sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Covilhã - Judeus Covilhanenses no séc. XV - II

Judeus naturais ou moradores na Covilhã,
 referidos nas Chancelarias
Régias do século XV


   Hoje apresentamos a parte final dos documentos sobre judeus covilhanenses, que em 1987 Luiz Fernando Carvalho Dias transcreveu das Chancelarias de D. Afonso V, de D. João II e de D. Manuel. Como já dissemos na publicação anterior, existem provas de que os Judeus se fixaram na Covilhã a partir da segunda metade do século XIV. A comunidade cresceu muito, até que as medidas régias anti-judaicas contribuíram para uma redução, embora conheçamos muitos cristãos-novos, como a família Vaz, que continuaram a sua vida na Covilhã. Esta comunidade, para usufruir de liberdade e manter os seus usos e costumes, pagava tributos elevadíssimos. Ela “pertence ao rei” que lhe dá ou confirma determinados direitos por meio de cartas de privilégio, como a seguir veremos alguns exemplos: fazer contratos de compra e venda (como os cristãos); “andar em besta muar de sella e freo”; “ hussar de arte de celorgia per todos nossos regnos e senhorio”, fazer remédios e curar, mesmo sem estudos, mas com prática; carta de segurança; isenção de serviços, como cumprir e guardar as liberdades de não aposentadoria; cartas de perdão, com a obrigação do pagamento de uma multa para a “arca da piedade”, onde se guardavam donativos régios para obras pias.


Cristóvão de Figueiredo - Deposição no Túmulo
Os dois retratos de negro representam um Físico e um Professor


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Dom Joham ec. S. S. que rraby Sallamam ffisico e Abraão Colleima [8: Çolleimo judeus] moradores em Covilhaa nos emviarom dizer que huu mestre Jaco Vizinho e Juça Vizinho sseu Irmão [7: moradores em a decta villa] querellarom delles as nossas justiças dizemdo que estando elles [8: huu dia] na isnoga da judaria (1) da decta villa [8: vieram a aver rrezões huus com os outros em tall maneira] que elle Abraão Colleima dera ao decto Juca Vezinho com hu livro [7: huua ferida pequena] no rrostrro [8: de que lhe fezera em ele huua ferida pequena] e [7: que] assy [8: dizem que] lhes deram [7: muitas punhadas e rrepellooes a 8: muitos rrepellões e punhadas pella quall rrezam diz que ouverom carta de segurança e andando elles a fecto e se­guindo os termos della o decto mestre Jaco querellosso viera a querelar outra vez e denunçiar delles sopricantes dizendo que por seu mandado aazo e encaminhamento lhe forom dadas muitas pancadas per partes do corpo pelas quaes rrezões sse] [7: elles querellossos e lhe foram assy dados por sseu azo e encaminhamento muito pancadas pello corpo ao decto mestre Jaço // fazendo lhes elles ssopricantes todo esto sobre segurança // e de prepossyto em vendita e rrevendita // e tendo os há dantes ameaçados pella quall rrazam sse) elles amoraram e andando amorados diz que os ssobre­dectos querellossos [7: lhe 8: lhes] perdoaram e [7: o 8: hos] nam quisse­ram por ( 7ª a decta rrazam 8: as dectas Rezõees e malla fiçios] acussar nem demandar // Segundo [8: que ho] mais compridamente ver poderiamos per huu publico estormento o quall perante nos foy apressentado que parecea sser fecto e assynado per Fernam d’Allvarez Botelho tabeliam em a decta villa de Covilhãa // aos ssete dias do há de Dezembro do anno de iiijc Lxxx // em o quall se continha antre as outras coussas // [8: que] per [7: que] os ssobredectos mestre Jaco e Juça Vezinho querellossos fora decto que elles perdoavam pello amoor de Deus aos dectos ssopricantes [8: ho mall e sem rrazom que lhe assy fezerom] e os nom queriam ( 8 : por ello ) acussar nem demandar [7: por o mall e injuria que lhes assy fezeram e mandaram fazer] segundo [8: que] todo esto e outras [8: muitas] coussas [8: milhor] e mais compridamente sse em ho decto estormento continha. Enviando nos elles ssopricantes pedir por merçe que [7: lhe 8: lhes] per­doassemos a nossa justiça [7: a que nos elles 8: se nos elles a elle) por rrazam [7: do mall e injuria que lhes assy fezeram 8: dos dectos mallafiçios] em allgua guyssa eram theudos E nos vendo o que nos [8: elles] assy dizer e pedir enviarom sse asy he como [ 7: dizem 8: eIles Recontam ) e hy mais nom há // e [7: vistos os perdooes 8: visto o perdam] das partes e querendo [7: lhe 8: lhes] fazer [7: e (sic)] graça e merçe temos por bem e per­doamos lhes a nossa justiça a que nos elles por [7: o decto casso 8: rre­zam das dectas querellas e mallafiçios delles e feridas que assy derom] eram theudos com tanto que elles pagassem trres mill rrs. Pera a Arca da Piedade E porquanto elles loguo pagarom os dectos dinheiros ao escprivam a jusso nomeado [8: que tem carrego de os rreceber por frey Joam nosso esmoller] segundo dello fomos çerto per sseu assynado e per [7: outro 8: asinado] de Fernam d’Evora escprivam em [8: a] nossa corte que os ssobre elle pos em rreçepta Mandamos ec. Dada em Evora [7 : xxij 8: xxiij] dias de Dezembro El rrey ho mandou per o douctor Ruy Boto e Pero Machado // anbos do sseu dessenbarguo. João Jorje a ffez [7: anno] de mill [8: e) iiijc Lxxxij. ( 8 E porque ao asinar desta carta aquy nom era Ruy Boto passou per o doutor Martim Pinheiro).

