Hoje
publicamos reflexões não revistas por Luiz Fernando Carvalho Dias sobre Lanifícios / Covilhã / Mercadores / Cristãos-Novos.
Incluímos ainda uns textos de autores que escreveram sobre estes assuntos e que, por isso, estariam no espólio de Carvalho Dias. É o caso das cartas de 1675 do Padre António Vieira e do Conde da Ericeira. Nelas transparecem as divergências de Vieira e da Companhia de Jesus com o Tribunal do Santo Ofício e o Governo de então. O Jesuíta criticava a Inquisição e defendia os cristãos-Novos tendo mesmo conseguido que D. João IV, em 1649, criasse a Companhia Geral do Comércio do Brasil. Acabou por sair perdedor de muitas destas contendas!
Incluímos ainda uns textos de autores que escreveram sobre estes assuntos e que, por isso, estariam no espólio de Carvalho Dias. É o caso das cartas de 1675 do Padre António Vieira e do Conde da Ericeira. Nelas transparecem as divergências de Vieira e da Companhia de Jesus com o Tribunal do Santo Ofício e o Governo de então. O Jesuíta criticava a Inquisição e defendia os cristãos-Novos tendo mesmo conseguido que D. João IV, em 1649, criasse a Companhia Geral do Comércio do Brasil. Acabou por sair perdedor de muitas destas contendas!
“Quem relançasse os olhos pelo país
neste ano da Restauração e procurasse analisar o valor da nossa indústria dos
panos, verificaria que pouco avançara do regime da indústria caseira para o
estádio mais avançado da divisão do trabalho.
Salvo núcleos isolados e estes sem
verdadeiro interesse económico, o fabrico dos panos desenvolvia-se na zona
fronteiriça do país desde o Douro ao Guadiana, e acantonava-se, sobretudo, na
zona da Serra da Estrela, na Vila da Covilhã e suas imediações, em Manteigas,
em Melo e, possivelmente, em Gouveia, em Alcobaça, Minde, e em Lisboa e sua
comarca.
Contudo, na Covilhã concorreram
circunstâncias especiais que podemos circunscrever a elementos étnicos - uma
importante colónia de cristãos novos; a elementos naturais - as águas e as gredas; a elementos históricos – a tendência dos seus habitantes para esta
indústria desde tempos remotos, as correntes dos gados na transumância, quer do
norte, quer de Espanha; a situação geográfica de zona fronteiriça, um comércio
desenvolvido. Tudo concorreu para elevar o velho burgo de D. Sancho à grande
colmeia dos lanifícios portugueses.
O fabrico dos panos estava intimamente
ligado à criação do gado lanígero e ao comércio das lãs. A criação
desenvolvia-se, é certo, por todo o país, mas em certas épocas do ano os gados
corriam da Estrela para o Campo de Ourique e daqui para a Estrela novamente, em
busca das pastagens e para fugir à invernia ou à estiagem. À Estrela concorriam
também os gados espanhóis que desciam das escarpas de Segóvia ou subiam das
terras ardentes da Estremadura para se saciarem nas terras frescas da Beira.
As
lãs também concorriam através do comércio em pesadas partidas, nas transacções
dos comerciantes cristãos-novos que, desde a expulsão dos reis católicos,
sempre mantiveram cá e lá as raízes da sua actividade.”
******
“Seria interessante estudar a
influência exercida pelo município covilhanense para manter a população
cristã-nova e auxiliá-la. Os processos da Inquisição demonstram que até ao
fim do século XVIII nunca as passageiras revoadas de actividade inquisitorial
provieram da vila, da sua população nobre, ou mercantil, ou mesteiral. Até se
nota o contrário: tanto o clero, como os operários, como os nobres cerram
fileiras para a defesa dos cristãos-novos. Os capítulos do povo o evidenciam nas
cortes da Restauração. Algumas testemunhas claramente se recusam a testemunhar
contra eles e muitos dos mais nobres os defendem vigorosamente. O valor económico
da vila estava ligado ao destino dos seus ricos mercadores. A estrutura
económica da Covilhã pressupunha essa armadura mercadora. Só quando eles
pretendem monopolizar, o povo se levantou e as revoltas se acenderam. É a
história dos séculos XVII, XVIII e XIX.
