segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XIV


Continuamos a apresentar documentos sobre o comércio ilegal, um assunto que atravessa os séculos, abarca variados produtos e pessoas e mantém o poder em constante alerta. Na opinião de Luiz Fernando Carvalho Dias o contrabando de panos é um dos factores que contribuiu para a concorrência, muitas vezes desregrada.
Estamos em 1846, no reinado de Dona Maria II, período, a todos os níveis, bastante conturbado. Primeiro lemos uma carta dirigida à Rainha e assinada por representantes dos fabricantes da Covilhã. Nela se faz referência ao contrabando de panos espanhóis e ao uso de panos ingleses que prejudicam a população fabril da Covilhã. Dadas as dificuldades verificadas, pedem para continuarem a fornecer o tecido para os fardamentos do exército. Em seguida uma missiva ao Governador Civil sobre o assunto. Num terceiro documento o governador Civil envia a petição à Rainha, mas informa também que muitos dos fabricantes da Covilhã são contrabandistas, que ele não conseguiu erradicar o problema e por isso aqueles devem ser punidos. Numa portaria ao Governador Civil diz-se que "Auxiliando o ped.º dos Fabricantes, pede elle s’ adoptem providencias contra o abuzo que estes comettem." 

Representação dos Fabricantes da Covilhã – Informação do Governador Civil – informação do Ministério do Reino 
 
Sobre a conveniência de se evitar o contrabando de laníficios na Covilhã, como contrario ao progresso das Fábricas e grave prejuízo da população d’aquella villa a qual é essencialmente fabril.
 
Dona Maria II
 
R.C. N.º 1790 L3.º

Senhora

   Os abaixo assignados Proprietarios, Negociantes e Fabricantes da Villa da Covilhaã e subditos fieis de Vossa Magestade, vendo com a maior satisfação com quanto acolhimento acaba Vossa Magestade de receber a geral expressão das verdadeiras necessidades dos Povos que a Providencia Divina tem confiado ao seu Reinado, e de manifestar que a felicidade d’ elles he todo o seu Real dezejo, tractando em Sua Alta Sabedoria de pôr termo a todos os aggravos publicos, de tranquilizar a Nação, e de satisfazer da maneira mais completa aos justos dezejos d’ ella; não podem deixar, nem de fazer subir em occaziaõ taõ solemne, e de tanto apreço, a expressão do seu mais respeitozo e profundo reconhecimento para com a Augusta Rainha dos Portuguezes pela ineffavel prova que acabaõ de receber de Sua Real Solicitude sobre a necessidade d’ elles; nem de expôr quaes sejaõ os d’ esta Villa, supplicando o remedio de que tanto carece.
   A antiga Villa de Covilhaã, toda manufactora que he, por que o mesmo simples Proprietario, ou Lavrador senão sustenta, decahido que seja o giro do Commercio d’ ella, merecera sempre aos Senhores Reis Augustos Predecessores de Vossa Magestade huma particular attenção: as suas Fabricas tem hum lugar na Legislação Portuguesa. Em tempo antigo, quando mesmo se manufacturavão os pannos pelo velho regimento chegarão a merecer a aceitação da Côrte e com preferencia aos Estrangeiros: hoje com o novo processo de fabrico, mais breve, mais aperfeiçoado, e geralmente uzado nas Nações estranhas, as manufacturas da Covilhã estaõ apprezentando huma perfeiçaõ por certo superior às o velho regimento, e que subirá de ponto se tiverem a fortuna de merecer a protecção do Governo de Vossa Magestade.
   Mas he forçozo confessar / por que as necessidades de hum povo naõ devem occultar-se a seu Soberano / a decadencia actual de seu Commercio, e a cauza d’ esta, a falta de extracção dos seu artefactos, e de seu consumo; falta a que se pode assignar por causa a do na dos pannos Estrangeiros, tanto Hespanhoes que o Contrabando nos introduz, como dos pannos Inglezes. A milhor de todas as Leis pragmaticas he o nobre exemplo da Côrte; uzaõ todas seus tecidos nacionaes, mais Portugueses seraõ os subditos de Vossa Magestade uzando os nossos. Superiores aos das Nações Estrangeiras estaõ por certo os tecidos de seda e algodaõ de Portugal; graças ao progresso dos conhecimentos, ao zelo, e ao patriotismo; e se tanto não pode dizer-se quanto aos tecidos de laã, o seu na, mediante a Proteçaõ de Vossa Magestade os elevará ao gráo de perfeiçaõ que revalize com os estrangeiros.
   O numeroso povo d’ esta Villa, Senhora, maduro tambem já para a liberdade, por que acaba de dar provas de sua moderação e docilidade he digno de milhor sorte: grande he o empenho dos donos e administradores de fabricas e mais fabricantes em empregarem seus operarios de continuo; porem escasseando sobre maneira o consumo das fazendas, o subido preço das Laãs no anno ultimo, e a baixa dos pannos no actual naõ pode deixar de diminuir-lhes seu commercio e diminuido fica o emprego dos operarios, e por natural consequencia diminuirá a população da terra.
   Eis, Senhora, a confissaõ franca e sincera dos Supp.es e eis sua respeitoza petiçaõ, de que supplicaõ e esperaõ o Real Differimento, que he proprio da Regia Solicitude de Vossa Magestade, como urgente petiçaõ de seus subditos sempre fieis, e que sempre tem merecido ser esta Villa contemplada com huma boa parte do fornecimento do panno para o fardamento do Exercito, confiando de que o continuará a ser, e de que o verdadeiramente patriota, sabio, e Providente Governo de Vossa Magestade na mais deixará de protegela.
Por tanto. 

