domingo, 11 de dezembro de 2011

Covilhã - O Alfoz ou o Termo desde o Foral de D. Sancho I ao séc. XVIII - I

    Começamos hoje a publicar reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre a Covilhã do século XVI, no respeitante ao alfoz concelhio. Em seguida apresentaremos a investigação relacionada com este assunto.

            Levado pela curiosidade de conhecer o que foi a vida e obra de Frei Heitor Pinto - frade Jerónimo e nosso conterrâneo - vi-me na contingência - aliás grata ao meu espírito - de estudar a história da Covilhã, no sec XVI. Eis a razão porque já há bastante tempo os meus estudos se dirigiram para a história deste velho burgo - e mais particularmente se localizaram nesse século. Pela abundância de documentação, pelo interesse que a mesma apresentava, concluí por me certificar que a história da Covilhã está inteiramente por fazer: e a que está feita, mercê das novas correntes que orientam os estudos históricos, há que refundi-la coando-a pelo crivo estreito e dificil do documento.
            Entre as partes manuscritas da história da Covilhã salienta-se o vasto manancial de documentos das Chancelarias Reais, os documentos referentes ao Santo Ofício, os processos de vita et moribus dos ofícios e bacharéis da justiça e mais cargos da coroa, os espólios dos conventos, os registos das Ordens  Militares, e algumas monografias inéditas.
            Das fontes impressas, vária documentação dispersa, notícias históricas de Dicionários, entre eles o Geográfico do Padre Luiz Cardoso, a monografia de Moura Quintela e pouco mais.
            Nesta palestra procurei escolher um assunto que estivesse na órbita dos meus trabalhos e que despertasse alguma curiosidade no auditório que tenho a honra de me ouvir.
            Mas como assunto histórico que é, dentro daquele critério de estrita historicidade do qual não é possível fugir em estudos desta natureza, a palestra há-de sair necessariamente monótona e desagradar a quem se contenta com os fogos de vista da retórica fácil. Esse não é o caso de V. Exªs e portanto “ Deus super omnia “.

Mapa de Portugal e os limites prováveis do Alfoz
 da Covilhã ao tempo do Foral de D. Sancho I

            Comecemos por dar uma ideia, ainda que sucinta, do alfoz concelhio. Dos limites primitivos marcados pelo foral, já não restam no sec. XVI aquelas grandes áreas incultas que justificavam tão vastos domínios. O concelho já tem, portanto, no século XVI, aquelas demarcações que se manterão intactas até ao meado do século XVIII - quando o Fundão alcançou a autonomia. Quais são esses limites - onde os fomos buscar? Manter-se-ia o concelho unido, como uma peça única ou já havia características de desagregação dos territórios que o constituíam?
            Primitivamente o concelho da Covilhã alargava-se do Côa até ao Tejo: esta era a estrutura geral da carta de foral de D. Sancho I. Com a colonização interna, com a fundação e reedificação de aldeias e vilas, com o arroteamento das terras, as primitivas grandes áreas incultas cederam à indústria do homem. Pela sua vastidão, pela sua posição geográfica - o concelho da Covilhã foi uma espécie de alfobre de novos concelhos, ou então sofreu decepações várias para se alargarem e formarem concelhos cujas sedes se encontravam fora dos seus limites . Entre os primeiros citaremos S. Vicente, Castelo Novo, Ródão, Castelo Branco, Oleiros, Sortelha, etc.; e entre os segundos Penamacor.
            Todas estas modificações nas fronteiras e no interior dos concelhos se deram nos primeiros reinados - por isso aí devemos ir buscar as fontes curiosíssimas das lutas entre os concelhos que se formavam de novo e os concelhos velhos de que aqueles se desagregavam. O século XVI é pois uma época em que essas pequenas lutas deram lugar a outras preocupações: os limites estão mais ou menos definidos, embora aqui e além haja as suas dúvidas que os oficiais da Coroa ou os donatários resolvem com o testemunho de pessoas velhas, ajuramentando-as aos santos evangelhos ou, em último caso, recorrendo até às sentenças da Coroa.
            Em questão de limites estamos pois numa época de verdadeira jurisdicidade. A não ser o caso esporádico de Penamacor, resolvido mesmo assim com uma sentença, nada existe já daquelas velhas rixas intestinas de que nos fala Herculano na sua História de Portugal.
            Quais eram pois os limites do concelho da Covilhã no século XVI? Deparou-se-nos por acaso um interessantíssimo documento que resolve definitivamente esta pergunta: trata-se nem mais nem menos do que o tombo dos limites do concelho, mandado fazer pelo Infante D. Luiz, no segundo quartel do referido século.

O Infante D. Luís

            O alvará do Infante manda fazer nova demarcação dos termos do concelho por estarem os ditos mal demarcados e por vezes os marcos e malhões danificados. Manda também o Infante que nos anos seguintes se visitem os marcos e malhões a fim de verificar se houve alguma mudança e esta ser devidamente corrigida.
            O alvará referido é datado de Évora, de 23 de Dezembro de 1532 e antecede o tombo das demarcações.
            Neste tempo o lugar mais fundeiro do concelho da Covilhã era a aldeia de Cambas, e a demarcação dos limites do concelho ia pela cabeça do baraçal, águas vertentes e day direito à selada do val derradeiro e day direito à selada do corenhal águas vertentes - e daí direito à selada do pretelinho e day direito ao penedo alto águas vertentes e day direito a S. Domingos e day ao cabo dos penedos águas vertentes, e day direito às seladas e das seladas direito sobre as mestas e daí se vai direito à selada do machial e daí direito à cabeça gorda.