A Covilhã passou logo do ciclo
caseiro para o ciclo artesanal e, auxiliada pelo mercador, cedo entrou também no
ciclo capitalista: daqui facilmente transpôs a barreira que lhe abria as portas
da vida industrial. Foi, pois, o comércio o grande impulsionador deste centro, ao passo que os outros, embora tivessem atingido as raias do artesanato, nunca
transpuseram os umbrais do capitalismo e não chegaram, por isso, ao mundo
industrial. Outros nunca saíram da crisálida caseira e nunca deixaram de
produzir mais do que para as necessidades da família. A produção é intermitente
e ocasional.
A
existência de teares só por si nada significa se não se estudarem os termos em que se
desenvolve a produção e como esta entra no comércio e atinge o consumo.
A
Covilhã foi de todos os centros lanificiais o único que sobreviveu para a era
industrial, por ter sido o que reuniu dentro dos seus muros as condições
económicas e técnicas que a isso levavam.”
******
“J. Lúcio d’Azevedo, em carta para Joaquim
de Carvalho sobre o significado económico da emigração dos cristãos-novos
portugueses que fugiram aos exageros da Inquisição, fundado em fontes
holandesas, considera os emigrantes mendigos e usurários.
Ora parece-nos que exactamente estas
ocupações negam a teoria defendida, porquanto os mendigos seriam os
artífices expulsos a que o mercantilismo xenófobo não deixaria usar das suas
profissões, e os usurários – as viciosas mas únicas fontes de crédito de uma
nação de comércio decadente e de indústrias depauperadas. Aliás esta conclusão
está inteiramente de acordo com a tradição que espíritos clarividentes como D.
Luiz da Cunha nos legaram, e ainda com outra fonte, tão pouco explorada entre
nós para a história económica – as listas da Inquisição.”
Estas listas, para a região da Covilhã,
começaram a ser estudadas pelo autor Carvalho Dias, foram continuadas pelos editores, estando a ser publicadas neste blogue. Já aqui foi apresentada uma estatística sobre as
listas dos séculos XVI a XVIII, onde, sem dúvida, encontrámos muitos mercadores
e artesãos, como se pode verificar em:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html
“De facto comparadas as profissões
dos autuados e o seu número elevadíssimo naqueles centros onde se desenvolviam
as incipientes indústrias portuguesas no século XVI, logo ressalta à vista que
é nos artífices dessas indústrias que se recrutam os indiciados. E o seu
número é tão elevado, que confrontado com o baixo nível da população, somos
levados a aventar a hipótese de que a grande maioria dos artesãos portugueses era
constituída pela raça perseguida. Se assim não fosse, como explicar que só a
partir do século XV as nossas indústrias passassem do círculo puramente
doméstico para o artesanal, como aconteceu com os panos e, ainda, o acolhimento
que D. João II e D. Manuel, espíritos realistas, deram aos expulsos de Espanha.
Mais do que a capitação pessoal importavam os capitais que entravam; eles
traziam à nossa economia rural e feudatária, uma rica mão-de-obra variada e
especializada que vinha suprir as deficiências técnicas e económicas do fabrico
e produção de panos e de outros géneros.
Os cronistas não deixaram de registar as
profissões dos intrusos. Convém acentuar também que a Espanha foi, anteriormente
ao êxodo dos judeus, uma das fontes abastecedoras do nosso comércio lanificial
e depois deixou de o ser. Como já revelámos noutro lugar, a decadência dos panos da Covilhã
anteriormente ao Conde da Ericeira, é expressamente atribuída pelos mesteirais da Covilhã à emigração dos
cristãos novos, conforme se refere nos
capítulos às Cortes da Restauração.“
Exemplo de Capítulos
apresentados em 1641:
16
Dizem Francisco Botelho da Guerra e João de Souza Falcão da Vila da
Covilhã, procuradores das Cortes dela, que a dita Vila e seus moradores são
obrigados a pagar a V. Mag.e de sisas em cada um ano um conto e cento e cinco
mil seiscentos e trinta e sete reis, e cento e trinta arrateis de cera, ou cem
reis por cada arratel, e ao tempo que se obrigaram pagar a dita quantia havia
na dita Vila dois mil vizinhos e entre eles muitos mercadores ricos e poderosos
que ajudavam a pagar, e se não faziam panos em este Reino mais que na dita Vila
e na cidade de Portalegre e andava o trato vivo e se não faziam os ditos panos
em as vilas de Castelo Branco, Idanha, Penamacor, Monsanto, Belmonte, Sortelha,
Manteigas, Linhares, Melo, Celorico e outras que lhes ficam circumvizinhas, por
razão do que o trato da dita vila se diminuiu de muito, que não podem os
moradores sustentar tão grande carga e tambem por se ausentarem da dita Vila os
mais ricos mercadores que nela havia que levaram mais de trezentos mil cruzados
e porque as ditas vilas circunvizinhas estão muito aliviadas no pagamento das
sizas e o trato da dita vila de Covilhã será hoje muito mais diminuto e a carga
das ditas sizas muito maior por faltarem as lãs que vinham do Reino de Castela
que o faziam aviventar, o que tambem fez diminuir o preço das sizas das
correntes da dita Vila que antigamente andava arrendada em preço de trezentos
mil rs. cada ano e hoje anda em sessenta mil reis.