ANTT. – Chanc. De D. João II, Livro 2, fls 7 e 8.

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Dom Joham ec. a quantos esta nossa carta virem fazemos saber que o Concelho e homês bõos da vila de Covylhãa e dom Rodrigo de Monssanto fidalguo de nossa cassa e alcayde moor da dita vila nos enviaram dyzer per suas cartas que huu mestre Samoell Abenasell (2) morador na dita vila pratycava e usava d'arte de fisyca e sabya em ela bem e que muitas curas fa­zia bem lhe sayam das maãos boõas e per nom ter nosa carta de ingimina­çam pera poder hussar do dito ofiçio ele nom oussava de curar de muitas pessoas de que era rrequerido escusando se que nom tynha nosa licença pe­ra o poder fazer Enviando nos pedir por merçe que desemos ao dito mes­tre Samoell liçença e lugar pera poder hussar do dito ofiçyo e curar das pessoas enfermas E Nos vendo seu dizer e pydir mandamos ao doutor mes­tre Rodrigo nosso fisyco mor que vise as ditas cartas e falase com o dito mestre Samoell pera nos dizer o que em ele achava e porquanto nos fomos çerto per o nosso fisyco mor que o dito mestre Samoell sabya fazer algus bõos Remedyos e era bem çerto na dita arte da fysyca ainda que nom era leterado visto todo per nos querendo fazer graça e merçe ao dito mestre Samoell e pelo do Concelho da dita vila e pelo dito dom Rodrigo que no lo por ele envyaram pidir e lhe damos lugar e licença que ele usse e cure da dita arte de fisica E porem mandamos a todolos Corregedores juizes e justiças dos nosos rregnos a que esta carta for mostrada que leyxem hussar e curar ao dito mestre Samoell Benaser (sic) do dito ofIçio de fissica e so­bre elo lhe poerem embarguo algu O quall mestre Samoell jurou em a nossa chancelaria por a sua lex que bem e verdadeiramente husse do dito ofi­çio com christanos como com judeuos e mouros. Dada em Evora primeiro dia d'Agosto El Rey ho mandou pelo dito doutor mestre Rodrigo de Luçena cavaleiro de sua casa e seu fisico mor. Diogo Gonçallvez a fez de mill e iiijc Lxxxij. & (1482)