Alvaro    Cambas - Orvalho  Silvares e Bogas de Cima   Aldeia Nova do Cabo
Oleiros
Sarzedas   Janeiro de Cima    Folques           S. Vicente                    Souto da Casa
                     Unhais-o-Velho Pampilhosa
Erada - Serra                                      Alcaide                        Alcaide com Castelo Novo
(Paúl)                                               Capinha                                  com Penamacor
Casegas e Cebola  Folques     Penamacor
                                                                                    Alvoco

            Neste demarcam-se sucessivamente os limites das freguesias da Covilhã com os termos de Alvoco, Folques, Pampilhosa, Álvaro, Oleiros, Sarzedas, S. Vicente, Castelo Novo, Penamacor, Sortelha, Caria, Belmonte, Valhelhas e Manteigas.
            Estas demarcações começam em 1533, sendo juiz pela Ordenação e vereador mais velho Gonçalo Pais de Castelo Branco e vereadores Nuno Matela e Antº Nunes e procurador do concelho Fernã dafonseca e escrivão da Câmara Fernã Carvalho. As demarcações são concisas e perfeitas: indicam-nos os lugares onde os malhões, os marcos e as cruzes se encontram; dão-nos a toponímia que deve remontar a eras muito antigas, e como as testemunhas que depõem andam sempre à volta dos setenta a oitenta anos, autoriza-nos a concluir que estas demarcações foram em parte as dos primeiros séculos da nossa história e na outra parte o resultado da formação dos concelhos de que a Covilhã foi, territorialmente, origem.
            Como o tombo é escrito em vários anos e regista rectificações de limites, sucede indicarem-se nele por vezes vários magistrados - Por exemplo às demarcações de 1534 preside o Licº Simão de Pina - juiz de fora com alçada pelo Infante; Jorge Soares e Bastião Mendez, escudeiros e vereadores e Pero Pacheco, procurador do concelho, outras vezes aparece entre os vereadores Fernão d’ anes escudeiro, cujo nome encontraremos mais adiante.
            O tombo dá-nos também notícia de várias capelas existentes na zona fronteiriça do concelho, notícia de povoações arrasadas, lugares por onde eram cortados os caminhos velhos, indicação de sepulturas, etc...
            Por aqui se pode fazer uma pequena ideia dos subsídios que dá para a história da região.
            Oferece-nos também um quadro curioso das magistraturas nas aldeias do termo - indicando os nomes humildes dos juízes de cada uma delas, de toda essa gente autenticamente portuguesa, coeva desse período extraordinário da nossa história que vai do meado de quatrocentos ao último quartel de quinhentos.
            Mas o concelho da Covilhã, apesar de muito diminuído no seu alfoz, não apresentava de facto uma unidade perfeita.
            O Alcaide, a antiga aldeia de Pretor, mantinha um senado municipal e magistraturas próprias - restos certamente de antigo predomínio e o Fundão, que começara por ser no princípio da monarquia uma herdade ou um Reguengo da Coroa, alargado na sua povoação, com uma florescente indústria de Lanifícios; transformado numa colmeia de pequenos mercadores judeus e cristãos velhos, iniciava então aquela dura campanha para autonomia que somente nos meados do século XVIII, veria coroada de êxito com a formação do seu concelho e de um alfoz mais vasto do que aquele de que se apartara.
            Curiosas são essas lutas políticas entre a vila da Covilhã e o Fundão, no século XVI! Primeiramente o Fundão pretende alcançar uma situação administrativa idêntica à do Alcaide, governar-se por si, com as suas magistraturas, mas conservando-se dentro do alfoz da Covilhã – e subordinado a ela no mínimo. Assim em todos os documentos coevos os representantes do Fundão pretendiam ficar, por assim dizer à parte, v.g. no contrato das sisas, assinado entre a Covilhã e D. João III; o Fundão e dois ou três lugares das suas proximidades resolveram tomar as sisas à parte do bloco constituído pelo concelho da Covilhã. A fórmula usada no contrato é sempre esta “ constante que a vila de Covilhã, não entenda na repartição do dito lugar”.
            A Covilhã, por sua vez, defendia-se desta ânsia de desagregação, produzida pela intensa valorização do Fundão: nos capítulos das cortes, na confirmação que os reis novos lhe faziam dos privilégios, nas cartas do concelho para o Infante D. Luiz, que foi o seu único donatário no século XVI, a câmara lembra, pede, insiste, parece querer ligar sempre a Coroa e o donatário com essas repetidas promessas, a certeza de que o alfoz já tão repartido, não voltará a ser fonte de tantas desagregações e de concelhos novos. E, de facto, durante este século XVI o alfoz não se desagrega – embora o Fundão tenha dado dois passos, um certo e outro falso, no caminho da sua emancipação: o certo foi alcançar do Infante D. Luiz uma equiparação à situação já referida do Alcaide; o falso por ter jogado decididamente no partido do Prior do Crato. Mais adiante quando estudarmos a posição da Covilhã nesse pleito histórico entre o Prior, os Braganças e o rei Filipe, aprofundaremos mais este assunto.
            Conhecidos quais os concelhos formados à custa do concelho da Covilhã nos séculos anteriores, quer as suas sedes pertencessem ou não ao alfoz covilhanense, verificadas as suas confrontações, em geral, no século XVI e lidos alguns desses autos de limitação, estudada a forma como o concelho mantinha a sua unidade e o fermento de desagregação que nele existia, temos concluída a primeira parte do nosso trabalho.

Nota dos Editores - O mapa foi retirado pelos editores de "Do Foral à Covilhã do século XII", Fundão, 1988.


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