Pede a V. Mag.e que os alivie da dita carga e a mande repartir pelos
cabeções das ditas vilas circunvizinhas. E.R.M. (1)
“Aí, contudo, não se atribui ao capital
dos egressos o simples carácter usurário das conclusões de J. Lúcio d’Azevedo,
mas antes um contributo interessado ao desenvolvimento do comércio e da
indústria. Basta conhecer a estrutura económica desse trato entre nós, aliás
igual à de toda a Europa Ocidental, para concluir que não devia ser de outro
modo, com a agravante de serem escassas então em Portugal as fontes de crédito
e alarmantes, há muito, as dificuldades do Tesouro. A população portuguesa
seria então constituída por quatro núcleos distintos: a nobreza, o clero
e a lavoura, onde os elementos autóctones constituíam força unânime e coesa; os mercadores, artífices e artesãos com forte predomínio de cristãos-novos, quer
dos portugueses, quer dos recentemente emigrados da Espanha. Esse
predomínio torna-se quase exclusivo em toda a zona fronteiriça, desde o Norte
ao Sul do Reino: aí prosperam as manufacturas da lã e da seda, sobrepondo-se à
cultura semi-rural do linho e, com elas, se avoluma um forte tráfico
internacional para as feiras de Medina e de Burgos, que a Monarquia dualista
dos Áustrias facilita e o comércio das lãs largamente desenvolve. E é o
judeu, nem português nem espanhol, com raízes de ambos os lados, o seu grande
fomentador!
Ao lado do comércio marítimo, todo
voltado ao Ultramar e ao Norte, coexistiu este comércio continental de que a lã
e o trigo foram os motivos.
Perguntar-se-á porque é que os nossos
arbitristas, tão fecundos em notícias económicas sobre as causas da decadência
peninsular, não registam esse fenómeno da emigração judaica? Esquece-se que a
Inquisição e seus esbirros, ainda longe de possuir as paredes-ouvidos dos
aniquiladores sistemas das repúblicas totalitárias ou progressivas, tinham uma
rede de áulicos que sufocava todo e qualquer eco que pudesse contrariar os seus
intentos e cuidados. Assim, o movimento pró cristãos-novos que teve lugar no
século XVII e o principal paladino no Padre António Vieira, foi logo sufocado e
o seu ilustre mentor sujeito a ver cair sobre a sua batina a nódoa da heresia.
Não é pois de admirar o facto, tanto mais saliente, quanto seja o próprio Gonçalo Villas
Boas a afirmar nas suas Cartas (2) que no Portugal desse tempo havia
assuntos que se deviam calar, entre os quais tudo o que se relacionasse com a
Inquisição.”
******
Antes
de me ser dada a carta, preveni a obediência de V. S. vizitando o Inquisidor e
deputado e oferecendo-me com muito sincero coração aos servir no limite do meu
pouco préstimo, nem certo nas ocasiões que tenho de repetir estes ofícios, como
a razão pede, e V. s. me ordena.
Quanto
à causa que tratam além de eu não ser figura para representar papel em um tão
grande teatro, nem por uma, nem por outra parte me tenho metido, ou meterei,
por assim o ter ordenado o nosso Reverendíssimo Padre a quantos portugueses
aqui assistimos severissímamente, e creio castigará com a mesma severidade aos
dessa Província, se é que favorecerem cristãos-novos contra a razão, segundo V.
