tirania tão atroz como a do usurpador podia sufocar os nobres sentimentos da Nação Portuguesa, e por isso espera que todos horrorisados do tempo pretérito trabalharão em arreigar o sistema constitucional de que essencialmente depende a prosperidade da Pátria.
Paço do Ramalhão, em 14 de Maio de 1834 = Agostinho José Freire.

Fonte - Cronica (Constitucional) de Lisboa 
fls 453, fls 469, respectivamente

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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/01/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-os-ventos-do-liberalismoos_26.html
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