ANTT. - Chanc. de D. João II, Livro 2, fls 162v

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Dom Joham ec. Saude sabe de que Alvaro da Cunha fidalgo da cassa do duque meu muito pre­zado e amado primo morador em Covilha nos emviou dizer que Samoell Vizinho judeu mora­dor em a decta vilIa querellara delle as nossas justicas dizendo que indo elle seguro sob guarda de Deus e nossa em hua besta acima da Portella d'Alpedrynha elle sopricante o fezera decer della e lhe dera muitas pancadas E o emfocara (sic) e lhe fezera outras opresoes com tençam de o Roubar segundo lhe diz que he decto que na decta querella mais conpridamente he comteudo polIa quall Rezam se elIe amorara e andava amorado com temor das nossas justiças e que ora o decto judeu por ser saão sse decera das (sic) decta querella e o nam querya por ello acussar nem demandar segundo veer poderyamos per huu pu­blico estormento que perante nos emviou apresentar que parecia sser fecto e asynado per Nuno Roiz tabeliam em a nossa villa de Santarem aos xxbj dias do mes d'Abryll do Anno presente desta carta. pedindo nos por merçe que lhe perdoasemos a nossa justiça se nos a ella por Rezam da decta querelIa e mallefisio delIa em algua guisa era teudo E nos vendo o que nos elle asy dizer e pedir emviou se asy he como elle diz e hy mais nam ha querendo lhe fazer graça e merçe temos por bem e perdoamos lhe a nossa justiça a que nos elle por Rezam da decta querella e maleficio della era teudo comtanto que elle pagase pera a Piadade dous mill rrs. e porquanto elle pagou os dectos dinheiros segundo fo­mos certo per seu asynado e per asynado de João Banha escprivam em nossa corte que os sobre elle pos em Recepta mandamos que o nam prendaes nem mandes prender ec. Dada em a nosa cidade de Lixboa primeiro dia do mes de Setenbro el Rey o mandou per o doutor Fernam Roiz do seu conselho e desenbargo e per o lecenciado Rui da Gra outrosy do seu desenbargo. Pero Alvarez a fez Anno de mill iiijc Lxxxbj anos (1486)

A N T T - Chanc. de D. João II, Liv. 8, f. 39v

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Dom Joham ec. A quantos esta nosa carta virem fazemos saber que por parte d'Abraão judeu morador em Covilhã nos foy apresentada (uma carta)  del rrey meu Senhor e padre que Deus aja de que o tehor he este que sse segue / Dom Afomso ec. a quantos esta carta virem fazemos saber que nos querendo fazer graça e merce a Abraão Vizinho morador em Covilhã teemos por bem e priviligiamollo que daqui em diante nom poussem com ele em suas casas de morada adegas nem cavalariças nem lhe tomem del­las Roupa de cama nem alfayas de casa palha lenha galinhas pam Cevada nem bestas de seela nem d'albarda nem outra ninhua cousa de seu contra sua vontade E porem mandamos a quaesquer nossos Corregedores juizes e justiças aposentadores e almotaçees e arrabis oficiaaes e pessoas a que o conhecimento desto pertencer por quallquer guisa  a que esta carta for mostrada que lhe cumpram e guardem e facam comprir e guardar as liberdades ssobreditas e lhe nom vam nem consentam ir contra elas em ninhua manei­ra que seja sou pena dos nosos encoutos de bj soldos que queremos que pa­ge quallquer que contra elas for em parte ou em todo Os quaes mandamos aos nossos almoxarifes da dita comarqua que Recadem pera nos de quem quer que neles encorrer e ao escripvam de seu ofiçio que os asente sobre ele em Receita para virem a boa Recadaçom sou pena de nos pagarem amboos de suas casas E al nom façades. Dada na nosa cidade do Porto, xxbij dias d'Outubro. Conçalo Cardosso a fez ano de iiijc Lix. Pedindo nos o dito Abraão Vizinho por merçe que lha quise(sse)mos confirmar e a nos prouve e confirmamos lha como sse nela contem e asy mandamos que sse cum­pra inteiramente ssem ninhua duvida. Dada em Lixboa a iiij dias de Janeiro Fernãod'Espanha a fez ano de mil iiijc Lxxxbij. & (1487)