S. me significa e eu grandemente sinto.
Mas
se eles só responderam o que entendiam, a S. A., sendo perguntados e resolveram
como mostram seus papéis autênticos, que o Príncipe não podia impedir o recurso
dos Cristãos Novos à Sé Apostólica, a quem pediam, ou a justiça ou favor, nem a
execução dos Breves do Papa passados com madura deliberação, e ouvidas as
partes, não só me persuado não terão castigo, mas louvor, e ainda prémio.
Mas
confesso ingenuamente a V. S. que não acho no pouco que estudei, pudesse, não
digo Letrado, mas Católico, responder o contrário, e eu estou não digo só
maravilhado, mas envergonhado de ouvir em Roma com tanta publicidade, que o
contrário se respondesse nas cartas desse Reino, ao qual, quem o desculpa aqui,
chama bárbaro, e quem chama mais livremente chama Inglaterra rebelada conta a
Igreja; com esta diferença, que Inglaterra nega a superioridade do Papa, pela dar
a um Rei secular, e Portugal, pela dar a eclesiásticos inferiores ao Papa: é
falar sem razão, nem fundamento.
Meu
Senhor, eu não digo, que os Cristãos-Novos pedem perdão geral, com mudanças de
estilos e que não sei, nem se pedem cousa justa, em que sejam despachados:
este ponto não me toca, nem a algum fora do Papa; porque ninguém fora dele é
supremo juiz da terra, das causas eclesiásticas pertencentes à fé; mas que se
diga que um Réu de crime eclesiástico, e da fé, se possa justamente impedir,
para não ser ouvido do seu juiz, ou que determinando o seu juiz alguma coisa
tocante à fé, na qual é certo não pode errar, não hajam católicos de lhe
obedecer, para mim não há maior enleio, e o não pode deixar de ser para o
grande entendimento de V. S., assim como tem sido para os excelentes,
piíssimos, zelosos, que tem esta Corte e se lá não parece justo conceder-se o
perdão, ou mudança de estilos, ponha-se toda a força em prover a injustiça com
eficazes razões.
E
seguro a V. S., serem bem ouvidos do Papa, e Tribunal Supremo da inquisição,
mui diferente de qualquer outro, onde talvez se concede uma graça ou por boa
peita, ou por má informação. Do da Inquisição é notório a quantos aqui
estamos, não valerem nunca peitas, nem poderem valer na ocasião presente más
informações; de peitas são incapazes quantos entram no Tribunal, não só por
princípios riquíssimos, mas por serem os que toda a Corte venera pelos mais
rectos e santos: más informações, em caso que se dessem, são contraditadas pela
parte, são examinadas com grande madureza, tem por especuladores não só a
inteireza dos juízes, mas os juízos de quantos aqui há parciais de Castela e
França, que todos esses por superiores motivos se opõem ao intento dos
cristãos-novos: donde, se esses não têm razão no que pedem, nenhuma há-de
temor; e se o Papa, informado pelos Supremos Inquisidores, o julgar assim,
protesto de o crer antes a ele, que aos nossos inquisidores, posto que tenha o
seu procedimento por recto e por isso sinto mais ouvir, que desse ocasião a se
fazer a causa, que era de gente de nação, causa da Sé Apostólica, como está
feita ssegundo o aviso que nesta posta de lá nos chegou, de intimação do Breve
avocatório da causa a Roma. Etª 12 de Janeiro de 1675.
Criado de V. S.
Resposta
do Conde da Ericeira
Muito
estimo que V. Paternidade se antecipasse a buscar os Ministros eclesiásticos
que daqui foram a essa Corte; e não duvido lhes assistirá com tão sincero
coração, como me assegura, em tão santo e justo requerimento, como por o que os
obrigou a esta jornada, pois o fim principal dela, é o zelo da fé, e estirpação
das heresias, que com industriosas cavilações se quer isentar dos meios
eficazes por onde as suas culpas se examinam, e se sujeitam ao castigo, e os Sagrados
Cânones estabeleceram.
Sendo esta matéria do sumo Pontífice, que
reconhecemos e veneramos como vigário de Cristo, sucessor de S. pedro, e cabeça
universal da igreja Católica, e dos Cardeais eminentíssimos, que lhe assistem, causa
admiração, que a indústria dos Hebreus possa embaraçar de sorte os juízos mais
puros, que chegue a introduzir na cúria Romana falsas informações, e ofendam a
pureza católica, e sólidos fundamentos com que neste negócio que tem procedido.