        P.ª Vossa Mag.e  Fidellissima Haja por bem de acolher esta ferverosa supplica em Sua Alta e Real Benevolencia e Contemplaçaõ para serem os supp.es providos de remedio.

Covilhaã  8 de Junho de 1846.//.
                                                              E R M.e 

P.e Joaõ Nunes Mouzaco
Filippe da Costa Freire do Amaral Bottelho
O conego Antonio de Sousa Tavares d’ Azevedo Castelo Branco
O Prior de S. silvestre Manuel Luiz Serrano
O P.r de Santa Maria Joze Nunes Mouzaco
O Prior de S. Pedro Joaquim Joze Ribeiro d’ Oliveira
O P. or da Conceição Gregorio Joze Paes
O P,e Manuel Nunes de Moraes
O P.e Pedro Na.tº de Figd.º
O P.e Manoel dos Santos Paulo
O P.e Antonio Joze dos Rejs
O P.e Bernardo António de Sampaio e Lemos
O P.e José da Silva Morais
O P.e Bernardino Salvador
O P.e João Gomes da Roza
O P.e António Nunes Mousaco
O P.e Martinho da Costa França
O P.e José Rodrigues Salvador
O P.e Bernardo António da Silva
O P.e Francisco de Assis
O P.e Francisco Nunes Mousaco
O P.e José Nicolau Alves
O P.e José Pedro Carqueija
Tomaz António de Sousa Pimentel
Brás António Camolino
O B.el João Pereira Ramos de Carvalho
Francisco Camolino
António Cezário de Sousa Tavares
José de Sousa Tavares
Bernardo de Almeida de Lemos
Joaquim José Correia
O B.el Manuel Nunes Jacinto Mousaco
Francisco d’ Oliveira Grainha
José Valério Paes
José Nunes Jacinto Mouzaco
Manuel Nunes Mouzaco
Diogo José Roiz (1)
José Joaquim Pereira de Carvalho
José Nunes Jacinto Nunes
João António de Figueiredo e Almeida
João da Costa Trenas
Francisco Garcia
José Maria Nogueira
Manuel Fernandes Nogueira
José dos Santos Paulo
Francisco dos Santos Paulo
João Pereira Cadência
António Alves Roiz Caetano
António Nunes Mouzaco
Bernardo Tavares
José Marques Dias
José Dias de Ascensão
Bernardo Tavares Júnior
José Caetano Rato
Francisco Cerveira de Almeida
António Mendes Soares
Francisco Roiz Antunes Castanheira
José Jacinto da Silva
Clemente Ferreira
António de Amaral
João Carlos Craveiro
João Borges Correia
António da Costa Trenas Coelho
Benevenuto José de Macedo
José Fernandes Pereira
Francisco Freire Corte Real
António Maria das Neves
José da Cruz Moreira
Francisco Bernardo Roque
José da Costa Rato
Tomás José Mendes
José Paulo Nogueira
Porfírio José Nogueira
António João Almeida Saraiva de Brito
José Maximino de Vasconcelos Cabral
Januário Gomes Feio
José Bernardo Roque
João António de Oliveira
Francisco Roiz Salvador 

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Illm.º e Ex.mº Snr. 

