A População e a Indústria dos Lanifícios
A influência do problema da população é de primeira plana no estudo económico da história dos lanifícios. A instalação de uma manufactura e o seu desenvolvimento esteve sempre condicionado pelo valor demográfico de uma região. Se por vezes os teóricos do pensamento económico utilizaram as indústrias para desenvolver e aumentar o potencial demográfico dos estados, a verdade é que só em teoria o fizeram, porque no fundo foi sempre a população que determinou a instalação de focos lanificiais, condicionou o seu desenvolvimento e limitou a sua extensão. Igual preocupação pela população manteve a política económica. Os estadistas do mercantilismo sabiam perfeitamente as ligações que existiam entre a população e as exigências dos panos. A sua acção económica foi sempre precedida de inquéritos populacionais. O Conde da Ericeira, Pombal e D. Rodrigo da Cunha mediram sempre, mais ou menos, conforme os tempos e as determinantes políticas, as possibilidades de instalação das suas empresas. Era, além disso, a lição dos teóricos nacionais e estrangeiros.
Basta lembrar-nos que no domínio da técnica manual dessas épocas, a laboração de cada tear pressupunha o trabalho efectivo de vinte a vinte e cinco pessoas. A fiação absorvia o maior contingente. Por isso Rodrigues da Silva liga ao problema da população tão grande interesse. É que nos lanifícios da sua época a fiação manual ainda se mantinha num período nitidamente experimental. Simão Pereira da Silva, industrial da Covilhã e de Celorico, experimentou um filatório construído por um inglês ou irlandês aportado do Norte, teve contudo de o pôr de parte, por não dar os resultados esperados e volta de novo à fiação manual. (1)
Como devia porém ser apreciado o problema da população com vista a uma política de fomento económico? Como devia o teórico arbitrista ou economista apresentá-lo ao político? Quais os termos da sua equação? Aqui é que Rodrigues da Silva não analisa os fenómenos em todas as suas consequências e dele não sabe tirar todo o partido de que ele era susceptível. Limita-se a indicar os números dos habitantes ou fogos de certas vilas e concelhos, a indicar a arbitrariedade e pouca certeza dos números recolhidos ou apresentados por cada censo ou cálculo e nada mais. Mas, mesmo assim, presta incalculáveis serviços ao historiador da economia, quando nos indica a fonte desses números, a confusão dos seus resultados porque uns referem fogos e outros almas e quando nos confessa as suas dúvidas sobre os números do censo do Conde de Linhares. De facto quaisquer dos censos ou recolhas populacionais eram insusceptíveis de aproveitamento para um esboço de política económica, quando de tantos documentos e informações era notória a instabilidade do trabalho em certos centros, a concorrência de outros ramos da produção à própria produção lanificial em determinadas regiões, quando noutras a população se consagrava exclusivamente ao fabrico dos panos, numa palavra, quando os censos ou recolhas não tinham em atenção a própria distribuição da população segundo os graus da hierarquia social, religiosa, económica ou profissional da sociedade. A política económica esbarrava, pois, sempre com a fiabilidade dos números e, por isso, as suas tentativas de incremento económico cediam facilmente e quase sempre às realidades superiores e transcendentes de certas leis naturais que essa política só ocasionalmente e de momento conseguia forçar.
Conhecendo o número de teares existente em cada lugar ou vila e a exigência de mão-de-obra que cada tear arrasta atrás de si, verificamos, normalmente, que a capacidade produtiva de cada centro se encontrava esgotada. Podia a política dos ministros mais activos da monarquia transpor aqui e além essas barreiras com a deslocação da população de umas técnicas para outras, mas tudo voltava ao antigo. A população condicionava de facto e irremissivelmente o desenvolvimento manufactureiro. Por isso não há que admirar que durante quase três séculos o número de teares existentes nesses centros se mantivesse quase sempre dentro dos mesmos limites, apesar de nos inquéritos se dizer, por exemplo, a Pombal até onde eles poderiam aumentar; mas não obstante a força do ministro, ele foi incapaz de atingir ou sequer modificar esse condicionalismo. A política económica devia, por isso, seguir outros caminhos que Rodrigues da Silva não indica, independentemente da população ou ainda atendendo a ela. Na primeira hipótese, e foi essa geralmente a seguida, fomentar a transferência da pequena manufactura artesanal e mercantil para organizações capitalistas, captando a mão-de-obra da manufactura livre para a manufactura protegida, forçando assim a morrer a indústria tradicional. Foi o que aconteceu em Portalegre. A indústria manufactureira artesanal passou com armas e bagagens para a Fábrica Real que concentrou em si todas as possibilidades produtivas da terra.
No Alentejo manteve-se o condicionalismo anterior ao Pombalismo: população e instrumentos de trabalho mantêm o seu nível anterior.
Na Covilhã, a população aumenta e esse aumento dá possibilidades à indústria livre de se manter no nível anterior e ainda de se constituir a empresa pombalina que atingiu cerca de quatrocentas pessoas.
No Fundão a empresa pombalina absorveu as possibilidades populacionais da vila. Só aqui se deu a segunda hipótese. A política pombalina criou por si uma manufactura completamente de novo, trazendo mestres de fora e com eles ensinando e adestrando os aprendizes, porque a antiga manufactura do Fundão estaria praticamente desaparecida.
Das duas hipóteses a segunda era a única capaz de fazer aumentar a produção com eficiência, embora exigisse mais atenção, cuidado e direcção. A primeira tinha o inconveniente de substituir técnicas arreigadas por outras novas; dava lugar à substituição de manufacturas de baixa qualidade por panos de melhor tipo; conduzia à difícil substituição de mercados com os transtornos de levar a manufactura nacional a ter de concorrer com a técnica inglesa muito mais aperfeiçoada e a abandonar-lhe o mercado baixo em que estava acostumada; exigia empresários, técnica e financeiramente capazes e estes faltavam na indústria particular e muito mais claudicariam num regime de “régie” directa ou de concessão mais ou menos dirigida.
Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias
Nota dos editores - 1) Rever o texto sobre “Baldios – os ventos do fisiocratismo. A arte de fabricar. Deficiências” em “Covilhã - Subsídios para a sua História dos Lanifícios IX”
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