O que mais lastima, não é que os de Nação tratem de seu remédio, senão que
achem patrocínio, e pareceres de quem esperavamos se ofendessem mais de suas
propostas, que assim por encontrarem os Breves Apostólicos, em que consiste
toda a autoridade do Santo Ofício, como por serem muitas vezes examinados e
rebatidos.
O
pretexto de que se valem é da disposição da Bula da Ceia, em cujas censuras
incorre sem dúvida, o que impede com violência o recurso em matérias
espirituais ao Sumo Pontífice, a que só pertence: e não havendo quem
contradissesse esta sólida doutrina, se quiz dela tirar uma consequência, que
pareceu estranha, e irracional, não só aos doutos, como aos Bispos de Lamego,
Elvas, que sobre ela escreveram aos mais Prelados, e Lentes da universidade,
mas ainda àqueles que só a conceberam com livre juízo: e é não só obrigado S.
A. a não impedir com violência aos de Nação o recurso ao Papa, que sempre
tiveram livre, sem haver lei, ou demonstração, que o impedisse, senão a
promover, e patrocinar nessa cúria os seus justos requerimentos, quando se
reconhece não ser prejuízo da República, e da Religião, dificultando-se os
meios de se castigar a heresia; mas ainda se perturba a mesma República com a
notícia deste requerimento, e se podem temer maiores excessos, não contra a
autoridade pontifícia, que todos veneramos, se não contra os de Nação, e seus
factores, que a todos escandaliza: e assim como V. Paternidade me diz, que
se admira de que haja quem duvide do que dispõem a Bula, me admiro eu muito
mais, de haver quem dela tire uma consequência tão diversa do que dispõem a
mesma Bula: assim constou que muito grandes Letrados, que confirmaram com seus
pareceres a simples proposta, condenaram depois a consequência que se quiz
tirar dela.
Ninguém
duvida que o Papa é suprema cabeça da Igreja, e do Santo Ofício, que ele
constituiui, e pode não só alterar os estilos que ele concedeu com os seus
Breves, senão também extingui-lo; o que se pretende é só mostrar-lhe, o que não
convém, pois a forma que se observa tem mostrado largas experiências, é a mais
segura e conveniente ao dano que este reino padece, e acreditada com a
autoridade dos mais graves Autores, e muitos deles da Companhia. E se há
quem nessa Corte chama bárbaro a este procedimento, mais merece este título que
tão injustamente infama o Reino em que florece a pureza da fé, e a autoridade
pontifícia que aí vimos tantas vezes diminuída, e dividida com prejudiciais
crimes, e ofendida com prisões, desterros, e opróbrios, como as Histórias
justificam; e se em Inglaterra se procedera nesta forma, não experimentara a
Religião Católica tão lamentáveis prejuízos.
Assim
tenho V. Paternidade por certo que nada se obrou nas Cortes, nem fora delas,
que encontrasse, nem por imaginação a autoridade do Papa: só se pretende
mostrar a S. A. o enleio, e falsidade com que pretendiam embaraçar-lhe a sua
pura consciência, querendo-o persuadir não era só obrigado a não impedir o
recurso, senão também a promovê-lo; antes que, como Príncipe tão católico e
com o exemplo del Rei D. João III, e outros seus antecessores, devia representar
ao Papa com toda a reverência e eficácia, os inconvenientes católicos e políticos
de tão prejudicial procedimento, pois se não trata de que o Papa não pode, se
não de que não deve, nem convém permitir torne a pôr em dúvida uma matéria com
tanta ponderação examinada, e decidida em Madrid ultimamente na grave junta,
que se fez governando Filipe IV em que, examinados os mesmos pontos, se
mandou pôr na causa perpétuo silêncio, aprovando-se com grandes incómios os
estilos, e rectos procedimentos do Stº. Ofício. Não duvido que no Tribunal
Supremo dessa Corte, que consta de tantos Príncipes e Varões insignes, e
despacham diante do Papa os mais graves negócios, se proceda neste com toda
a circunspecção e inteireza, que V. Paterniadade me segura; mas como em Itália
nao está viciado, como entre nós, o corpo da República, procede-se com mais
suavidade, e admite-se sem prejuizo e opinião mais benigna; e pode-se temer que
esta experiência incline os ânimos do mesmo estilo; mas onde o mal está encarcerado
e se vê que não bastam os lenitivos, parece mais necessário abraçar a opinião
mais severa, e aplicar os remédios mais violentos; e não posso negar me causa
horror que se admitam testemunhas singulares no crime de leza magestade humana
e outros muitos, e se admitam nos que tocam à Magestade Divina quando
contestam, que se cometeu o da heresia, e tem qualidades relevantes.