   Dizem os habitantes da Vila de Covilhã signatários da Representação junta, que tendo deliberado fazer subir à presença de Sua Magestade Fidelíssima aquela sua conscenciosa e respeitosa petição, em que expõe as necessidades de sua Pátria, e lhe dirigem os protestos de seu maior reconhecimento e obediência, como cumpre a subditos fiéis; os suplicantes não podem tambem por esta ocasião, deixar de dirigir a V. Exª os seus mais sinceros agradecimentos pelas acertadas medidas que a Sabedoria de V. Ex.ª tem empregado para o restabelecimento da ordem e da paz, a fim de respeitar-se a acção reguladora do Governo; certos e confiados estão os mesmos suplicantes que a perspicácia, sabedoria, e rectidão de V. Exª continuará como é próprio de tão conspícuo Magistrado, e de que em outro tempo este Distrito recebera já provas inefáveis, a fazer a protecção, e felicidade dele, e assim confiados na mesma protecção, os suplicantes oferecem à censura de V. Exª. aquela sua Representação para que achando-se conforme com as necessidades que expõem, se digne fazê-la subir ao Governo de Sua Magestade. Portanto.              

                                      P. a V. Exª Senhor Governador Civil de Distrito
                                      se digne tomar esta com a inclusa na sua sábia
                                      consideração
E R M.e 

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2.ª D. 2ª Rep. L3 Nº. 70
Governo Civil de Castelo Branco
1ª Direcção
Nº 71
                                                                                  Illm.º e Ex.mo Snr.
                                                                                     R.C. Nº 1790 L3.º 

   Tenho a honra de remetter a V. Ex.ª a inclusa Representação que os Proprietarios, Negociantes, e Fabricantes da Villa da Covilham dirigem à presença de Sua Magestade a Rainha, e na qual os signatarios protestão a sua adhesão e obediencia à Mesma Augusta Senhora, apontão a origem da decadencia das Fabricas d’ aquella Villa, e pedem providencias para a prompta e facil extracção dos seus artefactos.
   Como informo à referida Representação tenho a honra de dizer a V. Exª que a Villa da Covilham é essencialmente manufactureira, - que o sustento de seos numerosos habitantes, e o augmento de sua populaçaõ, dependem da prosperidade dos seos estabelecimentos fabrís: Convenho com os signatarios em que o uso dos pannos Ingleses, e o Contrabando dos panos Hespanhóes, é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da nossa indústria fabril, no entanto devo declarar a V. Exª que durante a primeira epocha da minha administração n’ este Districto, fiz todos os esforços para evitar a introducção dos pannos Hespanhóes sem que o pudesse conseguir, por que os proprios Fabricantes da Covilham érão os maiores Contrabandistasque não só introduzião já promptos os panos Hespanhóes, os nacionalisavão pondo-lhes o sello das suas Fabricas; mas até mandavão vir de Begar a lam já fiada e tinta, e com ella fabricavão panos que vendião como fructo da industria do Paíz. Estou certo que V. Ex.ª tomará a mencionada Representação no sentido favoravel, e que apar das providencias que os suplicantes pedem, V. Exª tomará as que reclama a fé publica ultrajada, pela venda dolosa de panos estrangeiros, apresentados pelos Fabricantes, como productos Nacionaes.

               Deos Guarde a V. Ex.ª
   Castello-Branco 15 de Junho de 1846
Illm.º e Ex.mo Snr. Luiz da Silva Mousinho d’ Albuquerque

                                      O Govern.ºr Civil
                                  João José Vaz Preto Giraldes 

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L3 nº 70                2ª Direcção – 2ª Repart. 

   Os Fabricantes de pannos da Villa da Covilhã ponderando que o sustento da sua população depende da prosperidade dos seus numerosos estabelecimentos fabris, de presente acabrunhados no seu desenvolvimento pela introdução e contrabando dos pannos Hespanhoes e Ingleses; pedem providencias que facilitem a extracção dos productos por elles manufacturados. D’entre as que lembrão, huã é o serem contemplados no fornecimento de panno para o exercito.
   O Gov.ºr Civil, informa ser exacto o q os Supp.es allegão, porem observa que elles são huns dos Contrabandistas, e que durante a sua primeira adm.ão fizera os maiores esforços por evitar este contrabando; sendo de notar que os Fabricantes os nacionalisão pondo-lhes as marcas das suas Fábricas.
   Auxiliando o ped.º dos Fabricantes, pede elle s’ adoptem providencias contra o abuzo que estes comettem.              

               Em 23 de Junho de 1846
 
                                                  Albano da Sylveyra

Portaria ao G. C. de Cast.º
Branco em 7 de Julho 1846 

Fonte – Arquivo do Ministério das Obras Públicas, ms. 38. (Papéis sobre o Contrabando de Lanifícios na Covilhã)
Nota dos editores - 1) Tetravô do editor.

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