ANTT. - Chancelaria de D. João II, Liv. 19, fls 1 v

Dom Manuell etc. A quamtos esta nossa carta virem fazemos saber que a nos diseram ora que huü joham Gomçalvez Moreno requeredor das nossas sisas em a villa de Covilhaa fez taaes erros E cousas em o dito ofiçio per que o com direito perde ante (sic) os quaes asy era que levou a huü ho­mem de Mamteigas de peita huü covodo de bristoll e bem asy a outro se­semta rrs e a’ molher de Rui Gomez escudeiro morador na dita villa huü saco de trigo por çerto pano de linho que vendeo sem pagar sisa E ao homem que lho comprou CI.tª Rs. E a molher de juça Vizinho duzentos rrs.E a molher de Gomçallo Afonso o Crespo tres alqueires de triguo e a Jo­ham Fernandez Bilbaao bijc Rs. pollos quaes erros E coussas sobreditas co­mo por outras muytasque elle fezera e cometera o nosso comtador o nosso comtador (sic) em a dita comarqua ho mandara prender e que jazendo asy presso fugira da cadea e prisam em que asy jazia e ora amdava amorado sem mais aver allguü livramemto do que dito he polla qual razam se asy he como a nos diseram que o dito Gonçalo Alvarez (sic) fez os erros e coussas e coussas (sic) sobreditas per que asy perde o dito ofiçio e queremdo nos fazer graça e merçee a Pereanes morador em a dita villa de Covi­lhaã comfiamdo delle que ho fara bem E como a nosso serviço compre e a bem das partes Temos por bem e o damos ora daqui em diamte por re­queredor das sisas Em a dita villa de Cavilhaa asy e pella guisa que ho dito Joham Alvarez (sic) ateequi foy E porem mandamos ao nosso comta­dor em a dita comarqua E a quaesquer outros nossos juizes e justiças ofiçiaes e pesoas a que esta nossa carta for mostrada e o conhecimento dello pertençer que semdo o dito Joham Alvarez (sic) e partes a que pertemçer çitados em pessoa ou per editos segumdo ordenança saibam dello o çerto tiramdo sobri ello imquiriçam judiciall e imdo pello feito em diamte como he hordenado e achamdo que asy he como a nos diseram que ho dito Joham Alvarez (sic) foy (sic) no dito ofiçio os erros ssobredit.os E o nom serve e amda amorado e por ello perde o dito ofiçio como dito he o jull­guem asy per sua sentença defenetiva damdo apelaçam E agravo as partes nos cassos que ho direito outorga E queremdo o ssobredito estar polla dita sentença. Façam logo meter em posse do dito ofiçio ao, dito Pero Eanes/ e / o ajam dhi em diamte por requeredor das nossas sisas em a dita villa de Covilhaa E o leixem delle servir e ussar E aver os proes e percalços E intareses a elle direitamente hordenados sem duvida nem embargo alguü que lhe a ello seja posto porque asy he nossa merçe a quall asy fazemos se aja a outrem primeiramente per nossa carta nom temos feita comtam­to que nom faça avemça com as partes E fazemdo a sem ella que perca todo pera nos E mais o preço que por ello asy receber o quall Pero Eanes jurou em a nossa chamçelaria aos Samtos Avamgelhos etc. em forma. Dada em a nossa villa de Momte mor o novo a iiij dias de Março Ell Rey o mamdou per Dom Alvaro de Crasto do sseu comselho e Vedor de sua fa­zemda. Framçisco de Matos a fez anno de mill iiijc LRbj annos. (1496)
             ANTT – Chancelaria de D. Manuel, Liv. 33, fls 1v-2





Nota dos Editores - 1) Este documento refere uma querela que se inicia na Sinagoga da judiaria da Covilhã. 2) Samuel Abenasell, ao contrário de Mestre Guedelha, recebeu uma carta de privilégio para poder curar e fazer remédios, mesmo sem ir estudar, mas porque a prática lhe dera conhecimentos suficientes.

Fontes – ANTT: Chancelarias. “Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão. Tavares, Maria José Ferro, “Os Judeus em Portugal no século XV”, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1982. http://cvc.instituto-camoes.pt

Publicação sobre judeus covilhanenses no século XV:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/02/covilha-judeus-covilhanenses-no-seculo.html

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