Perdoe-me
V. Paternidade alargar-me nesta matéria mais do que determinava, mas levou-me
traz si o zelo dela, e as consequências, que receio, se for adiante e se não
atalhar, como espero na Divina Misericórdia que assistirá ao Papa, e mais
Ministros em um negócio de fé, cuja pura conservação só todos desejamos; mas
não me posso abster de referir a V. Paternidade com grande sentimento, pelo que
amo a Companhia, a opinião que se lhe diminuiu em todo este Reino,
persuadindo-se, que por respeitos particulares favorece a gente de Nação, e
posto que seja falso este motivo, não é fácil de arrancar os ânimos de todos, o
conceito que uma vez formaram, quando vêem demonstrações que lhes persuadem o
contrário.” (3)
******
“Do muito gado de toda a
sorte que há neste reino.
A
muita cópia de gado de todo o género que há neste reino, procede das muitas
hervagens que nelle ha por causa das muitas aguas das fontes e rios com que a
terra he regada: e pelo bom temperamento dos ares: que não somente he bastante
para sustentar o gado do reino, mas soião os moradores dos campos d’Ourique, e
de outros lugares de alem Tejo, no inverno, e os da serra da Estrella no verão
arrendar parte das suas heruagães (sic), que podião escusar aos Sorianos, e
moradores outros de Castella que a este reino vinhão, pastar seus gados. A qual
entrada se defendeo por os muitos enganos que os forasteiros nisso commettiam,
que quando tornavam com cobertura dos seus gados, levavam muito que compravam
no reino misturado com os seus a que a nunqua se pode obuiar com rigurosas leis
que sobre isto já de tempos antigos havia de decepamento de pées, perdimento de
fazendas, e grandes degrados, as quaes dos passadores sempre foram iludidas,
por o Reino de Portugal ser tão contiguo do de Castella. Mas sem embargo dos
grandes furtos que os passadores fazem, cada dia ha grande abundancia de gado.
Porque soo na terra de entre Douro e Minho, que não tem de longura mais de 18
legoas, e que de largo tem muitas menos, se afirma haver 400.000 cabeças de
gado vacum: e de ovelhas cabras e porcos 1.000.000. E das muitas ovelhas que
neste reino há, dão também testemunho as muitas lãs que se dele sempre tiraram
para Flandres e para Inglaterra quando com Ingleses tinhamos comercio afora os
muitos panos e finos que se já fazem em Portugal nas partes de alen Tejo, e nas
mais chegadas à Serra da Estrella, como Portalegre, Couilhãa com suas trezentas
e sessenta e tantas aldeas e em Castello de Vide e outros muitos lugares de
alem tejo .... “ (4)
******
“ 5 – Las lanas de toda suerte asperas, ò blandas fueron siempre
materia, aquellas a la labor de las cosas más bastas, pero no menos
importantes: estas a los más finos paños en que se esmerava Londres, en tiempo
que la vanidad aun dexava hazer estimacion de lo durable, y oy lo son a los que
se texen en el propio Reino en varias oficinas por excelentes laborantes:
Portalegre, Covillan, Castel de Vide, y Redondo se aventajan”. (5)
******
Fontes – 1) Capítulos às Cortes de 1641,
Capítulos Especiais da Covilhã, maço 9 de Cortes nº 7
2) Estão publicadas em "Os Lanifícios na Política Económica do Conde da Ericeira" (Documentos),II Volume
3) In: Várias Obras do Padre António Vieyra, Da Companhia de Jesu. Tomo XIV – Cod. 453 V. da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.
3) In: Várias Obras do Padre António Vieyra, Da Companhia de Jesu. Tomo XIV – Cod. 453 V. da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.
4) “Descrição do Reino de Portugal” –
Duarte Nunes de Leão, Lisboa 1610, BNL Reservados
5) Manoel Faria e Souza, Europa
Portuguesa, Lisboa, 1676, Tomo
3, P. 3, Cap. 8, fls 181
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/09/covilha-as-publicacoes.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/06/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/06/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/05/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
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